Recolha de Biomassa Florestal: Avaliação dos Custos e Tempos de Trabalho
1 - Introdução
Biomassa florestal (BF), definida como os produtos e sobrantes provenientes da
exploração florestal (RIBAS et al., 2008; FERNANDES e COSTA, 2010), pode ter
diversos aproveitamentos, entre os quais, a produção energética, que associada
à redução do material combustível na floresta contribui para a diminuição do
risco de incêndio. A criação de um mercado que promova o aproveitamento de BF
poderá contribuir para a redução dos custos líquidos de limpeza dos povoamentos
florestais, e acrescentar valor às operações florestais apenas consideradas
como custo, por exemplo, os desbastes, desramações, podas sanitárias e
sobrantes (ramos e bicadas) do corte final (DGRF, 2007; GOMES, 2008).
A Estratégia Nacional para as Florestas refere a valorização dos sobrantes da
exploração florestal como fonte de energia renovável, incentivando a utilização
da BF direccionada para o seu aproveitamento fora das áreas de influência das
centrais desde que o material consumido seja BF proveniente da gestão de
combustíveis no âmbito das medidas de silvicultura preventiva e da exploração
florestal (DGRF, 2007). São referidas outras possibilidades para o
aproveitamento da BF, que carecem de investigação adequada, como sistemas de
produção de energia localizada (por exemplo o aquecimento de uma escola) (DGRF,
2007).
A procura de alternativas aos combustíveis fósseis tem aumentado no últimos
anos (FERNANDES e COSTA, 2010), pois, apesar de possuírem uma elevada
eficiência energética, não deixam de ser recursos esgotáveis com elevadas
emissões de gases com efeito de estufa (ANTOLIN et al., 1996; WIT e FAAIJ,
2010). Por outro lado, Portugal não possui reservas de combustíveis fósseis, e
a sua utilização representa um custo importante nas importações do país.
O aproveitamento dos recursos naturais do país, como fonte de energia
renovável, pode ser a chave para a diminuição da dependência energética, pois
compensa o natural de fontes não renováveis, ao reduzir o consumo de energias
fósseis e não renováveis que contribuem para o aumento das emissões de gases
com efeito de estufa (DGE, 2002).
A valorização da BF, como fonte energética renovável, contribui para a
limitação dos custos das operações de exploração florestal, sobrantes, e
impactes ambientais quando comparado com fontes energéticas não renováveis
(FERREIRA et al., 2009).
O presente trabalho teve como objetivo desenvolver metodologias de análise e
registo dos tempos e custos das operações de extração de BF, bem como estimar
os custos e os consumos energéticos associados a cada uma destas operações, de
forma a avaliar a sua viabilidade e auxiliar nas tomadas de decisão por parte
dos agentes económicos. Para o efeito, foram medidos os tempos de todas as
operações necessárias para a extracção da BF, em cinco parcelas de amostragem,
localizadas nos distritos de Viseu (concelhos de Mortágua e Mangualde) e Aveiro
(concelho de Águeda). Estimaram-se os custos individuais de cada operação e
efectuou-se um balanço económico para avaliar a viabilidade da extracção de BF.
Considerando como objectivo final da recolha da BF a produção energética
(nomeadamente a energia eléctrica) elaborou-se um balanço energético utilizando
os valores dos consumos das máquinas em todas as operações, assim como o valor
da produção energética que se irá obter através da transformação energética da
BF.
2 - Material e métodos
A área de estudo localiza-se no distrito de Viseu, concelhos de Mortágua e
Mangualde, e distrito de Aveiro, concelho de Águeda. Os locais para o
levantamento de dados de base para a elaboração deste trabalho designaram-se
por parcela'. O trabalho de campo foi realizado em 5 parcelas, conforme
distribuição representada na Figura_1, durante os meses de Setembro a Outubro
de 2010.
Neste trabalho, consideraram-se dois sistemas de exploração quanto ao tipo de
BF obtida (fardos e estilha) e três itinerários técnicos (1, 2a e 2b). O
itinerário técnico 1 contempla as operações de enfardamento, rechega,
carregamento e transporte. Os itinerários técnicos 2a e 2b, constituídos pelas
operações de rechega, trituração, carregamento e transporte; distinguem-se por
em 2a, ser efectuada a trituração do material e posteriormente o carregamento,
e em 2b, a trituração e o carregamento são simultâneos.
