Fitodisponibilidade de metais em milho (Zea mays) cultivado com aplicação de
biossólido
Introdução
Pesquisas no Brasil têm incentivado a reciclagem do lodo de esgoto estabilizado
como biossólido para utilização na agricultura como uma técnica alternativa e/
ou complementar a adubação mineral convencional (Lemainski e Silva, 2006a;
Lemainski e Silva 2006b; Silva et al., 2010). Existem indícios que os
biossólidos melhoram a qualidade dos solos, devido aos elevados teores em
matéria orgânica e nutrientes (Costa et al., 2009a; Barros et al., 2011).
Segundo Boeira e Maximiliano (2009), embora seja importante efetuar a
reciclagem de resíduos antrópicos, ainda existe uma carência de informações
consistentes que garantam a utilização segura de biossólido na agricultura. Um
dos efeitos negativos da aplicação destes materiais é a incorporação de metais
tóxicos, que podem causar impactos ambientais negativos, como a contaminação do
solo, plantas, águas superficiais e subterrâneas (Costa et al., 2009b; Vitali
et al., 2008), onde além de não apresentarem quaisquer benefícios ao organismo
humano, a presença destes nos solos constituem um grave problema ambiental
devido a sua persistência e elevado poder de toxicidade (Silva et al., 2007;
Bertoli et al., 2011).
De acordo com Duffus (2002), para a definição do termo metal pesado ou
elementos traços, deve-se levar em consideração características químicas
importantes, como densidade, massa atómica, número atómico, propriedades
químicas, bem como definições que levam em consideração a toxicidade destes.
Estes elementos ocorrem naturalmente nos solos e alguns, como o cobre (Cu),
zinco (Zn), ferro (Fe), manganês (Mn), molibdénio (Mo) e cobalto (Co)
desempenham importante papel na nutrição de plantas e animais, enquanto outros,
como o cádmio (Cd), chumbo (Pb), cromo (Cr), arsénio (As) e mercúrio (Hg)
ocasionam efeitos prejudiciais sobre vários componentes da biosfera (Alloway,
1995; Kabata-Pendias e Pendias, 2001).
As primeiras normas regulamentadoras do uso de biossólido na agricultura no
Brasil seguem critérios de países de clima temperado, que possuem diversas
pesquisas relacionadas à interação deste material com o solo e plantas, e o
monitorização contínua após a sua aplicação (Marques et al., 2007; Bastos et
al., 2013). Com o crescente aumento dessa prática, o Ministério do Meio
Ambiente por meio do Conselho do Meio Ambiente (CONAMA), elaborou a resolução
n. 375, de 29 de agosto de 2006, que define critérios e procedimentos, para o
uso agrícola de lodos de esgoto gerados em estações de tratamento de esgoto
sanitário e seus produtos derivados, e dá outras providências (Brasil, 2006).
Todavia, os resultados não podem ser extrapolados para todos os tipos de
biossólidos ou para todas as culturas cultivadas em climas tropicais, uma vez
que as condições dos materiais e ambientais são diferentes, principalmente com
relação às características fisicoquímicas dos lodos utilizados, necessidades
das culturas e às propriedades específicas dos solos (Marques et al., 2007).
Muitos trabalhos têm verificado a fitodisponibilidade de metais tóxicos (Cd, Pb
e Cr) em diversas culturas pela aplicação de fertilizantes, como Nava et al.
(2011) e Gonçalves Jr. et al. (2011) na cultura da soja, Zenatti et al. (2012)
na cultura da Tifton 85, Gonçalves Jr. et al. (2012) e Nacke et al. (2013) na
cultura do milho e Gonçalves Jr. et al. (2013a) e Gonçalves Jr. et al. (2013b)
na cultura do hissopo.
Nestes pressupostos, o objetivo deste trabalho consistiu em determinar a
fitodisponibilidade dos metais Cu, Zn, Fe, Mn, Cd, Pb e Cr em plantas de milho
cultivadas com diferentes doses de biossólido proveniente de uma estação de
tratamento de esgoto, visando o uso sustentável deste material na agricultura.
Material e Métodos
Caracterização do ensaio
O ensaio foi implantado em ambiente protegido da Universidade Estadual do Oeste
do Paraná, no município de Marechal Cândido Rondon ' PR, em vasos com
capacidade de 5,0 L cada, utilizando amostras de solo classificado como
Latossolo Vermelho distroférrico (LVd) (Embrapa, 2006).
O delineamento experimental utilizado foi inteiramente casualizado (DIC) em
esquema fatorial 5x2, sendo os tratamentos constituídos por cinco doses de
biossólido (0; 10,0; 20,0; 40,0 e 60,0 Mg ha-1) e duas formas de fertilização
(com e sem N:P2O5:K2O), com quatro repetições, totalizando 40 unidades
experimentais. As doses foram determinadas a partir de valores crescentes da
dose de biossólido considerada adequada (10 Mg ha-1), segundo a Resolução Nº
375 de 29 de agosto de 2006 do CONAMA (Brasil, 2006).
