Seleção de genótipos de Brachiaria Ruziziensis quanto ao alumínio em solução
nutritiva: II: Avaliação da tolerância ao alumínio
INTRODUÇÃO
Os solos brasileiros, em sua maioria, apresentam baixa fertilidade, acidez
elevada e altas concentrações de alumínio tóxico, fatores que limitam o
crescimento das plantas. A presença do Al reduz o crescimento e o
desenvolvimento das raízes e diminui a absorção de nutrientes, o que é negativo
para o desenvolvimento de vegetais sensíveis a este elemento (Abreu Jr. et al.,
2003). Isto afeta a produção agrícola que para obter altos rendimentos
necessita de substratos que possibilitem o desenvolvimento das raízes sem
obstáculos químicos e/ou físicos (Echart e Cavalli-Molina, 2001).
Algumas espécies possuem a capacidade de tolerar altas concentrações deste
metal, devido a sua complexação com ácidos orgânicos exsudados pelo sistema
radicular e ao genótipo vegetal que pode promover a capacidade de adequar a
condições físico-químicas adversas, minimizando os problemas causados pela
baixa produtividade em solos ácidos (Freitas et al., 2006; Nolla et al., 2007).
O comportamento das espécies e variedades sob efeito do alumínio é diferente.
Por isso, a seleção de plantas que suportam diferentes concentrações de
alumínio é considerada indispensável em programas de melhoramento genético, que
visam à identificação de genótipos mais produtivos, com maior adaptabilidade em
condições de estresse (Freitas et al., 2006). Reforçando essa tendência, Kim et
al. (2001) apontam o desenvolvimento de cultivares tolerantes ao alumínio em
solos ácidos como uma das soluções econômicas a fim de aumentar a produção
mundial de alimentos. Dentre as espécies tolerantes está a Brachiaria sp., que
é muito utilizada para a alimentação animal nas regiões tropicais.
A Brachiaria ruziziensis Germ. & C.M.Evrard é uma planta perene, que atinge
de 1 a 1,5 m de altura, com rizomas curtos e perfilhamento intenso. Além disso,
apresenta grande quantidade de pequenos tricomas, alta produção de sementes,
além de baixa a média exigência nutricional (Pupo, 1979). Com bons índices de
produção, boa palatabilidade e aceitação pelo animal, além de suportar bem o
pastejo (Alcântara, 1988). O seu cultivo tem despertado o interesse dos
agricultores, por ser uma planta que pode produzir grande volume de matéria
seca, com grande importância para o cultivo em plantio direto. Apesar disso,
sofre com os problemas de toxicidade em solos ácidos e de baixa fertilidade
(Correa, 2002), o que restringe o seu cultivo pelos produtores, tornando
importante a seleção de progênies tolerantes a estes tipos de solo. Assim, o
objetivo deste experimento foi avaliar a variabilidade genética da Brachiaria
ruziziensis para a tolerância ao alumínio.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido em casa de vegetação na Embrapa Gado de Leite,
situada no município de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Utilizaram-se dez
genótipos de Brachiaria ruziziensis (P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8, P9, P10)
que fazem parte do programa de melhoramento genético desta espécie, conduzido
na Embrapa Gado de Leite. O experimento foi realizado em um delineamento
inteiramente casualizado, utilizando-se de um esquema fatorial 10 x 3, com seis
repetições e parcelas compostas por uma planta/vaso.
As sementes dos genótipos foram colocadas para germinar em caixas plásticas
contendo substrato comercial à base de casca de Pinus. Cerca de 60 dias depois,
as mudas, após lavagem do sistema radicular, foram transplantadas para vasos
contendo dois litros de solução nutritiva de Clark (1975) modificada em relação
à concentração de fósforo (0,069 mol/L) com o objetivo de evitar a sua
precipitação pelo alumínio. Nesse momento foi realizada a mensuração dos
comprimentos iniciais da parte aérea (CIPA) e das raízes (CIR) de cada planta.
Os vasos, mantidos em aeração constante, foram revestidos internamente com
filme plástico de polietileno de cor preta e externamente por tinta preta
betuminosa e alumínica, a fim de evitar a passagem de luz para o não
crescimento de algas (Camargo e Camargo, 1985).
