Avaliação da Produção Primária Líquida em Povoamentos Puros e Mistos de Quercus
pyrenaica Willd. e Pinus pinaster L. no Distrito de Vila Real
Introdução
De acordo com GOBAKKEN e NAESSET (2002), as comunidades vegetais naturais são
normalmente constituídas por misturas de espécies e as florestas não são
excepção. Mesmo as florestas de produção mais intensiva, que numa fase inicial
são plantadas em monocultura, frequentemente são invadidas por outras espécies
arbóreas. LUÍS e MONTEIRO (1998), acrescentam que na natureza os ecossistemas
florestais tendem a ser constituídos por uma mistura de espécies ao nível do
sub-bosque, dos estratos intermédios e não só dos estratos arbóreos como
referiam os autores anteriormente citados.
Em Portugal Continental, os ecossistemas florestais são, na sua maioria,
constituídos por árvores de uma única espécie, que se definem como povoamentos
puros. Segundo dados do Inventário Florestal Nacional de 2006 (IFN, 05/06), a
área ocupada por povoamentos puros em Portugal Continental é de 2 253,8 mil ha
(79,4% da área florestal por tipo de povoamento) face aos 587,5 mil ha de área
ocupada por povoamentos de diferentes espécies, povoamentos mistos (20,6%), com
maior representação na região do Alentejo (35,4%) seguido da região Norte (23,1
%) (DGRF, 2007). Este padrão não é exclusivo de Portugal, dado que valores
apresentados pela FAO (FAO, 2001) indicam que 35% da madeira mundial em toro é
proveniente de sistemas geridos em monoculturas, prática dominante das
plantações mundiais. Já em 1996, MONSERUD e STERBA indicavam que os dados do
Inventário Florestal da Alemanha na década de 90 referiam que 41% da sua
floresta era mista, sendo o conceito de misto, neste contexto, definido como o
povoamento florestal que apresenta mais de 10% do volume de pelo menos mais uma
espécie para além da dominante. Ainda segundo os mesmos autores, no caso da
Áustria, e com base nos dados do respectivo Inventário Florestal Nacional, 36%
dos povoamentos eram mistos, sendo neste caso considerado como mistos os
povoamentos de resinosas, em que pelo menos 20% das espécies que o constituíam
são folhosas ou vice-versa. Este valor aumentaria bastante se fossem
considerados os casos de povoamentos mistos apenas de resinosas ou apenas de
folhosas. Na década seguinte, BATERLINK (2000) indicava que a área ocupada por
povoamentos mistos na Europa tem vindo a aumentar significativamente e que a
investigação e monitorização destes povoamentos não têm acompanhado a
importância do acréscimo de área e a importância ecológica destes povoamentos.
Pesquisas efectuadas apontam vantagens que poderão ser obtidas através da
utilização de árvores de diferentes espécies em substituição dos povoamentos
puros (LUÍS, 1997; KELTY, 2006; GONÇALVES et al., 2008). Os povoamentos mistos
caracterizam-se pela distribuição espacial das árvores ao longo de diversos
andares de acordo com a sua capacidade de utilização da estação, permitindo
interacções ecológicas efectivas entre elas (LUÍS, 1997). Acresce referir que
os povoamentos mistos são um elemento chave na manutenção da biodiversidade e
têm um papel importante no processo de redução das emissões dos gases de efeito
de estufa, dada a função de reservatório de armazenamento de carbono (EMMANUEL
e KILLOUGH, 1984; WOODWEELL, 1987; ODUM, 1988; GOWER et al., 1997). A sua
importância não resulta apenas da maior diversidade de espécies que integra mas
principalmente em resultado da maior diversidade de habitats que proporciona
(CHEN e KLINKA, 2003). Segundo os mesmos autores, os povoamentos mistos, entre
outras vantagens, apresentam uma maior resiliência a distúrbios naturais, facto
que pode ser de primordial importância num contexto de alterações globais como
as que actualmente se fazem sentir, e onde, por exemplo, a problemática do
nemátodo do pinheiro-bravo adquiriu uma relevância extrema para a fileira
florestal Portuguesa.
Segundo KELTY (2006), a elevada produtividade dos povoamentos mistos foi
encontrada nas situações onde se verificaram interacções de complementaridade e
facilitação entre as espécies. A complementaridade consiste na combinação de
espécies que diferem em características que se complementam em conjunto, no uso
dos recursos ou boa capacidade de combinação ecológica e que surge do
desenvolvimento de um coberto estratificado. Estas características
complementares estão relacionadas com a tolerância à sombra, taxas de
crescimento em altura, estrutura de copas, tipologia foliar e profundidade e
arquitectura das raízes (KELTY, 1992). A facilitação consiste no benefício de
uma espécie associado ao crescimento de outra espécie. Este benefício tem sido
observado com a consociação de espécies fixadoras de azoto e espécies não
fixadoras produtoras de madeira de qualidade, desde que combinado a utilização
dos recursos complementares.
