Utilização de Lolium Perenne L. na fitoestabilização controlada de solos
degradados por actividades mineiras
Utilização de Lolium Perenne L. na fitoestabilização controlada de solos
degradados por actividades mineiras
INTRODUÇÃO
Existem diferentes estratégias para a reabilitação de solos afetados por
actividades mineiras como, por exemplo, a escavação, remoção do solo
contaminado e substituição por solo não contaminado, ou o tratamento in situ ou
ex situ do solo, utilizando processos químicos ou físicos. Nos últimos anos,
tem sido explorada a possibilidade da redução do risco ambiental nas áreas
contaminadas, controlando a exposição aos contaminantes, pela utilização de
técnicas de estabilização in situ. A fitoestabilização controlada, que consiste
na conjugação da imobilização in situ dos metais, por incorporação de
corretivos orgânicos e/ou inorgânicos e subsequente revegetação desses solos,
enquadra-se neste último grupo de técnicas, sendo considerada uma estratégia
realista, "amiga" do ambiente e economicamente viável, especialmente para
vastas áreas industriais, como áreas mineiras abandonadas (Vassilev et al.,
2004; Schwitzguébel et al., 2009).
Um grande grupo de corretivos, cuja aplicação na fitoestabilização de solos
contaminados por metais tem sido estudada, é o dos resíduos orgânicos (e.g.
lamas residuais urbanas, composto, estrume) (Brown et al., 2005; Pérez-de-Mora
et al., 2006; van Herwijnen et al., 2007; Bernal et al., 2009). A correção dos
solos, recorrendo ao uso destes materiais, facilitará a sua revegetação através
de: (i) aumento do teor de matéria orgânica, (ii) aumento do teor de nutrientes
essenciais para as plantas, (iii) aumento do pH, (iv) aumento da capacidade de
retenção de água, e (v) conversão dos metais em formas menos solúveis/
biodisponíveis (Pérez-de-Mora et al., 2006; Bernal et al., 2009).
Na fitoestabilização, as plantas protegem o solo contaminado da erosão eólica e
hídrica; imobilizam os contaminantes no solo, por formação de compostos de
baixa solubilidade na zona da raiz, adsorção à raiz, ou absorção e acumulação
na raiz, reduzindo a mobilidade daqueles e prevenindo a migração para águas
subterrâneas (lixiviação), ou a entrada na cadeia alimentar (Archer e Caldwell,
2004; Vassilev et al., 2004; Pilon-Smits, 2005). O controlo hídrico é também
possível, nalguns casos, devido ao elevado volume de água que é transpirado
através da planta, o que previne a migração do lixiviado para as águas
subterrâneas (Schnoor, 1997).
Uma planta adequada a um processo de fitoestabilização é aquela que, para além
de tolerar concentrações elevadas de metais tóxicos no solo (metalófitas), é
capaz de excluir esses metais da parte aérea, restringindo-os aos tecidos
radiculares, promovendo a sua precipitação e/ou redução na zona da raiz
(Vassilev et al., 2004; Pilon-Smits, 2005; Mendez e Maier, 2008). Embora muitas
metalófitas tenham desenvolvido mecanismos para impedir a translocação de
metais para os tecidos foliares, poderão ainda observar-se concentrações
excessivas de elementos tóxicos no material vegetal que pode ser consumido
pelos animais, constituindo um risco de contaminação da cadeia alimentar humana
(Mendez e Maier, 2008). Existem diferentes formas de medir e expressar a
acumulação de metais nas plantas. Estas incluem o cálculo de fatores de
acumulação (FA), que consistem na razão entre a concentração total de um
elemento no tecido foliar e a sua concentração total no solo. Idealmente, os
fatores de acumulação deverão ser <<1, não devendo exceder o valor 1, o que
indicaria que essa planta seria útil para um processo de fitoextração e não
para um processo de fitoestabilização de solos (Mendez e Maier, 2008).
Alguns autores referem a possibilidade de utilização do azevém perene (Lolium
perenne L.) na revegetação de solos degradados por atividades metalúrgicas,
contaminados com Cu, Pb e Zn, uma vez que esta planta possui um elevado
rendimento em biomassa, é tolerante a concentrações de metais no solo que não
sejam demasiado elevadas e acumula concentrações moderadas de metais nos
tecidos (Pichtel e Salt, 1998; Arienzo et al., 2004). Santibáñez et al. (2008)
utilizaram azevém perene na fitoestabilização de escombreiras de minas, com
correcção orgânica com biosólidos, e obtiveram resultados que lhes permitiram
concluir que os elementos Cu, Zn, Mo e Cd se acumulavam, principalmente, na
raiz e que apenas uma pequena quantidade desses metais eram translocados para a
parte aérea da planta, tornando o azevém perene um candidato interessante para
ser utilizado em estratégias de fitoestabilização de solos contaminados por
metais.
