Concentrações e fluxos de nutrientes no gotejo e escorrimento do tronco de
Fraxinus angustifolia Vahl
INTRODUÇÃO
Os lameiros com árvores espaçadas constituem um sistema característico das
paisagens do Nordeste de Portugal. Esse sistema, como o montado (Nunes et al.,
2003), caracterizase na generalidade por uma estrutura espacial heterogénea,
permitindo diferenciar áreas claramente influenciadas pelas copas da árvores,
de outras onde os múltiplos efeitos destas, em caso de existir, se fazem notar
de forma débil e indirecta. Estudos em sistemas semelhantes relatam que as
árvores espaçadas podem levar à ocorrência de ilhas de fertilidade devido ao
acréscimo de inputs de resíduos orgânicos e de nutrientes que transferem para o
solo via queda de folhas, senescência das raízes, gotejo e escorrimento ao
longo do tronco. Segundo Gersper & Holowaychuk (1970) e Seiler &
Matzner (1995), o escorrimento do tronco e o gotejo podem determinar gradientes
de humidade e de nutrientes a partir do tronco das árvores e assumir um papel
importante na diferenciação espacial das características físicas e químicas do
solo.
O papel da copa das árvores na modificação das características químicas da
precipitação tem sido documentado em vários estudos referentes a diversas
espécies florestais (Parker, 1983; Gauquelin et al., 1992; Seiler &
Matzner, 1995; Rodá et al., 2002; Nunes et al., 2003). O fluxo de nutrientes
através do gotejo é frequentemente atribuído à precipitação, deposição seca e
lixiviação dos solutos intracelulares da folhagem. No entanto, alguns
nutrientes não mostram esse enriquecimento porque são absorvidos pela folhagem
e líquenes (Moreno et al., 2001). A discriminação dos processos que ocorrem na
copa torna-se importante, uma vez que a deposição húmida e seca corresponde
frequentemente a inputs externos para o sistema, enquanto que a lixiviação
representa a recirculação de nutrientes dentro do sistema (Rodrigo et al.,
2003).
Em Portugal foram efectuados alguns estudos em sistemas florestais ou
agroflorestais, em que se analisou o contributo da precipitação e do gotejo no
ciclo de nutrientes, destacando-se os de Portela & Pires (1995) num souto
de Trás-os-Montes, de Cortez (1996) e de Bispo (2002) em eucaliptais na área de
Pegões; de Cortez (1996) num pinhal na área da Companhia das Lezírias, bem como
de Nunes et al. (2003) em montados de Quercus rotundifolia Lam. no Sul de
Portugal (região de Évora). Nestes sistemas também foram estudados os efeitos
do escorrimento do tronco das árvores na variação espacial das características
do solo (Cortez et al., 2004). Porém, nenhuma informação existe no respeitante
ao freixo, mormente quando se pretende analisar, em detalhe, o efeito da
presença desta espécie nos lameiros do Nordeste de Portugal.
Neste contexto, foi desenvolvido um estudo num lameiro localizado no Nordeste
de Portugal (região de Bragança) para avaliar o efeito das copas de freixo (i)
na intercepção da precipitação bruta e nas características químicas do gotejo e
do escorrimento do tronco e (ii) no fluxo de nutrientes para o solo e a sua
possível influência na diferenciação das características do mesmo. A informação
respeitante ao efeito na intercepção da precipitação bruta foi relatada em
publicação anterior (Pereira et al., 2007).
MATERIAL E MÉTODOS
Área experimental
O estudo experimental foi efectuado num lameiro localizado junto à aldeia de
Alfaião (41º 46'55''N; 6º 24'51''W; 510 m de altitude), pertencente ao concelho
de Bragança, no Nordeste de Portugal. Este lameiro tem uma área aproximada de 3
hectares e situa-se num pequeno vale assente em formações silúricas do complexo
vulcano silicioso (Pereira et al., 2000), enquadrado numa paisagem de relevo
bastante ondulado. Os solos da área do lameiro correspondem a Fluvissolos
êutricos (FAO/UNESCO, 1988). O clima da região é do tipo mediterrânico,
caracterizado por elevada secura e temperatura no período estival, enquanto no
Inverno é chuvoso e muito frio. Em Bragança, que dista cerca de 12 km do local
de estudo, a precipitação média anual é de 741,1 mm (85,9 % no período de
Outubro a Maio) e a temperatura média anual de 11,9ºC (INMG, 1991). Na Figura 1
apresenta-se os valores mensais da precipitação bruta e a média mensal da
temperatura do ar ao longo do período de estudo, constatando-se que durante
parte deste (Novembro de 2000 a Março de 2001) a precipitação foi muito
superior à normal climatológica.
