Dispersão de Sementes por Herbívoros Silvestres: Estratégias em Espécies
Simpátricas
1 - Introdução
A dispersão de sementes, como quase todos os mecanismos da natureza, tem a sua
importância para a biodiversidade das nossas florestas. Esta tem tido uma
especial atenção no que diz respeito à dispersão a longa distância para melhor
compreender a migração de algumas espécies de plantas (CAIN et al. 1998, CLARK
et al. 1998, HIGGINS e RICHARDSON 1999, PAKEMAN, 2001 in: COUVREUR et al.,
2005). Mas, para este processo de migração de sementes e possível restauração
de habitats, é imprescindível que o animal tenha alimento, ou seja, vegetação
para consumir. Deste modo, as plantas têm estratégias para que, ao serem
consumidas pelos animais, as suas sementes sejam libertadas em áreas mais
afastadas, favoráveis à sua germinação. Ao longo dos anos, as plantas têm
evoluído defendendo-se de ataques sucessivos de animais, desenvolvendo
diferentes mecanismos para se protegerem (KARBAN e BALDWIN, 1997). Algumas
espécies de plantas localizam frequentemente os seus órgãos reprodutivos entre,
ou acima das folhas verdes, aumentando assim a hipótese de as sementes serem
consumidas, inadvertidamente, com outras partes das plantas (JANZEN, 1984;
HÜLBER et al., 2005 in: IRAVANI et al., 2011). À medida que as plantas
evoluíram e continuam a evoluir em busca de uma suposta defesa dos ungulados,
estes ao mesmo tempo vão reajustando a sua estratégia alimentar. A endozoocoria
pode assim resultar da ingestão de frutos, de sementes ou de uma combinação
entre ambos. DELLAFIORE et al. (2007) referem que a endozoocoria é um mecanismo
importante na dispersão de pequenas sementes, pois estas são consumidas ao
mesmo tempo que a folhagem. Porém, a probabilidade de sobrevivência das
sementes depende muito das características específicas como o tamanho, taxa de
crescimento, tolerância ao stress e o nível de competitividade (COSYNS et al.,
2005; COUVREUR et al., 2005). A germinação também depende do tamanho e da forma
das sementes, verificando-se que as mais pequenas e redondas germinam mais
vezes das fezes do que as maiores (PAKEMAN et al., 2002).
Este trabalho teve como objetivos avaliar a quantidade de sementes em
deposições de quatro espécies de herbívoros (Coelho, Lebre, Veado e Corço)
durante o período invernal e primaveril, identificar períodos importantes de
disseminação a partir da quantidade de sementes detetadas nas deposições
fecais, caracterizar a viabilidade das sementes presentes nas deposições
decervídeoselagomorfos, caracterizar a degradabilidade das deposições de
herbívoros no período invernal e primaveril e avaliar a germinação de sementes
durante o processo.
2 - Área de estudo e metodologia
O estudo realizou-se numa área próxima de Bragança, no Vale do Rio Onor, que
está situado no norte do Parque Natural de Montesinho (PNM) a Nordeste de
Portugal (6º49´07´´ W, 41º53´05´´ N) (CORTEZ, 2010). Nesta área podemos
observar uma grande variedade de comunidades vegetais, destacando-se soutos,
sardoais, carvalhais, bosques ripícolas, giestais, lameiros e estevais (ICNF,
2012).
Para este estudo foi utilizado material fecal recolhido em dois períodos
distintos: a) material fresco recolhido em 2011 e 2012, considerando quatro
espécies de herbívoros vertebrados (Cervus elaphus, Capreolus capreolus,
Oryctolagus cuniculus e Lepus granatensis), comuns na região, durante os meses
de Outubro e Dezembro de 2011 e Março e Julho de 2012. Pretendeu-se com estes
meses de recolha efetuar o estudo e análise no período Invernal e Primaveril e
b) material previamente recolhido nos anos de 2001 e 2002, congelado,
correspondente a duas espécies de cervídeos, durante os meses de Março, Abril,
Maio, Julho, Setembro e Dezembro (CORTEZ, 2010).
2.1 - Avaliação da quantidade de sementes presente em conteúdos fecais de
herbívoros:
As peletas fecais dos anos de 2011 e 2012 foram secas ao ar, durante
aproximadamente 5 a 8 dias (MALO e SUÁREZ, 1998; PAKEMAN et al., 2002). Para os
anos de 2001 e 2002, o processo foi ligeiramente prolongado, ficando os
excrementos ao ar durante mais alguns dias. No laboratório, pesaram-se cerca de
2,5g de peletas secas (CORTEZ, 2010) (o que corresponde a aproximadamente 5
peletas de Veado, 10 de Corço, 15 de Lebre e 30 de Coelho, devido aos tamanhos
diferentes das mesmas). Seguidamente, efetuou-se uma lavagem ligeira para
remoção de resíduos e contaminação exterior e posteriormente foram trituradas
manualmente. O material fecal foi sujeito a uma separação prévia, com o auxílio
de três crivos, com malhas de 1mm, 500µ e 53 µ (MANZANO et al., 2005; MYERS et
al., 2004). Após estes procedimentos, passou-se àobservação e deteção das
sementes no material fecal, recorrendo a uma lupa estereoscópica com ampliação
até 20x. As sementes encontradas foram recolhidas e guardadas em tubos de
Eppendorf, com a respetiva identificação do animal e data de recolha.
