Carência de magnésio em castanheiro: influência do manganês do solo
Magnesium deficiency in chestnut: the influence of soil manganese
ABSTRACT
A regional survey was carried out in chestnut groves established in soils
derived from bedrock of several geological formations, some with materials rich
in manganese (Mn). A total of 38 chestnut groves were selected: 19 groves with
several trees showing symptoms of Mg deficiency and 19 groves in their vicinity
with vigorous tree growth. Foliar nutrient concentrations and several soil
fertility indicators were determined.
The lowest value of leaf Mg concentration in good growing conditions was 1.8 g
kg-1 and the highest value in trees with evident symptoms of Mg deficiency was
1.5 g kg-1. In the majority of chlorotic groves, soil exchangeable Mg was below
0.20 cmolc kg-1. But the soils with Mn higher than 25 mg kg-1 exhibit symptoms
of Mg deficiency up to 0.33 cmolc kg-1 of exchangeable Mg. In soils with the
highest contents of Mn (>200 mg kg-1) the chestnut groves were established on
Mn-rich schists and greywackes of the Ordovician and the Silurian.
Key-words: Castanea sativa, chestnut, manganese, magnesium
INTRODUÇÃO
As carências de magnésio (Mg) no castanheiro (Castanea sativa Mill.) foram
descritas e avaliadas por Portela et al. (1999; 2003). Esta carência foi
identificada em Trás-os-Montes nas regiões naturais da Padrela e de Bragança,
em solos provenientes de rochas de diversas formações geológicas. A ocorrência
desta carência tem-se verificado, sobretudo, em soutos instalados em solos
ácidos derivados de quartzitos xistentos, de xistos e de grauvaques do
Ordovício e do Silúrico e em solos derivados de granitos predominantemente
alcalinos de duas micas. Os quartzitos, os xistos e os grauvaques estão
associados às seguintes formações geológicas: Filito-quartzítica (OFQ), Pelito
grauváquica (SPX), Quartzítica (SPQ) e, ainda, ao complexo Vulcano-silicioso
(SVS). Apenas os solos provenientes de tufitos básicos das formações SVS e OFQ
e de rochas dos complexos básicos e ultrabásicos se encontram bem providos de
Mg (Martins e Coutinho, 1991; Portela et al., 2007).
A ocorrência de carências de Mg em castanheiros e as respectivas concentrações
foliares são influenciadas, não só pelos teores do Mg2+ permutável, mas também
por outras características químicas do solo. Entre estas características,
encontram-se os teores de K+ de troca, o NH4+ e a acidez de troca (Al3++H+).
Portela et al. (2003) constataram que as concentrações foliares de Mg eram mais
bem explicadas pelo efeito conjugado de diversos indicadores do solo,
nomeadamente pelas razões Mg2+/K+, Mg2+/NH4+ e Mg2+/(Al3++H+), do que pelo Mg2+
permutável por si só. Tem sido difícil identificar o limiar crítico do Mg2+ de
troca abaixo do qual essa carência se verifica, observando-se algumas
discrepâncias associadas a certas zonas onde se desenvolve o castanheiro. Com
efeito, constatou-se que os casos mais desviantes se localizavam em soutos
instalados em certas formações geológicas, cujos solos apresentavam teores
elevados de manganês (Mn). Assim, este estudo teve como objectivo verificar se
o Mn extraível do solo teria uma influência marcante na definição do limiar
crítico do Mg2+ permutável, abaixo do qual ocorriam as deficiências de Mg no
castanheiro.
MATERIAL E MÉTODOS
Agregou-se a informação obtida entre 1996 e 2006, referente a 38 soutos de
Trás-os-Montes (19 soutos onde se observavam árvores com sintomatologia da
carência de Mg e 19 soutos, nas proximidades, em condições de bom crescimento).
No período de 21 de Agosto a 7 de Setembro, foram recolhidas amostras foliares
em cinco árvores nos soutos em boas condições de crescimento, e em 10 árvores
nos soutos cloróticos (cinco árvores que apresentavam sintomas da carência de
Mg e cinco árvores sem sintomas evidentes). Retiraram-se folhas (25-30) da
parte superior do terço médio da copa, nos quatro quadrantes da árvore: da
quarta à oitava folha, a partir da extremidade de ramos com ouriços. A
preparação das amostras de folhas e os métodos laboratoriais utilizados na
determinação das concentrações de macro e de micronutrientes encontram-se
descritas em Portela et al. (2003).
