Avaliação do potencial fertilizante de dois resíduos da indústria florestal
INTRODUÇÃO
A produção de energia a partir de fontes renováveis, como a biomassa florestal,
adquiriu especial importância no quadro da política energética da União
Europeia. Existe actualmente uma forte dependência energética em relação ao
petróleo, situação que tem vindo a agravar-se devido ao seu aumento de preço. O
conceito de biomassa florestal encerra uma grande diversidade de produtos:
como os matos, os resíduos de exploração florestal (ramos, bicadas), os
subprodutos de processamento da madeira (casca, serrim, pó de madeira, licor
negro) e, a própria madeira (CELPA & AIMMP, 2004). A superfície florestal
em Portugal ocupa cerca de 3,275 milhões de ha, dos quais 1,9 milhões são
usados para a produção de madeira. A exploração da madeira, fornece, além do
material comercial, também biomassa que ainda hoje é pouco utilizada em
processos industriais. Em caso de corte de madeira, como por exemplo de
pinheiro ou de carvalho a quantidade de matéria, para além da que é aproveitada
para madeira, é mais de 50% da massa total da árvore. As centrais de produção
de energia a partir de biomassa representam assim um aproveitamento deste
produto, contribuindo não só para a limpeza do solo da superfície florestal
como também para uma diminuição das condições favoráveis à ocorrência de
incêndios. A queima de biomassa florestal para obtenção de energia conduz a que
nestas centrais se produzam grandes quantidades de cinzas como produto final.
Alguns autores referem que as plantações de culturas energéticas e de espécies
lenhosas de rápido crescimento para produção de biomassa terão um incremento
muito significativo nos próximos anos (Hytonen & Kaunisto, 1999; Telenius,
1999; Hytonen & Issakainen, 2001; Berndes et al., 2003; Jogiste et al.
2003), conduzindo logicamente a um aumento na produção de cinzas.
As cinzas poderão ser utilizadas em agricultura uma vez que possuem uma
concentração relativamente elevada de elementos minerais como o K, Na, Zn, Ca,
Mg e Fe (Basu et al., 2009). O teor em Ca das cinzas pode também contribuir
para uma correcção da reacção em solos ácidos, diminuindo a aplicação de
calcário (Ohno, 1992; Muse & Mitchell, 1995). Para além dos benefícios na
fertilidade do solo, este pode ser um efeito relevante dado que poderá
contribuir para uma diminuição na libertação de CO2 para a atmosfera, processo
que ocorre quando se usa calcário como correctivo alcalinizante (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, IPCC).
Vários autores (Etiegni & Campbell, 1991; Ulery et al., 1993; Someshwar,
1996), referem que as cinzas da biomassa florestal apresentam uma composição
com alguma variabilidade uma vez que essa composição depende de um conjunto de
factores como sejam: o tipo de planta, a parte da planta queimada (casca,
madeira, folhas), o tipo de resíduos (madeira, celulose ou resíduos de papel),
a combinação com outras fontes de combustível, as condições edafo-climáticas da
cultura e as condições de combustão, de colheita e de armazenamento.
As cinzas podem conter micronutrientes e metais pesados (Cu, Zn, Mn, Pb, Cd,
Cr, Hg, Ni) normalmente em proporções muito baixas e, dependendo da fracção da
biomassa queimada, ocorrem geralmente em quantidades vestigiais. Quando são
aplicadas em doses moderadas, a concentração em micronutrientes e metais
pesados das cinzas não prejudica o desenvolvimento das culturas nem a
actividade microbiana do solo avaliada pela decomposição da matéria orgânica
(Levula et al., 2000; Yrjälä et al., 2004; Fritze et al., 1995). Huotari et al.
(2008) verificaram por exemplo, que a adubação com cinzas em plantas jovens de
Bétula apresentava um efeito positivo na sua germinação.
Na verdade, um dos destinos possíveis a dar a estas cinzas poderá ser o seu
aproveitamento como fertilizante; no entanto por ser uma questão relativamente
recente, não existem ainda, para as nossas condições edafo-climáticas, muitos
dados disponíveis acerca desta utilização.
