Todos os AINE e COXIB aumentam eventos cardiovasculares, mas a magnitude varia
com o fármaco.
Todos os AINE e COXIB aumentam eventos cardiovasculares, mas a magnitude varia
com o fármaco.
Trelle S, Reichenbach S, Wandel S, Hildebrand P, Tschannen B, Villiger PM,
Egger M, Jüni P. Cardiovascular safety of non-steroidal anti-inflammatory
drugs: network meta-analysis. BMJ. 2011 1;342:c7086-c7086.
Introdução
Os anti-inflamatórios não esteróides (AINE) estão entre os fármacos mais
prescritos no mundo. Com a saída do mercado do rofecoxib, houve um maior
interesse sobre a segurança cardiovascular dos inibidores da COX-2 (COXIB) e
dos AINE tradicionais. Como as meta-análises tradicionais não conseguiram
integrar todos os dados numa única análise, a meta-análise em rede permite uma
análise unificada e coerente de todos os ensaios clínicos aleatorizados de AINE
e COXIB contra placebo ou comparador activo.
Métodos
Seleccionaram-se ensaios clínicos aleatorizados de grande escala, comparando
AINE com outros AINE, paracetamol ou placebo para qualquer indicação clínica.
Incluíram-se na análise apenas braços de ensaio com uma duração de seguimento
superior a 100 anos-doente e pelo menos dez enfartes agudos do miocárdio (EAM)
no grupo de intervenção. Excluiram-se ensaios feitos exclusivamente em doentes
oncológicos. Pesquisaram-se várias bases de dados referenciais, literatura
cinzenta e as listas bibliográficas dos artigos seleccionados. Contactaram-se,
quer os autores dos artigos, quer alguns fabricantes de anti-inflamatórios
(Pfizer, Novartis e Merck, tendo os dois primeiros fornecido dados). A variável
resultado principal foi o EAM (fatal e não fatal) e definiram-se como variáveis
secundárias: acidente vascular cerebral [AVC (hemorrágico ou isquémico, fatal
ou não fatal)], morte cardiovascular, morte de causa desconhecida, mortalidade
global e uma variável composta de EAM não fatal, AVC não fatal ou morte
cardiovascular. Sempre que possível, utilizaram-se resultados de análises por
intenção de tratar. Os efeitos de tratamento foram resumidos em razões de
taxas, considerando-se clinicamente relevante um aumento de risco superior a
30%.
Resultados
Foram incluídos 31 ensaios clínicos na análise, aos quais corresponderam
116.429 doentes e um seguimento de 117.218 anos-doente. A qualidade
metodológica dos ensaios era geralmente alta: apenas dois não tinham uma
ocultação adequada do processo de aleatorização, todos eram duplamente ocultos,
dezasseis tinham uma avaliação independente dos eventos e treze incluíram todos
os doentes aleatorizados na análise.
Não se encontrou prova de aumento de risco de EAM para o naproxeno, diclofenac
e etoricoxib (dados relativos a 29 ensaios). Os restantes fármacos estavam
associados a um risco superior a 1,3: ibuprofeno 1,61 (intervalo de
credibilidade 0,50-5,77), celecoxib 1,35 (0,71-2,72), rofecoxib 2,12 (1,26-
3,56) e lumiracoxib 2,00 (0,71-6.21).
Todos os fármacos pareceram estar associados a um aumento de AVC (dados
provenientes de 26 ensaios): o naproxeno 1,76 (0,91-3,33), ibuprofeno 3,36
(1,00-11,6), diclofenac 2,86 (1,09-8,36), celecoxib 1,12 (0,60-2,06),
etoricoxib 2,67 (0,82-8,72), rofecoxib 1,07 (0,60-1,82) e lumiracoxib 2,8 (1,05
a 7,48).
Com a excepção do naproxeno, existe algum grau de prova de aumento de risco de
mortalidade cardiovascular para todos os restantes fármacos (dados de 26
ensaios): o ibuprofeno 2,39 (0,69-8,64), o diclofenac 3,98 (1,48-12,70), o
celecoxib 2,07 (0,98-4,55), o etoricoxib 4,07 (1,23-15,70), rofecoxib 1,58
(0,88-2,84) e lumiracoxib 1,89 (0,64-7,09).
Todos os fármacos pareceram estar associados a um aumento da mortalidade global
(dados provenientes de 28 ensaios): naproxeno 1,23 (0,71-2,12), ibuprofeno 1,77
(0,73-4,30), diclofenac 2,31 (1,00-4,95), celecoxib 1,50 (0,96-2,54),
etoricoxib 2,29 (0,94-5,71), rofecoxib 1,56 (1,04-2,23) e lumiracoxib 2,8
(1,05-7,48).
Todos os fármacos pareceram estar associados a um aumento de variável composta
de EAM não fatal, AVC não fatal ou morte cardiovascular (dados provenientes de
30 ensaios): naproxeno 1,22 (0,78-1,93) ibuprofeno 2,26 (1,11-4,89), diclofenac
1,60 (0,85-2,99), celecoxib 1,43 (0,94-2,16), etoricoxib 1,53 (0,74-3,17),
rofecoxib 1,44 (1,00-1,99) e lumiracoxib 2,04 (1,13-4,24).