Figura 1 ' Valores mensais da precipitação (P) e média mensal da temperatura
(T) do ar durante o período de estudo.
Amostragens
A quantificação da precipitação bruta e da precipitação sob coberto foi
realizada por intermédio de udómetros de pratos basculantes, modelo ARG 100 da
Environmental Measurements, fixos a um estrado de madeira e com a boca a 60 cm
do solo. Sob o coberto de uma árvore de freixo, que apresentava uma altura
total de 17,0 m, uma altura da copa de 14,7 m, um diâmetro do tronco à altura
do peito de 0,4 m e uma área de projecção vertical da copa de 104,9 m2,
instalaram-se 4 udómetros a cerca de 1,50 m do tronco, distribuídos segundo os
eixos cardeais principais (N, S, E, W); instalou-se um udómetro fora da
influência da copa da árvore para medir a precipitação bruta. Os udómetros
foram ligados a um sistema de registo e armazenamento de dados, modelo CR10 da
marca Campbell Scientific, programado para registar a precipitação acumulada
horária e diária. Ao lado de cada udómetro colocou-se um garrafão com
capacidade de 5 L, ancorado ao solo através de duas estacas de ferro, que
suportava no topo um funil de polietileno com 19 cm de diâmetro, para recolha
da precipitação. O funil foi rodeado por uma rede pontiaguda em torno da sua
extremidade mais larga, de forma a evitar que as aves nele se empoleirassem, e
no seu interior foi colocado uma rede de malha de 1mm para evitar a entrada de
resíduos. Estes garrafões foram envoltos por um saco de plástico preto de forma
a evitar o desenvolvimento de algas. No final do período de cada amostragem,
normalmente de duas semanas, quantificaram-se as precipitações acumuladas e
recolheram-se amostras de água para processamento analítico. Após a
quantificação e colheita de amostras, em cada data de amostragem, os udómetros
foram lavados com água destilada, após o que se aplicou 1 mL de clorofórmio
para impedir o desenvolvimento de algas.
A colheita do escorrimento do tronco (ET) foi efectuada através de uma caleira
helicoidal de borracha colocada à volta do tronco da árvore de forma que a água
escorrida ao longo do tronco fosse conduzida para um recipiente, com uma
capacidade de 50 L. O volume de água medido via ET foi referido à área da
projecção vertical da copa da árvore. A estimativa da quantidade de ET que
atingiu o solo foi também calculada dividindo o volume obtido durante o período
de estudo, pela suposta área de contribuição, considerando um gradiente de
distância (10, 25, 50, 100 e 150 cm) em relação ao tronco da árvore.
Para a comparação entre a concentração de nutrientes (e valores de pH) na
precipitação bruta, no gotejo e no escorrimento do tronco considerou-se, no
caso do gotejo, em cada data de amostragem, a média dos quatro locais de
amostragem (N, S, E, W) sob a copa da árvore.
Métodos analíticos
As soluções correspondentes à PB, GO e ET, após a sua chegada ao laboratório,
foram filtradas sob um sistema de vácuo, através de uma membrana de nitrato de
celulose com uma porosidade de 0,45 µm de diâmetro e em seguida armazenadas, a
uma temperatura de '18ºC, em câmara frigorífica até à realização das análises.
Os teores de Ca e Mg nas soluções, após diluição das soluções com cloreto de
estrôncio, foram determinados por espectrofotometria de absorção atómica. As
determinações do K e Na foram efectuadas directamente nas soluções por
fotometria de emissão de chama. Os teores de P e de azoto orgânico dissolvido
(NOD) foram medidos num autoanalizador fluxo contínuo e o teor de carbono
orgânico dissolvido (COD) num autoanalizador de carbono (DOC). Os teores de N-
NO3-e de NNH4+foram determinados por espectrofotometria de absorção molecular,
em autoanalizador automático de fluxo segmentado (Houba et al., 1994). A
determinação do pH efectuouse directamente nas soluções utilizando um
potenciómetro da marca MetrohmHM.