A colheita das amostras de solos foi feita debaixo da copa de três árvores de
cada souto à profundidade de 0-20 cm e de 20-40 cm, tendo-se obtido uma amostra
compósita, resultante da mistura de 12 subamostras em cada profundidade (quatro
quadrantes da copa x três árvores). Nos soutos cloróticos, seguiu-se o mesmo
critério utilizado na colheita das folhas, isto é, obtiveram-se duas amostras
compósitas: sob a copa de árvores sem sintomas evidentes e sob a copa de
árvores com sintomatologia foliar da carência de Mg. A preparação das amostras
de solo e os métodos laboratoriais utilizados na análise dos indicadores da
fertilidade do solo estão descritos em Portela et al. (2003). Na determinação
do Mn extraível seguiu-se o método de Lakanen e Erviö (1971), sendo o
extractante o acetato de amónio-ácido acético e EDTA, que é utilizado como um
dos métodos de referência para estimar o Mn biodisponível (Sillanpåå, 1990).
A amostragem dos soutos ocorreu em duas regiões naturais, Padrela e Bragança
(Agroconsultores e Coba, 1991), em solos provenientes de diversos materiais:
dum granito de grão médio de duas micas e de xistos de diversas formações
geológicas: Filito-quartzítica (OFQ), Pelito-grauváquica (SPX), Xistos
Inferiores (SPI), Quartzitos Superiores (SPQ), complexo Vulcano-silicioso (SVS)
e formações de Macedo Cavaleiros (DMC) e de Gimonde (DGI) (Pereira, 1992, 2000;
Ribeiro, 1998). Apesar da frequência com que ocorre a carência de Mg, em
diversas culturas, nos solos derivados de granitos (Portela e Lousada, 2007), a
maior uniformidade existente entre os granitos levou-nos a estudar apenas um
souto assente num granito de Serapicos (Ribeiro, 1998), tendo-se privilegiado a
amostragem de soutos instalados sobre xistos e grauvaques, devido à
heterogeneidade mineral verificada neste grupo. Assim, dentre as rochas
identificadas mais amiúde destacam-se: quartzofilitos, filitos, micaxistos,
xistos grafitosos (cinzentos ou negros), ampelitos, liditos, siltitos,
grauvaques, metagrauvaques, xistos hematíticos, xistos clorito-sericíticos e,
ainda, xistos quartzíticos.
No Quadro 1 apresenta-se o intervalo de variação das propriedades dos solos dos
soutos que foram objecto de estudo. Apenas são apresentados dados da camada 0-
20 cm, já que o padrão de variação da camada 20-40 cm foi o mesmo.
Quadro_1
- Variação das propriedades do solo nos 38 soutos objecto de estudo.
Foi efectuada uma regressão múltipla entre o teor foliar de Mg no castanheiro e
indicadores da fertilidade do solo e foram, ainda, determinados coeficientes de
correlação de Pearson entre características do solo e a concentração de
nutrientes nas folhas do castanheiro.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na Figura 1, encontram-se representadas as concentrações foliares médias de Mg
(na matéria seca) de 19 soutos que se encontravam em boas condições de produção
e de 19 soutos cloróticos (árvores com sintomas foliares evidentes da carência
de Mg e árvores que não manifestavam sintomas) versus os teores médios do Mg2+
de troca dos soutos correspondentes. Pode observar-se que o valor mais baixo da
concentração foliar de Mg nos soutos em boas condições de produção foi 1,8 g
kg-1 e o mais alto observado em árvores com sintomas da carência de Mg foi 1,5
g kg-1, sugerindo que o intervalo crítico para o aparecimento da carência de Mg
no castanheiro se situa entre 1,5-1,8 g kg-1.
Figura 1 - Relação entre o Mg2+ de troca do solo e a concentração de Mg em
folhas de castanheiro em dois grupos de soutos: soutos em boas condições de
produção e soutos cloróticos.