Seguidamente, foram feitos registos fotográficos das sementes através do
software CellSens para reconhecimento. Com os processos todos realizados,
seguiu-se a identificação das mesmas, com auxílio de uma lupa estereoscópica
Olympus. As sementes foram mantidas nos tubos, em ambiente húmido durante cerca
de 3 dias até serem colocadas a germinar.
2.2 - Avaliação da capacidade germinativa das sementes:
As sementes recolhidas dos excrementos e que se apresentavam em perfeito estado
foram colocadas em tabuleiros (Julho de 2012) apropriados para a germinação com
quadrados de aproximadamente de 5x5 cm cobertos de terra para vasos. Com o
intuito de compreender se as sementes germinam melhor quando isoladas ou
inseridas nos excrementos, foram também colocadas em tabuleiros, 2,5g de
excrementos (ver 2.1) recolhidos em 2011 e 2012, que foram replicados 3x para
cada espécie de herbívoro e para cada período de recolha, deixando um espaço
sem sementes para controlo.
2.3. Degradação de excrementos
No campo, dentro da área de estudo, foram colocados 5 grupos de 20 peletas,
identificados de cada espécie animal, depositados em linha e observados nos
meses de Outubro, Novembro, Dezembro de 2011 e Fevereiro, Junho e Setembro de
2012 para avaliar a sua degradabilidade ao longo dos meses (BARTUSZEVIGE et
al., 2008). Simultaneamente, foi verificada a ocorrência ou não de germinação
em todas as peletas durante os períodos de visita.
2.4 - Análise de dados
As espécies de sementes foram agrupadas em Gramíneas (Gram), Herbáceas (Herb)
Arbustivas (Arb), Arbóreas (Arv) e o grupo das Desconhecidas (Desc), para as
espécies que não foi possível identificar. Na contagem de sementes não foi
possível obter a normalização dos dados, mesmo após transformação, pelo que foi
efetuada uma ANOVA não paramétrica Kruskal-Wallis (ZAR, 1996) para avaliar as
diferenças entre o número de sementes obtidas nos excrementos e os Grupos de
plantas, Mês e Espécie de herbívoro. Esta análise foi efetuada separadamente
para os dados referentes ao período de 2011/2012 e para o período de 2001/2002.
Neste último período foi possível comparar também o Ano de recolha. Nos casos
em que se detetaram diferenças significativas, foi efetuado o teste de Dunnett
(BAKKER et al., 2008). Os dados foram analisados com recurso ao software
Statística 7 (Statsoft Inc.).
2.5 - Degradabilidade
Como os grupos de excrementos foram sendo observados ao longo do tempo para
registo do seu desaparecimento, os resultados foram analisados com uma ANOVA de
medições repetidas para apreciação da degradação de excrementos. Os resultados
foram considerados significativos para p <0,05. A homogeneidade das variâncias
foi verificada com o teste de Cochran (C), Hartley (F) e Bartlett (ZAR, 1996).
Foram efetuados testes a posteriori (Tuckey HSD) para verificar a origem da
variação.
3 - Resultados
Na Tabela_1 podemos observar a listagem dos grupos de plantas identificadas,
bem como o período de floração. Não se apresenta a fase de disseminação de
sementes por não haver fontes para todas as espécies e por não ter sido
possível efetuar a verificação da mesma no campo.
Como se pode observar, na maior parte dos géneros identificados, a fase de
maturação e consequente libertação das sementes só ocorrerá algum tempo após a
floração, o que corresponde, de um modo geral, aos períodos de Verão e Outono.
De referir também que, em dois casos, apenas foi possível identificar a Família
da semente, devido às suas características, não chegando a um nível taxonómico
mais restritivo (Género ou Espécie).
Na Tabela_2 encontram-se os números totais das contagens de sementes
encontradas nos dois períodos em causa. Em 2001/2002 foram identificadas
sementes de vidoeiro (Arv), não aparecendo este grupo em 2011/12.
Nas Figuras_1 e 2, apresentam-se os valores médios mensais de contagem de
sementes, com o respetivo desvio padrão, reunidos em grupos de plantas para uma
melhor apreciação dos resultados, destacando-se a grande variabilidade na
contagem das sementes presente nas peletas fecais.
