As Fileiras Baseadas na Floresta: Análise Sectorial
1 - Sistemas associados aos ecossistemas florestais
A análise da dimensão económica, social e ambiental dos sistemas florestais é
cada vez mais baseada no conceito de serviço de ecossistema e nas metodologias
empregues na sua quantificação e valoração (AZEVEDO, 2011).
Seguindo a classificação do MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT (2005), os serviços
dos ecossistemas florestais são de diferentes tipos, não se esgotando no
aprovisionamento de madeira e de outros produtos diretos como os produtos não
lenhosos, a caça, a pesca, etc. (PEREIRA et al., 2009).
Em primeira linha, as florestas servem de suporte na produção primária, à
biodiversidade, no ciclo dos nutrientes e na formação do solo. A regulação do
clima e da água, bem com os serviços culturais são igualmente essenciais.
A multiplicidade dos serviços prestados aumenta a complexidade na análise do
valor dos ecossistemas florestais, sendo mais frequentes as perspetivas
parcelares que não integram de forma compreensiva a visão sectorial, desde o
ecossistema até aos serviços/produtos finais. Nesse sentido, entende-se que as
metodologias integradoras de âmbito sectorial, seguindo a agregação por
fileira, são essenciais a um conhecimento mais concreto do valor acrescentado e
do valor económico florestal total (LOURO, 2011).
2 - As fileiras florestais: estrutura produtiva e fluxos
Em Portugal distinguem-se, pela sua tradição e importância, três fileiras
sustentadas a montante por valores classificados como de uso direto das
árvores: a fileira da madeira e do mobiliário; a fileira da pasta, do papel e
do cartão; a fileira da cortiça.
Recentemente, devido a contextos diversos, a perspetiva setorial associada aos
frutos secos -castanha e pinhão -, bem como as atividades da resinagem e da
biomassa para energia têm verificado um crescente significado.
Ainda assim, a abordagem setorial não se esgota nas produções/serviços
referidos acima, representando os ecossistemas florestais um potencial enquanto
fonte de diversas matérias/serviços que na sua forma bruta ou transformada são
essenciais ao bem-estar humano.
2.1 - As fileiras da madeira
A sustentação em matérias-primas nacionais das fileiras florestais e, em
particular, das fileiras da madeira é inequivocamente reconhecida como uma
importante mais-valia. Este facto é comprovado pelos números de consumo interno
de toros de madeira, primeiro produto, após a exploração florestal, na
transformação industrial (Figura_1 e Figura_3). As estatísticas (FAO, 2013)
mostram que na série histórica, iniciada em 2000, em média apenas 8% dos toros
de madeira consumidos em Portugal foram importados, tendo 92% origem na
produção nacional.
2.1.1 - Fileira da madeira e do mobiliário de madeira
A produção de madeira serrada, produto de transformação intermédia na fileira
da madeira e do mobiliário (Figura_1), tem representado, desde 2000, em média,
12% do consumo interno de toros de madeira.
Na fileira da madeira e do mobiliário os resíduos gerados na produção de
produtos intermédios e finais, e a própria reciclagem de produtos em madeira,
são importantes fontes de matéria-prima, em particular para as indústrias de
painéis de madeira (Figura_1). Estima-se que na transformação industrial dos
toros de madeira em produtos intermédios e finais sejam produzidos entre 10% a
15% de resíduos de madeira, os quais são reutilizados, como matéria-prima, em
atividades da fileira da madeira.
Nos diferentes tipos de painéis (Figura_1), os painéis de partículas
representaram em média, no período de 2000 a 2011, 62% da produção de painéis,
os de fibra 34% e os folheados, contraplacados, lamelados e outros painéis 4%.
Mais de 50% (59%, valor médio desde 2000) da produção de painéis de madeira é
destinada à exportação.
Já na madeira serrada, em média, desde 2000, apenas 31 % da produção nacional
foi exportada, comprovando o maior contributo do consumo interno neste produto,
designadamente pela transformação interna em produtos finais, de maior valor
acrescentado (LOURO et al., 2009).
Os produtos finais da fileira da madeira e do mobiliário de madeira (Figura_1)
foram agregados em quatro classes: mobiliário de madeira; obras de carpintaria
para a construção; embalagens de madeira; outros produtos de madeira. Nestes
produtos, as estatísticas históricas comprovam a importância do mercado interno
no seu escoamento (Tabela_1 e Figura_2), em particular, nas obras de
carpintaria para a construção (82%). Embora com menor significado, as
embalagens de madeira (74%) e o mobiliário (59%) são maioritariamente
destinadas ao consumo interno. Ainda assim, é de destacar a tendência para o
aumento das exportações de mobiliário (Figura_2).
