Previsão da qualidade do solo em áreas regadas com águas salinas
INTRODUÇÃO
A salinização do solo é uma das principais preocupações em áreas de regadio
Mediterrânicas em que, frequentemente, a água disponível para a rega apresenta
conteúdos elevados em sais. Esta prática induz riscos acrescidos de acumulação
de sais na zona das raízes das culturas, com consequentes decréscimos de
produção e da fertilidade do solo (Läuchli & Epstein, 1990).
O excesso de Na+e pH muito elevado de águas de rega salinas conduz à
salinização e sodicização do solo, promovendo a expansão e/ou a dispersão da
argila, alterando a geometria dos poros do solo, a permeabilidade intrínseca
do solo, a retenção e armazenamento de água e a sua produtividade (Keren,
2000). A dispersão da estrutura do solo origina a compactação superficial do
solo e a destruição da sua estrutura, o bloqueio da porosidade e a redução da
taxa de infiltração, aumentando o escorrimento e diminuindo a disponibilidade
de água para as culturas.
Para avaliar o estado de sodicização de um solo são usados, entre outros, os
parâmetros percentagem de sódio de troca (ESP)e razão de adsorção de sódio
(SAR)(Levy, 2000). O primeiro descreve o nível de Na+adsorvido no solo,
enquanto o segundo descreve o Na+presente na água de rega ou na solução do
solo. De acordo com o U.S. Salinity Laboratory (Richards, 1954) e WRB (2006),
um solo é considerado sódico quando as suas propriedades físicas são
adversamente afectadas pelo sódio, apresentando um ESP> 15 ou o somatório de
Na e Mg > 50 %. É, contudo, considerado salino quando apresenta a condutividade
do extracto de saturação (CE) superior a 4 dSm-1. Os solos com CE > 4 dSm-1e
ESP > 15 ou Na+Mg > 50 % são denominados de sódico-salinos.
A qualidade do solo é frequentemente definida como a capacidade de dado tipo
específico de solo poder funcionar como ecossistema e sustentar as actividades
humanas, animais, vegetais e, ainda, pro-mover a qualidade ambiental (Doran
& Par-kin 1994, Karlen et al.1997 e Seybold et al.1998). No caso da
salinização/sodicização, os parâmetros a usar como indicadores são de natureza
química, tais como a CEeo SAR, e são também identificados por Andrews et al.
(2004) como importantes em regiões áridas.
Neste trabalho apresentam-se diversas equações de regressão múltipla para
prever a qualidade do solo e da sua solução, avaliadas através dos indicadores
de salinidade (CE) e sodicidade (SARe ESP), quer nos períodos após os ciclos de
rega, quer após os períodos de lavagem do solo. As equações foram obtidas a
partir de estudos realizados e de resultados por Santos et al.(2008) em que,
através de um sistema de rega gota-a-gota em Fonte Tripla Linear, foram
aplicadas ao solo várias combinações de água salina e fertilizante azotado.
MATERIAL E MÉTODOS
Ao longo de três anos (2004 a 2006), foi estudado o comportamento de um
Fluvissolo êutrico de textura mediana (Alvalade-Sado) e de um Antrossolo
hórtico de textura ligeira(Mitra -Évora) quanto à aplicação de sais e
fertilizante azotado na água de rega. Estes solos encontram-se caracterizados
em Santos et al.(2008) e são aqui indicadas, apenas, algumas características
relativas ao estado de salinidade/sodicidade no início dos ensaios. O
Fluvissolo êutrico e o Antrossolo hórtico apresentavam, respectivamente, a
condutividade eléctrica do extracto de saturação (CEe) de 0,42 e 0,48 dSm-1, o
SAR de 3,25 e 0,38 (meq L-1)0,5e o ESP de 2,06 e 0,63 %.
O sistema de rega utilizado é denominado de Fonte Tripla Linear (Figura 1),
sendo adaptado de Malach et al., 1995. Permite, numa área reduzida, a
conjugação de diversas combinações de sal e de fertilizante azotado
provenientes de 3 fontes de água: água salina(água de rega com NaCl
dissolvido), água de rega(não salina) e água + fertilizante(água de rega com
adição de NH4NO3). São assim obtidos dois gradientes cruzados, um com 3 níveis
diferentes de salinidade (Modalidades A, B e C, decrescente ao longo da linha
de cultura e nulo na modalidade C), e outro com 4 níveis de fertilização
azotada (Grupos I a IV, decrescente do grupo I para o grupo IV, com aplicação
nula).
