Avaliação dos Estragos Causados pelo Javali (Sus scrofa) na Beira Litoral
Introdução
As populações de ungulados estão a aumentar por todo o mundo, e esta situação é
particularmente notória na Europa (GILL, 1990; APOLLONIO et al., 2010). Este
aumento é especialmente favorecido, direta e indiretamente, por mudanças
socioeconómicas nas áreas rurais (e.g., re-naturalização do habitat disponível,
êxodo das populações do meio rural, ausência de predadores) (APOLLONIO et al.,
2010). O ungulado que melhor se adaptou às alterações ocorridas na Europa foi o
javali (Sus scrofa): em muitos países, os números aumentaram dramaticamente
durante as últimas três décadas (e.g., Polónia: GENOV, 1981; Espanha: Tellería
e Sáez-Royuela, 1986, Leránoz e Castién, 1996; Alemanha: Feichtner, 1998). Em
Portugal, este cenário não é exceção. Nos últimos anos, as populações de javali
têm aumentado a nível nacional, encontrando-se esta espécie distribuída por
todo o país, à exceção dos grandes centros urbanos e de algumas partes do
cordão litoral (Fonseca, 2004). Este ungulado apresenta uma elevada
plasticidade ecológica, podendo sobreviver e prosperar mesmo em áreas altamente
influenciadas pela atividade humana (Geisser e REYER, 2004). Apesar da sua
importância conservacionista (importante presa do lobo ibérico Canis lupus
signatus), diversos autores referem as implicações desta espécie na agricultura
e na floresta, atividades em que podem causar avultados prejuízos (Rosa e
Barroso, 1999; ROSA, 2006). Conover e Kania (1995) afirmam que, nos EUA, a
fauna selvagem causa perdas anuais na ordem dos 3 biliões de dólares e, em
França, os prejuízos causados por ungulados, entre 1970 e 1999, estiveram entre
686 mil e os 22,4 milhões de euros (Jaeger, 2002).
O javali é uma espécie omnívora generalista (Rosell et al., 2001), cuja dieta
consiste principalmente em plantas e, apenas secundariamente, em alimentos de
origem animal (ver Schley e Roper (2003) para uma revisão na Europa Ocidental).
Assim, qualquer fonte de alimento abundante localmente é muitas vezes
explorada, e os conflitos com os humanos resultam deste comportamento (Gérard
et al., 1991). Como tal, a dieta do javali é um produto das características
ambientais da área em que vive e dos recursos disponíveis. Como resultado, o
javali pode ter um grande impacto sobre o ambiente, podendo causar danos nos
terrenos agrícolas (Schley e Roper, 2003), nas pastagens (Alexiou, 1983), ou
impactos sobre a regeneração florestal (Groot Bruinderink e Hazebroek, 1996), a
predação (Pavlov et al., 1981), o consumo de frutos silvestres (Durio et al.,
1995; Herrero et al., 2006), e de animais mortos (Herrero e Fernández de Luco,
2002). Na Europa, os conflitos têm surgido principalmente por causa do
cruzamento com porcos domésticos, transmissão de doenças aos animais
domésticos, selvagens e seres humanos (o javali é um importante reservatório de
doenças) e, mais importante, pisoteio e consumo de culturas agrícolas (Klein et
al., 2007). Assim, os efeitos negativos causados por esta espécie estão, muitas
vezes, na origem de conflitos com o Homem (e.g., agricultores, produtores
florestais, caçadores, conservacionistas, e administração local e central). Os
estragos causados pela atividade do javali têm aumentado nos últimos anos no
nosso país tornando-se, localmente, num expressivo problema económico, social
e, por vezes, ecológico. Atendendo a que este ungulado possui uma grande
plasticidade adaptativa (ROSELL et al., 2001), os estragos que provoca podem
causar inúmeros prejuízos a nível florestal, agrícola e silvícola, podendo
mesmo afetar, em parte, a economia regional (DEFRA, 2005).
Em Portugal, o javali é considerado a espécie cinegética de caça maior mais
relevante. Segundo Fonseca (1999), os cereais (aveia e milho) são os
componentes vegetais mais consumidos pelo javali. Estes cereais são, muitas
vezes, fornecidos aos javalis antes da realização dos atos venatórios. De
facto, por vezes é alegado que a alimentação suplementar pode ajudar a reduzir
os danos, mantendo o javali longe das áreas agrícolas. Por outro lado, na
literatura científica, parece ser geralmente aceite que os danos às culturas
não são evitados por meio de suplementação alimentar (Geisser e Reyer, 2004;
Cellina, 2008, mas ver também Baubet, 2008). Adicionalmente, a alimentação
suplementar pode ainda gerar problemas sanitários, uma vez que conduz à
agregação dos animais e torna mais fácil a transmissão de doenças infeciosas
(Ruiz-Fons et al., 2008).