Cálculos e métodos estatísticos
O cálculo dos fluxos de nutrientes devido à precipitação bruta, ao gotejo e ao
escorrimento do tronco foi determinado através do somatório do produto do
volume de cada solução pela concentração de nutrientes, correspondentes aos
vários eventos de precipitação considerados. A comparação estatística entre a
concentração de nutrientes na precipitação bruta, na precipitação sob coberto e
escorrimento do tronco efectuou-se por intermédio de testes não paramétricos H
de Kruskal-Wallis, dado não ter sido possível normalizar e homogeneizar as
variâncias das amostras. As diferenças foram consideradas significativas para
p< 0,05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Características das soluções
Carbono e azoto orgânicos dissolvidos
A concentração média de carbono orgânico dissolvido (COD) na precipitação bruta
(PB, 4,5 mg L-1) foi baixa (Quadro 1) e inferior à registada por Moreno et al.
(2001) em quatro sítios, considerados não poluídos, na Província de Salamanca
(5,9 a 7,1 mg L-1), em Espanha, sugerindo que na área do presente estudo não
existirão fontes relevantes de emissão de carbono. As concentrações de COD no
gotejo e no escorrimento ao longo do tronco (18,2 e 58,3 mg , respectivamente)
foram significativamente mais elevadas do que na PB. Estes acréscimos seguem o
padrão observado no estudo de Moreno et al. (2001) em Quercus rotundifolia,
atribuindose a processos de lavagem e lixiviação de constituintes orgânicos dos
tecidos vegetais.
Quadro_1 ' Valores médios de pH e das concentrações médias ponderadas de C
(COD) e N (NOD) orgânicos dissolvidos e de nutrientes na precipitação bruta
(PB), no gotejo (GO) e no escorrimento ao longo do tronco (ET) de freixo, entre
Dezembro de 2000 e Junho de 2002.
A concentração de azoto orgânico dissolvido (NOD) no gotejo (2,4 mg L-1) também
foi significativamente maior do que na PB (0,9 mg L-1). Porém, o enriquecimento
observado para o NOD foi menos acentuado do que o estimado para o COD, dado que
a razão COD/NOD aumentou da PB (5,0) para o GO (7,6). A razão COD/NOD na
solução de ET também foi muito mais elevada (15,3) do que na PB e GO, sugerindo
uma maior lavagem e/ou lixiviação de C relativamente ao NOD.
Concentração de espécies iónicas
A concentração média ponderada de NH+4(12,8 µmolc L-1na PB foi
significativamente menor do que no GO e no ET (respectivamente, 49,7 e 24,9
µmolc L-1; Quadro 1), o que se atribui à deposição atmosférica (húmida e seca),
lavagem e lixiviação da copa das árvores (Moreno et al., 2001). Os acréscimos
observados corroboram os relatados por Bispo (2002) e Nunes (2004) em estudos
realizados no Sul de Portugal, em E. globulus e Q. rotundifolia,
respectivamente. Contrastam, porém, com os observados por Moreno et al. (2001),
em Q. pyrenaica, e por Rodrigo et al. (2003) em Q. ilex, que observaram uma
diminuição da concentração de NH+4no GO e que atribuíram à absorção deste
catião pela folhagem e, possivelmente, à retenção pela flora epífita. As
concentrações de NH+4no gotejo correlacionaram-se positivamente com as de NOD
(r = 0,75; p<0,001), reflectindo um padrão de variação comum entre elas.