Figura_1 'Esquema em Fonte Tripla Linear, onde se observa os gradientes de
fertilizante e sal que originam as várias modalidades.
As 3 fontes de água provêm de três tuba-gens de rega instaladas ao longo de
cada linha de cultura, em que os gradientes são impostos por variações no
débito dos gotejadores em cada ponto de rega (Quadro 1). A dotação aplicada em
cada ponto de rega mantém-se constante, debitando 18 Lh-1por metro linear de
cultura de milho.
Quadro 1 'Esquema dos campos experimentais, podendo-se observar os 4 grupos e
as 3 modalidades e os respectivos débitos em cada ponto de rega.
A água de rega usada nos campos experimentais foi classificada segundo o U.S.
Salinity Laboratory (Richards, 1954), como C3S1 em Alvalade e C2S1 na Mitra,
significando um risco elevado e médio de salinidade, e baixo risco de
sodicização. A qualidade destas águas foi posteriormente alterada com adição
de sais (NaCl), e classificadas como C4S1, devido ao aumento do risco de
salinização para muito elevado. As várias quantidades de sais (Na+) aplicados
por modalidade nos 3 anos de ensaios encontram-se no Quadro 2, e correspondem
aos TDS(Total de Sais Dissolvidos). A pluviosidade durante os 3 anos de ensaio
foi inferior à média, em particular nos anos de 2004 e 2005, em que foram
registados 200 e 400 mm, respectivamente. No ano de 2006, regressou aos valores
médios da região, tendo sido registados cerca de 600 mm de precipitação.
Quadro 2 'Quantidade total de água de rega (R em mm), de sais na água de rega
salina (Na+) e de fertilizante azotado (N) aplicados por modalidade, nos 3 anos
de ensaio.
Os TDSobtidos experimentalmente foram convertidos em valores médios de CE, em
cada ano e tratamento (Quadro 3), através da equação (Richards, 1954)
TDS(g L-1) ≈ 0,64 x CE(dSm-1) (1)
Quadro 3 'Valores de Condutividade eléctrica média das águas de rega (CEw)
aplicadas nos vários grupos e modalidades nos 3 anos de ensaio.
A evolução da condutividade eléctrica, CE,da solução do solo foi monitorizada
durante os 3 ciclos de rega e na subsequente lavagem pela água da chuva durante
o período Outono/Inverno. Foram usadas amostras recolhidas com cápsulas porosas
ou lisímetros às profundidades de 20, 40 e 60 cm, nas modalidades A e C em
todos os Grupos em Alvalade e nos grupos I, III e IV na Herdade da Mitra.
Para a obtenção de séries temporais da CEe, SARe ESPno extracto de saturação do
solo, colheram-se amostras em todos os grupos e modalidades (a 3 profundidades:
0-20, 20-40, 40-60 cm) no início dos ensaios, após os 3 ciclos de rega
(Setembro) e no fim dos períodos chuvosos (Abril/Maio do ano seguinte). Para o
cálculo do ESPusou-se a capacidade de troca catiónica expressa em cmolc kg-1de
solo a pH 7,0.
Foi realizada uma análise de regressão múltipla com stepwisepara avaliar a
possibilidade de se prever a CEda solução do solo do Fluvissolo e Antrossolo
ao longo do tempo, efectuada entre os valores de CE(variável dependente) da
solução do solo obtidos com as cápsulas porosas e as quantidades de água (R),
azoto (N) e sódio (Na+) aplicados em cada ano (variáveis independentes) para os
dois locais de ensaio no seu conjunto. Os tipos de solo (Solo) e a profundidade
foram também considerados.
Em relação ao solo, as relações causaefeito entre os indicadores CEe, SARe
ESPdo extracto de saturação do Fluvissolo e Antrossolo foram estudadas através
de análise de regressão múltipla com stepwise. Estabeleceram-se várias
regressões entre os valores de CEe, SARe ESP(variáveis dependentes) obtidos,
com as quantidades de água de rega (R) e da precipitação ocorrida, da CEda
água de rega (CEw) e azoto (N) aplicados em cada ano (variáveis
independentes), para os dois locais separadamente e em dois eventos
distintos: o final dos ciclos de rega e após a lavagem pela chuva. Os tipos de
solo (Solo) e a profundidade foram também considerados.