Nos soutos em boas condições de produção, o Mg2+ permutável situou-se quase
sempre acima de 0,20 cmolc kg-1 de solo. Em certos casos, apesar de esse
indicador ter sido inferior, os castanheiros apresentavam-se vigorosos. Na
grande maioria dos soutos cloróticos, registaram-se teores do Mg2+ de troca
inferiores a 0,20 cmolc kg-1 de solo, mas houve um grupo de seis soutos
cloróticos em que o Mg2+ de troca foi ³0,20 cmolc kg-1 de solo, constituindo
assim a excepção à regra. Constatou-se que estes seis soutos se localizavam em
determinadas manchas de solo onde era comum os solos apresentarem teores mais
elevados de Mn extraível. Assim, elaborou-se a Figura 2, com base nos valores
médios do Mg2+ de troca e do Mn extraível nos 38 soutos, os quais foram
agrupados em apenas dois grupos, de acordo com a ocorrência ou não de sintomas
da deficiência de Mg, já que não se observaram diferenças significativas no
Mg2+ permutável nas amostras de solo recolhidas por baixo do copado das árvores
(com ou sem sintomatologia da carência magnesiana). Efectivamente, pode
observar-se que nos seis soutos cloróticos com Mg2+ de troca ³0,20 cmolc kg-1,
registou-se um Mn extraível superior a 25 mg kg-1. Nos soutos cloróticos
assinalou-se como o valor mais elevado do Mg2+ de troca o de 0,33 cmolc kg-1,
ao qual correspondeu um Mn extraível elevado (220 mg kg-1) e uma concentração
de Mn nas folhas do castanheiro (2880 mg kg-1 de matéria seca) simultaneamente
elevada.
Figura 2 - Relação entre os teores de Mg2+ permutável e de Mn extraível dos
solos em soutos com carência magnesiana (souto clorótico) e em soutos em boas
condições de produção.
Os soutos com os teores mais elevados do Mn extraível (> 200 mg kg-1) estão
assentes no complexo Vulcano-silicioso ou na formação Filito-quartzítica ou,
ainda, nas suas áreas de contacto, tendo-se encontrado, à superfície dos solos,
tanto intrusões de rocha básica (nos soutos com teores mais altos de Mg2+
permutável), como intrusões de tufitos ácidos (nos soutos cloróticos). Nestes
casos, identificou-se a piroluzite (MnO2) precipitada na forma cristalina nos
elementos rochosos da fracção grosseira dos solos, constituindo pois uma
reserva de Mn biodisponível. Em contrapartida, é de assinalar que os mais
baixos teores de Mn extraível (3,5-17,5 mg kg-1) foram registados em solos
derivados de granito e de xistos quartzíticos (formações SPQ e SPI).
Constatou-se haver uma correlação positiva e altamente significativa entre os
teores de Mn extraível no solo e os teores foliares de Mn no castanheiro
(r=0,630***). Muitas vezes, quando se registaram concentrações foliares de Mn
muito elevadas, estas foram acompanhadas de maiores teores foliares de Mg.
Apesar de, no estudo presente, não se ter verificado correlação significativa
entre as concentrações foliares destes dois nutrientes, quando a análise se
restringiu a apenas um souto, constatou-se existir tal correlação. Com efeito,
num estudo efectuado por Portela et al. (1999), num souto localizado em Macedo
Cavaleiros, observou-se que as concentrações de Mg e de Mn foliares estavam
positivamente correlacionadas (r=0,71**, n=15, dados não publicados).
Com o objectivo de testar se o teor de Mn no solo poderia, eventualmente, estar
associado à absorção do Mg, realizou-se uma regressão múltipla entre diversas
características do solo dos 38 soutos (referidos no Quadro_1) e a concentração
foliar de Mg. No Quadro 2, encontra-se um resumo dos resultados obtidos na
regressão múltipla. Esta análise mostra que 52% da variação da concentração
foliar de Mg pode ser explicada pelo teor de Mg2+ de troca, pela razão Mg2+/K+,
pelo teor de matéria orgânica e por índices relativos à acidez do solo (pH KCl
e a saturação em bases), não se podendo atribuir ao teor de Mn extraível peso
relevante na variação do teor de Mg foliar. Num estudo anterior, realizado por
Portela et al. (2003), pode confirmar-se a importância de alguns dos
indicadores aqui referidos. A razão Mg2+/K+ surge, mais uma vez, como
determinante na absorção do Mg2+, à semelhança de outros trabalhos referidos na
literatura (Kopinga e Burg, 1995; Mengel e Kirkby, 2001).