No terreno, efectuou-se a recolha dos tempos de trabalho necessários em cada
operação para a extracção da BF, nas 5 parcelas, com a finalidade de calcular o
custo individual de cada operação, tendo em conta a produtividade das máquinas
utilizadas. Para além disto, teve-se em conta os consumos em cada operação de
modo a estimar o seu balanço energético. Os tempos de trabalho de todas as
operações foram cronometrados pelo método de cronometragem contínuo, que se
caracteriza pela medição de tempo sem detenção do cronómetro, ou seja, efectua-
se a leitura do cronómetro e anota-se o tempo decorrido sempre que há um ponto
de medição, sem deter o cronómetro. Possui a vantagem do registo de todas as
actividades parciais, e efectua o registo de forma sequencial e cronológica,
facilitando detecções de possíveis erros (CBE, 2008). Em todas as parcelas de
estudo mediu-se o declive e a área para melhor avaliar os tempos de trabalho
com as características do local, e registou-se o tipo de povoamento que se
encontrava instalado antes da retirada da biomassa. O Quadro_1 resume os
parâmetros medidos e apresenta uma caracterização do material vegetal
recolhido, itinerário técnico observado, tendo em conta as operações realizadas
e os parâmetros medidos nessas operações.
Os valores das quantidades de carga (material vegetal recolhido) na parcela 1,
referentes à rechega e ao transporte dos fardos, foram determinados pelo peso
médio dos fardos, medido à entrada do centro de destino da carga que se situava
a uma distância de 77 Km. Na parcela 2 a carga foi medida à entrada do centro
de consumo (a uma distância de 55 km do local de recolha da BF), utilizando-se
como referência para os cálculo o valor médio. Nas restantes parcelas, as
quantidades de carga de rechega, foram calculadas a partir da produtividade da
trituradora, visto que era contabilizado o tempo de trituração de cada
carregamento.
3 - Resultados e discussão
3.1 - Produtividade, tempo e custo
Com base nas medições de tempo e consumos do trabalho efectuado em todos os
itinerários técnicos observados calculou-se a produtividade, o tempo, e o custo
das operações.
Para as parcelas 1 e 2, os valores dos custos de cada operação, em .ton-1,
foram fornecidos pela empresa que efectuou a recolha de BF (Quadro_2), assim
como os consumos específicos da maquinaria (utilizados para o cálculo do
balanço energético). Os custos das operações realizadas nas parcelas 3, 4 e 5
foram calculados através do consumo específico de cada máquina (consumo
fornecido pela empresa que efectuou o serviço), em L.h-1, tendo em conta o
tempo despendido (contabilizado no terreno) e as produções das máquinas (dado
utilizado para estimar as quantidades de material processado por unidade de
tempo). Estes dados forneceram informação sobre o consumo de cada máquina por
tonelada de biomassa processada. Com base no preço médio do custo de
combustível (gasóleo) e lubrificantes (usou-se o valor de 1,29 .L-1), estimou-
se o custo, em .ton-1, para cada operação nestas parcelas1.
A operação de enfardamento foi monitorizada apenas na parcela 1, pelo que a
operação isolada não é comparável com as restantes parcelas. Para este caso
apenas se utilizaram os valores totais no conjunto das operações para a recolha
de BF. Verifica-se que as produtividades variaram com o tipo de máquina
utilizado, condições do terreno, tipo de biomassa e distância de rechega
(Quadro_2). As parcelas cuja rechega foi efectuada com autocarregador possuem
maior produtividade comparativamente com as parcelas em que foi utilizado
tractor com reboque. Na parcela 4, o autocarregador possui uma produtividade de
11,5 ton.h-1ao contrário da parcela 5 que possui uma produtividade de 4,1
ton.h-1. A produtividade da trituração também varia entre as parcelas,
verificando-se uma produtividade superior na parcela 4 com 30,4 ton.h-1, face
às parcelas 2 e 3 que possuem menores produtividades (15 e 10 ton.h-1,
respectivamente). A operação de carregamento apresenta maior produtividade na
parcela 1 (27 ton.h-1) quando comparada com a parcela 2 (22,3 ton.h-1). Estes
resultados reflectem a diferença do tipo de BF, forma de carga (na parcela 1 o
camião possuía uma grua acoplada, fazendo a sua própria carga, enquanto na
parcela 2 a carga foi feita por uma grua acoplada num tractor) e meio de
transporte distinto com diferentes capacidades de carga: o camião possuía uma
carga média de 22,0 ton na parcela 1, 17 ton na parcela 2 e 7 ton na parcela 3.
Relativamente ao tempo total necessário para extracção de 1 ton de BF (inclui a
realização de todas as operações até ao carregamento, não sendo contabilizado o
tempo de transporte), verifica-se que a parcela 2 necessita de maior tempo
(cerca de 19,7 min) face às restantes parcelas 1 e 3, que necessitam de 15 e 10
min respectivamente, para a extracção da mesma quantidade de BF (Quadro_2). No
que diz respeito à rechega, operação comum em todas as parcelas, a parcela 5 é
a que necessita de maior tempo para extracção de 1 ton (14 min), e a parcela 3
a que necessita de menos tempo (4 min). Tendo em conta que cada uma das
parcelas continha factores fisiográficos distintos, não é possível relacionar
os dados que levaram à obtenção dos valores de rechega, estando estes apenas
relacionados com as máquinas utilizadas, fisiografia do terreno e distância ao
carregadouro.
