O uso da semente de tremoço como fertilizante azotado
INTRODUÇÃO
Devido às baixas razões C:N, os resíduos de origem animal são facilmente
degradáveis no solo e levam a uma rápida libertação de nutrientes que se tornam
disponíveis para as plantas, especialmente o azoto (N). Consequentemente, estes
resíduos têm sido amplamente utilizados como fertilizantes na produção vegetal
biológica para aumentar a disponibilidade de N para as culturas em períodos de
tempo cruciais e curtos. Infelizmente, com o aumento da incidência de doenças
na área da produção animal, a utilização de resíduos animais (farinhas de
carne, ossos, sangue, cornos, cascos, pelos e penas) como fertilizantes na
agricultura biológica tem sido questionada. Embora a utilização destes produtos
continue a ser autorizada pela regulamentação Europeia, algumas associações de
agricultura biológica Alemãs já abandonaram a maioria destes produtos. A única
excepção são as farinhas de cornos, cascos, pelos e penas (Bioland, 2004;
Naturland, 2004; Demeter-Bund, 2005). Fertilizantes orgânicos derivados de
materiais vegetais podem ser uma alternativa, e alguns fertilizantes
processados industrialmente e livres de produtos animais já existem no mercado
(Maltaflor®-spezial, Phytoperls®, Agrobiosol®). As farinhas de sementes de
leguminosas parecem ser promissores fertilizantes (Braun et al., 2001; Kalauch
et al., 2001), com o beneficio adicional de poderem ser produzidas pelo próprio
agricultor.
Os tremoceiros (Lupinus spp.) são bem conhecidos pela sua capacidade para
melhorar a estrutura do solo e reduzir a incidência de doenças, pragas e
infestantes. Esta cultura é capaz de satisfazer mais de 80% da sua necessidade
em N através da fixação de N2 (Evans et al., 1987; Herridge & Doyle, 1988).
Consequentemente, quando parte deste N fixado é disponibilizado para a cultura
seguinte, o uso do tremoceiro pode providenciar não só protecção para as
culturas e o solo mas também N.
O uso das próprias sementes de tremoço como fertilizante azotado poderá
representar uma fonte de N com grande flexibilidade no tempo e no espaço. A
eficiência de tal sistema é altamente dependente da libertação do N das
sementes aplicadas como fertilizante. Consequentemente, o objectivo deste
trabalho foi de comparar diferentes estratégias de aplicação de sementes de
tremoço como fertilizantes azotados. Uma vez que durante o processo de
germinação as plântulas estão a utilizar as suas reservas de glúcidos como
fonte de energia para a respiração, a quantidade de carbono (C) nas plântulas e
consequentemente a sua razão C:N decrescem. Com a expansão das folhas e o
inicio da fotossíntese esta tendência inverte-se. Assim, a principal hipótese
desta pesquisa foi que a incorporação de germinados de semente de tremoço após
um determinado período de tempo (quando a razão C:N atinge o seu valor mínimo)
poderia aumentar a libertação de N deste fertilizante de origem vegetal.
MATERIAL E MÉTODOS
Este trabalho foi integrado numa experiência na estação experimental da
Universidade de Hannover (Leibniz University of Hannover), Ruthe, 25 km a sul
de Hannover, com duas repetições da mesma rotação de culturas separadas no
espaço e no tempo, tal como se pode ver na Figura 1. Assim, duas rotações de
culturas ou experiências iguais foram desenvolvidas em dois anos diferentes,
ambas com três repetições e blocos casualisados com 6 ou 8 por 12 m. As cabeças
de rotação foram tremoço amargo (Lupinus angustifolius L. cv. Azuro), tremoço
doce (Lupinus angustifolius L. cv. Boruta) e trigo (Triticum aestivum L. cv.
Thasos). Além destas, dois métodos tradicionais de enrelvamento (cortado e
retirado ou deixado no terreno) com uma mistura de azevem (Lolium perene L. cv.
Lipondo) e trevo encarnado e branco (Trifolium pratense L. cv. Titus e
Trifolium repens L. cv. Rivendel, respectivamente) foram estabelecidos como
culturas antecedentes com o objectivo de comparar o sistema de fertilização com
tremoço com um sistema tradicional de adubação verde.