Muitos dos estragos provocados por este ungulado resultam em fossados,
facilmente identificados pelo Homem (Ickes et al., 2001). Estes estragos podem
originar a erosão dos solos (Gallo Orsi et al., 1995; Rosell et al., 2001); a
alteração da sua composição química (Gallo Orsi et al., 1995; Ickes et al.,
2001); a aceleração da decomposição e modificação da flora local (Gallo Orsi et
al., 1995), diminuindo o número de espécies de bolbosas e provocando efeitos
negativos sobre comunidades de artrópodes (Rosell et al., 2001). Apesar do seu
efeito negativo sobre os ecossistemas, este omnívoro contribui para a
germinação de determinadas sementes e aumenta a diversidade de condições para a
expansão de espécies vegetais (Rosell et al., 2001; Fonseca, 2004),
beneficiando, deste modo, a germinação de plantas.
Em Portugal, a avaliação do impacto da atividade deste ungulado nas culturas
agrícolas é praticamente desconhecida. Assim, e através dos dados cedidos pela
Circunscrição Florestal do Centro (Beira Litoral), atualmente Direcção Regional
de Florestas do Centro, entre as épocas venatórias de 1994/1995 e 2000/2001,
pretendeu-se: i) caracterizar a distribuição dos estragos do javali, ii)
identificar as principais culturas atingidas, iii) compreender os padrões
sazonais dos estragos, a sua evolução e variação anual, iv) avaliar o período
que decorre entre o estrago, a vistoria pelas entidades competentes, a emissão
das credenciais para abate de animais e a taxa de devolução do registo de
animais abatidos.
Material e métodos
Área de estudo
A zona de avaliação dos estragos provocados pelo javali incidiu na região da
Beira Litoral (Figura 1). Esta destaca-se pela sua diversidade edafo-climática,
traduzindo-se na existência de zonas com características agro-ecológicas e
socioeconómicas distintas. Segundo a DRABL (s.d.b), esta região estende-se por
mais de 1.170.000 ha, ocupando 13,1% da área de Portugal Continental. Cerca de
46% são cobertos por floresta (542.726 ha) e apenas 17,5% estão afetos à
atividade agrícola (205.704 ha). Divide-se em cinco sub-regiões: Baixo Vouga,
Baixo Mondego, Dão-Lafões, Pinhal Interior Norte e Pinhal Litoral (INE, 2002).
A atividade agrícola assume um papel bastante relevante, quer em termos
económicos, quer em termos sociais, pelo elevado número de explorações
agrícolas ' 88 548 explorações que correspondem a 21% do Continente.
Figura 1 - Região onde foi efetuada a avaliação dos estragos provocados pelo
javali ' Beira Litoral (esquerda) e as correspondentes NUT III (direita)
No final da década de noventa, as práticas agrícolas mais relevantes no que diz
respeito a culturas temporárias, eram o milho (Zea mays) (45.746 ha), o milho
forrageiro (21.313 ha); a batata (Solanum tuberosum) (17.317 ha); o feijão
(Phaseolus vulgaris) (7.987 ha); o arroz (Oryza sativa) (6.304 ha); as
hortícolas extensivas (1.189 ha); as hortícolas intensivas (1.151 ha); e as
florícolas (118 ha); ao nível de culturas permanentes, destacam-se a vinha
(30.524 ha); o olival (15.148 ha); a macieira (2.953 ha) e as culturas sub-
tropicais (134 ha) (DRABL; INE, 2002). Nos últimos anos, assistiu-se a uma
tendência para a diminuição das superfícies cultivadas, nomeadamente no que
respeita a culturas temporárias. Os cereais sofreram uma redução da área
cultivada, designadamente na cultura de milho; ao nível das culturas
forrageiras, somente a batata registou um decréscimo acentuado (DRABL, 2006).
Já em relação ao sector florestal, as principais atividades são a extração de
madeira em bruto de pinheiro bravo (Pinus pinaster) e eucalipto (Eucalyptus
spp.) e a extração de resina (DRABL, 2006).