Existe também um outro resíduo proveniente da indústria da pasta de papel, que
neste trabalho se denominou por cinza branca. Este resíduo é obtido na
sequência de uma reacção de causticação, na qual se obtém hidróxido de sódio
(NaOH) e carbonato de cálcio (CaCO3):
[Eq. 1]
Ca(OH)2 + Na2CO3 → 2Na(OH) +
CaCO3
Na produção de pasta de papel pelo processo Kraft o cozimento da madeira (em
aparas) é efectuado num reactor (digestor) a temperaturas próximas dos 180 ºC,
na presença de hidróxido de sódio e sulfureto de sódio. Deste tratamento
resulta um resíduo constituído por uma solução escura (licor negro), que é
formado por elementos dissolvidos resultantes da solubilização de constituintes
da madeira, e pelos agentes químicos usados no seu tratamento. Após
concentração por evaporação, é queimado numa caldeira para gerar energia
necessária à produção da pasta de papel. Por acção do calor gerado na combustão
forma-se uma massa fundente smelt, constituída essencialmente por carbonato
de sódio e sulfureto de sódio. O smelt é dissolvido, posteriormente é
clarificado (remoção da matéria insolúvel) e, submete-se então a um tratamento
com cal viva num reactor (apagador) onde se forma hidróxido de cálcio. No
apagador inicia-se a reacção de causticação, que se completa nos
caustificadores de acordo com a [Eq. 1].
O resíduo assim obtido, cinza branca, foi fornecido gratuitamente aos
agricultores tendo originado nalgumas situações, danos severos nas culturas.
Destes, salientamos a morte das plantas, quando aplicado em vinha, e a ausência
de germinação, em culturas anuais.
Na sequência dos problemas identificados no campo devido à aplicação da cinza
branca e na ausência de resultados publicados acerca da utilização deste
resíduo, a avaliação do seu potencial fertilizante e a indicação de
quantitativos a aplicar sem originar danos parece-nos importante. Por outro
lado, a aplicação de cinzas provenientes da queima da biomassa florestal ao
solo tem demonstrado trazer benefícios ao desenvolvimento das plantas actuando
como um fertilizante.
Os nossos solos são de uma forma geral pobres em bases e com características
ácidas. Esta baixa fertilidade ocasiona más condições de nutrição das culturas,
conduzindo a baixas produções e a uma composição desequilibrada nomeadamente em
Ca e Mg. Face às suas características, estes resíduos poderão melhorar alguns
dos factores limitantes da produção e qualidade das culturas.
Numa perspectiva de gestão agro-ambiental destes resíduos, o objectivo do
presente trabalho foi, deste modo, a avaliação das cinzas provenientes da
incineração de biomassa florestal e da causticação da pasta de papel, como
fertilizantes. Para isso foi efectuada: i) a caracterização analítica dos dois
resíduos da indústria florestal com origens completamente distintas ii) a
avaliação do uso potencial de cada resíduo como fertilizante, através da
instalação de um ensaio em vasos.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi realizado no Centro de Ensaios de Nutrição Vegetal e Fertilidade
do Solo da Escola Superior Agrária de Castelo Branco (ESA-CB) ' Portugal. Em
primeiro lugar efectuou-se a caracterização analítica dos resíduos, segundo os
parâmetros e metodologias descritas no Quadro 1, e de acordo com as suas
propriedades efectuou-se o delineamento experimental de um ensaio em vasos. O
resíduo proveniente da queima de biomassa florestal denominou-se cinza (C) e o
proveniente da causticação da pasta de papel, como já foi referido, por cinza
branca (R).
Quadro 1 ' Parâmetros analisados nos resíduos e metodologias utilizadas.
O ensaio em vasos foi delineado com a aplicação de doses crescentes de
resíduos, correspondentes à aplicação ao solo de: 0; 0,5; 1; 3 e 5 toneladas de
resíduo / ha. Uma vez que a cinza branca apresentava um pH elevado efectuou-se
a mistura com enxofre (S, correctivo acidificante) a partir da dose de 1 t/ha
de resíduo de acordo com o Quadro 2. Todas as modalidades foram efectuadas em
duplicado.
Quadro 2' Modalidades efectuadas no ensaio em vasos.
A cultura utilizada foi o azevém (Lolium perenne L.), pois é uma cultura
forrageira muito utilizada na região da Beira Interior. O ensaio foi instalado
no início de Setembro (08-09-2008) ao ar livre, sendo os vasos regados a 80% da
capacidade de campo. Teve a duração de três meses e realizaram-se três cortes.