Os objectivos da instalação dos povoamentos mistos relacionam-se com a
combinação de espécies, onde as suas interacções específicas resultem numa
maior produção do povoamento ou da árvore individual relativamente à situação
em povoamento puro, e desta forma possibilitam a obtenção de rendimentos da
exploração em diferentes espécies ou diferentes rotações (KELTY, 1992).
Os estudos relativos aos povoamentos constituídos por várias espécies têm como
objectivo analisar se da mistura de espécies resultam maiores produções ou
outros benefícios do que em monocultura. De acordo com GOBAKKEN e NÆSSET
(2002), os constrangimentos no estudo dos povoamentos mistos resultam da
dificuldade em encontrar povoamentos puros das espécies arbóreas envolvidas,
que permita uma comparação face aos povoamentos mistos, assim como a
dificuldade que pode resultar dessa comparação em isolar fontes de variação que
não introduzam complexidade e entropia ao estudo.
Para Portugal Continental, estudos que quantifiquem a produtividade são
importantes face à escassez de informação nesta área. Neste sentido, foram
analisados povoamentos puros de Quercus pyrenaica e povoamentos mistos com
Pinus pinaster no Norte de Portugal, onde se procedeu à quantificação da
produtividade primária líquida destes ecossistemas florestais. O trabalho tem o
mérito de analisar florestas naturais, isto é, áreas em que os dispositivos em
análise não foram instalados com o fim específico de comparar produtividades, e
onde a gestão privada, ou a ausência dela, se faz sentir sem qualquer tipo de
interferência.
Métodos
Para este trabalho, foram utilizados valores das medições dendrométricas de 40
parcelas de amostragem circulares de 500 m2, do Inventário Florestal Nacional
de 2005/2006 (15 parcelas de povoamentos puros de Pinus pinaster L, 15 parcelas
de povoamentos puros de Quercus pyrenaica Willd. e 10 parcelas de povoamentos
mistos de Quercus pyrenaica Willd. com Pinus pinaster L.), distribuídas por
vários concelhos do distrito de Vila Real (Figura 1).
Figura 1 - Localização da área de estudo e das parcelas de amostragem
analisadas
Seguidamente, foram feitas novas medições de variáveis dendrométricas como o
diâmetro à altura do peito (dap) e altura total (h), em 2008 e 2009 e 1
verrumada na árvore média em 2008. O dap foi medido em dois momentos temporais
em cada ano.
Com base nos dados de campo, e seguindo a metodologia descrita em LOPES et al.
(2009), estimou-se a produtividade dos povoamentos florestais analisados,
através da equação 1, e procedeu-se à partição desta produtividade pelas
diferentes componentes do ecossistema (arbórea, matos e folhada).
PPL = ∆B + Perdas (Equação 1)
em que ∆B representa o acréscimo de biomassa no estrato arbóreo, no período de
tempo considerado (2006 a 2009), e inclui ainda o crescimento em biomassa do
subcoberto, no mesmo período de tempo (WARING et al., 1998).
A biomassa da componente arbórea foi estimada com base nas medições do diâmetro
à altura do peito (d) de todas as árvores das parcelas de amostragem (2006,
2008 e 2009) e com a aplicação de equações de biomassa ajustadas para as várias
componentes da árvore, nomeadamente equações para Quercus pyrenaica (equação 2,
3 e 4) ajustadas por CARVALHO (2003) e equações para Pinus pinaster (equação 5,
6 e 7) ajustadas por LOPES (2005).
Os dados dos matos foram obtidos em 2008, com pesagem em verde e seca para a
obtenção do peso seco total (ton.ha-1), numa sub-amostra de 1 m2. Os dados da
folhada foram recolhidos a cada 3 meses durante o ano de 2009, numa sub-amostra
de 40 x 60 cm, com pesagem em verde e seca para a obtenção do peso seco total
(ton.ha-1.ano-1).
Resultados
Pela análise da evolução das variáveis dendrométricas e de densidade nos
povoamentos mistos referente ao período de medições (Quadro 1), verifica-se que
houve intervenção e, portanto redução de densidade. Desta forma, é possível
quantificar os desbastes.
Quadro 1 - Evolução do diâmetro médio (dg) e número de árvores por hectare (N)
Após a estimativa da PPL nas parcelas em estudo, efectuou-se uma comparação dos
resultados de modo a identificar as situações de diferente produtividade e para
comparar a produtividade média dos povoamentos puros e mistos.