Em termos demográficos, no ano de 2001, a Beira Litoral possuía 1.401.871 de
população residente (INE, 2002). Contudo, as recentes alterações demográficas
acentuaram o despovoamento das regiões mais desfavorecidas, promovendo um
processo de desertificação do meio rural (DRABL, 2006).
Recolha de dados
Este estudo teve por base a informação relativa aos estragos provocados pelo
javali na Beira Litoral, disponibilizada pela Circunscrição Florestal do
Centro, atualmente Direção Regional de Florestas do Centro. Após a ocorrência
de um estrago numa determinada cultura agrícola, o agricultor contacta as
entidades competentes (Direções Regionais de Agricultura, Circunscrições
Florestais, etc.), de modo a dar conta da ocorrência e a solicitar uma vistoria
para posterior autorização de abate dos javalis, mediante a emissão de uma
credencial. Esta autorização é emitida pelos serviços competentes, após a
confirmação do estrago provocado por esta espécie, que decorre da vistoria,
normalmente efetuada por um técnico. A credencial para abate de javalis,
referente a um período de tempo estipulado (normalmente 15 a 30 dias), deverá
ser devolvida, devidamente preenchida, aos serviços competentes, situação esta
nem sempre observada, o que leva à existência de algumas lacunas de informação.
Tratamento de dados
Os dados foram disponibilizados pela Circunscrição Florestal do Centro. Numa
primeira abordagem, procedeu-se à análise da evolução dos pedidos de
credenciais para abate de javalis, entre as épocas venatórias de 1994/95 a
2000/2001. Os dados foram agrupados por época venatória/região (Beira Litoral)
e, posteriormente, foram agrupados ao nível de NUT III (Unidades Territoriais
Estatísticas de Portugal)/ /época do ano. Relativamente à interpretação dos
tempos de espera entre o dia do estrago, a vistoria e a emissão das
credenciais, utilizou-se o valor do Qui-Quadrado para o quociente mais provável
' Teste G:
Após a elaboração de uma tabela com os respetivos tempos de espera (entre dia
do estrago, vistoria e emissão) para cada uma das NUT III, agruparam-se estes
dados em classes. Estas estão divididas em:
classe 1 - para tempo de espera inferior ou igual a 8 dias;
classe 2 - para tempo de espera inferior ou igual a 15 dias;
classe 3 - para tempo de espera inferior ou igual a 22 dias;
classe 4 - para tempo de espera superior a 22 dias.
Correspondendo cada uma das classes a:
1 - resposta muito rápida;
2 - resposta rápida;
3 - resposta lenta;
4 - resposta muito lenta.
De forma a obter uma análise mais detalhada, foi feito um agrupamento dos
estragos em cada época, por mês e por NUT III.
O tratamento em termos de estragos incidiu ao nível dos concelhos que integram
a NUT III, tendo sido utilizada como unidade estragos/10.000 ha, e atribuídas
classes, previamente logaritmizadas:
classe 0 ' 0 estragos,
classe 1 ' 0 a 3 estragos;
classe 2 ' 3 a 10 estragos;
classe 3 ' 10 a 30 estragos;
classe 4 ' 30 a 100 estragos.
Foi ainda tratada a informação relativa às culturas mais afetadas pelos
estragos causados pelo javali, numa primeira fase respeitante à região da Beira
Litoral, e numa segunda fase respeitante às NUT III.
Resultados e discussão
Os nossos resultados mostram que, de uma maneira geral, quer em termos de
vistoria, quer em termos de emissão de credenciais, se obtiveram respostas
muito rápidas ou rápidas (Quadros 1 e 2). Analisando de forma mais detalhada o
caso das vistorias, observou-se que em todas as épocas, as respostas foram
maioritariamente muito rápidas (classe 1). Na época 1995/96, registou-se o
mesmo valor entre resposta rápida (classe 2) e resposta lenta (classe 3), e na
época 1999/2000 o valor entre a resposta lenta (classe 3) aproximou-se do valor
de resposta rápida (classe 2). As épocas de 1998/99 e 2000/01, registaram na
classe 4, um valor superior à classe 3. Contudo, as classes 3 e 4 não
apresentaram valores muito significativos, quando comparados com as classes 1 e
2. Fazendo o mesmo tipo de análise para o caso das emissões, observou-se que as
respostas correspondentes às classes 3 e 4 assumiram um papel menos relevante.