As análises de regressão múltipla foram obtidas com o programa Statgraphics
Plus 5.1. Os valores dos parâmetros monitorizados ao longo de três anos de
ensaio, e que servem de base aos cálculos estatísticos apresentados, encontram-
se descritos em Castanheira et al.(2007) e Santos et al.(2008).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Solução do solo
Os parâmetros da equação de regressão múltipla e os coeficientes de
determinação da equação resultante são apresentados no Quadro 4.
Quadro 4 'Coeficientes de regressão, determinação e níveis de significância
das equações obtidas para a CEda solução do solo nos dois locais.
A análise de variância revelou uma soma de quadrados da regressão (SSR) de
9436,31 e uma soma de quadrados do erro (SSE) de 3330,37 e relação linear
significativa entre as variáveis critério e o con-junto das variáveis
predictoras, F(11,1389) = 357,78, p<0,001. A capacidade explicativa desta
regressão é dada pelo coeficiente de determinação de 0,74 (grau de
significância de 99%).
Na Figura 2 apresenta-se a estimativa da CEda solução do solo aos 10 cm de
profundidade, com diversas combinações de N e Na+na água de rega, para um
ciclo de rega de 700 e 1000 mm.
Figura 2' Estimativa da CEda solução do solo com diversas concentrações de
azoto e de sódio para o Fluvissolo e Antrossolo aos 10 cm, com rega de 700 mm.
Os valores mais elevados de CEna solução do solo foram verificados, como
espectável, com os teores mais elevados de Na+aplicado na água de rega.
Verificou-se, ainda, que quando a água de rega apresentava um baixo teor de
sais o N aplicado contribui para a salinidade da solução do solo. À medida que
este teor em sais aumenta e a qualidade da água de rega diminui, o azoto
contribuiu para diminuir a salinidade da solução do solo. Este efeito é mais
importante com aplicação de maior quantidade de água de rega.
Extracto de saturação do solo
Nos Quadros 5 e 6 são apresentados os coeficientes de regressão, de
determinação e os respectivos níveis de significância para as equações obtidas.
As análises de variância indicam a existência de relação linear significativa
entre as variáveis dependentes CEe, SARe ESPe algumas das variáveis
independentes contempladas (Quadros 5 e 6).
Quadro 5 'Coeficientes de regressão, determinação e níveis de significância das
equações ajustadas para a CEe, SARe ESPdo solo no final dos ciclos de rega nos
dois locais.
Quadro 6 'Coeficientes de regressão, determinação e níveis de significância das
equações ajustadas para a CEe, SARe ESPdo solo após a lavagem pela chuva nos
dois locais.
Obtiveram-se coeficientes de determinação (R2) para o Antrossolo que variam
entre 0,65 e 0,74, no final dos ciclos de rega (n=107 observações) e entre 0,64
e 0,87, após o período das chuvas (com n=71 observações). Para o Fluvissolo, os
R2 variaram entre 0,72 e 0,82 no caso do fim do ciclo de rega e entre 0,60 e
0,86 após o ciclo chuvoso (n= 107 observações nos dois casos). Já para o final
do período de lava-gem, com amostras de 72 observações, os valores de
R2situaram-se entre 0,64 e 0,87 no Antrossolo (Mitra) e entre 0,60 e 0,86 no
Fluvissolo (Alvalade).
A previsão menos conseguida, ocorreu para a CEe no Fluvissolo após o período
das chuvas, com R2 de, apenas, 0,60. Não foram reconhecidas interacções
estatisticamente significativas entre a CE e do solo e a quantidade de N
aplicado na água de rega após o ciclo de rega e após a lavagem pelas chuvas,
concluindo-se que o N não contribui positivamente para a salinização deste
solo.
Interacções significativas foram observadas entre a CEe do solo e a CEw, após
os períodos chuvosos dos 3 anos de ensaio. Esta estimativa da CEe é apresentada
na Figura 3 para os 10 cm de profundidade, verificando-se que com o aumento da
CEw aumenta também a CEe do solo, até ao valor máximo de CE de 3,28 dS m-1, a
partir do qual aumentos da salinidade da água de rega não induzem já mais
acréscimos de salinidade no extracto de saturação do solo.
Figura 3 -Estimativa da CEe do Fluvissolo aos 10 cm, com diversas concentrações
de sódio nos 3 anos de ensaio para os períodos chuvosos.
Na Figura 4 apresenta-se a previsão de evolução da CEe do Antrossolo para os 10
cm de profundidade, em que se observaram interacções significativas com a CEwea
quantidade de N aplicada na água de rega para os 3 anos de ensaio. Verifica-se
que, para teores reduzidos de salinidade da água de rega (< 1 dS m-1), o N
aplicado contribui para o aumento da salinidade do extracto de saturação do
solo. Para além de 2 dS m-1, a CEw contribui bastante para a salinidade do
extracto de saturação do Antrossolo.