O objetivo deste estudo consistiu, por isso, na avaliação da possibilidade de
utilização do azevém perene na fitoestabilização controlada de solos degradados
por atividades mineiras, corrigindo os solos com diferentes tipos de resíduos
orgânicos e avaliando os seus efeitos nas propriedades químicas do solo,
acumulação de biomassa e teores foliares de Cu, Pb e Zn.
MATERIAL E MÉTODOS
Caracterização do solo e dos resíduos orgânicos
Colheu-se uma amostra da camada superficial (<20 cm) do solo, na Mina de
Aljustrel, situada na Faixa Piritosa Ibérica. Uma sub-amostra foi seca ao ar,
crivada através de crivo com malha de 2 mm e caracterizada relativamente a:
análise granulométrica, pelo método da pipeta (Gee e Bauder, 1986); pH(H2O),
numa suspensão solo/água de 1:2,5 (m/v); condutividade elétrica (CE), numa
suspensão solo/água de 1:5 (m/v); azoto total, pelo método de Kjeldahl
(NKjeldahl); matéria orgânica (MO), pelo método de Walkley e Black (1934);
capacidade de troca catiónica (CTC), pelo método do acetato de amónio (pH 7)
(Sumner e Miller, 1996); e fósforo e potássio extraíveis pelo método de Egnér-
Riehm (Riehm, 1958) (P-Riehm, K-Riehm). Os teores pseudo-totais dos metais Cd,
Cr, Cu, Ni, Pb e Zn foram determinados por espetrofotometria de absorção
atómica, com atomização por chama ou eletrotérmica, conforme o caso, após
digestão das amostras com água-régia (ISO 11466, 1995). Foram analisadas três
réplicas independentes de cada amostra. Relativamente às principais
características deste solo, salientam-se a textura franco-arenosa, a elevada
acidez, a reduzida salinidade e CTC e teores baixos, ou muito baixos, de MO e
de macronutrientes principais (Quadro 1). Os teores de Cu e de Pb excedem os
valores de intervenção das Normas Holandesas para avaliação de solos
contaminados (VROM, 2000).
Quadro_1 -
Características do solo e dos resíduos orgânicos (média±DP, n = 3).
Os resíduos orgânicos utilizados no estudo foram um composto obtido pelo
tratamento mecânico e biológico de resíduos sólidos urbanos com recolha
indiferenciada (composto de RSU) (AMARSUL, Setúbal), um composto obtido a
partir de resíduos verdes (composto RV) (Algar, Tavira) e lamas de depuração
com origem numa estação de tratamento de águas residuais urbanas (LRU) (ETAR de
Portalegre). Analisaram-se três réplicas por amostra, de acordo com os métodos
previamente descritos em Alvarenga et al. (2007). Os teores de metaisdas LRU
encontram-se abaixo dos valores limite exigidos por lei para a sua aplicação em
solo agrícola (Directiva 1986/278/EE; Decreto-Lei nº 276/2009) (Quadro 1). No
caso dos compostos, considerando o documento "Especificações Técnicas sobre
Qualidade e Utilizações do Composto" (Anónimo, 2008), o composto de RSU só pode
ser classificado como um composto de Classe III, enquanto a natureza e os
teores de metais do composto de RV permitem classificá-lo como um composto de
Classe II.
Desenho experimental do ensaio
Foi efectuado um ensaio em estufa, de blocos casualizados, utilizando terra não
crivada (3000±100 g por vaso), com 34% de fracção grosseira (>2mm). O ensaio
teve duas séries de vasos, uma com plantas e a outra sem plantas, cada uma com
três repetições. Utilizaram-se os três tipos de resíduos orgânicos já referidos
(LRU, composto RSU e composto RV), cada um dos quais com três níveis de
aplicação (13, 26 e 51 g de matéria seca de resíduo por vaso, equivalentes a
25, 50 e 100 Mg ha-1, respectivamente). Foi utilizada uma testemunha sem
tratamento, em triplicado, por cada tipo de resíduo orgânico testado, em ambas
as séries de vasos. A seguir à aplicação dos resíduos, os solos foram mantidos
a 70% da capacidade de retenção para a água, por rega com água destilada,
durante 28 dias, após o que se efetuou a sementeira (5 g semente/vaso) com
azevém perene (Lolium perenne L. var. Sibth), em metade dos vasos sujeitos a
cada um dos tratamentos. O corte foi efetuado 60 dias após a sementeira.
