Exploração Lenhosa de Pinus Pinaster em Áreas com Perigo de Fogo
Introdução
O pinheiro bravo (Pinus pinaster Ait.) é a espécie resinosa predominante em
Portugal, ocupando cerca de 27% da área florestal nacional (885019ha). É muito
importante a nível económico, mas a sua exploração encontra-se condicionada
devido a três fatores: o nemátodo da madeira do pinheiro, os incêndios
florestais e as alterações climáticas. Na região Norte os incêndios florestais
são o fator que tem atualmente maior impacto. No caso do pinhal bravo, o perigo
de incêndio é principalmente alto nos primeiros anos, em que ainda não houve
nem desramação nem desbaste e os povoamentos se encontram com uma maior
densidade, atingindo o pico de combustibilidade por volta dos 15 anos de idade
(FERNANDES, 2007).
Para evitar que um fogo de superfície passe para as árvores, são preconizadas
medidas de silvicultura preventiva, incluindo (1) a redução do coberto
arbustivo, através de intervenções mecânicas, pastoreio, tratamentos químicos
e/ou uso de técnicas de fogo controlado, (2) a desramação e (3) a realização de
desbaste. A realização de desbastes ainda que possa provocar um aumento ligeiro
da intensidade do fogo de superfície, devido à maior secura do material que
fica, diminui a vulnerabilidade do povoamento ao fogo de copas (FERNANDES,
2007).
Este estudo respeita a 1398 ha de pinhal bravo que abrange 5 áreas comunitárias
(baldios de Canedo, 121ha; Seirós, 341ha; Melhe, 306ha; Santa Marinha Norte,
465ha; Santo Aleixo, 165ha), no concelho de Ribeira de Pena, na região Norte de
Portugal (41º24'N e 41º39'N; 7º42'W e 7º54'W). Na região de estudo, a gestão
está dirigida para exploração da madeira e considera a realização de desbastes
pelo baixo a partir dos 15- 20 anos, podendo prolongar-se, com uma
periodicidade não inferior a cinco anos. O corte final realiza-se entre os 40 e
os 45 anos, de forma a garantir que a idade da explorabilidade absoluta já
tenha sido atingida e a madeira retirada tenha dimensões adequadas para ser
classificada como de serração (MOREIRA e FONSECA, 2002). A gestão florestal é
feita de forma empírica, pelo que nem sempre são consideradas as práticas
preventivas aconselhadas.
Para otimizar a gestão florestal preconiza-se a utilização de Sistemas de
Suporte à Decisão. A partir de meados do século 20, verificou-se uma grande
expansão das aplicações de programação matemática no domínio das ciências
florestais (veja-se WEINTRAUB et al, 2007 para uma revisão das principais
abordagens e exemplos de aplicação). Em trabalhos anteriores (MOTA, 2011 e
FONSECA et al., 2012) foram propostos modelos de otimização para determinar
planos de exploração para o pinhal bravo da região, mas sem todavia fazerem
referência à avaliação do perigo de fogo.
Os objetivos específicos deste estudo são (1) a aplicação de um algoritmo de
otimização para obter o plano de exploração ótimo para o período 2012 a 2016;
(2) a comparação dos resultados obtidos quanto ao volume e à capacidade de
propagação do fogo, em 2016, quando se adota o plano de exploração
comparativamente à não intervenção produtiva.
Material e métodos
Caraterização sumária dos dados disponíveis
A descrição da criação da base de dados inicial, assim como os procedimentos
seguidos para a calibração dos dados de inventário em pinhal bravo, que a
suportam, e a estimação das variáveis dos povoamentos encontra-se detalhada em
MOTA (2011) e em FONSECA et al. (2012).
A área de estudo está estratificada em 881 parcelas de gestão com áreas
compreendidas entre os 0,5 e os 2,5ha (média global de 1,6ha), com a seguinte
distribuição: 86 em Canedo, 212 em Melhe, 208 em Santa Marinha, 280 em Santo
Aleixo e 95 em Seirós.
Em 2012, os extremos de idade nas parcelas são 21 e 48 anos e a idade média,
ponderada pela área, é de 32 anos. O número médio de árvores por hectare (N,
árv/ha) varia entre 500 a 900 e a média quadrática dos diâmetros (dg,cm) entre
25 e 30.
No Quadro_1 carateriza-se a lotação dos povoamentos e a estrutura vertical das
parcelas de gestão, no início do período de planeamento. A caraterização da
lotação é baseada na variável índice de densidade dos povoamentos (SDI, Stand
Density Index) e na linha de máxima densidade definida para o pinheiro bravo
em Portugal por LUIS e FONSECA (2004).