A concentração de NO-3na PB (3,9 µmolc L-1) foi ainda mais baixa do que as
relatadas em estudos efectuados em áreas distantes de fontes antropogénicas,
por Moreno et al. (2001) na Serra de Gata (entre 7,2 a 9,5 µmolc L-1), por
Bispo (2002) na área de Pegões (29,0 µmolc L-1) e por Rodrigo et al. (2003)
próximo de Barcelona (7,9 µmolc L-1). Ao contrário do observado para o NH+4, o
NO-3apresentou um ligeiro decréscimo de concentração da PB para o GO, o que
deverá estar em correspondência com a possível absorção deste anião pela
folhagem de freixo. Esta tendência está em acordo com o facto da concentração
de NO3- ter aumentado da solução de GO para a de ET, embora as diferenças não
tenham sido significativas (p>0,05). O acréscimo de concentração observado no
ET em relação à PB, devido à lixiviação e lavagem do tronco, foi também
observado, no nosso País, em plantações de E. globulus (Cortez, 1996) e em
montados de Q. rotundifolia (Nunes, 2004), e na Europa Central em florestas de
F. sylvatica (Meiwes et al., 1998).
A concentração de Cl-observada na PB (42,0 µmolc L-1) foi cerca de um terço da
determinada por Bispo (2002) a 30 km da costa Atlântica (135 µmolc L-1),
atribuindo-se a diferença à grande distância da área do presente estudo à costa
Atlântica. De facto, as elevadas concentrações de Cl-na atmosfera estão
normalmente associadas à proximidade do mar, diminuindo à medida que a
distância à costa aumenta, e à direcção dominante do ventos, os quais são
responsáveis pela colocação em suspensão na atmosfera deste aerossol (Attiwill
& Leeper, 1987; Aber & Melillo, 2001). As concentrações de Cl-
aumentaram significativamente na solução do GO e ET em relação à PB. Este
aumento está em linha com resultados obtidos na península Ibérica por Moreno et
al. (2001) em Q. pyrenaica, por Bispo (2002) em E. globulus e por Rodrigo et
al. (2003) em Q. ilex, devendose à deposição seca no coberto vegetal, dado
considerar-se que o Cl-não é absorvido ou lixiviado pelos tecidos vegetais
(Attiwill & Leeper, 1987).
As concentrações dos catiões básicos (Na+, K+, Mg2+e Ca2+) também foram
significativamente maiores no GO (113,8, 190,0, 114,9 e 145,6 µmolc ,
respectivamente) do que na PB (53,3, 37,2, 21,1 e 73,2 µmolc L-1,
respectivamente). No ET, á excepção do Na+, as concentrações destes catiões
foram significativamente mais elevadas do que no GO (Quadro_1). Os maiores
acréscimos no gotejo corresponderam ao Mg2+e ao K+, enquanto no ET o acréscimo
de concentração de K+foi muito maior do que o dos outros catiões básicos
(Quadro 2). Este padrão reflecte o facto do K+apresentar uma grande mobilidade
nos tecidos vegetais e, por isso, ser fortemente lixiviado dos mesmos
(Marschner, 1995). Os acréscimos de concentração dos catiões básicos no GO e ET
seguem, globalmente, a tendência observada por Portela & Pires (1995) em C.
sativa, por Nunes (2004) em Q. rotundifolia e por Moreno et al. (2001) em Q.
pyrenaica, estando associados à lixiviação e lavagem das copas.
Quadro 2' Razões entre as concentrações dos iões no gotejo (GO) e na
precipitação bruta (PB) e entre as observadas no escorrimento ao longo do
tronco (ET) e na preciptação bruta (PB).