A produção de matéria seca foi avaliada como o somatório dos três cortes.
O solo utilizado foi um cambissolo dístrico (FAO, 2006), colhido a 0,20 m de
profundidade e crivado por um crivo de malha de 5 mm. Apresentava uma textura
arenosa-franca, era pouco ácido, tinha um teor médio em matéria orgânica (2,9%)
e um teor muito alto em fósforo e potássio assimiláveis, médio em Ca e Mg e
muito baixo em sódio (Quadro 3).
Quadro 3 ' Propriedades químicas iniciais do solo utilizado no ensaio.
Os vasos foram cheios com 10 kg de terra tendo-se efectuado uma adubação de
fundo por vaso de 1,5 g de P2O5 e 1,0 g de K2O. O azoto aplicou-se em solução
por três vezes: 0,5 g à sementeira e 0,5 g após cada corte do azevém.
Os parâmetros avaliados no solo e na planta após o ensaio estão indicados no
Quadro 4.
Quadro_4
– Parâmetros avaliados no solo e na planta após ensaio.
O tratamento estatístico dos resultados foi efectuado no programa STATITIX 7
(Analytical Software, 2000) para a obtenção das equações de regressão ajustadas
ao modelo linear. Os valores são apresentados relativamente à variação sofrida,
tendo-se realizado o tratamento estatístico sobre a transformação logarítmica
dos dados. Utilizaram-se os níveis críticos de significância de P <0,05, P
<0,01 e P <0,001.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apresentam-se de seguida os resultados obtidos relativamente à caracterização
dos resíduos utilizados no ensaio, bem como o efeito sobre a produção do azevém
e sobre as propriedades do solo decorrentes da aplicação ao solo das cinzas
provenientes da incineração de biomassa florestal e das cinzas brancas obtidas
através da causticação da pasta de papel.
Características dos resíduos
Os resíduos utilizados possuíam características químicas muito distintas
(Quadros 5 e 6). Na composição das cinzas provenientes da queima da biomassa
florestal, há a salientar a sua elevada variabilidade, nomeadamente no teor de
humidade, o que se deve ao facto das cinzas serem regadas para arrefecerem mais
rapidamente, e também por estarem depositadas ao ar livre, sofrendo a
influência das condições meteorológicas. As cinzas com menor teor de humidade
estariam depositadas há mais tempo. Apresentavam também uma elevada
variabilidade no teor em matéria orgânica (MO). Os valores mais elevados de MO
devem-se a avarias no tubular da caldeira o que pode ocasionar combustões menos
eficientes. Os elementos minerais, regra geral, estão numa proporção que
reflecte a origem vegetal deste produto. No entanto, como se pode observar, as
cinzas possuíam um elevado teor em cálcio, o que justificará a alcalinidade
deste resíduo (pH=9,6). Este aspecto poderá ter interesse na sua aplicação em
solos ácidos. Demeyer et al. (2001) referem que a alcalinidade das cinzas é
elevada devido à formação de carbonatos e bicarbonatos durante o processo da
combustão da biomassa florestal. A relação Ca/Mg das cinzas é elevada, cerca de
8,3, o que indica um desequilíbrio potencial para a nutrição das plantas em Mg,
podendo induzir carência neste elemento. Os teores em elementos minerais das
cinzas estão dentro dos valores referidos por Demeyer et al. (2001) num
trabalho de revisão sobre cinzas de biomassa florestal que estes autores
realizaram. As cinzas utilizadas no ensaio resultaram da mistura das várias
colheitas, sendo a sua composição final a indicada no Quadro 6.
Quadro 5 ' Caracterização analítica das cinzas provenientes da incineração da
biomassa florestal (C), utilizadas no ensaio.
Quadro_6
' Caracterização analítica dos resíduos incorporados no solo e quantidade de
macronutrientes (kg) adicionada ao solo por cada tonelada de matéria seca de
resíduo.
A cinza branca (R), proveniente da causticação da pasta de papel (Quadro 6)
apresentou um valor bastante elevado de pH, explicado provavelmente pela sua
riqueza em Ca e em Na. Esta característica pode indicar um efeito potencial
como correctivo alcalinizante do solo. No entanto, há que ter em consideração o
seu elevado teor em sódio e a sua elevada condutividade eléctrica (CE), que
poderão ter efeitos negativos sobre fertilidade do solo, i.e., ocasionar
problemas de salinização devido ao aumento da CE da solução do solo, e/ou de
alcalização. O processo de alcalização ocorre quando há um aumento do teor em
Na no complexo de troca do solo para valores acima dos 15%, e ocasiona efeitos
negativos na estrutura (dispersão dos colóides) conduzindo a uma diminuição da
porosidade com diminuição da condutividade hidráulica e resistência ao
crescimento radical.
