Algumas reflexões sobre consumos de substâncias psicoactivas e comportamentos
aditivos na população
EDITORIAL
Algumas reflexões sobre consumos de substâncias psicoactivas e comportamentos
aditivos na população
Some reflections on psychoactive substances consumption and addictive
behaviours in the populationOs vários problemas de saúde pública e sociais associados ao consumo de tabaco,
do álcool e de substâncias ilícitas exigem uma maior atenção por parte da
comunidade, assim como respostas e políticas apropriadas no sentido da sua
resolução.
Com base num padrão de medida conhecido como Anos de Vida Ajustados por
Incapacidade (DALY), consegue-se avaliar a carga imposta à sociedade por mortes
prematuras e anos vividos com incapacidades. O projecto da Organização Mundial
de Saúde «Comparative quantification of health risks: global and regional
burden of disease due to selected major risk factors», sobre a carga global das
doenças, mostrou que o tabaco e o álcool eram causas importantes de mortalidade
e incapacidade em países desenvolvidos.1
A expressão «consumo de substâncias» é utilizada como qualquer forma de auto-
administração de uma substância psicoactiva. É utilizada em vez de «consumo
nocivo de substâncias» como uma expressão mais geral englobando todos os níveis
de consumo, incluindo o consumo ocasional ou prolongado destas mesmas
substâncias.2
Álcool e tabaco são substâncias lícitas largamente disponíveis na maior parte
do mundo e cujas campanhas de publicidade proporcionam a sua promoção, o que
pode ter um efeito negativo quando dirigido a determinados grupos
populacionais, nomeadamente os jovens.
De acordo com o World Health Report 2002 (WHO, 2002), 8,9% do peso global da
doença, medido através do número de anos de vida potencial perdidos ajustados
para a incapacidade (disability adjusted life years - DALY's), advém do uso de
substâncias.1,3
Nos países desenvolvidos, nomeadamente na região europeia, o consumo de álcool
e de tabaco possui níveis e padrões tradicionalmente mais elevados e
abrangentes que, apesar de estarem a decrescer nos últimos anos, implicam ainda
um maior número de consequências sociais e de saúde do que noutras regiões do
globo.3
Em relação às drogas ilícitas, a Cannabis é a mais consumida em todos os países
da União Europeia, apesar de existirem diferenças de prevalência de consumo.
Os dados do estudo ESPAD (European School Survey Project on Alcohol and other
Drugs)4 são uma importante fonte de informação para o Observatório Europeu da
Droga e da Toxicodependência e acompanham a evolução dos consumos de
substâncias lícitas e ilícitas nos alunos de 16 anos nos diversos países da
Europa. As substâncias lícitas demonstram ter, para além de taxas de
prevalência altas, uma continuidade de uso mais persistente em todas as faixas
etárias. As taxas de continuidade de uso de algumas drogas ilícitas nas faixas
etárias mais jovens são relativamente altas, apesar de corresponderem a
prevalências mais baixas. Para além destes dados de consumo, um aspecto
preocupante, que também nos é revelado pelos inquéritos escolares é a
diminuição da percepção de risco por parte da população juvenil com este tipo
de substâncias.
Estratégias a implementar
Oferecer uma resposta a este problema e promover a mudança de comportamento
individual requer a reorientação das acções dos profissionais. Além disso,
sendo o consumo de substâncias um comportamento social, o sucesso das
intervenções depende em parte de um contexto social existente que lhe seja
favorável, o que implica o desenvolvimento de políticas públicas específicas.
Estudos recentes têm demonstrado que todos os profissionais de saúde dos
Cuidados de Saúde Primários, em geral, se encontram numa posição única para
identificarem ou mesmo intervirem junto de indivíduos que usam substâncias,
mesmo que alguns necessitem de ser encaminhados para tratamento
especializado.5,6,7,8,9
Há que incorporar programas de detecção e intervenção precoce dirigidos a
menores com problemas de consumo de álcool e drogas, assim como um olhar atento
aos filhos dos dependentes destas substâncias.
Há que valorizar a aplicação de novas abordagens e métodos terapêuticos, em
suma, uma actualização com novas soluções face a novos diagnósticos e novos
padrões de consumo.
O desenvolvimento das diferentes medidas referidas tem ser implementado a par
da investigação e formação de profissionais, bem como a recolha e análise de
dados procedentes de diversas fontes que permitam dispor de uma visão o mais
precisa possível em cada momento de actuação. É fundamental implementar
projectos de investigação epidemiológica, clínica e de saúde pública nos
diversos contextos em que existam substâncias psicoactivas implicadas.
Medidas Comunitárias
Influenciar níveis e padrões de consumo de substâncias requer abordagens
direccionadas para além do consumidor individual e que abranjam acções
comunitárias e de saúde pública. Assim, para além das intervenções
direccionadas ao indivíduo em particular e das consequentes acções de
governação clínica e de gestão do sistema de saúde e articulação em rede dos
serviços de saúde, existe na área do uso de substâncias, a necessidade de se
desenvolverem políticas públicas de saúde claras e consistentes.10,11 Estas
requerem a intervenção de diversos sectores do poder público e da sociedade,
nomeadamente na implementação de estratégias relacionadas com:
Disponibilidade das substâncias na sociedade;
Acessibilidade das substâncias por parte da população;
Dissuasão, penalização e regulamentação das condições e dos padrões de uso em
contextos sociais específicos;
A limitação da oferta, com especial ênfase no contexto das substâncias lícitas,
através de medidas de controlo sobre a publicidade e sobre a promoção de
bebidas alcoólicas e tabaco, deve ser incentivada a fim de proteger toda a
população com especial incidência, sobretudo grupos mais vulneráveis como os
jovens.
O aumento do preço do álcool ou do tabaco através da aplicação de taxas, a
regulação da disponibilidade física (como é o caso da limitação das licenças
para venda de álcool em determinada área ou a proibição de venda a menores) ou
a aplicação de penas (como é o caso da condução sob o efeito de álcool) são
exemplos que demonstram ter uma relação directa com a redução dos problemas
associados ao consumo.10,11
As evidências científicas sugerem que a adopção destas estratégias tem efeito
no nível de consumo das substâncias e dos problemas com ela relacionados.
Nesta compilação de artigos acerca de Dependências apresentam-se dois estudos:
um deles da autoria de André Reis12 e colaboradores e outro de Adriana Pinheiro
e colaboradores,13 desenvolvidos em populações escolares, em que se
caracterizam os consumos de álcool e de substâncias ilícitas e em que podemos
encontrar prevalências destes fenómenos maiores que as prevalências de estudos
nacionais neste âmbito. De acordo com o artigo de Luis Rebelo,14 o médico de
família, ao receber na sua consulta um paciente que fume, deve intervir usando
a metodologia da Intervenção Breve (IB). Tendo por base a experiência do autor
com pacientes fumadores, apresenta-se a aplicação prática da norma de
orientação técnica para a cessação tabágica de Fiore e outros, tendo este
artigo grande utilidade neste contexto clínico da Medicina Geral e Familiar
portuguesa.