A concentração de PO43-na PB (3,8 µmolc L-1) afastou-se bastante da observada
por Portela & Pires (1995) em soutos (1,29 µmolc L-1) da região de Trás-os-
Montes (Carrazedo de Montenegro), e por Rodrigo et al. (2003) em dois locais no
NE de Espanha (1,03 e 1,25 µmolc As elevadas concentrações de PO4 observadas ao
longo do período de estudo poderão estar relacionadas com fontes de emissão
locais de partículas do solo provenientes, sobretudo, da actividade agrícola,
bem como da actividade da avifauna (Ludwig, 2001). Comparativamente aos outros
iões estudados, a concentração de PO43-foi a que mais aumentou pela passagem da
água da chuva pela copa e tronco de freixo, sendo cerca de 13 vezes mais
elevada no GO e 24 vezes no ET (Quadro 2). O acréscimo de concentração de PO43-
no ET em relação ao GO não corrobora o padrão observado por Portela & Pires
(1995), por Cortez et al. (2004) e por Rodrigo et al. (2003) em estudos com
outras espécies florestais. Verificouse, ainda, que as concentrações de PO43-no
GO e ET se correlacionaram positivamente com os teores de (r = 0,67, p<0,01;
r=062, p<0,01), reflectindo semelhança de comportamento na planta. Tal facto
deverá estar em correspondência com o elevado teor de P nas folhas verdes e
folhas senescentes do freixo (Pereira, 2004), em que a razão N/P é inferior a
10, corroborando também as considerações de Marschner (1995) acerca da
mobilidade e lixiviação de P dos tecidos vegetais. Aliás, a correlação positiva
entre as concentrações PO43-e de NOD no gotejo (r = 0,79; p<0,001), reflectindo
um padrão de variação comum, também atestam a hipótese de elevada mobilidade do
primeiro na folhagem do freixo. Assim, as diferenças entre o freixo e as outras
espécies, para além da concentração e formas de P na folhagem, poderão dever-se
às características morfológicas de cada uma, nomeadamente a inclinação e
densidade dos ramos, ou ainda características locais que determinam a maior ou
menor deposição das partículas do solo. Aliás, segundo Levia & Herwitz
(2002) o ângulo de inclinação dos ramos determina a maior ou menor concentração
de nutrientes, que é atribuído ao tempo de contacto da água da chuva com a
superfície dos ramos.
Valores de pH
O valor médio de pH da PB (7,0) foi bastante mais elevado do que os observados
em Portugal, em áreas também consideradas de reduzida influência antropogénica.
Com efeito, esse valor é, de facto, superior ao determinado por Cortez (1996) e
Bispo (2002) na área de Pegões (5,35-5,73) e Cortez (1996) na Companhia das
Lezírias (5,36), na área de Porto Alto; também foi superior aos observados por
Moreno et al. (2001), na Província de Salamanca (5,35 a 5,58), e por Rodrigo et
al. (2003) no NE de Espanha (6,58). É também mais elevado do que o relatado por
Nunes (2004) na região de Évora (6,16). Os elevados valores de pH obtidos no
presente estudo poderão ser justificados pelo baixo impacto das acções
antropogénicas na região no que se refere à actividade industrial. Com efeito,
as concentrações de NO3e NH4+-iões responsáveis pela acidez da precipitação e
presentes em concentrações elevadas em áreas sob forte influência antropogénica
(Casartelli et al., 2008) - foram reduzidas e as concentrações de catiões
básicos elevadas (Quadro_1); aliás, o valor de pH referido também sugere que as
concentrações de SO42-devem ser diminutas.
Os valores médios de pH na solução do gotejo (7,8) aumentaram de forma
significativa (p<0,05) em relação à PB, correspondendo a uma solução claramente
alcalina; tais valores seguindo a tendência observada por Cortez (1996) Moreno
et al. (2001) e Nunes (2004) em várias espécies florestais. A alteração do pH
sob o coberto depende da modificação do balanço entre espécies aniónicas e
catiónicas, devido à influência da deposição seca e da absorção ou lixiviação
das mesmas pelas copas, conforme os casos (Bispo (2002; Casartelli et al.
2008). No caso do presente estudo poderá estar relacionado com a influência da
lavagem e lixiviação dos catiões básicos dos tecidos vegetais.
No presente estudo não foi observada a diminuição dos valores de pH na solução
do ET em relação à PB, como concluem os estudos de Cortez (1996) em E. globulus
e P. pinaster e de Moreno et al. (2001) em Q. rotundifolia. Pelo contrário,
observouse um aumento (p<0,05) em cerca de 7 décimas em relação à PB e um
aumento não significativo em relação ao gotejo (p>0,05) (Quadro_1). Esta
tendência corrobora aquela observada por Nunes (2004), em Q. rotundifolia, e
por Rodrigo et al. (2003) em Q. ilex.