Figura 4 -Estimativa da CEe do Antrossolo aos 10 cm, com diversas concentrações
de azoto e de sódio nos 3 anos de ensaio para os períodos chuvosos.
As previsões mais encorajadoras foram encontradas para o parâmetro SARs em
Alvalade, com valores de R2de 0,82 e 0,86 (após a rega e a lavagem) e na Mitra,
com 0,87 após a lavagem. Nas Figuras 5 e 6 apresentam-se estas estimativas do
SAR para os dois solos aos 10 cm de profundidade e após os períodos chuvosos.
Figura 5 -Estimativa do SARdo solo aos 10 cm, com diversas concentrações de
azoto e de sódio para o Fluvissolo nos 3 anos de ensaio para os períodos
chuvosos.
Figura 6 -Estimativa do SARdo solo aos 10 cm, com diversas concentrações de
azoto e de sódio para o Antrossolo nos 3 anos de ensaio para os períodos
chuvosos.
A interacção da quantidade de N aplicado e da CEw revelou ser estatisticamente
significativa para a previsão do SARs do Fluvissolo e do Antrossolo. Para o
primeiro solo foi encontrada uma relação linear entre SARsea CEw e para o
Antrossolo uma relação quadrática, em que em ambos os solos, com maior
quantidade de N aplicado (14 e 21 g m-2) corresponde um SARs menor em todos os
tratamentos de CEw induzidos.
Observou-se que o Fluvissolo apresenta um maior risco de sodicização que o
Antrossolo, facto que não pode só ser atribuído às características químicas do
solo, que apresenta um SARinicial de 3,25, mas também à sua infiltrabilidade
reduzida e tendência para a formação de crosta de superfície com as regas, o
que propiciou acumulação de sódio nos 3 anos de ensaio. Estudos anteriores,
efectuados por Gonçalves et al.(2006), referem que a aplicação de água de rega
com 3,2 dS m-1num Fluvissolo induziu salinização/sodicização durante o ciclo
de rega e que a precipitação ocorrida (445 e 587 mm) não terá sido suficiente
para restaurar as condições iniciais de salinidade/sodicidade abaixo dos 40cm.
Já quanto ao Antrossolo, os valores mais elevados de SARs foram observados em
2004, ano em que a precipitação foi escassa (cerca de 200 mm), não tendo sido
suficiente para promover a lavagem de sais no período Outono/Inverno. Nos anos
seguintes, o SARs descresceu, indicando a capacidade de lavagem deste solo
consequência da sua textura grosseira. Este comportamento foi também observado
na previsão da CEe (Figura 5).
CONCLUSÕES
Dos três anos de monitorização de um Fluvissolo êutrico e de um Antrossolo
hórtico num ensaio em Fonte Tripla Linear foram observadas como
estatisticamente significativas as relações entre as quantidades de N e
Na+aplicadas na água de rega e a CE, SARe ESPdo solo. A previsão da qualidade
do solo com estes indicadores de salinidade e sodicidade mostrou-se possível e
estatisticamente representativa por análises de regressão múltipla com R2entre
0,60 e 0,87, simulando o comportamento destes solos quando regados com águas
salinas (até 4 dS m-1) e com adição de N pela fertilização azotada (até 22 g
m-2). Para a simulação da CEda solução do solo, a análise de regressão conjunta
(Alvalade e Mitra) apresentou um R2de 0,74, confirmando que o Na+dissolvido na
água de rega contribuiu para a salinização da solução do solo.
O Fluvissolo de textura mediana revelou alguma tendência para a sodicização,
mesmo após os períodos chuvosos que, contudo, não se revelaram suficientes
para efectuarem lavagem de sais do perfil. O Antrossolo de textura grosseira
tem menor capacidade de retenção de água mas mostrou-se favorável à lixiviação
do Na+após os ciclos de rega, facto mais evidente ainda após a estação das
chuvas.
A rega com águas de má qualidade alterou os indicadores da qualidade dos dois
solos, em particular do Fluvissolo de Alvalade. Contudo, a rega com águas
salinas torna-se possível principalmente quando suficiente água é fornecida ao
solo para promover a lixiviação dos sais da zona radical das culturas, e
outras práticas conservativas são complementarmente usadas.