Na Figura_1 podemos observar a presença de sementes nos excrementos de veado e
lebre em todos os períodos analisados. O grupo das Desc se destacam mais no mês
de Outubro para o veado, enquanto no caso do Corço são as Arbustivas no mês de
Março que se distinguem mais. Relativamente aos Lagomorfos, o mês de outubro
foi também o que revelou maior quantidade de sementes, com relevância para o
grupo das Herbáceas.
Em 2001 (Figura_2) foi consumida mais variedade de grupos mas principalmente as
Herbáceas e Arbustivas, enquanto em 2002 se destacaram mais as Arbustivas. Por
último para o Corço verifica-se que poucos foram os grupos encontrados
evidenciando-se as Desc em 2001 nos meses de Julho e Setembro e em 2002
revelam-se as Arbustivas em Abril e as Desc em Dezembro/Janeiro.
O resultado da Anova não paramétrica (Kruskal-Wallis) para Veado, Corço, Lebre
e Coelho em 2011/2012, demonstrou que foram detetadas diferenças significativas
(p <0,05) entre o número de Sementes x Mês (H (3, N= 192) =33,054 p =0,0000),
dos quais se destacou o mês de Outubro. N corresponde à dimensão da amostra
global. O teste de Dunnett revelou que o grupo das Arbustivas apresentou um
número de sementes significativamente superior ao dos restantes. Foram também
detetadas diferenças significativas entre Sementes x Animal (H (3, N= 192)
=15,126 p =0,002), tendo o mesmo teste de Dunnett evidenciado um nº de sementes
estatisticamente superior no coelho, relativamente aos restantes herbívoros.
Não houve diferenças significativas para as variáveis Nº Sem x Grupo (H (3, N=
192) =1,290 p =0,732).
Relativamente ao resultado do teste de Kruskall-Wallis para as contagens
respeitantes a 2001 e 2002 apenas para Veado e Corço, constatou-se que o nº de
sementes diferiu significativamente (p <0,05) para os Grupos de plantas (H (4,
N= 720) =23,935 p =0,0001), para os Meses (H (5, N= 720) =38,434 p =0,000),
entre Animais (H (1, N= 720) =21,102 p =0,000) e Anos (H ( 1, N= 720) =7,150 p
=0,008). Segundo os testes de Dunnett, para o primeiro caso (Nº Sem x Grupo),o
nº de sementes foi significativamente superior nas arbustivas comparativamente
com os restantes grupos. Relativamente ao Mês, o nº de sementes detetado foi
significativamente maior em Abril, em comparação com os restantes meses. No
caso do Animal, o nº de sementes encontrado no Corço foi significativamente
inferior ao do Veado.
3.1 - Germinação
3.1.1 - Germinação a partir de sementes
Os resultados da germinação de sementes podem ser observados na Tabela_5.
Verifica-se que, entre os Cervídeos, se obtiveram mais germinações nas sementes
retiradas dos excrementos de Veado nos meses de Dezembro e Março,
comparativamente com o Corço, tendo sido observada apenas 1 germinação para
esta espécie. No caso dos Lagomorfos, foram observadas também mais germinações
no caso do Coelho do que na Lebre.
Para os anos de 2001 e 2002 (Tabela_6) só se verificaram germinações para o
Veado e nos meses em que foram observadas mais sementes (Setembro de 2001 e
Abril de 2002). Nas contagens de Corço não ocorreram germinações durante este
estudo.
3.1.2 - Germinação a partir de excrementos
Na germinação diretamente a partir dos excrementos, podemos observar que a taxa
de germinação é baixa nas quatro espécies. Das 5 peletas de Veado que foram
colocadas no tabuleiro com três repetições só se verificou uma germinação, como
se pode verificar na Tabela_7. Nos excrementos de Corço também só ocorreu uma
germinação nas peletas recolhidas em Março. Para os Lagomorfos, as ocorrências
ainda foram mais baixas, visto que só surgiu uma germinação nos excrementos de
Lebre.
3.2 - Análise da degradabilidade dos excrementos
A degradabilidade dos excrementos das quatro espécies de herbívoros pode ver-se
na Figura_3. Os excrementos de Coelho e Lebre degradaram-se mais lentamente do
que os excrementos de Veado e Corço. Contudo, no caso dos lagomorfos,
verificou-se uma mais rápida degradação nas primeiras semanas e só mais tarde
se verificou o acentuado decréscimo no número de peletas de cervídeos.
Foram detetadas diferenças significativas na degradação de peletas fecais para
a Espécie (F= 4,06, P = 0,025), para as Visitas (F= 85,408, P = 0,000) e para a
interação Visita x Espécie (F= 3,462, P = 0,000). Os testes a
posteriorirevelaram que as diferenças entre espécies se devem essencialmente ao
Corço e à Lebre. Quanto às interações, as diferenças deveram-se mais às últimas
visitas (Julho e Setembro) para a maior parte das espécies.