Simulação da perigosidade do fogo com recurso ao PiroPinus
Neste estudo usou-se a aplicação informática PiroPinus (FERNANDES et al., 2012)
para obter indicação quanto ao tipo de incêndio que pode ocorrer nas parcelas
de gestão. As condições base para a simulação dizem respeito à época estival,
admitindo valores de humidade de 5% e velocidade de vento de 8km/h. A simulação
presume que há uma gestão periódica do combustível de superfície, com um ciclo
de limpeza de 4-5 anos. As condições de combustível usadas correspondem a um
pinhal recém-tratado (2-3 anos), tendo-se assumido uma altura de folhada de
2cm, uma altura média de sub-bosque de 60cm e um coberto arbustivo de 30%. Para
o coberto herbáceo e/ou de fetos, assumiu-se um valor de 10% e uma altura média
de 60cm. Estes valores correspondem à perceção da acumulação do combustível com
o tempo, sendo considerados representativos para os baldios da área de estudo,
conforme verificação no terreno e parecer de um técnico florestal que trabalha
na região. Os valores estão em consonância com o verificado na vizinha serra da
Padrela, 2-3 anos após fogo controlado (FERNANDES et al., 2004).
Os valores de entrada referentes ao estrato arbóreo incluem as variáveis N, dg,
h e cbh, já definidas. As variáveis de saída registadas para cada parcela e em
cada ano do período foram o tipo de propagação de fogo, com as categorias: fogo
de superfície (Fs), ou quando o fogo chega às copas, fogo de copas passivo
(Fcp) ou ativo (Fca).
Algoritmo de otimização
O planeamento das atividades de gestão florestal teve como suporte um modelo de
programação linear inteira desenvolvido por MARTINS et al. (2012). O modelo
permite identificar onde se deve intervir, qual o tipo de intervenção que se
deve efetuar (corte raso ou desbaste) e quando (em que ano do horizonte de
planeamento), de modo a maximizar o volume de madeira retirado, atendendo a um
conjunto de restrições silvícolas, organizacionais, espaciais e de
sustentabilidade. As restrições silvícolas, asseguram um intervalo mínimo de 5
anos entre intervenções e introduzem limites nas idades dos povoamentos a
submeter a corte raso (mínimo de 35 anos) ou desbaste (entre 15 e os 55 anos,
inclusive, desde que o valor de SDIseja superior ou igual a 60%, de forma a
antecipar a mortalidade natural). As restrições organizacionais garantem uma
gestão equilibrada ao longo do período de planeamento, ao nível da quantidade
de material lenhoso removido e a obtenção de receita por baldio, pelo menos, a
cada triénio.
As restrições espaciais, designadas por green-up, impõem uma área máxima de
10ha, valor estipulado pela Autoridade Florestal Nacional, para as clareiras
(consideradas como uma área contígua temporariamente desarborizada por corte
raso) e impedem o corte raso de parcelas adjacentes durante um período de 3
anos, que é o tempo médio que a espécie demora a atingir 20 a 30cm de altura
depois de um corte raso, após regeneração natural. Para assegurar a
sustentabilidade impõe-se que o volume de madeira em pé (Vp, m3) e o acréscimo
anual de produção de madeira em 2016 seja superior ou igual aos correspondentes
valores em 2012.
O modelo foi implementado no sistema Xpress Optimizer Version 22.01.0.
Resultados e discussão
No Quadro_2 apresentam-se os valores da idade média dos pinhais (t), ponderada
pela área, os valores de volume em pé (Vp) dos baldios e ainda a capacidade de
propagação do tipo de fogo esperado, em 2012.
Verifica-se que em 2012, no conjunto dos 5 baldios, 85,1% da área apresenta
capacidade de propagação de fogo de superfície. A possibilidade de propagação a
fogo de copas passivo ocorre apenas no baldio de Melhe. No baldio de Santa
Marinha mais de 1/3 da área apresenta capacidade de propagação a fogo de copas
ativo.
Os resultados podem estar associados a vários fatores: a idade das árvores, o
espaçamento entre elas e a distância até à base da copa. No caso do baldio de
Melhe, as árvores apresentam uma distância à base da copa não muito elevada
(8,9m), comparativamente a valores observados noutros baldios, e uma densidade
média de 32%, indicando que as árvores se encontram relativamente espaçadas. O
baldio de Santa Marinha apresenta povoamentos jovens, com elevado número de
árvores por hectare (2200). Acresce neste caso a pouca distância à base das
copas, 8,2m, o valor médio mais baixo observado no conjunto dos 5 baldios.
No Quadro_3 apresenta-se o resultado da evolução dos povoamentos, na ausência
de qualquer intervenção.
Em 2016 há uma redução da proporção de área em perigo de sofrer fogo de copas
ativo relativamente a 2012. O baldio de Seirós deixa de apresentar parcelas com
esse tipo de perigo e no baldio de Santa Marinha a redução é de 105 para 59 ha.
Há também redução na possibilidade de ocorrer fogo de copas passivo no baldio
de Melhe. A esta redução não é alheia a evolução natural das caraterísticas
biométricas dos povoamentos, nomeadamente o aumento em altura das árvores e um
maior distanciamento das copas ao solo.
Nos Quadros_4 e 5 apresentam-se os resultados obtidos de acordo com o plano de
gestão usando o modelo de otimização quanto ao volume de madeira removida em
cada um dos anos do horizonte de planeamento e à capacidade de propagação de
fogo em 2016.