Análise à planta e ao solo após o ensaio
O material foliar foi pesado em fresco, lavado abundantemente com água da
torneira, de forma a remover partículas de solo, lavado por três vezes com água
destilada, seco a 70 ºC durante 48 h e novamente pesado, para determinação da
massa seca. A amostra foi moída e uma sub-amostra de, aproximadamente, 1 g foi
digerida a quente com ácido nítrico e analisada relativamente ao teor de Cu, Pb
e Zn, conforme descrito por Alvarenga et al. (2009a).
Após o ensaio, o solo foi homogeneizado e uma sub-amostra foi refrigerada (4
ºC) para determinação das atividades enzimáticas no solo. Determinou-se a
actividade da desidrogenase, considerada como um indicador geral da atividade
microbiana, bem como a atividade de algumas enzimas hidrolíticas (b-glucosi-
dase, celulases, urease, proteases e fosfatases ácidas), de acordo com técnicas
descritas em Alvarenga et al. (2009b). Os resultados obtidos foram apresentados
e discutidos pelos mesmos autores.
Amostras de solo provenientes de ambas as séries de vasos, com e sem plantas,
foram secas ao ar, crivadas por crivo de malha de 2 mm e submetidas a
caracterização química (pH em água, CE, MO, NKjeldahl, P-Riehm, K-Riehm, Cu, Pb
e Zn pseudo-totais), utilizando os métodos anteriormente indicados.
Foram também determinadas as fracções móveis/efectivamente disponíveis
(extraídas com solução de CaCl2 0,01 M, pH 5,7, não tamponizada) e
mobilizáveis/ potencialmente disponíveis(extraídas com uma solução obtida pela
mistura de NH4CH3COO 0,5 M, CH3COOH 0,5 M e EDTA 0,02 M, pH 4,7) de Cu, Pb e
Zn, utilizando os procedimentos descritos em Alvarenga et al. (2008).
Métodos estatísticos
Os valores obtidos experimentalmente foram sujeitos a análise de variância a
uma via (ANOVA), tendo-se adotado o teste post-hoc Tuckey HSD na separação das
médias. Foi utilizada a análise de variância fatorial ANOVA, para descriminar a
influência dos fatores de variação experimental sobre as características, bem
como a possível existência de interações entre eles. Foram calculados
coeficientes de Pearson entre as propriedades químicas do solo, o crescimento
relativo de azevém perene, o teor foliar de Cu, Pb e Zn e as atividades
enzimáticas no solo e, utilizando os parâmetros correlacionados
significativamente (P<0,05), foram utilizadas duas técnicas exploratórias
multivariadas: a análise em componentes principais e a classificação
aglomerativa hierárquica. O tratamento estatístico dos resultados foi executado
com o programa Statistica 6.0 (StatSoft Inc., Tulsa, OK, USA).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Efeito dos resíduos orgânicos e do coberto vegetal nas propriedades químicas do
solo
O efeito da aplicação de resíduos orgânicos nas propriedades químicas do solo
foi apresentado e discutido em Alvarenga et al. (2009a), sendo de realçar o
facto da aplicação destes materiais ter permitido a correção da acidez do solo,
em especial no caso da aplicação do composto de RSU e da LRU, sendo atingidos
valores de pH(H2O) entre 6,9 e 6,5, respectivamente, com o nível de aplicação
mais elevado desses corretivos. O composto de RV foi o menos eficiente na
correção da acidez do solo, pois só atingiu valores de pH (H2O) de 5,4 com a
aplicação de 100 Mg ha-1 desse material. Embora todos os resíduos orgânicos
tenham contribuído para um aumento do teor de matéria orgânica do solo para
valores superiores a 10 g kg-1, por aplicação de 100 Mg ha-1 de qualquer um dos
resíduos testados, a aplicação da LRU promoveu um aumento mais acentuado nos
teores, permitindo, também, atingir teores mais elevados de azoto no solo (3,4
g kg-1), mais do dobro do obtido pela aplicação de composto de RSU, devido ao
facto de apresentar uma razão C:N inferior à de ambos os compostos (Quadro_1).