4 - Conclusões e discussão
As sementes necessitam de um certo período de tempo e uma combinação adequada
de temperatura, humidade e radiação solar para germinar, mas estas condições só
aparecem durante poucos meses do ano nas regiões mediterrânicas, principalmente
na Primavera e no Outono. Em anos em que estas condições não se proporcionem, a
germinação não se dá (ZAMORA et al., 2004). Assim sendo, o processo de
germinação pode também ser afetado pelas condições controlada por si só e a sua
transposição para os processos naturais deve ter isso em conta. Neste contexto,
o mês que mais se destacou para o consumo de sementes em 2011/2012 foi o mês de
Outubro para o Veado, Coelho e Lebre, sendo que o Corço teve mais observações
em Março. Possivelmente, esta diferença entre animais pode ter a ver com a
forte seletividade conhecida para o Corço (CORTEZ, 2010; MINDER, 2012).
Em relação às sementes encontradas, pode-se dizer que eram sementes em geral de
pequenas dimensões (< 1mm) e apenas a Rubus sp, que foi encontrada nos
excrementos de Corço com mais abundância, tinham um tamanho maior. Para o ano
de 2001 verificamos que os excrementos de Veado e de Corço têm maior número de
sementes em Setembro, tendo este último também revelado a presença de sementes
nas peletas fecais em Julho, revelando coincidência nos períodos de
disseminação de sementes para esse ano. No ano de 2002, os meses de maior
interesse foram Abril para Veado e Corço e Dezembro para o caso do Corço.
Contudo, ainda que em número reduzido de sementes, os excrementos de veado
revelaram sempre uma presença mais continuada ao longo do ano do que o corço.
As diferenças detetadas entre os períodos de estudo poderão dever-se às
condições climáticas de cada ano e à abundância de vegetação na área de estudo.
Este facto é evidente no período de dois anos de estudo (2001 e 2002) e pelo
facto de se terem verificado diferenças significativas entre anos. Um outro
aspeto a realçar prendese com a ingestão de sementes de Cistus ladanifer, em
março, quando o período de floração se inicia em Abril. Uma provável
justificação para este caso poderá ser a ingestão de cápsulas do ano anterior,
que não tenham perdido todas as sementes, como é frequente verificar-se no
campo, como comprova MALO e SUÁREZ (1998), que refere a probabilidade de
ocorrer uma ingestão seletiva de cápsulas.
Nos anos de 2011/2012 nas quatro espécies houve germinações, o que mais se
destacou foi o coelho. Curiosamente, nos anos de 2001 e 2002 as sementes também
germinaram nos dois anos só no veado. Este facto sugere-nos que mesmo após o
processo de congelação as sementes continuam viáveis durante vários anos no
interior dos excrementos dos animais. A escassez de resultados de germinações
diretamente a partir das peletas poderá ter a ver com o facto de um ambiente
controlado não ser o mais propício à ocorrência de germinação, sobretudo se se
tratar de espécies que necessitem de choque térmico (FAUST et al., 2011).
Nos dados da degradabilidade, os excrementos de veado e corço manifestaram uma
linha de degradação similar e mais brusca nas primeiras semanas de observação,
diminuindo depois mais lentamente. Já nos excrementos de coelho e lebre também
se degradaram com algum paralelismo, mas estes foram desaparecendo gradualmente
ao longo do tempo. Esta tendência dentro de cada grupo taxonómico pode dever-se
às semelhanças entre as características dos excrementos e, por esse motivo,
manifestarem um comportamento semelhante quanto à sua degradação. Note-se que
estes dados podem estar influenciados pelos agentes abióticos e bióticos, uma
vez que foram observados em campo alguns indícios de insetos nos excrementos.
Através deste estudo chegamos a conclusão que, nos períodos de observação,
existem espécies mais importantes que outras para a disseminação de sementes.
As espécies que mais contribuem para este facto são o Veado e a Lebre. Já nas
espécies de plantas, as que mais se observaram foram dos géneros Rubus, Cistuse
Agrostis. Outra conclusão foi que, de um modo geral o mês de Outubro
corresponde ao período de maior disseminação de sementes, seguindo-se o período
primaveril de Março e Abril. Verificamos também que algumas sementes continuam
viáveis após a passagem pelo trato digestivo dos animais, mesmo ficando
congeladas durante anos após a excreção. A degradação das peletas apresentou
semelhanças de acordo com a família do animal. Contudo, não foi possível
verificar germinação em nenhuma das peletas colocadas no campo. Este processo
necessita de uma melhor compreensão, não apenas dos fatores que interferem no
processo como também dos períodos em que são recolhidas e marcadas as
deposições.