Desta forma, depreende-se que as entidades competentes tiveram uma atuação mais
eficaz, permitindo o abate dos animais num tempo menor. Comparativamente com as
vistorias, verificou-se uma maior oscilação entre as classes 1 e 2.
Relativamente à classe 1, a época de 1999/2000 registou uma elevada percentagem
de emissões.
Quadro 1 - Tempo de espera (em %) entre o dia do estrago e o dia da vistoria,
distribuídos pelas respetivas classes
Quadro 2 - Tempo de espera (em %) entre o dia do estrago, vistoria e emissão,
distribuídos pelas respetivas classes.
Em relação ao número de credenciais emitidas, de 1994/95 para 1995/96 observou-
se um decréscimo acentuado, enquanto que nas épocas de 1995/96 a 1998/99
verificou-se um aumento gradual do número de credenciais emitidas. A partir de
1998/99 até 2000/01 registou-se novamente um decréscimo, em particular entre as
épocas 1999/2000 a 2000/01 (Figura 2). Uma possível explicação para este facto
poderá ser o aumento do número de vistorias efetuadas às explorações onde se
registaram mais estragos, por parte das entidades competentes.
Figura 2 - Evolução do número de credenciais emitidas na Beira Litoral, entre
as épocas 1994/1995 a 2000/2001
Em relação à evolução dos pedidos de abate nas diferentes NUT III, ao longo das
épocas em questão, verificou-se uma situação idêntica. De 1994/95 para 1995/96,
observou-se um decréscimo acentuado relativamente ao número de credenciais
emitidas em todas as NUT III, exceto na NUT III Baixo Mondego que registou um
decréscimo ligeiro. Entre as épocas de 1995/96 a 1996/97, verificou-se um
aumento gradual do número de credenciais emitidas, à exceção das NUT III Baixo
Vouga e Pinhal Litoral, que registaram um decréscimo; de 1996/97 a 1997/98,
apenas as NUT III Baixo Mondego e Pinhal Litoral aumentaram o número de
credenciais emitidas, a NUT III Baixo Vouga manteve-se constante, e nas
restantes NUT III observou-se um decréscimo. Entre 1998/99 e 1999/2000, nas NUT
III Baixo Mondego e Baixo Vouga, observou-se uma diminuição e nas restantes NUT
III um aumento significativo. De 1999/2000 para 2000/2001, registou-se uma
tendência para a diminuição do número de credenciais emitidas, em particular na
NUT III Pinhal Interior Norte, com a exceção do Baixo Vouga onde se observou um
aumento ligeiro (Figura 3). Em geral, registou-se um grande número de
credencias emitidas na região do Pinhal Interior Norte (1108), contrastando com
a região do Pinhal Litoral (170), onde os valores são pouco significativos,
mantendo-se mais ou menos constantes ao longo das épocas. A região do Baixo
Mondego (647), foi a segunda a registar um número mais elevado de credencias
emitidas, seguida do Dão-Lafões (497), e posteriormente do Baixo Vouga (329).
Figura 3 - Evolução do número de credenciais emitidas nas NUT III, entre as
épocas 1994/1995 a 2000/2001
Em todos os anos, foi visível que os meses mais afetados pelos estragos
causados pelo javali foram Julho e Agosto, sendo também notórios, nalguns anos,
os meses de Maio e Junho (Figura 4). Uma possível razão para o sucedido poderá
ser a fraca disponibilidade de alimento na floresta, e daí dirigirem a sua
procura para terrenos agrícolas. Rosell et al. (2001) refere que os javalis
usam ambientes florestais mais no Outono, onde encontram bolotas e castanhas
(frutos preferidos). A irrigação dos terrenos agrícolas (Bourcet et al., 2003),
em especial as grandes extensões de cultura, pode ser outro fator determinante,
pois, deste modo, o javali obtém alimento e água, sem despender grande energia.
Outra explicação poderá ser o elevado número de crias que as fêmeas têm de
alimentar. Segundo Bourcet et al. (2003), o período de reprodução destes
animais é em Dezembro, sendo o pico dos nascimentos em Abril (embora se
registem nascimentos em qualquer época do ano). Este motivo pode explicar
também a sua forte incidência em campos agrícolas, onde a disponibilidade de
alimento é elevada e local, permitindo às fêmeas e às suas crias encontrarem
alimento. Convém, no entanto, referir que as plantas individuais de uma
determinada cultura cerealífera (cevada, trigo, centeio, aveia) progridem
através de uma série de estádios de desenvolvimento (estados fenológicos) bem
definidos, que passam desde a germinação até à sua posterior maturação. Assim,
o estado fenológico das gramíneas determina, também, profundamente a época em
que os javalis as consomem.