A heterogeneidade entre comparações directas foi baixa, excepto para o EAM (τ2
entre 0,03 e 0,12), assim como a inconsistência entre comparações directas e
indirectas (inconsistência mediana entre 0,02 e 0,29). Dado o número escasso de
ensaios, não é possível excluir heterogeneidade ou inconsistência relevantes
entre ensaios.
Discussão
Nesta meta-análise em rede, o naproxeno parece ser o fármaco associado a menor
dano. Todavia, o perfil de segurança de cada um dos fármacos varia de forma
importante consoante a variável resultado escolhida e os intervalos de
credibilidade para as razões de taxas são imprecisos. Por um lado, só para o
naproxeno é que a existe grande confiança que o aumento de risco de EAM não
excede 30%. Por outro, existe grande confiança que o ibuprofeno, o diclofenac,
o etoricoxib e o lumiracoxib aumentam em mais de 30% o risco de diversos
eventos cardiovasculares. No entanto, existiram poucos eventos para a maioria
das variáveis resultado o que torna imprecisas as estimativas do efeito do
tratamento. Apesar dos números absolutos de eventos serem baixos, as razões de
taxas encontradas neste estudo traduzir-se-ão em números clinicamente
relevantes se aplicadas à maioria das populações de doentes sob terapêutica com
AINE, tipicamente com risco cardiovascular moderado a alto.
Os resultados desta meta-análise vão no mesmo sentido que os estudos
observacionais, que indicavam um aumento de eventos cardiovasculares com AINE.
Uma vez que os estudos observacionais são sensíveis ao efeito do viés de
indicação, os resultados agora apresentados fornecem prova mais robusta desta
toxicidade cardiovascular.
Os autores concluem que a utilização de AINE e a disponibilidade de alguns
enquanto medicamentos não sujeitos a receita médica (diclofenac ou ibuprofeno)
deve ser reanalisada. Em geral, o naproxeno é o mais seguro do ponto de vista
cardiovascular mas este benefício deve ser integrado com a potencial toxicidade
gastrointestinal.
Comentário
Neste artigo é utilizada uma técnica estatística que permite comparações
indirectas entre tratamentos. Por exemplo, o etoricoxib não foi comparado
contra placebo. No entanto, foi comparado com diclofenac, este foi comparado
com celecoxib e rofecoxib que, por sua vez, foram comparados com placebo.
Trata-se de um instrumento poderoso; mas, a sofisticação desta técnica não é
isenta de limitações.
1
Além disso, é apresentado um intervalo de credibilidade que resulta de uma
interpretação Bayesiana dos resultados. Este tipo de intervalos não é
coincidente com os mais familiares intervalos de confiança.
Revisões sistemáticas de estudos observacionais e uma meta-análise de ensaios
clínicos já sugeriam que o aumento de risco cardiovascular era transversal aos
AINE e COXIB.
2,3
Esta meta-análise acrescenta robustez a estes achados. Confirma também que
alguns AINE tradicionais, nomeadamente o diclofenac, têm uma toxicidade
cardíaca comparável a alguns COXIB. No entanto, como os autores admitem, o
perfil de segurança de cada um dos fármacos varia de forma importante consoante
a variável resultado escolhida e os intervalos de credibilidade para as razões
de taxas são imprecisos. Pode-se dizer que este estudo oferece a melhor visão
da segurança cardiovascular destes fármacos, mas a imagem é ainda pouco clara.
Na correspondência relativa a estes artigos, os autores apresentam uma tabela
com o cálculo do número necessário para tratar (NNT) ou fazer dano (NNH)
estratificada em três níveis de risco cardiovascular. Para uma população de
alto risco a magnitude do NNH para cada uma das variáveis estudadas varia entre
cerca de 20 e 200 pessoas; numa população de baixo risco esse valor oscila
entre 200 e 2000 pessoas. À escala de uma lista de 1700 utentes, a magnitude de
efeito para doentes de baixo risco cardiovascular parece ser pequena; todavia,
não pode ser ignorada para doentes de alto risco cardiovascular.
A segurança gastrointestinal é outra preocupação quando se prescrevem estes
fármacos. Existem variações no risco gastrointestinal dos diferentes AINE.
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Fármacos mais seguros do ponto de vista cardiovascular, como o naproxeno,
parecem ter menor segurança gástrica. Nesse aspecto, a análise da mortalidade
global feita neste artigo não é esclarecedora (existe uma tendência não
significativa para o incremento de mortalidade em todos os fármacos). Talvez
esta questão só possa ser esclarecida por um trabalho que analise todos os
eventos adversos graves (cardiovasculares e gastrointestinais) e forneça
estimativas da magnitude de dano que sejam comparáveis.
Como resumo final, diria que há duas mensagens importantes que se podem retirar
deste estudo. Em doentes com elevado risco cardiovascular, dever-se-á evitar,
tanto quanto possível, AINE e COXIB porque o aumento de risco de eventos
cardiovasculares é clinicamente relevante. Quando é imprescindível utilizar um
AINE, o naproxeno parece ser a escolha com menor toxicidade cardiovascular
neste grupo de doentes (embora a precisão e a magnitude da diferença deste AINE
face aos restantes seja de importância clínica duvidosa).
Bruno Heleno
USF Conchas – ACES Lisboa Norte
Faculdade de Ciências Médicas – Universidade Nova de Lisboa