No caso dos teores de P-Riehm e de K-Riehm, foi o composto de RSU que permitiu
atingir valores mais elevados para estas características, respectivamente
459±60 mg P2O5 kg-1 e 510±17 mg K2O kg-1, por aplicação de 100 Mg ha-1 de
composto de RSU. O composto de RV foi pouco eficaz na correção do teor em azoto
do solo, devendo ser utilizado em combinação com fertilização azotada. Porém, a
reduzida salinidade que apresenta tornam-no um resíduo interessante para a
correção orgânica do solo.
Da análise de variância dos valores de pH, CE e outros indicadores de
fertilidade do solo (teores de MO, NKjeldahl, P-Riehm e K-Riehm) (Quadro 2),
podemos concluir que existem efeitos significativos da interação entre o tipo
de corretivo e a dose de aplicação de corretivo nessas propriedades (P≤0,001,
ou P≤0,01, para o teor de MO). A existência, ou não, de um coberto vegetal do
solo exerceu um efeito menos acentuado sobre estas propriedades, fazendo com
que a interação tripla corretivo orgânico × dose de corretivo × coberto vegetal
apenas tenha apresentado um elevado nível de significância (P≤0,001), no caso
da CE e do teor de K-Riehm no solo.
Quadro 2 - Síntese da análise de variância (valores de F) dos valores de pH, CE
e outros indicadores de fertilidade do solo.
Efeito dos resíduos orgânicos e do coberto vegetal nos teores de metais no solo
Os teores pseudo-totais de Cu, Pb e Zn não variaram significativamente, como
consequência da aplicação dos corretivos orgânicos, quando comparados com as
testemunhas sem tratamento e sem plantas (resultados não mostrados).
Todos os resíduos orgânicos estudados promoveram a imobilização in situ de Cu,
Pb e Zn, reduzindo a fracção móvel ou efetivamente disponível, nalguns casos
até valores não quantificáveis pela técnica analítica utilizada (Quadro 3).
Quadro 3 - Teores de metais no solo (média±DP, n = 3). Os valores na mesma
coluna, seguidos da mesma letra, não são significativamente diferentes
(p>0,05).
A análise de variância indicou que a interação tipo de corretivo × dose,
exerceu um efeito muito significativo nas frações de Cu e Zn mobilizáveis
(P≤0,01) e nenhum efeito significativo sobre o teor de Pb mobilizável (P>0,05).
As frações de Cu e Zn mobilizáveis, ou potencialmente disponíveis, aumentaram,
como consequência da aplicação de composto de RSU e de LRU, devido à natureza e
ao teor mais elevado de metais destes resíduos. O teor em Pb mobilizável não se
alterou significativamente pela aplicação dos corretivos.
A análise de variância evidenciou que a existência de um coberto vegetal não
exerceu efeito significativo (P>0,05) sobre o teor de Cu, Pb e Zn, em nenhuma
das frações analisadas (total, móvel e mobilizável).
Efeito dos resíduos orgânicos no crescimento relativo de L. perenne e nos
teores foliares de metais
O azevém cresceu sem sintomas de deficiência nutricional, ou de toxicidade
provocada pelos metais, em todos os tratamentos, exceto quando se aplicaram 100
Mg ha-1 de LRU ou de composto de RSU. O crescimento relativo mais elevado de
azevém perene (3× superior ao da testemunha) foi obtido por aplicação de 50 Mg
ha-1 de composto de RSU, seguido pelo obtido com a aplicação de um nível
idêntico de LRU (Figura 1). Pelo contrário, a aplicação de composto de RV não
promoveu um aumento significativo no crescimento relativo do azevém perene
(P>0,05),relativamente à testemunha, devido à sua menor capacidade para
corrigir a acidez do solo e para fornecer macronutrientes principais. Outros
autores mencionaram já o facto deste tipo de composto, produzido a partir de
resíduos de jardinagem, ter um teor de N baixo, necessitando de aplicação
simultânea de adubos azotados (Keeling et al., 2003).
Figura 1 - Crescimento relativo de azevém perene, calculado em relação à
testemunha sem tratamento de cada série de vasos (média±DP, n = 3). Barras
referenciadas com a mesma letra não apresentam diferenças significativas
(P>0,05).
O azevém perene evidenciou sintomas de fitotoxicidade por aplicação dos níveis
mais elevados de LRU ou de composto de RSU (100 Mg ha-1) o que, no caso da
aplicação de LRU, foi muito notório, evidenciando um crescimento relativo muito
reduzido, sem diferenças significativas relativamente ao observado na
testemunha (P>0,05). Este facto pode ter origem nos valores mais elevados de
salinidade atingidos, ou em fenómenos de fitotoxicidade com origem em compostos
orgânicos não identificados neste estudo.