Quadro 2 - Regressão múltipla entre a concentração foliar de Mg e indicadores
da fertilidade do solo.
Apesar do teor de Mn extraível não se ter mostrado relevante na variação do
teor de Mg foliar, os índices relativos à acidez do solo (saturação em bases e
pH KCl) estarão certamente associados a variações acentuadas do Mn
biodisponível que, eventualmente, poderão induzir a carência de Mg, quando a
acidez é elevada. Efectivamente, o aumento do teor de Mn extraível do solo está
associado à manifestação da carência de Mg no castanheiro para valores de Mg2+
de troca superiores a 0,20 cmolc kg-1. No estudo vertente, os sintomas de
carência de Mg nos soutos só não se observaram quando o Mg2+ de troca foi ³34
cmolc kg-1. Estes dados sugerem que o Mn, a partir dum certo nível, poderá ter
um efeito inibidor da absorção do Mg2+. Esse efeito inibidor do Mn tem sido
referido por Bergmann (1992), Marschner (1995) e Mengel e Kirkby (2001), e
demonstrado por diversos investigadores em solução nutritiva. Por exemplo,
ensaios efectuados por Goss e Carvalho (1992) mostraram que, para se atingir a
produção máxima de matéria seca do trigo, quanto mais Mn estivesse presente em
solução, maior era a necessidade de Mg. De igual modo, os ensaios realizados
por Heenan e Campbell (1981) revelaram que o aumento do fornecimento de Mn em
solução nutritiva reduziu a concentração foliar de Mg em plântulas de soja.
É de salientar que o carácter ácido e muito ácido dos solos estudados (Quadro
1) propiciam a solubilização do MnO2. Com efeito, as formas de Mn
potencialmente disponíveis para as plantas são em grande parte determinadas
pelo pH do solo (Khanna e Mishra, 1978; Lindsay, 1979). No caso dos solos
portugueses, o estudo de Costa e Fernandes (1996) mostrou que as quantidades de
Mn extraídas pelo método de Lakanen se encontravam correlacionadas com o pH
(H2O, 1:2,5) do solo.
CONCLUSÕES
Em resumo, poderá concluir-se que na maioria dos terrenos onde estão instalados
os soutos em Trás-os-Montes ressaltam as condições ácidas ou fortemente ácidas
dos solos, quase sempre associadas a material originário pobre em bases,
nomeadamente em Mg, como são os granitos alcalinos de duas micas, os quartzitos
xistentos, os xistos e grauvaques do Silúrico e do Ordovício e, ainda, os
metagrauvaques do Devónico. Apurou-se haver um intervalo crítico para a
emergência da carência de Mg no castanheiro, que se situa entre os 1,5-1,8 g
kg-1 de matéria seca. Deste estudo, salienta-se a relevância que as condições
ácidas do meio e os baixos valores, quer de Mg2+ permutável, quer da razão
Mg2+/K+ têm na ocorrência da carência de Mg. A reserva elevada de K de muitos
xistos desta região (Portela, 1993) e a prática frequente da adubação potássica
dos castanheiros poderá potenciar a carência magnesiana. A presença da
piroluzite nos solos de certas formações geológicas, aliada à forte acidez,
propicia uma disponibilidade elevada de Mn. Considerando que este poderá ter um
efeito inibidor na absorção de Mg2+, sempre que haja teor elevado de Mn
extraível, haverá necessidade de correcção dos solos, para valores do Mg2+ de
troca abaixo de 0,34 cmolc kg-1. Porém, em solos com teores baixos de Mn
extraível, bastará que o Mg2+ permutável se encontre acima de 0,20 cmolc kg-1de
solo.