Caracterização do solo
O solo utilizado no ensaio foi colhido na camada arável (0 a 20 cm de
profundidade), sendo posteriormente seco ao ar e peneirado a uma granulometria
de 4 mm.
Para caracterização do solo (Quadro_1) foi efetuada a secagem do mesmo em
estufa de circulação forçada de ar a 45oC, sendo posteriormente realizada a
análise química de rotina e micronutrientes (Pavan et al., 1992). Para
determinação dos metais tóxicos Cd, Pb e Cr realizou-se digestão
nitroperclórica (AOAC, 2012) seguida de técnicas de espectrometria de absorção
atómica, modalidade chama (EAA/chama) (Welz e Sperling, 1999). A análise
granulométrica foi realizada segundo o método da pipeta (Embrapa, 2006), sendo
que os valores de argila, silte e areia foram 321,67; 77,12 e 601,21 g kg-
1 respectivamente.
Caracterização do biossólido
O biossólido utilizado no ensaio foi colhido numa Estação de Tratamento de
Esgoto (ETE) da Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR), localizada no
município de Foz de Iguaçu-PR, obtido pelo processo de digestão anaeróbica de
lodo ativado em um reator anaeróbico de leito fluidificado (RALF) e
posteriormente tratado com calcário.
Para determinação das concentrações dos metais Cu, Mn, Zn, Fe, Cd, Pb e Cr foi
realizada digestão nitroperclórica (AOAC, 2012), seguida de técnicas de EAA/
chama, utilizando calibração com padrões certificados para todos os metais
(Welz e Sperling, 1999). Os resultados são apresentados na Quadro_2.
Condução do ensaio
De acordo com os resultados da análise química do solo (Quadro_1) constatou-se
a necessidade de correção da acidez, desta forma foi realizada a calagem com
aplicação de 1,09 Mg ha-1 de CaCO3 (Coelho, 2006). Em seguida foi realizada a
fertilização das doses de biossólido em seus respectivos tratamentos e na qual
o solo foi incubado pelo período de 30 dias (Simonete et al., 2003), sendo
utilizado o volume de 4,0 dm3 de solo em cada vaso.
Após o período de incubação do solo foi realizada a fertilização com N:P2O5:
K2O, na proporção 8-20-20, segundo recomendação proposta por Coelho (2006), e
em seguida implantada a cultura do milho. Para tanto, foram semeadas cinco
sementes por vaso e três dias após a germinação plena foi realizado o desbaste,
mantendo-se duas plantas por vaso.
Durante todo o ensaio manteve-se, no solo, umidade correspondente a 70% da
capacidade máxima de retenção de água (Van Raij et al., 1997).
Aos 30 dias após a emergência das plantas (DAE), realizou-se uma fertilização
de cobertura para fornecimento de N em todos os tratamentos, desta forma, foram
aplicados 120 kg ha-1 de N na forma de sulfato de amónio [(NH4)2SO4] (Coelho,
2006).
O ensaio foi conduzido até 45 DAE, e ao final deste período as plantas foram
cortadas rentes ao solo para as análises da parte aérea. No laboratório as
plantas foram lavadas primeiramente com água de torneira e detergente, e
posteriormente com água destilada e deionizada, após a lavagem o material
vegetal foi desidratado e triturado para posterior análise química.
As concentrações dos metais Cu, Zn, Fe, Mn, Cd, Pb e Cr nos tecidos da parte
aérea foi determinada por meio de digestão nitroperclórica (AOAC, 2012),
seguida de técnicas EAA/chama utilizando calibração com padrões certificados
para todos os metais (Welz e Spearling, 1999).
Análise estatística dos dados
Todos os dados obtidos experimentalmente foram submetidos à análise de
variância (ANAVA), as variáveis cujos resultados revelaram significância a 5%
de probabilidade de erro, tiveram as médias comparadas pelo teste de Tukey,
considerando que as doses de biossólido neste trabalho não são ortogonais, ou
seja, representam um fator quantitativo não equidistante, logo o ajuste de
equações de regressão não descreveria o comportamento da aplicação de
biossólido de modo apropriado. Utilizou-se como auxílio o programa estatístico
SISVAR 5.0 (Ferreira, 2003).
Resultados e Discussão
Os altos teores de micronutrientes presentes no Latossolo Vermelho eutrófico
(LVe) apresentados no Quadro_1 podem ser explicados pelo material de origem
basáltica deste solo, sendo as rochas máficas o seu principal material de
origem. Solos originados de rochas máficas, segundo Biondi et al. (2011)
possuem altas concentrações de Fe, Mn, Zn, Cu.