A trituração é outra actividade comum a grande parte das parcelas observadas,
nomeadamente parcelas 2, 3 e 4. Os parâmetros que variam no tempo gasto nesta
operação estão dependentes da marca e modelo da máquina, assim como a potência
das máquinas, espécie vegetal, tipo de BF e órgão de corte, sendo este último
comum em todas as máquinas utilizadas (martelos). Verifica-se que o tempo de
trituração de 1 ton é superior na parcela 3 (6 min.ton-1) e inferior nas
parcelas 3 e 4 (4 e 2 min.ton-1, respectivamente).
3.2 - Balanço económico e energético
Com a finalidade de estudar a viabilidade económica e energética da extracção e
aproveitamento energético da BF, calculou-se o balanço económico para as
parcelas 1, 2 e 3 e energético para as parcelas 1 e 2. O cálculo destes
balanços justifica-se pela variabilidade de operações e itinerários técnicos
observados, assim como pelo tipo de biomassa extraída e posterior comparação
entre resultados das parcelas. De salientar que, nas parcelas 4 e 5 não foram
observados itinerários técnicos, mas sim algumas operações isoladas (rechega e
trituração).
O cálculo do balanço económico consiste na diferença entre o custo total das
operações de extracção até à colocação do material vegetal na central de
consumo e o retorno da venda da BF entregue (com um diferencial positivo ou
negativo). O balanço energético permite calcular o saldo entre a energia que é
consumida por todas as máquinas utilizadas para a extracção da BF e a produção
em energia que a BF terá aquando da sua transformação na central. Para o
cálculo do balanço económico utilizaram-se os custos de cada operação que
compõe o itinerário técnico de cada parcela, tendo como base de cálculo a
extracção de 1 ton de BF. Utilizou-se como valor de receita o preço, em média,
praticado pelas Centrais Termoeléctricas de Biomassa Florestal para 1 ton de BF
(30 ). Estas centrais utilizam a BF, através da sua combustão, com a
finalidade única de produção de energia eléctrica, sendo denominadas por
centrais termoeléctricas dedicadas. Relativamente à parcela 1, calcularam-se os
valores dos custos em euros de extracção de 1 ton de BF das operações de
enfardamento, rechega, carga e transporte. Este balanço foi feito para uma
parcela localizada a 77 Km do centro de consumo, resultando num balanço
económico positivo no valor de 11,4 .ton1. Para a parcela 2, usaram-se os
valores dos custos em euros de extracção de 1 ton de BF das operações de
rechega, trituração, carga e transporte. Neste caso, a parcela estava
localizada a 55 Km do centro de consumo, resultando num balanço económico
positivo, embora um valor muito baixo, de 1,0 .ton-1. Para a parcela 3,
usaram-se os valores dos custos das operações de rechega, trituração + carga e
transporte, verificando-se um custo total de 12,9 e um balanço positivo de
17,1 .ton-1(Quadro_3). Quanto aos custos associados a cada uma das operações,
verificou-se que a parcela 2 apresentou o custo total mais elevado (29,0 .ton-
1), seguido da parcela 1 (18,6 .ton-1) e o mais baixo na parcela 3 (12,9
.ton-1). É de salientar que a distância do local de extracção ao centro de
consumo foi de 77 Km, 55 Km e 25 Km para as parcelas 1, 2 e 3, respectivamente
e que apesar da maior distância na parcela 1, o facto da capacidade de carga do
camião na parcela 1 ser superior ao utilizado na parcela 2 (22 ton 17 ton) fez
com que os custos de transporte fossem idênticos (7,6 e 7,0 .ton-1).
Verificou-se também que o custo total da parcela 2 foi principalmente
influenciado pelos custos das operações de rechega e trituração, e não tanto
pelos custos de transporte.
Para o cálculo do balanço energético, consideraram-se os consumos específicos
de combustível (gasóleo) em cada operação. Para tal, converteu-se o consumo em
energia (MJ.ton-1), obtendo-se o consumo energético de cada operação bem como
do conjunto das operações e, portanto, do sistema. Este valor foi calculado,
tendo em conta que 1000 L de combustível (gasóleo) equivalem a 46000 MJ de
energia (LUGER e WEISELBERG, s/d).
