À flor da pele
À flor da pele
Isabel Santos*, Catarina Empis*
*Editora da RPCG.
Correspondência
A pele cobre tudo
Pele de veludo
Pele é a roupa natural
(e a mais legal)
A pele nela revela quem você é
Da ponta da cabeça
Até à pele da ponta do pé
1
(Jair de Oliveira)
São frequentes as referências à pele de cantores, escultores, escritores,
pintores. Barthes disse que «a linguagem era como uma pele: com ela entro em
contacto com os outros».
2
Por isso, a utilizamos em tantas metáforas quando comunicamos. Esta aparece em
muitas expressões de avaliação sempre que queremos exprimir sentimentos fortes
(«quem foi que à tua pele conferiu esse papel de mais que tua pele ser pele da
minha pele
3
?»), conflitos insanáveis (não me dou com fulano ou sicrano é uma questão de
pele). O nosso discurso e pensamento, a linguagem dos dias, «a pele engelhada
do quotidiano»,
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é pontuada por metáforas positivas e negativas sobre este invólucro que
enclausura e delimita, importante órgão dos nossos sentidos, de protecção, de
defesa e de transformação.
A pele é rica e multifacetada. Antes de mais nada, é dotada de uma opulência de
terminais nervosos que a torna um importante órgão sensorial, fonte do primeiro
dos nossos cinco sentidos – o tacto. Ou seja, joga na equipa do olho, do
ouvido, da língua e do nariz. Mas essa é a menor de todas as suas virtudes. A
pele protege-nos contra agressões químicas e físicas, age como um filtro
permitindo uma infinidade de mutações biológicas, sintetizando vitaminas
essenciais ao crescimento, além da calcificação dos ossos. E, finalmente, os
vasos sanguíneos que a cobrem mantêm a nossa temperatura constante e permitem o
processo de exalação de partículas líquidas, através dos poros, a transpiração.
Resumindo, a pele protege, metaboliza, harmoniza, informa.
Ter uma pele saudável é tão importante como ter qualquer outro órgão ou parte
do corpo saudável. Nem todos, médicos e cidadãos, reconhecem a sua importância
para a saúde geral e, por isso, muitas das suas alterações decorrem de
agressões diversas ao longo do tempo sem que ninguém lhe preste muita atenção.
A pele tem vários inimigos. Talvez o pior deles seja a moda. Ninguém está feliz
com a pele que tem e acham que ela, como qualquer peça de vestuário, pode ser
tingida, esticada, alinhavada, trocada e estorricada ao sol, com cremes ou
através de raios ultravioleta.
Aproximadamente um quarto da população é afectado por problemas da pele que
beneficiariam com cuidados médicos. A maioria dos problemas é atendida e gerida
nos cuidados de saúde primários. No entanto, assiste-se a pouca discussão de
casos no desenvolvimento profissional contínuo, sendo que existem diversas
alusões à referenciação inadequada a dermatologistas. O exame e o diagnóstico
de lesões na pele são frequentemente sinónimo de confusão e mistério para
muitos médicos. Mesmo os que possuem boas e precisas capacidades de diagnóstico
em muitas outras áreas é frequente sentirem-se perdidos quando confrontados com
um simples exantema.
O desafio ao examinar a pele reside em distinguir o normal do anormal, os dados
significativos dos triviais, e integrar os sinais e sintomas pertinentes num
diagnóstico diferencial apropriado. O facto de a pele ser o maior órgão humano
é uma vantagem e uma desvantagem. É uma vantagem porque não precisamos de
instrumentos especiais e porque a pele pode ser biopsada com pouca morbilidade.
Contudo o observador casual pode ser enganado por uma variedade de estímulos.
As doenças da pele são motivo de consulta em cerca de 10 a 15% das consultas de
medicina geral e familiar. A percentagem destes motivos é variável com os
locais de exercício variando entre 3% a 18,8%, com uma média de 8,4%.
5,6,7
Para se providenciarem cuidados apropriados seria necessário que
periodicamente avaliássemos o tipo de trabalho que nesta área fazemos e as
mudanças nos números e na tipologia de referenciação. Acresce dizer que a
referenciação a esta especialidade é particularmente difícil possivelmente
porque muitos dos problemas enviados poderiam ser tratados no âmbito da nossa
disciplina. Daí a razão de ser deste dossier.
Procurámos trazer temas do dia-a-dia do médico de família e na forma como se
nos apresentam. Pedimos expressamente a cada autor que procurasse, para além da
necessária revisão e integração do tema, responder a algumas das questões que
se nos levantam no exercício diário da nossa prática.
Dos fungos
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, que não escolhem género nem idade, tão ubíquos e diversos nas suas
localizações e apresentações, ao acne
9,10
que tanto desfeia e preocupa os adolescentes, que não se cansam de se olhar ao
espelho e procurar um ponto aqui, mais outro ali e ainda outro acolá, somando-
se em quantidade e subtraindo-lhes em auto-estima.
E porque, para além da imagem exterior é muito incómoda a sensação da coceira
que não passa, não pára, não deixa dormir, não deixa descansar, não podiam
faltar aqui o eczema11 atópico e a urticária.
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Esperamos, com este dossier, contribuir para que os problemas da pele possam
passar a ser um mal menor para os nossos doentes e que, assim, os possamos
ajudar a sentirem-se sempre bem na sua pele, a tal que nela revela quem você
é, da ponta da cabeça, até à pele da ponta do pé.
1
Refêrencias Bibliográficas
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Avaliação e tratamento do doente com Acne – Parte I: epidemiologia,
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12. Figueiredo A, Massa A, Picoto A, Soares AP, Basto AS, Lopes C, et al.
Avaliação e tartamento do doente com Acne – Parte II: Tratamento tópico,
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Conflitos de Interesses
As autoras declaram não possuir conflitos de interesse.
ENDEREÇO_PARA_CORRESPONDÊNCIA
Departamento de Medicina Geral e Familiar,
Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa,
Campo dos Mártires da Pátria, 130, 1169-056 Lisboa
E-mail: isabel.santos@fcm.unl.pt
secretariado@rpcg.apmcg.pt