O Quadro_3 apresenta a análise de variância para as concentrações dos metais
estudado. Foram encontradas diferenças significativas (p<0,05) entre as doses
de biossólido para os metais Zn, Fe, Mn e Pb (Quadro_3) no tecido foliar de
milho, o que demonstra que a aplicação de doses de biofertilizante influenciou
na disponibilidade de nutrientes para a cultura. Cabe ainda salientar que
também foi encontrada diferença significativa (p<0,05) entre as doses de N:
P2O5:K2O e os teores foliares de Zn, demonstrando que as doses de adubação
mineral aplicadas foram suficientes para ocorrência de diferenças estatísticas
nos teores de Zn foliares.
Ainda de acordo com o Quadro_3, não foi encontrada diferença significativa para
a interação entre biofertilizante e adubação mineral (N:P2O5:K2O). Para os
tratamentos que receberam ou não fertilização mineral (N:P2O5:K2O) houve
diferença significativa (p<0,05) apenas para os teores foliares de Zn. Ao passo
que para a interação entre doses e fertilização não foram encontradas
diferenças significativas (p>0,05) para as médias das concentrações de nenhum
elemento no tecido foliar das plantas de milho.
Resultados semelhantes foram observados por Rangel et al. (2006), Luchese et
al. (2008) e Nogueira et al. (2008) que verificaram um aumento dos teores de Zn
nas folhas de milho em função da aplicação de biossólido. Este fato pode estar
relacionado com os altos teores de Zn encontrados no biossólido, sugerindo que
essa fração de Zn contido no biossólido torna-se disponível para a planta de
milho, ou seja, conforme aumentam as doses ocorre também um aumento no teor
disponível no solo possibilitando a absorção pela planta (Nogueira et al.,
2008). Ou ainda pelo fato de que o Zn possui alto coeficiente de transferência,
proporcionando uma alta disponibilização deste para as plantas (Lasat, 2000).
Com relação aos teores foliares de Zn em função da fertilização, observa-se que
a adubação mineral proporcionou menores teores deste elemento nas plantas em
relação à ausência da adubação mineral (15,30 mg kg-1 com N:P2O5:K2O contra
18,70 mg kg-1 sem N:P2O5:K2O). Este comportamento pode estar associado à
inibição competitiva existente entre os elementos P e Zn, onde o primeiro
interfere negativamente no segundo (Carneiro et al., 2008), demonstrando, neste
trabalho, que a suplementação mineral de P prejudicou o acúmulo de Zn pelas
plantas de milho.
Entretanto de acordo com Rangel et al. (2006) o uso contínuo do biossólido
poderia contaminar o solo e as plantas com teores fitotóxicos de Zn, já que o
teor deste nutriente está relacionado com o aumento das doses do resíduo.
Não foram detectados teores de Cd no tecido vegetal das plantas de milho,
entretanto, isto não significa que não existem teores deste metal nas plantas,
podendo o Cd estar em concentrações abaixo do limite de quantificação (LQ =
0,005) do método utilizado (EAA/Chama).
O fato da não detecção de Cd, segundo Shtangeeva et al. (2011) pode ser
considerado normal, já que as raízes podem absorver este elemento porém, é
pouco translocado para a parte aérea das plantas, por ser um processo não
específico e ocorrendo de forma controlada e restrita. Esta dinâmica,
geralmente, ocorre em solos com baixas concentrações de metais pesados, dado
que em solos com altas concentrações as plantas podem acumular elementos
tóxicos em seus órgãos.
Vale ressaltar também que neste ensaio somente foi realizada uma fertilização,
porém aplicações sucessivas de biossólido podem ocasionar uma acumulação de Cd
no solo. De acordo com Freitas et al. (2009) a acumulação e metais tóxicos em
solos é considerada de grande preocupação para diversos órgãos ambientais e
investigadores, por conduzir não apenas à diminuição da produtividade das
culturas em decorrência de seus efeitos fitotóxicos mas também a efeitos
deletérios à saúde humana e animal.
Segundo Gonçalves Jr. et al. (2012) a necessidade de estudos relacionados com
aplicações sucessivas de biossólido torna-se importante, uma vez que esta
prática pode resultar em incremento dos teores de metais pesados no solo e,
consequente, entrada destes elementos na cadeia alimentar, ocasionando
contaminação a animais, humanos e do meio ambiente
Para o elemento Cu, a semelhança estatística entre as médias de todos os
tratamentos pode ser explicada pelo fato de que ocorre a formação de complexos
altamente estáveis entre este elemento e a matéria orgânica do solo (MOS).