2.1.2 - Fileira da pasta, do papel e cartão
A produção de pasta de madeira, produto de transformação intermédia na fileira
da pasta do papel e do cartão (Figura_3), tem representado, desde 2000, em
média, 88% do consumo interno de toros de madeira. As pastas químicas de
madeira dominam em 100% a produção nacional de pastas de madeira.
Na fileira da pasta, do papel e do cartão, a recuperação e reciclagem de papel
representa, igualmente, um importante recurso de matéria-prima (Figura_3). Esse
significado é inequivocamente demonstrado por taxas de recuperação1 e de
reciclagem2 superiores a 60% (CELPA, 2011). Além das mudanças de comportamento
social, com resultados no aumento da recuperação e reciclagem de papel, este
desempenho também traduz o investimento tecnológico que as indústrias da pasta,
do papel e cartão têm realizado no sentido de aumentar a sustentabilidade dos
processos produtivos. No total de pastas de madeira produzidas em Portugal
cerca de 25% são pastas de papel recuperado, sendo a taxa de utilização3 do
papel recuperado em média de 20% (CELPA, 2011).
Os produtos finais desta fileira integram diferentes tipos de papel e cartão. A
agregação desses tipos, em coerência com sistemas de classificação oficiais é
ordenada, de acordo com LOURO et al.(2010) em cinco classes: papel de impressão
e de escrita e de artigos de papelaria; papel e cartão de embalagem; papel de
uso doméstico e sanitário; papel e cartão para a construção e para utilizações
não especificadas; papel de jornal (Figura_3).
As séries históricas demonstram inequivocamente a matriz vincadamente
exportadora da fileira da pasta, do papel e do cartão, onde, em particular, as
exportações de papel e cartão nunca são inferiores a 50% da produção nacional
(Figura_4).
Em Portugal (Tabela_2) são produzidos, quase em exclusivo, papel de impressão,
de escrita e de artigos de papelaria (63%) e papel e cartão de embalagem (31%).
Em coerência, estes produtos representam 99% das exportações de papel e cartão,
com a contribuição mais expressiva (72%) do papel de impressão e de escrita e
de artigos de papelaria, na componente exportação. Além da produção nacional, o
consumo interno de papel e cartão de embalagem (47%) é também sustentado por um
fluxo significativo de importações (49% do total das importações dos produtos
de papel e cartão).
2.2 - A fileira da cortiça
Na fileira da cortiça, cuja estrutura dos fluxos de produção é apresentada na
Figura_5, Portugal domina inequivocamente as componentes na produção e mercado
à escala internacional, sendo o maior produtor, o maior exportador e o maior
importador de produtos da cortiça. Ainda desde 2000, em média pode afirmar-se
que: a produção nacional de cortiça é da ordem dos 150 milhares de toneladas
(Figura_6); o consumo interno de cortiça e produtos da cortiça é inferior a 40%
da produção nacional; as exportações de cortiça representam cerca de 30 % das
exportações da fileira florestal e 2,6% das exportações nacionais. Releva-se,
também, o claro domínio nacional nos fluxos da fileira da cortiça, onde as
séries históricas mostram uma balança comercial positiva, com valores médios,
superiores a 700 milhões de euros.
Igualmente, a estrutura de produtos, nos volumes financeiros de importação e de
exportação mostra o desempenho francamente positivo da fileira da cortiça na
criação de valor acrescentado em Portugal. Cita-se o verificado em 2012 (Figura
7) onde, na importação, a cortiça natural em bruto ou simplesmente preparada
(57%) e os desperdícios de cortiça (20%) representam 77% das importações,
constituindo, os mesmos produtos apenas 7% das exportações da fileira da
cortiça. Em oposição, a cortiça manufaturada representa 93% das exportações de
cortiça, com o claro domínio das rolhas de cortiça natural (42%), nessa
componente do mercado.
2.3 - O renovado interesse na fileira da resina e produtos derivados
Nos últimos 20 anos a produção de resina diminuiu drasticamente em Portugal,
passando de valores superiores a 60.000 toneladas no início da década de
noventa do século passado (64.000 toneladas, em 1990), para uma média na ordem
de 4.000 toneladas/ano no século XXI (Figura_8). Nas causas deste decréscimo,
releva-se as alterações do contexto na procura ao nível do mercado
internacional. Mais recentemente as condições verificadas mostram um ambiente
mais favorável à revitalização da produção nacional de gema, verificando-se
tendência para o aumento da produção, bem como dos preços da resina á entrada
da fábrica (Figura_8).