Na primeira semana, para adaptação dos genótipos ao ambiente aquático e
uniformização dos materiais, as plantas foram submetidas à solução com metade
da concentração recomendada e na segunda foi utilizada solução completa, mas
sem Al (AlCl3.6H2O). Após este período, semanalmente foi realizada a troca da
solução nutritiva, com a inclusão do alumínio nas diferentes doses, 0
(controle); 30; 60 mg/L. A cada troca semanal de solução o pH foi ajustado para
4,5 ± 0,1, utilizando NaOH ou HCl 0,5 mol/L, com pHgâmetro digital, não havendo
necessidade de leitura diária do pH. Isto porque Martins et al. (2010)
verificaram não ser necessária a correção do valor de pH da solução nutritiva
para esta espécie, resultado este de muita importância e praticidade uma vez
que os ajustes diários, além de aumentarem o custo os experimentos,
principalmente quando o número de unidades experimentais é maior, causa
estresse às plantas.
Após 21 dias de exposição ao alumínio as plantas foram retiradas da solução
nutritiva, sendo seccionado o sistema radicular da parte aérea, realizando a
medição do comprimento final da raiz (CFSR) e parte aérea (CFPA). Com o auxílio
de uma balança analítica foi obtida a produção de massa verde da parte aérea
(MVPA) e das raízes (MVR). Posteriormente, o material foi colocado em sacos de
papel para secagem em estufa de circulação de ar durante 96 horas a 55°C para
determinação da matéria seca de cada uma das partes da planta. Pela associação
da MVPA e MVR e suas respectivas porcentagens de matéria seca, foram obtidas as
estimativas da produção de matéria seca da parte aérea (MSPA) e das raízes
(MSR). Depois de conhecidos os comprimentos inicial e final da parte aérea e
raízes foi determinado o incremento, diferença entre os comprimentos inicial e
final de raízes e parte aérea, identificados como IPA e IR. No início da fase
experimental e na colheita, foi determinado o número de perfilhos (NP) de cada
planta, sendo determinado por diferença o incremento do número de perfilhos
(INP). Os dados foram submetidos à análise de variância, e as médias, quando
necessário, foram comparadas pelo teste de Scott e Knot (1974), a 5% de
probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foi verificada a existência de variabilidade genética entre os genótipos de B.
ruziziensis para a tolerância ao alumínio (Quadro 1). O desenvolvimento das
braquiárias também foi afetado pela presença de alumínio na solução (Quadro 1).
Quadro_1
- Valores médios de incremento no crescimento de parte aérea (IPA) e de raízes
(IR), incremento no número de perfilhos (INP), massa verde da parte aérea
(MVPA) e raízes (MVR), matéria seca da parte aérea (MSPA) e raízes (MSR), de 10
genótipos de B. ruziziensis, em três concentrações de alumínio.
O aumento na concentração de alumínio em solução nutritiva provocou decréscimos
nos valores médios de IPA, INP, MVPA e MVR e MSPA e MSR. No entanto, o
incremento de crescimento do sistema radicular (IR) foi maior nas plantas
cultivadas nas soluções com as doses mais altas de alumínio (Quadro 1).
Portanto, quanto maior a concentração de alumínio na solução mais prejudicado
será o desenvolvimento das plantas de B. ruziziensis. A dose de 30 mg/L foi
crítica para os genótipos utilizados, pois foi verificado que o melhor
desempenho das plantas ocorreu quando não havia alumínio na solução. Isto
ocorreu em cinco das sete características avaliadas (71 %, Quadro 1). Este
comportamento não foi verificado para duas características relacionadas ao
sistema radicular. Estes resultados revelam a inconstância em relação ao
comportamento destas progênies para as características avaliadas. O resultado
diferenciado das características relacionadas com as raízes de genótipos de B.
ruziziensis também foi verificado no trabalho de Martins et al. (2010).
A maioria dos trabalhos realizados envolvendo acidez tanto em campo quanto em
solução nutritiva demonstram que o sistema radicular é a característica mais
afetada pelo alumínio (Howeler e Cavadid, 1976). Camargo et al. (1987)
trabalhando com a seleção de cultivares de milho em solução nutritiva, Sanchez-
Chacón et al. (2000) em aveia, Mistro et al. (2001) em trigo, encontraram
redução no crescimento do sistema radicular na presença de alumínio. Todos
esses trabalhos estão de acordo com os resultados observados no Quadro 2,
evidenciando que houve redução na produtividade de massa verde e seca de raízes
com o incremento do alumínio em solução. Porém, o mesmo não foi verificado para
o IR, que mostrou desempenho contrário. Este resultado, aparentemente
contraditório, é comum na literatura, como os relatados por Martins et al.