Os resultados da PPL total, apresentados no Quadro 2, indicam uma PPL média de
14.094 ton.ha-1.ano-1 para os povoamentos mistos de Qp x Pb face aos 12.387
ton.ha-1.ano-1 nos povoamen-tos puros de Qp e 12.259 ton.ha-1.ano-1 nos
povoamentos puros de Pb. Numa análise simplista dos dados, verifica-se desde
logo uma maior produção dos povoamentos mistos, comparativamente aos
povoamentos puros. Em simultâneo, a heterogeneidade dessa produtividade é
também bem mais elevada nos povoamentos mistos do que nos puros, como se pode
verificar pela análise do desvio padrão.
Quadro 2 - Descrição estatística da composição dos povoamentos em estudo
[1]
Com o objectivo de avaliar se a PPL nos povoamentos puros é estatisticamente
diferente da PPL avaliada para os povoamentos mistos, efectuou-se uma análise
de variância (ANOVA), conforme Quadro 3.
Quadro 3 ' ANOVA referente à PPL entre os povoamentos mistos e puros
Com base no valor de probabilidade (Quadro 3) e para um nível de significância
de 5%, pode afirmar-se que não há diferenças significativas na PPL entre os
povoamentos mistos, os povoamentos puros de Quercus pyrenaica e os povoamentos
puros de Pinus pinaster. Ainda que os valores médios sejam diferentes, e mais
elevados para os povoamentos mistos, a heterogeneidade de situações encontradas
não permite afirmar que essa diferença é estatisticamente significativa. Os
resultados porventura poderiam ser diferentes se os dispositivos a monitorizar
fossem implantados para acompanhamento específico deste estudo e não próximos
de uma floresta natural não intervencionada ou intervencionada sem seguir as
boas práticas florestais. Contudo, os resultados obtidos já apontam alguns
resultados interessantes.
Povoamentos mistos
Para uma melhor compreensão da distribuição da PPL pelos diferentes componentes
nos povoamentos mistos, efectuou-se a sua partição, conforme Quadro 4. Através
da análise do Quadro 4, a PPL distribui-se, em média, por 51,5% nos matos,
44,2% na folhada, 2,5% na Pinus pinaster e 1,8% na Quercus pyrenaica. Constata-
se que as componentes tradicionalmente não contabilizadas nos inventários
florestais e que teoricamente não apresentavam valor económico são as mais
relevantes na quantificação da PPL. Sublinhe-se que estas conclusões não se
reportam a stocks de carbono, porque nessa situação as componentes arbóreas
continuariam a ter um valor mais relevante, pois a PPL apenas traduz dinâmicas
de crescimento.
Quadro 4 ' Partição percentual da PPL total pelos diferentes componentes dos
povoamentos mistos
Numa fase posterior, analisou-se o comportamento da componente arbórea na
distribuição do acréscimo da biomassa pelos diferentes componentes da árvore
(Figura 2). Esta análise torna-se relevante para que os gestores dos espaços
florestais compreendam que a afectação da biomassa aportada a qualquer
componente da árvore é específica, já que o período de retenção do carbono
fixado será diferente em cada um deles. Assim, os 1,8% de PPL presentes na
Quercus pyrenaica em composição mista estão distribuídos de forma muito
semelhante pelas três componentes da árvore (copa, tronco e raiz), conforme
Figura 2A. Para a Pinus pinaster verifica-se que é essencialmente no tronco que
se acumula a maior percentagem de carbono fixado pela espécie (62%) (Figura 2
B).
Figura 2 - Percentagem de PPL para os diferentes componentes da espécie de
Quercus pyrenaica (situação A) e Pinus pinaster (situação B) presentes nos
povoamentos mistos analisados
Povoamentos puros de Quercus pyrenaica
Seguindo um procedimento análogo ao efectuado para a análise dos povoamentos
mistos, também na análise da produtividade dos povoamentos puros de Quercíneas
se procedeu à partição da PPL total (Quadro 5).
Quadro 5 - Partição da PPL total pelos diferentes componentes dos povoamentos
puros de Qp
Da análise do Quadro 5 verifica-se que a folhada é a componente que mais
contribui para a PPL, com 51,3%, e a que menos contribui é a componente
arbórea. Mais uma vez se reforça a ideia de que os dados reportam a dinâmicas
de crescimento e não valores de stock actual. Os matos mantêm uma importância
relativa bastante elevada, indicador da biodiversidade destes ecossistemas e da
importância que o estrato deverá assumir em estudos posteriores, não só de
acompanhamento mais efectivo que permita compreender dinâmicas de crescimento,
bem como aprofundamento das valências ecológicas que dele dependem.