Figura 4 - Gráficos ilustrativos dos meses mais afetados em cada NUT III, entre
a época de 1994/1995 a 2000/2001
Ao longo das épocas em estudo, de 1994/95 a 2000/2001, verificou-se que as NUT
III mais afetadas foram o Pinhal Interior Norte e o Baixo Mondego, com uma
média de estragos de 80 e 38 por 10.000 ha, respetivamente (Figura 5). Em
oposição ao que acontece no Pinhal Litoral, onde a média de estragos foi apenas
de 4. As NUT III Baixo Vouga e Dão-Lafões apresentaram valores muito próximos,
26 e 29, respetivamente. De acordo com o Instituto de Desenvolvimento Rural e
Hidráulica ' IDRHa ' (s.d.), no Pinhal Interior Norte, a floresta tem uma
ocupação de 52% da superfície total. Sendo o javali, considerado um animal
florestal, poderá depreender-se que nesta NUT III, ele encontra condições
propícias à sua sobrevivência. Desta forma, não é de surpreender que seja uma
zona fortemente afetada pelos prejuízos que este suídeo causa na agricultura.
Figura 5 - NUT III mais afetadas pelos estragos do javali, ao longo das épocas
de 1994/1995 a 2000/2001, por 10.000 ha
A Dão-Lafões foi outra NUT III que registou um elevado número de estragos.
Segundo a mesma fonte (IDRHa, s.d.), esta NUT III apresenta grande diversidade
de culturas, onde a maioria das explorações são familiares (pequenas),
extremamente fragmentadas e com o predomínio da policultura. Nestes locais, é
muito provável que ocorra um maior número de estragos, uma vez que as pequenas
explorações, normalmente não estão protegidas; são culturas para consumo
próprio, que utilizam os métodos tradicionais. Outra razão para que ocorram
tantos estragos é o facto de existirem plantações de pinheiro bravo,
representando locais de floresta bastante usados por este animal.
As NUT III Baixo Mondego, Baixo Vouga e Pinhal Litoral (as duas últimas com
valores menos significativos), possuem grandes potencialidades para o regadio;
existem grandes explorações agrícolas, embora haja uma diversidade de culturas
menor. No caso do Pinhal Litoral, os estragos são mesmo muito baixos, já que é
uma zona com pouca fauna. O Baixo Mondego mostrou um valor superior nos
estragos, em relação às duas anteriores, por esta região ter uma atividade
agrícola mais intensiva. (DRABL, s.d.).
Contudo, para uma avaliação dos estragos mais coerente, seria necessária mais
informação, relativa a cada uma das épocas. Existem inúmeros fatores que podem
ter contribuído para o aumento e/ou diminuição dos estragos, entre eles: tipo
de cultura praticado em cada época; abandono da agricultura; fatores climáticos
(precipitação, seca, entre outros); implementação de técnicas e meios de
proteção, etc. A densidade populacional de javalis, em cada uma das NUTS, pode
também determinar o número de prejuízos.
As culturas mais afetadas pelo javali são as Gramíneas, com especial destaque
para a cultura de milho (com 1020 ocorrências). Estes resultados estão em linha
com outros países (Łabudzki e Wlazełko,1991; Geisser,2004). Em França, as
culturas mais afetadas são as Gramíneas (23%), em ex aequo com as culturas de
cereais (23%), nomeadamente o milho (43%; Klein et al., 2007). Onde o milho é
cultivado, esta é quase sempre a cultura mais danificada, seguida pelo trigo e
outros cereais (Geisser 2004, mas ver também Wlazełko e Łabudzki 1992).