Os teores foliares de Cu, Pb e Zn não diminuíram significativamente (P>0,05),
como consequência da aplicação dos corretivos orgânicos ao solo (Quadro 5), o
que indica que esta planta não é uma boa "indicadora" da disponibilidade destes
metais no solo. De facto, se esse fosse o caso, uma diminuição do teor em metal
efetivamente disponível deveria ser acompanhada de uma diminuição do teor
foliar nesse elemento (Baker, 1981), o que não aconteceu.
Quadro_5_-
Teores foliares de Cu, Pb e Zn na parte aérea do azevém perene obtidos nos
diferentes tratamentos (média±DP, n = 3) e factores de acumulação (FA) para
cada um desses metais (média±DP, n = 36). Os valores na mesma coluna seguidos
de igual letra não apresentam diferenças significativas (p>0,05).
Considerando os fatores de acumulação calculados, eles são <<1, no caso do Cu e
Pb e <1, no caso do Zn, permitindo considerar o azevém perene como uma planta
boa candidata para processos de fitoestabilização controlada de solos. Porém,
os teores foliares de Pb na parte aérea do azevém perene são consideravelmente
superiores aos obtidos por Arienzo et al. (2004) para a mesma planta a crescer
num solo com um nível inferior de contaminação por Pb, apresentando valores que
podem ser considerados excessivos ou tóxicos, de acordo com diferentes autores
(Ross, 1994; Kabata-Pendias e Pendias, 2001). Também Pitchel e Salt (1998)
encontraram concentrações de Pb elevadas em azevém perene e noutras gramíneas,
a crescer em materiais de escombreira de minas abandonadas.
As normas existentes, relativas a níveis máximos de tolerância para vários
elementos em alimentos para animais, podem ser utilizadas na avaliação da
utilização de uma determinada planta em processos de fitoestabilização, uma vez
que os animais, domésticos ou selvagens, podem consumir essas plantas,
contribuindo para a entrada daqueles elementos na cadeia alimentar humana.
Neste estudo, o teor em Pb nas folhas de azevém perene (Quadro_5) foi, em
muitos vasos, superior ao nível máximo de tolerância para Pb na dieta alimentar
de gado bovino das normas dos Estados Unidos da América (National Research
Council, 2005).
Os teores foliares de Cu são semelhantes, ou ligeiramente superiores, aos
obtidos por Arienzo et al. (2004) e, também neste caso, apresentam valores que
podem ser considerados excessivos ou tóxicos, típicos de plantas contaminadas
(Ross, 1994; Kabata-Pendias e Pendias, 2001). Em alguns dos casos, os teores
foliares de Cu ultrapassaram o nível máximo de tolerância para Cu das normas
referidas anteriormente (National Research Council, 2005), comprometendo a
possibilidade de utilização desta planta em estratégias de fitoestabilização.
No caso do Zn, eventualmente devido ao facto do solo ter um baixo grau de
contaminação com este elemento (Quadro_1), os teores foliares encontrados foram
inferiores aos considerados tóxicos para as plantas (Ross, 1994; Kabata-Pendias
e Pendias, 2001) e semelhantes aos encontrados por Arienzo et al. (2004).
Avaliação dos tratamentos utilizando análise multivariada
Foi efetuada uma análise em componentes principais (ACP) a 21 dos parâmetros
analisados no solo e na planta, para avaliar a influência dos tratamentos
nesses parâmetros (pH, CE, MO, NKjeldahl, P-Riehm, K-Riehm, Cu, Pb e Zn
efetivamente disponíveis, Cu e Zn potencialmente disponíveis, crescimento
relativo de azevém perene, teores foliares de Cu, Pb e Zn e atividades
enzimáticas de desidrogenase, β-glucosidase, fosfatases ácidas, celulases,
proteases e urease). O teor de Pb potencialmente disponível não foi utilizado
nesta análise, por não se correlacionar significativamente com nenhum outro
parâmetro analisado (correlações de Pearson, P<0,05, n = 36).
A primeira componente principal (CP1) explica 50,4% da variância das variáveis
originais e a segunda componente principal (CP2) explica 21,5% dessa variância.
As 21 variáveis originais podem, assim, ser reduzidas a duas componentes
principais, uma vez que elas conseguem explicar 71,9% da variância total.