Na análise posterior do estrato arbóreo e tendo em conta a distribuição do
acréscimo de biomassa pelos diferentes componentes para os quais se dispõe de
informação, em termos genéricos, a PPL arbórea está distribuída de forma muito
semelhante pelos 3 componentes da árvore: raízes, copa e tronco (Figura 3).
Isto significa que uma grande percentagem do carbono fixado fica armazenado em
componentes onde o período de retenção é elevado, em especial raízes, tronco e
todas as estruturas lenhificadas da copa.
Figura 3 - Percentagem de PPL para os diferentes componentes da espécie de
Quercus pyrenaica presentes nos povoamentos puros analisados
Povoamentos puros de Pinus pinaster
Finalmente, para os povoamentos puros de pinheiro-bravo, a componente do
ecossistema que mais contribui para a PPL é a folhada em 51,9% (Quadro 6),
situação já verificada nos povoamentos puros de Quercus pyrenaica. De igual
forma, os matos mantêm uma importância elevada e na ordem de grandeza dos
povoamentos puros de Quercus pyrenaica. A ideia inicialmente traçada na
introdução de que mesmo os povoamentos puros naturalmente tendem a aumentar a
biodiversidade e encaminhar-se para mistos começa a ter sinais indicadores
dessa faceta.
Quadro 6 - Partição da PPL total pelos diferentes componentes dos povoamentos
puros de Pb
Numa análise mais centrada apenas na componente arbórea, a partição da PPL
pelos diferentes componentes da árvore é apresentada na Figura 4. Verifica-se
que é o tronco que mais contribui para a PPL da componente arbórea com 75%.
Ainda que se assuma que o valor indicado para as raízes está subestimado, e
esse facto está associado às equações de biomassa seleccionadas (outros estudos
apontariam para valores mais elevados e poderão estar mais próximos do real
valor dos ecossistemas), nesta espécie verifica-se que o acréscimo de biomassa
é essencialmente afectado às componentes mais estáveis da árvores, logo aquelas
onde o carbono mais tempo irá estar retido.
Figura 4 - Percentagem de PPL para os diferentes componentes da espécie de
Pinus pinaster presentes nos povoamentos puros analisados
Conclusões
Os resultados obtidos permitem constatar que os povoamentos mistos de Quercus
pyrenaica e Pinus pinaster apresentam uma produtividade superior ao valor médio
apresentado pelos povoamentos puros de ambas as espécies, respectivamente em
16,6% e 16,8%. Contudo, e apesar da média revelar valores superiores nos
povoamentos mistos, a elevada heterogeneidade dos povoamentos em estudo não
permite afirmar que há diferenças significativas entre os valores da PPL,
resultado indicado pela ANOVA efectuada. Esta heterogeneidade é outra das
conclusões a ressalvar, já que os dispositivos em análise se centram sobre
florestas tecnicamente não intervencionadas e em que o desleixo e a natureza se
encarregam de gerir. Isto significa que os resultados obtidos podem ser aqueles
que no futuro, com a crescente desertificação das áreas naturais e o seu
abandono, se poderão verificar. Considera-se que as áreas de estudo em análise
podem ser mais relevantes neste contexto do que a análise de dispositivos
especificamente instalados para este tipo de estudo. Contudo essa abordagem
poderá perceber qual a potencialidade máxima destes ecossistemas em fixar
carbono, facto que não está em análise neste estudo específico. O ganho obtido
com uma gestão cuidada destes povoamentos pode justificar um investimento
acrescido nessa gestão. Daí que também esse tipo de estudos tenha de ser
seguido em etapas posteriores.
Ainda que o estudo não tenha realizado análise específica e intensiva da
biodiversidade dos ecossistemas em estudo, é notório de que o estrato arbustivo
é indicador que a biodiversidade destes ecossistemas é elevada, mesmo em
situações de povoamento puro. Importa reforçar a importância em prosseguir com
estudos de biodiversidade que permitam analisar e comparar outras valências dos
ecossistemas florestais entre os povoamentos puros e mistos. Contudo, há sempre
o risco de nestes estudos comparativos se centrar demasiado a atenção na
análise de indicadores, que se traduzem por números, e de descurar uma análise
do global que nem sempre tem essa tradução numérica. A diferenciação da
paisagem entre os povoamentos puros e mistos, as potencialidades para uso
múltiplo destes espaços, as alterações edáficas das diferentes abordagens,
entre outros aspectos, são indiscutivelmente factores que devem completar esta
informação e introduzem complexidade nestas abordagens. Trata-se por isso de
uma etapa inicial que exige novos estudos.