Figura 1 ' Calendário das cabeças de rotação (Tremoço doce (Sw) e amargo (Bi);
Trevo e azevém cortado e retirado do campo (K-Fn) e deixado no campo (K-Mu);
Trigo (W)), azevém (We) e cultivo de couve na primeira e segunda experiências.
As experiências decorreram num solo de textura franco limosa (10% areia, 10%
argila e 80% limo) com aproximadamente 1,6% de matéria orgânica (calculada a
partir do teor total em C, com um factor de conversão de 1,72), um teor total
em C de 25 a 50 t/ha, em N de 2 a 4 t/ha, e um pH de 6,5. O lençol freático
encontra-se entre 4 a 5 m de profundidade e a capacidade de campo do solo é de
30%. Os dados climatéricos foram obtidos de uma estação meteorológica
localizada na estação experimental. Durante a primeira experiência (2005) os
meses mais quentes (temperaturas médias superiores a 15 ºC) foram Junho, Julho,
Agosto e Setembro, sendo Julho o mês com a temperatura média (18,3 ºC) e máxima
(23,3 ºC) mais elevadas. Os meses mais frios foram Abril, Maio e Outubro
(temperaturas médias inferiores a 15 ºC) sendo Abril o mês com a temperatura
média (9,7 ºC) e mínima (4,5 ºC) mais baixas. As precipitações mensais totais
foram de 19,0 mm em Abril, 74,2 mm em Maio, 13,6 mm em Junho, 92,6 mm em Julho,
1,9 mm em Agosto, 66,6 mm em Setembro e 22,6 mm em Outubro. Na segunda
experiência (2006) os meses mais quentes (temperaturas médias superiores a
15ºC) continuaram a ser Junho, Julho, Agosto e Setembro, sendo de novo Julho o
mês com a temperatura média (22,2 ºC) e máxima (28,5 ºC) mais elevadas. Os
meses mais frios foram mais uma vez Abril, Maio e Outubro (temperaturas médias
inferiores a 15 ºC) mantendo-se Abril o mês com a temperatura média (8,4 ºC) e
mínima (4,8 ºC) mais baixas. As precipitações mensais totais foram de 40,8 mm
em Abril, 61,4 mm em Maio, 43,0 mm em Junho, 27,8 mm em Julho, 110,9 mm em
Agosto, 16,9 mm em Setembro e 33,8 mm em Outubro.
A densidade de plantação dos tremoceiros foi de 76 e 96 plantas/m2 para o
tremoço doce e 60 e 61 plantas /m2 para o tremoço amargo na primeira e segunda
rotações, respectivamente. A fixação média de azoto atmosférico das culturas de
tremoço foi medida pelo método da diferença, um balanço de N (Quadro 1),
baseado na diferença entre o conteúdo total em N numa leguminosa e numa cultura
de referência que não fixa azoto atmosférico (Ledgard & Steele, 1992 e
Wood, 1996), o azevém (Lolium perene L. cv. Edda).
Quadro 1 ' Colheita e distribuição de N nas culturas de tremoço doce e amargo
antecedentes em ambas as rotações.
Em ambas as rotações, após as cabeças de rotação (tremoço ou azevém com trevo),
4,3 plantas/m2 (0,5 m x 0,47 m) de couve branca foram cultivadas em todos os
blocos excepto nos de azevém (We). Após plantação as couves foram regadas e
protegidas com redes contra pragas e predação. As redes foram ocasionalmente
removidas para o controlo de infestantes (mecânica ou manualmente, de acordo
com o tamanho das couves) e colheita de amostras. Foram permanentemente
removidas quando as couves já possuíam tamanho suficiente para resistir à
predação.
Três diferentes métodos para a aplicação de semente de tremoço como
fertilizante azotado foram comparados com um controlo não fertilizado: farinha
de tremoço e sementeira densa de tremoço com períodos curtos e longos de
crescimento. As sementes de tremoço doces e amargas foram aplicadas como
fertilizantes em blocos onde estas e o trigo tinham sido cultivados como
cabeças de rotação. Nos três métodos de fertilização com tremoço, tanto o doce
como o amargo, foram aplicados ao solo em quantidades de aproximadamente 3,8 t/
ha com o objectivo de fornecer 180 kg/ha de N às couves em ambas as rotações
(de acordo com a % de N encontrada na matéria fresca das sementes de tremoço).