2.4 - As fileiras emergentes dos frutos secos: castanha e pinhão
Além das fileiras já estruturadas e consolidadas há largos anos em Portugal
baseadas no pinheiro bravo, eucalipto e sobreiro, impõe-se estender a
perspetiva sectorial de fileira a outras espécies, nomeadamente, às que além de
madeira também produzem frutos secos ' castanha e pinhão.
Em termos nacionais, o significado macroeconómico das fileiras baseadas,
respetivamente, no castanheiro e no pinheiro manso, poderá ser menos
expressivo, dado que no comércio internacional, as suas exportações não atingem
0,1% das exportações nacionais (Figura_9). Todavia, a uma escala regional, elas
potenciam economias de grande interesse no desenvolvimento equilibrado do
território. Este facto é evidenciado, por exemplo, nas assimetrias regionais
que as estatísticas de produção de castanha mostram (Figura_10).
Ainda assim, são de realçar como bastante positivos, em contraponto com os
valores da economia nacional, os resultados na balança comercial (Tabela_3) e
na taxa de cobertura (Figura_9), com as exportações largamente superiores às
importações.
2.5 - Fileira da biomassa para energia: um novo contexto
A biomassa florestal é usada pelo homem para a produção de energia desde tempos
remotos. Todavia, na atualidade, o contexto associado ao uso de biomassa
florestal para a produção de energia é distinto, estando intimamente
interligado com a evidência crescente das alterações climáticas que se vêm
fazendo sentir à escala global. Esta tomada de consciência originou complexos
processos de negociação com vista à mitigação das alterações climáticas e à
redução da concentração na atmosfera de Gases com Efeito de Estufa (GEE).
A Estratégia Nacional para a Energia (RCM nº 169/2005) e a Estratégia Nacional
para as Florestas (RCM nº 114/2006) contêm as bases da Política Nacional para o
aproveitamento da biomassa para a energia, concretizando, em Portugal, as
estratégias e compromissos internacionais:
A Estratégia Nacional para a Energia assume claramente a aposta nas energias
renováveis, integrando o aproveitamento da biomassa para energia, no quadro da
contribuição nacional para a redução da emissão de gases com efeito de estufa
(GEE), e, destaca as oportunidades decorrentes desse aproveitamento no
desenvolvimento de novas fileiras industriais, como é o caso da fileira da
biomassa para a energia.
A Estratégia Nacional para as Florestas, enquanto instrumento de planeamento
sectorial nacional para o sector florestal, articula a promoção da biomassa
florestal para energia com a redução do risco de incêndio, e, em simultâneo,
assume a sua importância para o aumento do valor económico total do espaço
florestal.
Além de sobrantes da gestão e exploração florestal, a estrutura de produção da
fileira de biomassa para energia (Figura_11) utiliza, igualmente, como matéria
prima, os sobrantes e desperdícios de outras fileiras baseadas na floresta:
fileira da cortiça, da madeira e mobiliário e da pasta do papel e do cartão.
Estas características demonstram o interesse da biomassa para energia na
redução do risco de incêndio e para a maior sustentabilidade dos fluxos
produtivos e aumento do valor económico do setor florestal.
É neste contexto de políticas e interesses que se tem assistido nos últimos
anos ao aumento, em Portugal, na capacidade instalada de centrais de biomassa
para energia (dedicadas e em cogeração) assim como de unidades industriais de
produção de pelletsebriquetes (Tabela_4).
2.6 - Outros serviços da floresta com potencial na perspetiva setorial
Outras produções/serviços do espaço florestal terão vantagem numa abordagem na
ótica de fileira. Citam-se os exemplos das espécies produtoras de fruto
medronheiro e alfarrobeira, cujas produções são já um importante contributo
para a valoração dos ecossistemas florestais. Uma outra espécie autóctone, a
azinheira, essencial na ocupação de parte do território, em especial nas zonas
suscetíveis à desertificação, explorada em sistema agro'florestal, permite o
pastoreio extensivo para além dos efeitos benéficos que tem na conservação do
solo e no sequestro de carbono.
No contexto atual, as fileiras silvo-ambientais ligadas à economia do carbono,
à conservação da natureza e à energia mostram potencialidades na promoção do
desenvolvimento sustentável que se preconiza, sendo, ainda, fundamentais para o
cumprimento dos compromissos assumidos por Portugal ao nível internacional.