Do volume total de madeira removida, 89% é obtido em corte raso. A área sujeita
a corte raso é 124ha e a de desbaste é de 44ha que equivale, respetivamente a
8,87% e 3,12% da área total. Os desbastes só ocorrem no baldio de Santo Aleixo
porque é o único que, durante o período de planeamento, atinge valores de SDI
de 60%. A análise detalhada da solução permitiu verificar que a realização de
desbaste ocorre em povoamentos com idades compreendidas entre 26 e 39 anos,
enquanto o corte raso é efetuado em povoamentos com idades entre os 41 e 50
anos.
A solução foi representada em ambiente ArcGis, para cada um dos baldios. Na
Figura_1, apresenta-se como exemplo o mapa para o baldio de Santo Aleixo. O
efeito das restrições de green-up é visível na solução obtida, onde a maior
clareira, num período de 3 anos consecutivos, tem uma área de 9,7ha (assinalada
na Figura_1).
Comparando as caraterísticas dos baldios em 2016 na ausência do plano de
exploração (Quadro_3) com as obtidas na presença do plano de exploração (Quadro
5) verifica-se que na ausência de intervenção, a quantidade de madeira em 2016
é superior em 2700m3 ao valor acumulado entre o que permanece em pé nesse ano e
o que foi removido durante o período, no caso de se efetuarem intervenções. A
idade média do pinhal é superior na ausência de intervenção, o que confirma
serem os povoamentos mais velhos que, de uma forma geral, são os sujeitos a
corte raso. Esse facto pode também explicar, mesmo que não totalmente, a
semelhança encontrada em 2016 ao nível de tipo de propagação de fogo esperado.
Ainda que a área não seja comparável, em termos percentuais, as variações
observadas por tipologia, são apenas residuais.
No fim do horizonte temporal a percentagem da área de estudo arborizada com
capacidade de propagação de fogo de superfície aumenta em qualquer dos casos,
passando de 85,1%, para 92,9% sem plano de exploração (1299ha) e 92,3% com
plano de exploração (1175ha). Em contrapartida há uma redução da área associada
a fogo de copas. Como a execução de desbastes não incidiu em parcelas com
capacidade de propagação a fogo de copas, a redução de área associada à
possibilidade de ocorrência de fogo de copas, com o consequente aumento de área
associada a fogo de superfície, está neste caso diretamente relacionada com a
evolução natural dos povoamentos (por exemplo, o aumento da altura das árvores
até a base da copa) e não com a execução de desbaste.
Conclusões
Este estudo conjuga a exploração do material lenhoso de pinheiro bravo, em
zonas comunitárias, com a avaliação da perigosidade de incêndio.
O modelo de otimização adotado tem em conta critérios de gestão florestal
sustentável. Por um lado assegura que a taxa de crescimento no último ano é
pelo menos igual à taxa de crescimento inicial e que as existências no último
ano do horizonte de planeamento sejam também pelo menos iguais às existências
no início do plano. Em 2012 os povoamentos apresentam um total de 326143m3. A
quantidade de madeira em 2016 é 378437m3. O valor acumulado entre o que
permanece em pé nesse ano e o que foi removido durante o período, no caso de se
efetuarem intervenções é inferior, em apenas, 2700m3 ao verificado na ausência
de intervenção. As restrições de green-up, respondem às exigências associadas à
proteção do ambiente, ao nível da criação de habitat favorável à fauna e flora,
promoção da diversidade, manutenção da qualidade do solo e da água, entre
outros.
Os incêndios florestais são uma das principais ameaças ao pinheiro bravo em
Portugal e em particular na área de estudo. As simulações efetuadas com o
PiroPinus permitem verificar que a maior parte da área de estudo apresenta
capacidade para propagação de fogo de superfície, sendo esse valor de 85,1% da
área de estudo, no início do horizonte temporal e de aproximadamente 92,5% em
2016, adotando ou não o plano de exploração. Neste estudo assumiu-se que há uma
gestão periódica do combustível de superfície, com um ciclo de limpeza de 4-
5 anos. Na ausência de gestão da vegetação de sub-bosque é expetável um cenário
menos otimista, com um aumento da área de pinhal propensa a fogo de copas. A
realização dos desbastes para índices de lotação iguais ou superiores a 60%,
assumidos no modelo de gestão, presume a antecipação de mortalidade por
competição intraespecífica. Os resultados mostram que, pelo menos em pinhais
adultos, o critério usado para executar desbaste não se traduz numa técnica de
silvicultura preventiva eficaz, ao nível de risco de incêndio.
O estudo aponta para a conveniência de incluir em futuros modelos de exploração
florestal o uso de limiares mais baixos para a lotação dos povoamentos, a
extensão do plano a pinhais com idades mínimas de 10 a 15 anos (usualmente não
considerados em planos de exploração do pinheiro bravo) e ainda a incorporação
da perigosidade do fogo. A consideração destes elementos permitirá obter um
plano de exploração ótimo, visando reduzir a perigosidade de fogo nas parcelas
onde o mesmo pode assumir tipologias de fogo de copas ativo e/ou considerar
como prioritárias para corte raso essas parcelas, caso a intervenção não seja a
solução adequada.