Adicionalmente, como referência, os tratamentos com enrelvamento de azevém e
trevo cortado e retirado ou deixado no terreno foram considerados. Assim sendo,
dois sistemas de fertilização com sementes de tremoço foram estudados e não só
comparados com o respectivo controlo (tratamento sem fertilização) mas também
com duas diferentes estratégias de utilização de enrelvamento com azevém e
trevo.
Com o objectivo de encontrar o tempo que optimizava a libertação de azoto, as
sementeiras densas de tremoço foram estabelecidas, em cada rotação, com um
curto e longo período de crescimento, de acordo com os melhores períodos
definidos em experiências laboratoriais (13 a 22 dias). Na primeira rotação
(2005, Figura 2), os germinados de tremoço foram incorporados após 22 e 47 dias
e na segunda rotação (2006, Figura 3) após 12 e 37 dias após a sementeira. Em
ambos os anos as sementes de tremoço trituradas foram incorporados no solo à
mesma data da incorporação dos germinados de tremoço, após terem sido
trituradas a uma farinha grosseira com um moinho.
Figura 2 ' Calendário do plano de amostragens para a 1ª experiência, em 2005
(Nt: N total no solo ; Ct: C total no solo; Nmin: N mineral no solo).
Figura_3 ' Calendário do plano de amostragens para a 2ª experiência, em 2006
(Nt: N total no solo ; Ct: C total no solo; Nmin: N mineral no solo).
Para melhor compreender a eficiência dos germinados de tremoço como
fertilizante no campo, foi calculado o peso de mil sementes e o potencial de
germinação com recurso a um teste de germinação em laboratório, de acordo com
as regras da International Seed Testing Association (1999). Antes da
incorporação, duas amostras de germinados de tremoço foram retiradas numa área
total de 0,6 m2 em cada bloco em ambas as rotações (amostragens 0 nas Figuras 2
e 3). Estas amostras foram utilizadas para determinar o peso fresco incorporado
e sub-amostras foram retiradas para calcular o peso seco assim como para
determinar a concentração em N e C pelo método de Dumas (Kirsten &
Hesselius, 1983). Na segunda rotação, o numero de germinados de tremoço doce e
amargo por amostra e metro quadrado foi contado e calculado. Usando o peso de
mil sementes de tremoço amargas e doces foi também possível calcular a sua taxa
de germinação aparente no campo, na segunda rotação. A germinação no campo foi
chamada de aparente uma vez que os germinados de tremoço que morreram durante o
período de germinação, devido a competição pela luz e água entre os germinados,
não puderam ser recolhidos na amostragem.
Em ambas as rotações, a primeira amostragem de plantas de couve realizou-se à
plantação com a recolha casualizada de doze plântulas de couve (amostragens 0
nas Figuras 2 e 3). De seguida, na primeira rotação, recolheram-se mais três
amostras de plantas de couve, duas em 1,4 m2 e uma em 1,9 m2 em todos os blocos
(amostragens 1, 2 e 3 na Figura 2). Na primeira rotação as infestantes também
foram colhidas, na amostragem 2, e consideradas para a disponibilidade de N no
sistema solo-planta. Durante a segunda rotação recolheram-se amostras de
plantas de couve em 1,4 m2 em três amostragens e numa quinta amostragem em 2,3
m2 em todos os blocos (amostragens 1, 2, 3 e 4 na Figura 3). Todas as amostras
foram usadas para determinar o peso fresco das couves e sub-amostragens foram
realizadas para o cálculo do peso seco e conteúdo em N (pelo método Kjeldahl).
Nas últimas amostragens de ambas as rotações o peso e o conteúdo em N foram
analisados nas couves e resíduos de colheita separadamente. As sub-amostras
foram secas a 70ºC por um a três dias.