A riqueza do resíduo em Ca e principalmente em Na pode originar também a
alcalinização do solo, ou seja o, incremento do valor de pH para a zona
alcalina com efeitos negativos a nível de absorção de alguns nutrientes,
nomeadamente de fósforo. Estes problemas poderão ocorrer principalmente em
situações de solos com capacidade de troca catiónica baixa e baixo poder
tampão, como é frequente encontrar na região da Beira Interior. Por estas
razões, e a fim de evitar a alcalinização do solo, testou-se a incorporação
simultânea de S como correctivo acidificante, nas doses mais elevadas de
utilização da cinza branca. Este resíduo, pela sua origem, praticamente não
apresenta matéria orgânica e, exceptuando-se o seu teor em Ca, Na e P, tem uma
composição mineral relativamente pobre.
Em síntese podemos referir que a composição das cinzas sugere que poderão ter
algum potencial fertilizante no que diz respeito ao fornecimento de K, Ca e Mg,
enquanto as cinzas brancas fornecerão quantidades relativamente elevadas de Ca
podendo ter algum interesse alcalinizante.
Resíduos e produção vegetal
No Quadro 7 observa-se o efeito da aplicação das cinzas provenientes da queima
da biomassa florestal (C) e das cinzas brancas provenientes da causticação da
pasta de papel (R), sobre a produção de matéria seca do azevém perene e sobre
algumas propriedades do solo.
Quadro_7
' Valores médios do ensaio em vasos referentes à testemunha e modalidades para
todos os parâmetros analisados.
A Figura 1 representa a variação da produção (peso seco total) relativa do
azevém por modalidade. Como se pode observar, a aplicação de cinza não conduziu
a uma variação significativa na produção do azevém relativamente à modalidade
testemunha.
Figura 1' Variação da produção de azevém nas várias modalidades (M-
modalidades) relativamente à testemunha (T- testemunha). Equação de regressão
da modalidade Cinzas + S, significativa a P<0,001; restantes modalidades: NS
O mesmo aconteceu com a aplicação da cinza branca. Verificou-se, no entanto,
que a aplicação de cinza e enxofre conduziu a um decréscimo significativo na
produção do azevém, com um valor médio de 36%.
Este decréscimo na produção poderá ter sido devido ao aumento do valor de CE do
solo nesta modalidade (como se pode observar na Figura_3) originado pela
incorporação de S que se transformará em SO42- aumentando assim o teor em iões
do solo:
[Eq. 2]:
SO2 + ½ O2 + 3H2O → SO42- + 2H3O+
(Santos, 1996)
Marques (1998) refere que a aplicação de cinza de biomassa florestal contribuiu
para um aumento na produção de uma leguminosa com interesse forrageiro (Vicia
benghalensisL.) principalmente quando aplicou maiores doses de cinza. Também
outros investigadores, como Nkana et al. (1998) e Moyin-Jesu (2007), observaram
um efeito positivo da cinza na produção de okra e de azevém, em ensaios com
solos ácidos da região tropical. Estes autores, atribuíram este resultado ao
efeito do Ca e K das cinzas na nutrição das plantas.
No nosso ensaio, contrariamente, o aumento da quantidade de cinza aplicada ao
azevém, uma gramínea também com interesse forrageiro, não teve o mesmo efeito
ao nível da produção, que na Vicia benghalensis L. (Marques, 1998), não se
verificando uma variação significativa na produção com a aplicação de cinza
mesmo quando se aumenta a quantidade incorporada. O solo utilizado no ensaio
apresentava níveis adequados de macronutrientes para a nutrição das plantas,
podendo por este motivo não se revelar o efeito positivo da composição das
cinzas sobre a nutrição do azevém, enquanto que o solo utilizado por Marques
(1998) era pobre em nutrientes, nomeadamente em fósforo.