Os resultados da análise mostraram que a CP1 é explicada, com maior peso, pelo
pH, CE, MO, NKjeldahl, Zn potencialmente disponível, pelas atividades
enzimáticas da desidrogenase, b-glucosidase, protease e urease (com valores de
correlação negativos) e pelo Pb e Zn efetivamente disponíveis (com valores de
correlação positivos) (coeficientes de correlação> 0,70). A CP2 é explicada,
com maior peso, pelo K-Riehm e pelo teor foliar de Pb (com coeficientes de
correlação negativos). As restantes variáveis não apresentam correlações
significativas com nenhuma das componentes principais.
A Figura 2 mostra a projeção das amostras no plano formado pelas componentes
principais 1 e 2. Os parâmetros mais importantes para a definição das duas
componentes são mostrados junto ao extremo de cada eixo, indicando a direção em
que esses parâmetros aumentam.
Figura 2 - Projeção das amostras no plano formado pelas componentes principais
CP1 versus CP2. As amostras foram agrupadas através do método da classificação
aglomerativa hierárquica, com uma distância de ligação entre amostras de 0,6.
L: LRU; C: composto RSU; e V: composto de RV; seguidos de 0, 25, 50 e 100, que
indica o nível de aplicação de cada um dos resíduos, em Mg ha-1. Cada
tratamento foi replicado três vezes, gerando três pontos no plano principal.
Para o agrupamento das amostras, foi usado o método de classificação
aglomerativa hierárquica, com uma distância de ligação entre amostras de 0,6.
As amostras de solo não tratado com resíduo localizam-se no hemisfério direito
do mapa, na parte mais positiva da CP1, evidenciando que estas são as amostras
com os menores valores de pH, CE, MO, NKjeldahl, Zn potencialmente disponível e
das atividades enzimáticas da desidrogenase, b-glucosidase, protease e urease e
com os maiores valores de Pb e Zn efetivamente disponíveis. A incorporação de
resíduos orgânicos e revegetação destes solos transferiu as amostras de solo
corrigido para o hemisfério esquerdo do mapa, justamente no sentido em que a
disponibilidade efetiva de Pb e Zn diminuíam, com um concomitante aumento das
outras propriedades já referidas. O tratamento referente ao nível de aplicação
de 100 Mg ha-1 de LRU, seguido do composto RSU para o mesmo nível de aplicação,
corresponde às amostras localizadas na parte mais negativa da CP1, mostrando
que foram estes os tratamentos que permitiram alcançar os níveis mais elevados
de pH, CE, MO, NKjeldahl, Zn potencialmente disponível e das atividades
enzimáticas da desidrogenase, b-glucosidase, protease e urease e os menores
teores de Pb e Zn efetivamente disponíveis.
As amostras de solo às quais foram aplicados 25, 50 e 100 Mg ha-1 de composto
RV e o nível mais baixo de LRU ou de composto de RSU (25 Mg ha-1) encontram-se
agrupadas no centro do mapa, evidenciando que estes tratamentos foram
insuficientes na correção das propriedades do solo contaminado, sendo
impossível descriminá-las em relação às propriedades referidas.
CONCLUSÕES
A lama residual urbana, quando utilizada na dose de 100 Mg ha-1, evidenciou-se
como o corretivo orgânico com maior capacidade para corrigir a acidez do solo e
melhorar as características nutricionais deste, conseguindo imobilizar os
metais pesados (Cu, Pb e Zn) do solo colhido na área mineira de Aljustrel.
Porém, observou-se um crescimento reduzido de azevém perene, para esse nível de
aplicação do resíduo. A aplicação de composto RV, de baixa salinidade e com
teor reduzido de metais pesados, não promoveu um aumento significativo no
crescimento relativo de azevém perene, devido à menor capacidade para corrigir
a acidez do solo e para fornecer macronutrientes principais, facto confirmado
através da análise multivariada efetuada aos dados obtidos. O composto RSU,
aplicado na dose de 50 Mg ha-1, evidenciou-se como o resíduo orgânico mais
eficaz na melhoria global das características deste solo, permitindo as maiores
acumulações de biomassa.
Os fatores de acumulação (FA) obtidos no azevém perene foram: FA(Cu) e FA(Pb)
<<1 e FA(Zn) <1, permitindo considerar esta espécie uma boa candidata para a
fitoestabilização deste tipo de solos. Porém, os teores foliares de Pb e Cu
podem ser considerados tóxicos, evidenciando o risco de entrada destes metais
na cadeia alimentar humana quando a fitoestabilização for feita com azevém
perene.