As amostras de solo para a determinação do conteúdo em N mineral e água foram
colhidas em ambas as rotações em todos os blocos, quando as sementes de tremoço
foram semeadas, quando as amostras de germinados de tremoço foram colhidas,
antes da sua incorporação, e quando se recolheram todas as amostras de plantas
de couve (amostragens 0, 1, 2, 3 e 4, nas Figuras 2 e 3). Na segunda rotação,
entre a primeira e a segunda amostragem de plantas de couve, duas amostras de
solo foram ainda colhidas em blocos seleccionados com o objectivo de analisar o
comportamento dos métodos de fertilização testados logo após a sua incorporação
(amostragens 0a e 0b na Figura 3). Nesse sentido, a estratégia de fertilização
para essas duas amostras de solo extra teve como cabeça de rotação o trigo e
foi seleccionada de acordo com a taxa de germinação no campo das sementes de
tremoço. Para a determinação do N mineral no solo, 50 g de solo fresco foi
extraído com 100 ml de 2M KCl e a determinação fotométrica do NO3- e NH4+ foi
feita usando um espectrómetro de UV (Lambda 2S, PerkinElmer Inc.). A
transformação para kg/ha realizou-se para quatro camadas de solo usando
densidades de 1,35 g/cm3 para a camada dos 0 aos 30 cm e 1,5 g/cm3 para as
camadas dos 30 aos 60 cm, 60 aos 90 cm e 90 aos 120 cm. A determinação do teor
em água foi realizada pela secagem em forno (105 ºC) de sub-amostras de solo
fresco pesado antes e depois da secagem. Os teores totais em C e N do solo
foram determinados pelo método de Dumas (Kirsten & Hesselius, 1983).
A quantidade de sementes de tremoço necessárias para fornecer 180 kg/ha de N às
plantas de couve (Wsem) foi calculada com base no teor em N encontrado na
matéria seca das sementes (Nsem) e no seu conteúdo em matéria seca (DMsem)
usando a Eq. [1]:
Para calcular a taxa de germinação da segunda experiência (Gcampo) contaram-se
o numero de germinados de tremoço por metro quadrado (Xgerm) quando se
recolheram as amostras de tremoço e usou-se também o numero de tremoços
semeados por metro quadrado (Xsem) na Eq. [2]:
Gcampo[%] = (Xgerm/ X sem) x 100
O número de tremoços semeados por metro quadrado (Xsem) foi calculado com a Eq.
[3] usando o peso de sementes de tremoço semeado por metro quadrado (Wsem) e o
peso de mil sementes (TKG).
Eq. [3]:
Xsem = (Wsem [g/m2] / TKG [G]) x 100
Nem todo o N aplicado ao solo com as sementes de tremoço (180 kg/ha) foi
posteriormente encontrado nos germinados de tremoço. Algumas das sementes não
germinadas e sementes germinadas mas doentes começaram provavelmente a
mineralizar-se após a sementeira e no caso de elevadas taxas de germinação com
longos períodos de crescimento a captação de N também pode ter ocorrido.
Consequentemente a quantidade de N presente no solo devido à germinação das
sementes de tremoço foi chamada de N recuperado (Nrec) uma vez que este é o N
recuperado no solo à data da incorporação dos germinados. O N recuperado foi
calculado pela adição ao N encontrado nos germinados de tremoço (Ngerm), à data
da sua incorporação, a diferença entre o N mineral encontrado nas parcelas
fertilizadas (Nmin), com germinados de tremoço, e parcelas não fertilizadas
(Nmin controlo) na segunda amostragem, de acordo com a Eq. [4]:
Nrec [kg/ha] = Ngerm [kg/ha] + ((Nmin)[kg/ha]) - (Nmin controlo)[kg/ha]
A quantidade de N disponível no solo para as plantas de couve (Ndisp) foi
calculada pela adição do N mineral encontrado no solo (Nmin) ao N encontrado
nas plantas de couve e infestantes (Ninf) pela Eq. [5]:
Ndisp [kg/ha] = Nmin [kg/ha] + Ninf [kg/ha]
O somatório do N mineralizado no solo, proveniente da matéria orgânica do solo
e devido aos diferentes sistemas de fertilização testados em cada uma das
amostragens (Nlib), foi calculado pela Eq. [6], onde (Nmin)0 é o azoto mineral
encontrado no solo na primeira amostragem 0.
Eq. [6]:
(Nlib)n [kg/ha] = (Ndisp)n [kg/ha] - (Nmin)0 [kg/ha]
O teor em N das plantas de couve entre a primeira e a segunda amostragem de
plantas foi calculado pelo ajuste da equação Chapman, com 3 parâmetros, aos
teores em N das plantas de couve nos respectivos sistemas de fertilização pela
Eq. [7]. Nesta equação, x corresponde ao tempo (em dias, a partir do dia de
plantação das couves) e y é o N captado pelas plantas de couve (em kg/ha). Os
parâmetros a, b e c e o grau de ajuste (r2) foram todos automaticamente
previstos usando o SigmaPlot 8.0.