Resíduos e propriedades do solo
O potencial fertilizante dos dois resíduos em avaliação, ou seja, das cinzas
provenientes da queima da biomassa florestal (C) e das cinzas brancas
provenientes da causticação da pasta de papel (R) foi também avaliado a nível
de algumas propriedades do solo, nomeadamente em relação à matéria orgânica,
condutividade eléctrica, potássio, fósforo, pH e bases de troca (Ca, Mg, Na,
K).
A metodologia que se seguiu na apresentação dos resultados foi a mesma que para
a produção, ou seja calculou-se a razão entre o parâmetro do solo a estudar e o
respectivo valor da testemunha (M/T). Desta forma obteve-se a variação
provocada pelas modalidades (aplicação de resíduos) sobre algumas propriedades
do solo.
O teor em matéria orgânica (MO) do solo manteve-se muito próximo do valor da
testemunha quer na modalidade com aplicação de cinza ou com a cinza branca
(Figura 2).
Figura 2 ' Variação no teor em matéria orgânica do solo (MO) nas várias
modalidades (M), relativamente à testemunha (T). Equação de regressão da
modalidade Cinzas + S, significativa a P<0,01; restantes modalidades: NS.
De facto a cinza branca apresenta um valor muito baixo em MO não se esperando
portanto que influencie o seu teor no solo. Quanto à cinza, pelo processo de
combustão que sofre também não seria de esperar que contribuísse de forma
positiva para um aumento do teor em MO do solo. Acontece no entanto, que este
resíduo parece estar incompletamente carbonizado apresentando ainda uma fracção
orgânica, que apesar de neste ensaio de curta duração não se expressar poderá
vir a ter um efeito positivo num período de tempo mais alargado. De facto
verificou-se que no tratamento com aplicação simultânea de cinza e enxofre
ocorreu um efeito positivo no teor em MO do solo. Isto poder ter acontecido,
possivelmente, porque neste tratamento a actividade microbiana do solo
responsável pela mineralização da MO poderá ter sido alterada, devido à
presença do S; desse modo a MO da cinza terá induzido um efeito positivo.
Jokinen et al.(2006) observaram um aumento no teor em carbono orgânico e na
actividade microbiana do solo após incorporação de cinzas provenientes da
incineração de biomassa florestal, o que justificaria o efeito que observámos.
A aplicação de cinzas ao solo não teve efeito sobre a sua condutividade
eléctrica (CE) ao contrário de todas as outras modalidades (Figura 3).
Figura_3 ' Variação no valor da condutividade eléctrica (CE) do solo nas várias
modalidades (M) relativamente à testemunha (T). Equações de regressão das
modalidades Cinza branca, Cinza branca+S e Cinzas + S, significativas a
P< 0,001; Cinzas: NS.
A aplicação de enxofre conduziu a um aumento da CE pelo motivo já exposto e
este aumento originado pela aplicação de cinza branca evidencia o efeito da sua
riqueza nos iões Ca e principalmente Na, como também se pode observar pelos
valores das bases de troca (Quadros_7 e 8). Este facto, justificará a razão
pela qual a produção de azevém aumentou com a aplicação de 0,5 t/ha de cinza
branca, tendo depois decrescido com o aumento da quantidade aplicada. Na
modalidade R0,5 terá ocorrido um efeito positivo do Ca na nutrição do azevém;
nas outras modalidades, apesar da produção relativa ser superior a 1, decresceu
devido, possivelmente, ao efeito do sódio (elemento não nutriente) e do aumento
da CE.
Quadro_8
' Equações de regressão relativas à variação do fósforo, potássio e bases de
troca do solo nas várias modalidades.
Os valores da CE do solo nas modalidades com aplicação de enxofre e nas doses
mais elevadas de aplicação de cinza branca (CE > 0,40 mS cm-1, Quadro_7)
atingiram valores susceptíveis de provocar quebras na produção (INIA, 2000).
Perucci et al. (2008) observaram aumentos significativos no valor da CE devido
à aplicação de cinzas em solos alcalinos da região mediterrânea, mas os
aumentos observados nos valores da CE, pH e actividade microbiana não se
mantiveram a longo prazo.
O pH do solo não foi afectado significativamente pela aplicação de cinzas, mas
aumentou significativamente com a aplicação da cinza branca (Figura 4).
Figura 4 ' Variação no valor de pH do solo nas várias modalidades (M)
relativamente à testemunha (T). Equações de regressão das modalidades Cinza
branca, Cinza branca + S significativas a P<0,001; Cinzas e Cinzas + S:
NS.