Contudo, é importante salientar que o facto do milho ser a cultura mais
frequentemente danificada, em relação ao trigo, cevada e outros cereais, pode
não significar o seu consumo preferencial. Outra razão pode estar relacionada
com o facto de os animais passarem mais tempo nos campos de milho, porque as
plantas de milho são mais altas quando desenvolvidas e, portanto, proporcionam
uma melhor cobertura durante o dia (principalmente depois de meados de junho),
do que outros cereais (Geisser,2004). Assim, o maior dano é não só devido ao
consumo, mas principalmente ao pisoteio. Este facto foi também sugerido por
Kristiansson (1985) que estima que apenas 5-10% de destruição de culturas por
javalis são uma consequência do consumo real, sendo o restante devido ao
pisoteio. Da mesma forma, Bouldoire e Havet (1981) afirmaram que apenas 10-20%
de espigas de milho no solo tinham sido consumidas pelo javali, na sua área de
estudo em França. Importa referir que em Portugal, a presença do lagostim
vermelho (Procambarus clarkii ' espécie exótica ' em grande abundância nos
arrozais (gramínea) é também um fator determinante na alimentação do javali,
uma vez que o javali é um importante predador do lagostim vermelho (GHERARDI et
al., 2002). Seguidamente, as preferências do javali na nossa área de estudo,
incluem as Leguminosas (hortas, cultura de feijão, ervilhas, favas) e a
Beterraba, onde os valores variam entre 366 a 283. A categoria "vinha e
solanáceas" (batata e tomate) apresentaram também valores elevados (186 a 114,
respetivamente). A categoria "floresta" apresentou valores na ordem dos 33, não
sendo muito significativos, em relação às culturas analisadas anteriormente. A
categoria "crucífera e fruteira" apresentou valores próximos dos registados na
Floresta e, nas restantes culturas, os valores atingiram proporções muito
baixas (Figura 6). Estes dados encontram-se de acordo com o trabalho realizado
na região de Sardinia (Itália), por Onida et al. (1995), onde os estragos mais
significativos foram registados nas culturas de milho, vinha e pastagem. Em
todas as NUT III, a cultura onde se registaram maiores estragos foram as
Gramíneas (Figura 7). Nas NUT III Baixo Mondego e Dão-Lafões, a segunda cultura
mais afetada foi a das Leguminosas, seguida da cultura das Beterrabas. No
Pinhal Interior Norte a cultura das Leguminosas também foi a segunda mais
afetada, seguida das culturas de Beterraba e Vinha, ambas com 9% de estragos.
As NUT III Baixo Mondego e Pinhal Litoral, registaram como segunda cultura mais
afetada a Beterraba, seguida da cultura das Leguminosas, que no Pinhal Litoral
registou o mesmo valor que a cultura das Vinhas (ambas com 10%). A Crucífera,
Fruteira, Solanáceas e Floresta, foram as culturas menos procuradas pelo
javali; os valores apresentados não são muito significativos.
Figura 6 - Culturas mais afetadas pelos estragos provocados pelo javali (S.
scrofa) na Beira Litoral, entre as épocas de 1994/95 a 2000/2001
Figura 7 - Culturas mais afetadas pelos estragos provocados pelo javali (S.
scrofa) na Beira Litoral, entre as épocas de 1994/95 a 2000/2001, nas
diferentes NUT III
Recomendações de gestão: estratégias e medidas de proteção
De acordo com vários autores, as densidades de javali parecem ser o fator mais
importante dos danos agrícolas (ROSELL et al., 2001) A redução das populações
através de um aumento na pressão cinegética parece ser uma medida de gestão
útil (Bieber e Ruf, 2005; Toïgo et al., 2008). Assim, depreende-se que todos os
fatores que contribuem para o aumento de populações de javali são também
suscetíveis de contribuir, indiretamente, para o aumento dos danos agrícolas.
Neste contexto, a alimentação suplementar deve ser criticamente examinada, uma
vez que tem sido apresentada como um importante fator responsável pelo aumento
das populações de javali na Europa (Hahn e Eisfeld, 1998; Bieber e Ruf, 2005),
e, assim, indiretamente, pelo aumento dos danos (Bieber e Ruf,2005). Apenas em
alguns casos raros, a alimentação suplementar tem sido apontada como uma
ferramenta realmente dissuasiva na redução dos danos às culturas anuais
(Calenge et al., 2004), contudo apenas sob quatro condições (Schley et al.,
2008): i) quando as densidades de javali são inferiores a 15 indivíduos por
1.000 ha, ii) quando a alimentação suplementar é fornecida apenas durante o
período crítico, iii) quando o alimento fornecido é distribuído ao longo de
grandes áreas (Calenge et al., 2004), iv) quando o alimento é fornecido na
floresta, ou pelo menos a 1 km da borda da floresta (Calenge et al., 2004;
Geisser, 2004). Em Portugal, as densidades de javali são, de uma forma geral,
desconhecidas. Assim, recomenda-se a suspensão do fornecimento de alimentação
suplementar, enquanto não houver um estudo que estime as densidades
populacionais (Bieber e Ruf, 2005). Embora tenhamos identificado contra-medidas
eficazes, o re-desenho rural é, como apresentamos de seguida, fundamental para
controlar os danos futuros.