Eq. [7]:
O N recuperado nos diferentes métodos de fertilização, o somatório do N
mineralizado no solo da matéria orgânica do solo e devido aos diferentes
métodos de fertilização, e o peso fresco das couves (colheita) foram
estatisticamente analisados usando o SPSS 11,0. As diferenças significativas
entre os tratamentos foram testadas com análises de variância (ANOVA) para
medições repetidas após o teste de Levene (homogeneidade de variâncias, Sign ≥
0.05) e, em caso de diferenças significativas, seguidas do teste HSD de Tukey/
Kramer (Honestly Significant Difference, p ≤ 0.05).
RESULTADOS & DISCUSSÂO
A taxa de germinação do Lupinus angustifoliusL. pode variar entre 20 e 90%
(Kettel et al., 2003). A constituição das sementes e a exposição a factores
externos, tais como fungos, produzem variações nas taxas de germinação em
ambientes uniformes (Benjamin, 1990). Através dos resultados do teste de
germinação realizado em laboratório na segunda experiência ficou-se a saber que
as taxas de germinação dos tremoços doces e amargos estavam dentro dos valores
indicados por Kettel (97.8 e 77.0%, respectivamente), e que cerca de 17% das
sementes de tremoço amargo não germinaram.
Na segunda experiência, as taxas de germinação foram não só influenciadas pelo
tipo de semente utilizada mas também pelo método de fertilização utilizado,
provavelmente devido à competição pela luz e água entre as plântulas
(Watkinson, 1985). As sementes de tremoço com tempos de crescimento curtos
apresentaram a taxa de germinação em campo mais elevada, especialmente as
sementes de tremoço doce (superior a 80%), como seria de esperar.
Consequentemente, o tratamento de fertilização escolhido para as duas
amostragens de solo extra na segunda experiência de campo (0a e 0b na Figura 3)
foi o que usou sementes de tremoço doce após o cultivo de trigo.
Por comparação com a razão C:N média das sementes de tremoço (8,5 e 8,6 nos
tremoços amargos e doces, respectivamente), os germinados de tremoço com tempos
de crescimento curtos apresentaram razões C:N inferiores em ambas as
experiências de campo (6,9 e 7,2 na primeira experiência e 6,6 e 6,5 na segunda
experiência, nos tremoços amargos e doces, respectivamente), devido ao aparente
aumento de proteínas de reserva (Dagnia et al., 1992). Os germinados de tremoço
com tempos de crescimento longos atingiram as razões C:N mais elevadas (12,8 e
13,2 na primeira experiência e 13,6 e 13,2 na segunda experiência, nos tremoços
amargos e doces respectivamente).
Os teores totais médios em C e N do solo (0 a 120 cm) na primeira amostragem da
primeira experiência encontravam-se entre 2,5 e 4,0 t/ha e entre 25,0 e 40,0 t/
ha, respectivamente. Na terceira amostragem da segunda experiência teores
totais médios em C e N do solo (0 a 120 cm) encontravam-se entre 2,0 e 4,0 t/ha
e entre 30,0 e 50,0 t/ha, respectivamente.
Como se pode ver na Figura 4, apenas na segunda experiência surgiram diferenças
entre o N recuperado dos diferentes métodos de fertilização testados. O sistema
de fertilização com germinados de tremoço doce com um curto período de
crescimento (K) após o cultivo de trigo (W-sw-k) ou tremoço doce (Sw-sw-k)
levou a valores médios de N recuperado (211 e 205 kg/ha respectivamente)
superiores ao sistema de fertilização com germinados de tremoço doce com um
longo período de crescimento (L) após o cultivo de trigo (W-sw-l) ou tremoço
doce (Sw-sw-l) (63 e 60 kg/há, respectivamente). Esta diferença entre o N
recuperado pelos dois métodos de fertilização testados deveu-se, provavelmente,
a diferenças entre as suas taxas de germinação aparente e as suas razões C:N.
Um elevado número de germinados de tremoço saudáveis, associado à mineralização
de germinados não saudáveis, com baixas razões C:N (Janssen, 1996), podem ter
aumentado o N recuperado.