Fluxos de nutrientes
Os fluxos anuais de alguns elementos provenientes da atmosfera (deposição
húmida e seca) diferem grandemente dos registados noutras regiões do País. Por
exemplo, os fluxos anuais de Na e Cl (1,11 e 1,81 g m-2, respectivamente) via
precipitação bruta são menores do que os observados por Cortez (1996) e Bispo
(2002) na área de Pegões, o que reflecte a maior distância da área do presente
estudo ao oceano. Porém, os fluxos anuais de Ca, Mg e K (1,16, 0,29 e 2,40 g m-
2, respectivamente), no presente estudo (Quadro 3), foram maiores do que os
observados por e Cortez (1996) e Bispo (2002) na área de Pegões (0,47, 0,16 e
0,16 g m-2, respectivamente). Entre essas diferenças ressalta a inerente ao K,
a qual poderá atribuirse a fontes (emissões) locais, dado que a área de estudo
está inserida numa paisagem de rochas xistosas, cujos solos apresentam minerais
(micas) com elevado teores de K. Os fluxos anuais das formas minerais de N
(0,26 g m-2) são menores do que as estimadas noutras regiões do País (0,32-0,45
g m-2; Cortez, 1996), o que indica claramente que o local de estudo está ao
abrigo de fontes poluidoras; porém, o fluxo anual de NOD (0,92 g m-2) foi cerca
de 3,5 vezes superior ao das formas minerais.
Quadro_3
' Fluxos anuais de carbono (COD) e azoto (NOD) orgânicos dissolvidos e de
nutrientes na PB, GO, ET e no gotejo líquido (GL)* e valores das
correspondentes precipitações em 2001.
A devolução anual de Ca e Mg ao solo através gotejo (respectivamente de 0,55 e
0,62 g m-2) foi da ordem de grandeza da relatada para outras espécies
florestais do País (Cortez, 1996; Bispo, 2002), ao passo que a de K (1,85 g m-
2) foi muito mais elevada. A diferença respeitante ao K poder-se-á parcialmente
atribuir, à maior precipitação na área do presente estudo, e que segundo esses
mesmos autores é um factor com forte influência na quantidade de nutrientes
lixiviados e/ou lavados da copa. Sublinha-se que a quantidade de K transferida
anualmente para o solo via gotejo (cerca de 1,85 g m-2; Quadro 3) é superior à
quantidade devolvida pela folhada (1,62 g m-2; Pereira, 2004), o que está em
linha com o facto do ciclo do K incluir largas perdas da copa das árvores por
gotejo (Fisher & Binkley, 2000) e este elemento não estar estruturalmente
ligado em moléculas orgânicas. Os resultados do presente estudo indicam que o
freixo (espécie caducifólia) - que não apresenta folhagem durante o período em
que ocorre a maior parte da precipitação -, também apresenta forte influência
na transferência de nutrientes para o solo via gotejo. No entanto, estudos mais
detalhados, tendo em conta as componentes da sua biomassa, são necessários para
avaliar a especificidade da espécie na translocação de nutrientes para o solo.
Similarmente ao relatado para muitas espécies florestais em ecossistemas
Mediterrâneos (Bellot & Escarré 1991; Cortez, 1996; Bispo, 2002), o fluxo
anual de Ca pelo gotejo (0,55 g m-2), ao contrário do K, foi quase 10 vezes
inferior ao fluxo devido à queda de folhada (5,1 g m-2; Pereira, 2004).
Ao contrário do observado para os catiões básicos, o fluxo de N-NO3e N-NH4+
(Quadro 3) decorrente do gotejo (após passagem da precipitação bruta pela copa
de freixo) foi negativo e nulo, respectivamente. O fluxo negativo de N-NO3-
observado no presente estudo, foi também assinalado por Moreno et al. (2001) em
Q. pyrenaica, por Rodrigo et al. (2003) em Q. ilex, por Avila et al. (2002) em
Q. rotundifolia e por Moro et al. (1996) e Simões et al. (2009) em espécies
arbustivas, em ecossistemas mediterrâneos com baixa disponibilidade de N. Para
Rodrigo et al. (2003), o balanço negativo (absorção líquida na superfície das
folhas e ramos) poderá resultar da absorção destes iões (N-NO3-e N-NH4+) pelos
tecidos vegetais e, ainda, pela retenção destes pela flora epífita. Assim, os
resultados do presente estudo sugerem que a folhagem do freixo poderá actuar
como reservatório líquido para o N, indicando que o N proveniente da atmosfera
é retido no ecossistema e contribui para a acumulação de N na vegetação e no
solo, como sugerem Rodá et al. (2002) para florestas Mediterrâneas. A absorção
de N pela folhagem de freixo também pode ser devida à baixa razão N/P (inferior
a 10), a qual segundo Aerts & Chapin (2000), está longe da óptima da
generalidade das plantas (15) e sugere limitação da nutrição em N.