Fenómeno favorecido pelo aumento da matéria orgânica do solo causado pela
adição de biossólido, proporcionando assim, uma baixa disponibilização e
consequente absorção deste metal pela planta (Silva e Vitti, 2008).
Não obstante, resultados de pesquisas demonstram que o Cu apresenta baixo
coeficiente de transferência solo/planta, tornando-se menos disponível que
outros elementos (Lasat, 2000), esta baixa disponibilidade também ocorre para o
metal Cr, o que explicaria a não ocorrência de médias diferentes entre os
tratamentos, aliado ainda a baixa concentração deste metal encontrada na
análise química do biossólido (Quadro_2).
As médias encontradas para as concentrações de Zn, Fe, Mn e Pb no tecido foliar
das plantas de milho em função das diferentes doses de biossólido utilizadas
podem ser visualizadas no Quadro_4.
No Quadro_4 observa-se pouca diferença entre os teores foliares médios de Fe e
Mn, que pode ter sido ocasionada pela calagem realizada no solo antes do
cultivo das plantas, que provoca elevação do pH do solo e estabilização dos
metais por meio de ligações químicas, ocasionando desta forma diminuição na
disponibilidade desses elementos para as plantas (Alvarez et al., 2008).
De acordo com Fernandes et al. (2006), no caso Fe, este fato também pode estar
relacionado com a rápida conversão do Fe solúvel do biossólido em compostos
insolúveis oxidados e não disponíveis a planta, o que justifica o alto teor
deste elemento no biossólido (Quadro_2) de 34.883 mg kg-1, e os teores Fe em
níveis adequados encontrados a cultura do milho neste estudo Quadro_4).
Resultados semelhantes foram encontrados por Pigozzo et al. (2002) em plantas
de milho submetidas a aplicação de lodo de esgoto, sendo que na referida
pesquisa esperava-se que as plantas de milho apresentassem teores fitotóxicos
devido ao elevado teor de Fe no biossólido o que não foi observado.
Para as médias dos teores de Pb observa-se que a dose sem a aplicação de
biossólido (dose 0,0) proporcionou o maior acúmulo deste metal pelas plantas,
fato que novamente pode ser explicado pela complexação e estabilização deste
junto a matéria orgânica do solo favorecida pela aplicação do biossólido.
De acordo com a USEPA (1992) na presença de agentes complexantes e/ou catiões
competidores pelos sítios ativos, o Pb pode apresentar uma diminuição de sua
adsorção nos coloides do solo, podendo apresentar alta afinidade com ligantes
orgânicos, ocasionando a formação de complexos que aumentam a mobilidade do Pb
no perfil do solo sendo desta maneira percolado ou lixiviado.
De acordo com Shtangeeva et al. (2011) o Pb acumula-se na endoderme, atuando
como barreira parcial nas paredes da célula das raízes, formando em certa
condições precipitados amorfos, como fosfato de chumbo, no caso do milho.
Alguns metais, como o Pb, concentram-se nas raízes, não sendo transportados
para a parte aérea, por exemplo plantas como a soja e o milho, excluem esses
elementos dos grãos.
Em estudo realizado por Gonçalves Jr. et al. (2012) constatou-se que o
biossólido quando utilizado na cultura do milho sem suplementação com
fertilizantes minerais resultava em menor número de folhas, altura de plantas e
menor massa seca da planta.
Mesmo considerando que não ocorreram concentrações em níveis tóxicos para as
plantas dos metais pesados avaliados no material vegetal deste ensaio, não se
deve inferir que o biossólido é um material inócuo do ponto de vista ambiental,
e sim reforçar a necessidade da continuidade de pesquisas de longa duração,
avaliando-se os efeitos de aplicações sucessivas deste material nos cultivos
agrícolas, uma vez que os resultados obtidos neste trabalho foram provenientes
de apenas uma aplicação. Ressalta-se ainda que as concentrações de
contaminantes nos biossólidos variam muito de acordo com a origem de sua
matéria prima, sendo necessário a monitorização e as devidas análises nestes
materiais antes de sua recomendação e uso.
Embora o Brasil possua uma Resolução que permita a utilização de biossólidos na
agricultura (Pavan et al., 1992), deve-se destacar que infelizmente na busca de
uma destino final de resíduos domésticos e industriais podem ocorrer equívocos,
resultando na libertação de valores e teores de metais tóxicos disponíveis nos
lodos de esgoto na agricultura sem a existência de dados que demonstrem a
segurança ambiental desta prática.
Conclusões
O uso de biossólido proporcionou aumento da concentração dos teores de Cu e Zn
no tecido foliar do milho.
A aplicação de biossólido não proporcionou o acúmulo, em nível tóxico para as
plantas de milho, dos metais pesados Cu, Zn, Fe, Mn, Cd, Pb e Cr.