Figura 4 ' Valores médios de N recuperado nas diferentes estratégias de
fertilização (sementes/germinados de tremoço amargo após o cultivo de trigo (W-
bi) ou tremoço amargo (Bi-bi) e sementes/germinados de tremoço doce após o
cultivo de trigo (W-sw) ou tremoço doce (Sw-sw)) com germinados de tremoço com
tempo de crescimento curto (K) e longo (L), na primeira e segunda experiência.
As barras das colunas indicam o desvio padrão.
Na primeira experiência, provavelmente devido à mineralização de sementes de
tremoço não germinadas e de germinados doentes, o método de fertilização com
germinados de tremoço com um curto período de crescimento (K) teve a maior
média de somatório de N libertado após a incorporação dos germinados e antes da
plantação das couves. Durante o crescimento das couves, a média do somatório do
N libertado em ambos os métodos de fertilização com germinados de tremoço (K ou
L) foram similares, tal como se pode ver na Figura 5. O método de fertilização
com sementes de tremoço trituradas (S) atingiu um valor médio de somatório de N
libertado (445,8 kg/ha) superior à soma do somatório do N libertado da matéria
orgânica do solo (174 kg/ha) e da quantidade de N adicionado ao solo com as
sementes de tremoço (180 kg/ha) cinco semanas após a plantação das couves. Esta
elevada libertação de N deveu-se, provavelmente, a um priming effect
positivo.No entanto, após este pico, o somatório da libertação de N neste
método de fertilização (S) decresceu e atingiu valores similares aos métodos de
fertilização com germinados até à colheita das couves. Estes resultados mostram
que, nas condições de campo de 2005, todos os três métodos de fertilização
testados (S, K e L) foram capazes de aumentar a libertação de N no solo.
Figura 5 ' Somatório do N mineralizado no solo do tratamento de controlo (0) e
dos métodos de fertilização (sementes de tremoço moídas [S] ou germinados de
tremoço com tempo de crescimento curto [K] ou longo [L]) na primeira
experiência, independentemente da cultura antecedente. As barras das colunas
indicam o desvio padrão.
Como se pode ver na Figura 6, na segunda experiência, antes da plantação das
couves e após a incorporação dos fertilizantes testados, o método de
fertilização com germinados de tremoço com longo período de crescimento (L)
atingiu os valores médios cumulativos de libertação de N mais baixos,
provavelmente devido à captação de N pelos germinados.
Figura 6 ' Somatório do N mineralizado no solo do tratamento de controlo (0) e
dos métodos de fertilização (sementes de tremoço moídas [S] ou germinados de
tremoço com tempo de crescimento curto [K] ou longo [L]) na segunda
experiência, independentemente da cultura antecedente. As barras das colunas
indicam o desvio padrão.
Após quatro semanas, os métodos de fertilização com sementes de tremoço
trituradas (S) e germinadas com um curto período de crescimento (K) atingiram
picos na libertação cumulativa de N (323 e 315 kg/ha, respectivamente),
similares entre si mas superiores ao método de fertilização com germinados de
tremoço com um tempo longo de crescimento (L) e tratamentos de controlo (O).
Durante o resto do desenvolvimento das plantas de couve, os métodos de
fertilização com sementes de tremoço trituradas (S) e germinados de tremoço com
curto período de crescimento (K) atingiram os valores médios cumulativos de
libertação de N mais elevados. Estes resultados mostram que, nas condições de
campo de 2006, dos três métodos de fertilização testados (S, K e L) apenas os
métodos de fertilização com sementes de tremoço trituradas (S) e germinadas com
um curto período de crescimento (K) foram capazes de aumentar a libertação de N
no solo.
A análise da dinâmica da libertação cumulativa de N em ambas as experiências de
campo foi dificultada devido a grandes desvios entre as repetições e priming-
effects positivos. Numa experiência de campo realizada em 2003 por Mueller
(2006), Alemanha central, com diferentes níveis de fertilização (120 e 240 kg
N/ha) de farinha de tremoço amarelo (Lupinus luteusL.), com razão C:N média de
6,9, em couve branca (Brassica oleraceaL. convar. Capitatavar. laba) num Cumuli
Anthrosol, um priming effect positivo foi também encontrado aproximadamente
quarenta dias depois da incorporação da farinha de tremoço. A média de N
mineral, entre os 0 e os 15 cm de solo, atingiu aproximadamente 80 kg N/ha nos
níveis mais baixos de fertilização (120 kg N/ha) e quase 200 kg N/ha nos níveis
mais elevados de fertilização (240 kg N/ha), e após mais quarenta dias os
valores aproximaram-se dos tratamentos de controlo (quase 0 kg N/ha).