Esta observação está de acordo com o referido anteriormente sobre a riqueza em
iões da cinza branca, principalmente bases, que poderão ter ocasionado este
aumento do pH. De salientar o que aconteceu na modalidade Cinza branca + S,
na qual o enxofre parece não ter exercido um efeito acidificante, observando-se
no entanto esse efeito sobre a dissolução das formas de Ca e/ou Na associadas à
cinza branca, facilitando o seu efeito alcalinizante. Noutros trabalhos, como
os de Arvidsson & Lundkvist (2003) e de Jokinen et al. (2006), referem-se
incrementos no valor de pH devidos à aplicação de cinzas.
O nível inicial do solo em fósforo assimilável era muito alto (Quadro_4) não
se tendo verificado uma alteração significativa devido à aplicação de ambos os
resíduos (Quadro_8). A contribuição das cinzas em fósforo foi baixa como se
pode observar no Quadro_6. Porém, mais uma vez se observou um ligeiro aumento
em P na modalidade Cinza branca + S, o que pode ter sido devido ao efeito do
S na dissolução de algumas formas de Ca precipitadas no solo, tais como
fosfatos de cálcio, como atrás se referiu.
A aplicação de cinzas parece também não ter afectado significativamente o teor
em K do solo (Quadro_8), enquanto que a aplicação de cinza branca conduziu a um
decréscimo significativo no seu teor no solo.
O valor das bases de troca do solo não foi afectado significativamente pela
aplicação de cinzas; a cinza branca, por seu lado, conduziu a um aumento
significativo nos teores em Ca e Na de troca do solo. Na modalidade C + S
observou-se um aumento significativo nos teores em Mg, Na e K do solo (Quadro
8). Arvidsson & Lundkvist (2003) referem que a aplicação de cinzas conduziu
a um aumento significativo nos teores em Ca, Mg e K de troca num solo florestal
na camada de 0-0,20 m e um aumento de pH na camada de 0-0,05 m.
A relação Ca/Mg do solo era desequilibrada relativamente à nutrição da planta
em Mg (Ca/Mg > 8; INIA, 2000) e a aplicação de cinza ou de cinza branca não a
melhorou. Ambos os resíduos são pobres em Mg. Em solos equilibrados, o magnésio
deve representar cerca de 10 a 20% do grau de saturação. As situações de
deficiência surgem geralmente em solos ácidos com relações Ca/Mg superiores a
4,0.
Nas várias modalidades que se testaram neste trabalho, a relação Ca/Mg variou
entre valores de 7,7 a 13,3. Estes valores correspondem a uma relação alta,
levando a um nível de apreciação desfavorável e muito desfavorável para a
nutrição da planta em Mg (Marschner, 1995; INIA, 2000).
O registo referido anteriormente, por agricultores, de danos severos nas
plantas ocorridos após a aplicação da cinza branca (morte de videiras e não
germinação de culturas anuais) sugere que o Ca poderá estar na forma cáustica
(CaO) e que o sódio presente no resíduo poderá também contribuir para
incrementar esse efeito negativo. Os danos observados seriam assim devidos à
ocorrência de reacção exotérmica entre o CaO e a humidade do solo originando
CaOH, bem como ao efeito de excesso de Na e consequente aumento da CE do solo.
Neste ensaio, o efeito cáustico não terá ocorrido porque se permitiu que se
desenvolvessem as reacções de estabilização das cinzas brancas no solo, antes
da sementeira. Esta só foi efectuada uma semana após a incorporação dos
resíduos no solo.
CONCLUSÕES
A cinza proveniente da incineração de biomassa florestal pode ser aplicada ao
solo sem prejudicar a produção ou as propriedades do solo. Em solos com uma
relação Ca/Mg desequilibrada (baixo teor em Mg relativamente ao Ca) aconselha-
se a aplicação simultânea de Mg, dado que as cinzas acentuam esse
desequilíbrio.
A cinza branca, proveniente da causticação da pasta de papel, apresenta um
efeito cáustico, que é possível anular com a sua incorporação no solo com
antecedência relativamente à sementeira. Nas culturas plurianuais não deverá
ser utilizado. Este resíduo apresenta valor como correctivo alcalinizante. No
entanto, não se aconselha a sua aplicação em doses superiores a 1 t/ha.