(2010) em B. ruziziensis e Mattiello et al. (2008) em café arábica. Por sua
vez, Veloso et al. (1995), em pimenteira, não encontraram diferenças
significativas para o comprimento das raízes na presença de Al, mas na sua
ausência o comprimento foi menor, corroborando parcialmente com os resultados
deste experimento, no qual o maior crescimento foi na dose mais elevada de Al.
Quadro_2 -
Incremento no crescimento de parte aérea (IPA) e das raízes (IR) e incremento
no número de perfilhos (INP) de dez genótipos (Gn) de B. ruziziensis, em três
concentrações de alumínio.
O maior crescimento do sistema radicular pode ser uma resposta imediata da
planta ao estresse causado pelo alumínio. Nesse caso, a planta busca, por meio
do maior crescimento das raízes, explorar maior volume para obter os nutrientes
necessários ao seu desenvolvimento. Esse esforço se faz com perdas mais
acentuadas na parte aérea das plantas, o que é comprovado pela maior redução
percentual da parte aérea em relação ao sistema radicular. Considerando-se as
doses 0 e 60 mg/L de alumínio, observou-se uma redução média de 28,6% na MSPA e
de apenas 7,73% na MSR (Quadro_1). Como o período em que as plantas ficaram
submetidas ao estresse foi curto (21 dias), não é possível comprovar essa
teoria e saber quais as conseqüências futuras para as plantas. Entretanto,
admite-se que este crescimento desproporcional entre raízes e parte aérea não é
sustentável. Portanto, novos experimentos deverão ser conduzidos, com períodos
de avaliação maiores.
O maior crescimento radicular verificado na dose 60 mg/L de Al (Quadro_1), não
constitui em essencialidade deste elemento para a espécie. Este catião,
provavelmente, acumulou-se na planta, já que ele tem sido detectado na parede
celular, nos núcleos e nucléolos das células das raízes e em concentrações
altas no citoplasma. A complexação do alumínio na raiz causa danos ao
metabolismo do fósforo, retendo-o no órgão de absorção e reduzindo a
disponibilidade do mesmo para assimilação, transporte e translocação de
nutrientes para caules e folhas (Diniz e Calbo., 1990; Echart e Cavalli-
Molina., 2001; Abichequer et al., 2003; Mattiello et al., 2008). Tal fato pode
explicar os decréscimos nos incrementos de crescimento da parte aérea das
plantas de B. ruziziensis, além de ser um fator importante nos mecanismos de
tolerância. Simões et al. (1973), ao trabalharem com pinheiro-do-Paraná
(Araucaria angustifolia), demonstraram existir uma tendência nítida para o
decréscimo da parte aérea com o aumento nas doses de Al em solução, o que
também foi verificado neste experimento (Quadro_1). Em cana-de-açúcar o
alumínio afeta o desenvolvimento das raízes, bem como inibe o desenvolvimento
dos demais órgãos vegetais, por prejudicar a absorção e o transporte de água
pela planta, comprometendo a absorção, transporte e utilização de nutrientes
(Drummond et al., 2001). Assim, existe uma relação da toxicidade do Al no
comprimento das raízes com reações expressas na parte aérea (Crestani et
al.,2009).
Mattiello et al. (2008) verificaram em dois cultivares de café maiores teores
de alumínio nas raízes quando comparados às folhas e caules, não ressaltando
diferenças no crescimento radicular entre os materiais genéticos avaliados.
Apesar do alumínio não ter afetado de forma negativa, como era esperado, de
acordo com a maioria dos trabalhos publicados, foi verificado que elas
apresentavam-se grossas, quebradiças e pouco volumosas nas concentrações mais
altas de alumínio (30 e 60 mg/L). É importante enfatizar que estas plantas,
quando cultivadas em hidroponia, não apresentam obstáculos físicos para o seu
desenvolvimento, as quais poderiam apresentar dificuldades de crescimento no
solo, pela sua maior fragilidade.
O aumento nas doses de Al em solução nutritiva foi seguido pelo decréscimo (p <
5%) no número de perfilhos. As características IPA, INP, MVPA, MVR e MSPA
apresentaram comportamento semelhante, uma vez que com a elevação nos níveis de
Al observou-se o declínio nas suas médias (Quadro_1), verificando que o Al
influencia no desenvolvimento dos genótipos de B. ruziziensis.