Comparando os resultados de Mueller (2006) com os teores de N mineral no solo,
entre os 0 e os 30 cm, das duas experiências, o mesmo padrão de libertação de N
mineral pode ser encontrado, mas numa escala maior.
Na Figura 7 apresentam-se os gráficos com a equação de Chapman, os seus três
parâmetros e o r2, ajustada à quantidade de N das plantas de couve em cada
amostragem da segunda experiência usado para calcular a quantidade de N
absorvido pelas plantas de couve fertilizadas com tremoços doces após o cultivo
de trigo nas duas amostragens extra de solo, 0a e 0b (ver Figura_3). As plantas
de couve fertilizadas com sementes de tremoço doce trituradas (W-sw-s) e com
germinados de tremoço doce com curto período de crescimento curto à época de
colheita atingiram valores médios de N superiores a 300 kg/ha e também
superiores aos restantes tratamentos testados.
Figura 7 ' Valores médios de N absorvido pelas plantas de couve cultivadas após
trigo sem fertilização (W-o) e fertilizadas com sementes de tremoço doce
trituradas (W-sw-s), germinadas com período de crescimento curto (W-sw-k) e
longo (W-sw-l) na segunda experiência.
Como se pode ver na Figura 8, na primeira experiência apenas os métodos de
fertilização com sementes de tremoço trituradas (S), germinados de tremoço com
período de crescimento curto (K) e azevém com trevo deixado no campo após
cortes (K-Mu) atingiu valores médios de produção superiores aos tratamentos de
controlo (0). Na segunda experiência, todos os tratamentos de fertilização com
sementes de tremoço (S, K e L) e até os seus tratamentos de controlo (0)
atingiram valores médios de produção superiores aos tratamentos com azevém e
trevo (K-Mu e K-Fn). Os resultados de produção de couve obtidos com a
fertilização de azevem e trevo aproximam-se dos indicados por Willumsen &
Thorup-Kristensen (2001) que em duas experiências num solo arenoso, cultivado
em modo biológico, obtiveram produções médias de couve branca (Brassica
oleracea L.) (plantada com um compasso de 0,5 por 0,5 m) de aproximadamente 30
a 40 t/ha, com fertilização de azévem Italiano (Lolium perenne subsp.
multiflorum (Lam.) Husnot) e trevo Egípcio (Trifolium alexandrinum L.). Em
ambas as experiências, os métodos de fertilização com sementes de tremoço
trituradas (S) e germinados de tremoço com período de crescimento curto (K)
apresentaram tendência para levar a produções de couve mais elevadas do que o
método de fertilização com germinados de tremoço com período de crescimento
longo (L) ou do que o tratamento de controlo (0).
Figura_8 ' Valores médios de peso fresco de couves sem fertilização (0), com os
diferentes métodos de fertilização de semente de tremoço (trituradas [S] ou
germinadas com períodos de crescimento curtos [K] ou longos [L]) e azevém com
trevo cortado e removido do campo (K-Fn) ou deixado no campo durante o seu
crescimento, em ambas as experiências. As barras das colunas indicam o desvio
padrão.
Na segunda experiência, foi encontrada uma relação inversa entre o N libertado
no solo pelos diferentes métodos de fertilização usando sementes de tremoço
trituradas ou germinadas e a sua razão C:N. A inclinação e o r2 em cada
regressão linear na Figura 9 mostram uma grande influência da razão C:N das
sementes e germinados de tremoço na libertação de N. Uma forte relação inversa
entre estes dois factores ocorreu um mês após a incorporação no solo das
sementes e germinados de tremoço (amostragem 1), mas esta relação atenuou-se em
datas posteriores.
Figura 9 ' Relações entre o N libertado no solo pelos diferentes métodos de
fertilização com sementes ou germinados de tremoço e a sua razão C:N em cada
amostra da segunda experiência.