Para uma base de cálculo de 1 ton de biomassa de eucalipto (17500 MJ.ton-1)
(LUGER e WEISELBERG, s/d), calculou-se o balanço energético pela diferença
entre a energia produzida e a energia consumida. No caso de centrais em co-
geração, é possível converter a quase totalidade da energia da madeira em
energia eléctrica e térmica, razão pela qual no cálculo do balanço energético
se pode considerar como energia produzida o valor de 17500 MJ.ton-1. A co-
geração consiste na produção eficiente de 2 formas de energia (calor e
electricidade) no mesmo equipamento com a mesma fonte primária de energia,
neste caso é aproveitado o calor da combustão de BF para aquecimento (PROJECTO
ENERSILVA, 2007). Caso o objectivo seja apenas a produção de energia eléctrica
(centrais dedicadas), apenas 1/3da energia total contida na madeira pode ser
convertida em energia eléctrica. Neste caso, para o balanço energético apenas
se considera 1/3do valor da energia total, ou seja, 5833 MJ.ton-1 (MOREIRA et
al., 2010).
O Quadro_4 apresenta os valores do consumo de gasóleo (L.ton-1) e a sua
conversão em energia (MJ.ton-1). Verifica-se que o consumo energético do total
das operações na parcela 1 é 326,6 MJ.ton-1, sendo o transporte a operação com
maior consumo (161 MJ.ton-1), e o carregamento a operação que possui um menor
consumo (18,4 MJ.ton-1). Na parcela 2, o consumo energético total é 257,6
MJ.ton-1e, tal como na parcela 1, o transporte é a operação que possui um maior
consumo (73,6 MJ.ton-1) e o carregamento a operação de menor consumo (18,4
MJ.ton-1). O balanço energético é positivo nos dois itinerários técnicos,
embora o conjunto das operações da parcela 1 consuma mais 69 MJ.ton-1 que o
conjunto de operações da parcela 2. A maior diferença de consumo é no
transporte, com um valor de 161 MJ.ton-1na parcela 1 e 73,6 MJ.ton-1na parcela
2. Verifica-se que para a produção de 1 ton de BF foram consumidos 326,6
MJ.ton-1(parcela 1) e 257,6 MJ (parcela 2) e que essa mesma BF contém
aproximadamente 17500 MJ.ton-1de energia. Assim sendo, caso fosse possível
aproveitar toda a energia contida na BF (situação próxima da co-geração), o
saldo seria de +17173 MJ.ton-1e +17242 MJ.ton-1 nas parcelas 1 e 2,
respectivamente. Num cenário de utilização de biomassa no regime normal de
produção de energia em centrais dedicadas, onde só cerca de 1/3 da energia
contida na BF é possível ser transformada em energia eléctrica, o balanço de
energia seria menor, sendo, ainda assim, positivo e com um valor de +5506
MJ.ton-1(parcela 1) e +5575 MJ.ton-1 (parcela 2).
4 - Conclusões
O presente trabalho possibilitou a estimativa da produtividade das operações
monitorizadas no processo de extracção de biomassa florestal (BF). Com base
nesta estimativa, foi possível a comparação dos itinerários técnicos observados
na área de estudo, os quais apresentavam características fisiográficas
distintas, diferentes distâncias de transporte do material vegetal ao centro de
consumo e formas distintas de biomassa extraída (fardos e estilha).
O cálculo do balanço económico e energético permitiu uma avaliação sobre a
viabilidade de extracção de BF, tendo por base as propriedades específicas de
cada parcela (tipo de biomassa, maquinaria utilizada, itinerário técnico
utilizado). Os resultados obtidos indicam um balanço positivo para as situações
analisadas, tendo-se obtido um valor superior para a parcela 3 (17,1 .ton-1)
que se encontrava a 25 Km do centro de consumo (parcela mais próxima). No
entanto, comparando as parcelas 1 e 2, o balanço económico da parcela 2 (com um
balanço de 1,0 .ton1; distância ao centro de consumo de 55 Km) é inferior ao
da parcela 1 (distância de 77 Km, com um balanço de 11,1 .ton-1),
justificando-se estes valores pela tipologia de cada parcela, nomeadamente
material vegetal extraído (fardos e estilha), características fisiográficas,
maquinaria e itinerário técnico. Verificou-se um balanço energético positivo, o
que torna viável energeticamente a realização destes itinerários técnicos, para
estas condições, sendo que as operações da parcela 1 consomem maior quantidade
de energia que as da parcela 2, estando este diferença imputada à energia
necessária ao transporte (a distância ao centro de consumo é superior na
parcela 1).
A realização deste trabalho permitiu o desenvolvimento de metodologias para o
conhecimento dos tempos e custos das operações de extracção de BF. É
aconselhável a realização de estudos semelhantes a nível nacional para avaliar
condicionantes responsáveis pela variação do tempo e custo das operações, de
forma a criar um modelo de apoio à decisão.