Apesar das concentrações de quase todos os elementos analisados atingirem os
valores mais elevados no escorrimento do tronco, à semelhança do observado por
vários autores para outras espécies florestais (Bellot & Escarre, 1991;
Moreno et al. 2001; Nunes et al., 2003; Rodrigo et al., 2003), as quantidades
que atingem anualmente o solo são diminutas se forem expressas por unidade de
área da projecção vertical da copa da árvore (Quadro_3). Porém, se
considerarmos que esse escorrimento apenas influencia as áreas circunvizinhas
ao tronco da árvore, as quantidades de nutrientes por unidade de área serão
então muito maiores, variando segundo um modelo exponencial negativo com a
distância ao tronco, como se pode observar na Figura 2. Assim, as quantidades
de nutrientes transferidas para o solo na proximidade do tronco poderão ser
muito superiores àquelas transferidas pelo gotejo; por exemplo, a quantidade de
K devolvido anualmente ao solo, se admitirmos que se distribui por uma coroa
circular de 25 cm de raio, pode atingir 4,7 g m-2, o que é muito superior à
quantidade devolvida por gotejo (1,85 g m-2), considerando que a distribuição
deste sob a copa é uniforme; porém, se considerarmos que a solução de
escorrimento se distribui por uma coroa circular com 1,5 m de raio, as
quantidades que atingem o solo são diminutas (Figura 2). A grande quantidade de
nutrientes devolvidos ao solo na vizinhança do tronco é corroborada pela
elevada concentração de K extraível observada no solo da proximidade do tronco
do freixo (Pereira, 2004) e doutras espécies de sistemas tipo savana (Nunes,
2004; Belsky et al., 1989); com efeito, o primeiro autor observou teores de K e
P extraíveis muito maiores a 25 cm do tronco (275 e 35 mg kg-1,
respectivamente) do que no limite da projecção da copa da árvore (90 e 11 mg
kg-1, respectivamente). Ou seja, o escorrimento do tronco contribui para o
gradiente de fertilidade do solo da proximidade do tronco para a periferia da
copa da árvore. Por fim, sublinha-se a elevada quantidade de COD que é
transferida anualmente para o solo em redor do tronco da árvore (4,49 g m-2;
Figura 2). Este fluxo de compostos orgânicos solúveis deverá estimular a
actividade microbiana e influenciar o quociente metabólico e, por conseguinte,
a dinâmica do carbono no solo, como foi observado por Pérez-Bejarano et al.
(2008) para condições mediterrâneas.
Figura 2 ' Fluxos anuais médios de elementos pelo escorrimento do tronco,
segundo um gradiente de distância em relação ao tronco (considerando uma coroa
circular à volta do tronco da árvore com 0,1, 0,25, 0,50, 1,0 e 1,5 m de raio).
CONCLUSÕES
A deposição atmosférica (seca e húmida) foi mínima relativamente aos aniões
considerados acidificantes, enquanto as correspondentes ao Ca e K são muito
elevadas relativamente às determinadas noutros pontos do País. A passagem da
precipitação através da copa do freixo conduziu, em geral, a um aumento dos
valores de pH, dos teores de COD, NOD e de nutrientes, à excepção do NO3-, da
solução de gotejo e escorrimento ao longo do tronco, em relação à PB, devido à
lavagem e/ ou lixiviação dos tecidos vegetais. As elevadas quantidades de
nutrientes restituídas ao solo através destas soluções poderão contribuir para
a diferenciação das características químicas e físicas do solo sob copa. O
presente estudo, também sugere que os inputs de catiões básicos estão
relacionados com as condições do meio e que a quantidade de nutrientes
devolvidos ao solo pela espécie caducifólia, podem ser superiores aos relatados
para espécies perenifólias. Os resultados sugerem que a deposição atmosférica e
o gotejo (e escorrimento do tronco) podem contribuir para minimizar processos
de acidificação.