Na segunda experiência, foi também encontrada uma relação, mas directa, entre o
N libertado no solo pelos diferentes métodos de fertilização com germinados de
tremoço e o seu N recuperado um e dois meses após a sua incorporação no solo,
nas amostragens 1 e 2 respectivamente (Figura 10). A inclinação e o r2 em cada
regressão linear mostram que até com um ajustamento fraco (baixo r2) a
influência do N recuperado pelos germinados de tremoço no N libertado foi,
provavelmente, mais forte um mês após a incorporação dos germinados de tremoço
(amostragem 1) do que dois meses depois (amostragem 2).
Figura 10 ' Relação entre o N libertado no solo pelos diferentes métodos de
fertilização com germinados de tremoço e o seu N recuperado em cada amostragem
da segunda experiência.
Pela relação encontrada entre factores (regressões lineares), mostrou-se que
reduzidas relações C:N e elevados N recuperados nas fertilizações com
germinados de tremoço, levam ao aumento da libertação cumulativa de N. A
influência de reduzidas razões C:N dos germinados de tremoço na libertação de N
explica-se pela libertação de N assimilado por microrganismos causando
mineralização de N e levando a um aumento do N mineral na solução do solo
(Janssen, 1996). A influência do N recuperado pelos germinados de tremoço no N
libertado pode ser explicado pela presença de mais ou menos N mineral no solo,
N potencialmente mineralizável (Azam et al., 1993) e glúcidos facilmente
degradáveis (Frankenberger & Abdelmagid, 1985) nos germinados de tremoço
(Trugo, 1994).
Na primeira experiência, foi encontrada uma relação directa entre o N libertado
no solo pelos diferentes métodos de fertilização com sementes e germinados de
tremoço em cada amostragem e a produção de couve (Figura 11). A análise da
inclinação e r2 de cada regressão linear na Figura_8 mostra que a maior
influência do N libertado na colheita de couve e que a relação directa mais
forte entre estes dois factores ocorreu à data de colheita.
Figura 11 ' Relação entre o N libertado no solo pelos diferentes métodos de
fertilização com sementes e germinados de tremoço em cada amostragem e colheita
de couve, na primeira experiência.
Na segunda experiência, como se pode ver na Figura 12, uma relação directa foi
também encontrada entre o N libertado no solo pelos diferentes métodos de
fertilização com sementes e germinados de tremoço e a produção de couve, três
meses após a sua incorporação no solo (amostragem 3).
Figura 12 ' Relações entre o N libertado no solo pelos diferentes métodos de
fertilização com sementes ou germinados de tremoço e a sua razão C:N em cada
amostra da segunda experiência.
A eficácia dos três métodos de fertilização testados foi principalmente
confirmada na primeira experiência, com uma elevada relação encontrada entre a
libertação cumulativa de N em cada amostragem e produção média de couve. De
acordo com Everaarts & Booji (2000), o aumento da produção com o aumento
das taxas de aplicação de N deve-se a aumentos na concentração em N nas
plantas, acompanhado pelo aumento da concentração em proteína e uma resultante
maior capacidade de retenção de água.
CONCLUSÕES
A partir desde estudo, pode-se concluir que a incorporação de germinados de
tremoço com um período de crescimento de 12 dias aumenta mais a libertação de N
no solo do que germinados com um período de crescimento de 22 dias ou sementes
trituradas. No entanto, uma vez que as incorporações com sementes germinadas ou
trituradas apresentaram resultados semelhantes em relação à libertação
cumulativa de N e produção de couve, a incorporação de sementes trituradas pode
ser um método mais prático de fertilização. Torna-se mais simples aplicar
sementes trituradas, uma vez que deixa de ser necessário mobilizar o solo para
preparar a cama para a sementeira, sementeira, trituração e incorporação dos
germinados e, não depende do processo de germinação.
Aconselham-se investigações subsequentes sobre o uso de sementes de tremoço e
outras leguminosas como fertilizante azotado, nomeadamente o estudo da sua
eficácia como adubo localizado no espaço e tempo, de acordo com as necessidades
de diferentes culturas. De notar que a farinha de sementes de leguminosas pode
ser aplicada directamente no solo, com uma ligeira incorporação, ou até, se
finamente moídas, através do sistema de rega. Diferentes estratégias de
aplicação com diferentes graus de moagem de sementes de leguminosas podem ser
uma alternativa para fertilizantes processados industrialmente.