3 - Relevância macroeconómica do sector florestal
3.1 - Contas nacionais
Em Portugal, a contribuição do Valor Acrescentado Bruto (VAB) do setor
florestal no Produto Interno Bruto (PIB) está acima da média observada para a
da União Europeia a 27 (1,64%). A análise por país mostra que, em Portugal, o
VAB florestal representou, na última década, em média 2,14%, do produto Interno
bruto (PIB), observando-se que, apenas, na Finlândia, com 5,51%, e na Suécia,
com 3,63%, as contribuições são superiores.
Na comparação da importância do VAB florestal no VAB industrial, verifica-se
uma ordenação idêntica, estando Portugal, com o valor médio na última década de
12,34%, igualmente, acima da média da União Europeia a 27 países (9,14%) e
abaixo da Finlândia (24,73%) e da Suécia (18,23%).
3.2 - Comércio internacional
Desde 2000, o sector florestal representou, em média, 10% das exportações
portuguesas.
O sector florestal é sustentado essencialmente por matérias-primas nacionais,
característica que lhe confere vantagem, comparativamente a outros sectores
igualmente importantes na economia portuguesa. Este aspeto tem consequência nos
valores da balança comercial que, desde 2000, apresentam um saldo positivo
superior a 1 000 milhões de euros, verificando, este indicador, em 2012, um
valor superior a 2 000 milhões de euros (2.247.926.791 euros). Em coerência, no
mesmo período, a taxa de cobertura das exportações sobre as importações, em
percentagem média, foi na ordem dos 150%.
As exportações de produtos de base florestal são realizadas em larga maioria
para a União Europeia (75%). Essa dominância ocorre também quando são
consideradas as atividades desagregadas por fileira florestal. Apenas nas obras
de espartaria e cestaria as exportações têm como destino maioritário o espaço
extra comunitário, concretamente para os Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa (PALOP), com 45% das exportações.
3.3 - Criação de emprego
Os dados disponíveis de 2000, 2008 e 2010 indicam que o sector florestal
empregou 115.044 pessoas, valor que considera as atividades de comércio por
grosso e a retalho das produções e produtos florestais; ou 85.535 pessoas,
quando apenas são consideradas as atividades económicas diretamente ligadas à
cadeia de produção (Tabela_5 e Figura_12).
Embora se observe maior concentração do emprego florestal no litoral, ainda
assim, ele apresenta uma distribuição com significado em todos os concelhos do
continente, com destaque para os do interior, onde constitui um importante polo
de dinamização económica (Figura_12).
4 - Síntese final
A floresta portuguesa continua a ser um espaço multifuncional, de elevado valor
económico, quer ao nível da sua dimensão comercial, quer dos serviços
ambientais que presta. No espaço florestal são originadas produções (serviço de
aprovisionamento dos ecossistemas florestais) que constituem a base de
sustentação de importantes atividades na economia nacional, como mostram os
indicadores de fileira e os indicadores macroeconómicos do setor florestal,
designadamente pelo(a):
(i)Significado no Produto Interno Bruto português, comparativamente a outros
países do espaço comunitário, e se, ainda assim, a expressividade em
percentagem possa ser considerada menos significativa, ela é bastante reforçada
pela sustentação das fileiras de base florestal em matérias-primas nacionais;
(ii)Matriz vincadamente exportadora de produtos de valor acrescentado (papel e
cartão, rolhas de cortiça, painéis de madeira, castanha, pinhão entre outros);
(iii)Criação de emprego e de polos de animação económica e social em todos os
concelhos do continente.
O sector florestal, no seu conjunto, mostra-se dinâmico e empreendedor,
continuando a ser efetuados investimentos em diferentes áreas, na perspetiva da
sua modernização e de resposta aos novos desafios. Em particular são de relevar
os investimentos tecnológicos no aumento da sustentabilidade dos processos
produtivos, como seja através da maior reutilização de produtos reciclados e
sobrantes e no aumento da eficiência energética. Neste campo há que salientar
as novas perspetivas que o uso da biomassa para energia em sistemas de
cogeração ou em centrais dedicadas representa.
Porém, como se constata, outras possibilidades de análise setorial, em fileira,
poderão ainda ser potenciadas, como sejam as ligadas às espécies produtoras de
fruto, do medronheiro e alfarrobeira, à azinheira, explorada em sistema agro'
florestal. Igualmente, as fileiras silvo-ambientais ligadas à economia do
carbono, à conservação da natureza e à energia, fundamentais para o cumprimento
dos compromissos de Portugal ao nível internacional, são essenciais à valoração
económica do espaço florestal.