Os genótipos 1 e 10 foram os que apresentaram melhor desenvolvimento para o
maior número de características, sendo cinco em cada sete (71%). No caso do
genótipo 1, destacam-se o IR, INP, MVPA, MSPA, MSR. No caso do genótipo 10,
destacam-se o INP, MVPA, MVR, MSPA e MSR. Além disto, apresentaram uma das
maiores médias de matéria seca das raízes e parte aérea quando cultivada em 60
mg/L de Al (Quadro 4). Freitas et al.(2006) sugerem que algumas plantas, quando
cultivadas em ambiente com alumínio, apresentam acréscimo na assimilação de
nutrientes, uma vez que estes genótipos são beneficiados por pequenas doses de
Al na translocação de fósforo, o que aumenta a absorção do mesmo. Portanto, a
maior produção de matéria seca das raízes e parte aérea em alguns genótipos de
B. ruziziensis podem estar associadas à assimilação de algum nutriente quando
na presença de Al. Apesar disso, não se trata dos genótipos mais tolerantes ao
Al, mesmo com características favoráveis para: INP, MVPA, MVR, MSPA e MSR em 60
mg/L. Quando comparadas com o genótipo 8, verifica-se que esta última
apresentou menor variação entre as doses para o maior número de características
tais como: IPA, IR, INP, MVR, MSPA e MSR e (Quadros 2, 3 e 4), ou seja, seis em
sete características. Apesar de se tratar de um material estável, uma vez que
apresenta pouca variação entre a presença e ausência de alumínio, suas médias
nem sempre são altas, o que não lhe confere qualidades para algumas
características tais como MVR, MSPA e MSR (Quadros 2, 3 e 4).
Quadro 3 - Massa verde da parte aérea (MVPA) e raízes (MVR), de dez genótipos
(Gn) de B. ruziziensis, em três concentrações de alumínio.
Quadro 4 - Matéria seca da parte aérea (MSPA) e raízes (MSR), de dez genótipos
(Gn) de B. ruziziensis, em três concentrações de alumínio.
Ao analisar os desdobramentos das interações, os genótipos 2, 4, 5, 7, 8 e 10
foram as que obtiveram melhor comportamento nas doses analisadas, para a
maioria das características. Sendo que, P7 e P8 obtiveram algumas semelhanças,
diferindo nas características INP na dose 60 mg/L, MVPA na dose 30 mg/L e MSSR
na dose 0 mg/L, com diferenças favoráveis para o P8, na emissão de perfilhos,
característica de relevância na busca por plantas mais tolerantes, uma vez que
um dos sintomas de toxicidade ao alumínio é o reduzido perfilhamento (Camargo e
Camargo, 1985; Camargo et al., 2000). A ausência de diferenças para a progênie
8 para seis das sete características analisadas, excetuando a MVPA, demonstrou
que ela possui o maior potencial para adaptação a solos ácidos, com tolerância
para as doses de Al testadas. O P2, por sua vez, tolerou o Al na dose 30 mg/
L para todas as características mensuradas e também a dose 60 mg/L para IPA, IR
e MVR.
Os genótipos P5 e P10 também demonstraram comportamento semelhante quando
comparados IPA, IR, INP, MVPA, MVR e MSPA, exceto para MSR, no qual P5, apesar
de produzir menos matéria seca, obteve maior tolerância a presença do Al em
solução, pela menor variação (amplitude) nas quantidades de matéria seca das
raízes. Embora as demais características não tenham apresentado diferenças
significativas em relação ao aumento das dosagens, P10 perfilhou melhor nas
duas doses com maior produção de matéria seca da parte aérea em 30 mg/L.
Algumas plantas, como é o caso de P3, apresentam tolerância somente até 30 mg/
L, para todas os caracteres mensurados.
A concentração de 60 mg/L de alumínio foi a que proporcionou melhor
discriminação entre plantas tolerantes e sensíveis (Quadro_1), por apresentar
maiores diferenças significativas entre os parâmetros testados, corroborando
com os resultados de Braccini et al. (2000). Para esses autores a concentração
de 45 mg/L de Al, foi adequada para detectar diferenças entre linhagens de
cafeeiro quanto à tolerância ao Al. Sanchez-Chacon et al. (2000), trabalhando
com aveia, também encontraram uma dose (20 g kJ-1) que melhor demonstrou as
diferenças entre os genótipos.
CONCLUSÕES
O estudo efectuado demonstrou que o genótipo 8 de Brachiaria ruziziensis foi o
que apresentou as melhores condições para adaptação a solos ácidos, sendo este
o mais promissor para a utilização em estudos complementares em condições de
campo.
As diferenças significativas entre os genótipos analisados demonstram a
presença de variabilidade genética em B. ruziziensis.
A dose de 60 mg/L de alumínio possibilitou maior discriminação entre plantas
tolerantes e sensíveis ao Al disponível.