Devem tomar-se medidas de controlo apropriadas com o intuito de minimizar os
danos causados pela espécie e não vitimar os animais existentes, já que estes
constituem a principal espécie cinegética de caça maior em Portugal (Fonseca,
2004). Medidas como uma melhor gestão cinegética, no âmbito de Planos Globais
de Gestão, aplicação de determinadas estratégias e meios de proteção, podem ser
uma boa solução, já que o crescimento da população de javalis constitui uma
maior oportunidade de atos cinegéticos (Csányi, 1995). Suárez (2001) defende
que as técnicas a ser utilizadas podem variar entre as mais simples,
frequentemente tradicionais e pouco fiáveis (como espantalhos, fitas, rádios)
às mais sofisticadas que se baseiam na fisiologia da árvore.
Assim, apresentam-se de seguida algumas das técnicas mais usadas e com
resultados positivos:
Proteções_físicas: protegem a parte aérea da planta através de tubos de malha
metálica ou, tubos de polietileno, que neste último caso, além de as
protegerem, têm a vantagem de ativar o crescimento das mesmas. Em ambos os
casos, os tutores devem ser bem enterrados para evitar o derrube pelo vento, e
a malha bem atada. Existem ainda dispositivos de proteção, como bandas
plásticas perfuradas para o tronco, bolsas para resinosas, e outros protectores
de alumínio, plástico, os quais são de utilização limitada (Suárez, 2001).
Proteções_químicas: existem produtos para se aplicar no tronco (renovados
anualmente), e existem ainda outras substâncias para aplicar sobre os gomos
terminais e "abrolhos" para os proteger (Suárez, 2001).
Proteções_fisiológicas: para evitar o descasque dos troncos de resinosas, pode-
se retirar a casca parcialmente, de modo a provocar a exsudação de resina e uma
suberificação precoce da "casca", que a torna repulsiva ao javali (Suárez,
2001). Existem ainda métodos de dissuasão olfativa e gustativa. No que se
refere a estes métodos, verificou-se uma certa duração, mas não o suficiente
para ter uma real eficácia, uma vez que os javalis mostraram grande curiosidade
no que diz respeito a todos os produtos utilizados. Estes meios de proteção
devem utilizar-se somente em parcelas muito expostas, e de pequenas dimensões
porque a eficácia é fortemente reduzida ou mesmo nula devido ao efeito de
habituação. É de notar que só os produtos homologados podem ser utilizados
(Vassant, 1994).
Proteções_visuais_e_acústicas: a dissuasão visual consiste na aplicação do
efeito da luz sobre as culturas de modo a afugentar os animais, no entanto este
método tem-se mostrado pouco relevante (Vassant, 1994); e a dissuasão acústica,
consiste na utilização de sinais de alerta específicos aos javalis (rufo de
alerta desencadeando a fuga), mas não tiveram efeitos a longo prazo porque o
rápido fenómeno de habituação surgiu (Vassant, 1994).
Cercados_e_vedações: impedem o acesso dos javalis aos povoamentos podendo-se
utilizar cercas elétricas ou metálicas, sendo o primeiro método menos
dispendioso que o segundo, no entanto tem a desvantagem de necessitar de
vigilância e manutenção regulares (
Suárez, 2001). Para impedir que os javalis abram brechas nas vedações, deve-se
dobrar a rede sobre o solo e instalar piquetes intermédios (Suárez, 2001).
Devem ser utilizadas dois fios, um a cerca de 25 cm do solo e outro, paralelo,
a cerca de 50 cm do solo. As vedações elétricas utilizadas como proteções
temporárias em redor das parcelas vulneráveis, ou de maneira fixa em limite da
floresta, constituem um dos meios de maior eficácia de dissuasão. Em França, o
emprego desta técnica é agora generalizado ao conjunto do território nacional
(Vassant, 1994). Estas vedações justificam-se apenas para as culturas de forte
rendimento situadas em lugares particularmente ameaçados, e em que o custo será
claramente inferior aos estragos que se esperam (Koller, 2004).