Corticoesteróides e broncodilatadores na bronquiolite aguda
POEMs
Corticoesteróides e broncodilatadores na bronquiolite aguda
Inês Rosa, Cátia Duarte Costa
Internas de 3.o ano Medicina Geral e Familiar
USF Fernão Ferro mais
Hartling L, Fernandes R, Bialy L, Milne A, Johnson D, Plint A, et al. Steroids
and bronchodilators for acute bronchiolitis in the first two years of life:
systematic review and meta-analysis. BMJ 2011; 342:d1714
Questão clínica
Os broncodilatadores e os corticoesteróides, usados em monoterapia ou em
associação, são eficazes e seguros no tratamento da bronquiolite aguda em
crianças com menos de dois anos?
Resumo do estudo
A bronquiolite aguda é a doença mais comum das vias respiratórias inferiores
durante o primeiro ano de vida e está associada a uma elevada morbilidade em
crianças com idade inferior ou igual a dois anos.
O objectivo desta revisão sistemática e meta-análise foi avaliar e comparar a
eficácia e segurança dos broncodilatadores e corticoesteróides, em monoterapia
ou em associação, na terapêutica da bronquiolite em crianças.
Foi realizada uma pesquisa na MEDLINE, Cochrane CENTRAL, EMBASE, EBM Reviews,
LILACS, PubMed, Scopus e IranMedEx, sem restrições linguísticas ou ano de
publicação. De forma a identificar artigos não publicados ou não concluídos,
foram pesquisadas seis sociedades científicas e seis bases de dados de ensaios
clínicos, bem como as listas de referências dos artigos encontrados e artigos
de revisão relacionados. Foram, também, contactados peritos da área. Incluíram-
se ensaios clínicos randomizados, que envolviam crianças com idade igual ou
inferior a 24 meses, internadas ou em ambulatório, com bronquiolite
(diagnóstico atribuído ao primeiro episódio de sibilância com dificuldade
respiratória e evidência clínica de infecção viral). Em cada um destes estudos
foi comparado um broncodilatador ou corticoesteróide, em monoterapia ou em
terapêutica combinada, com placebo ou outro fármaco (broncodilatador ou
corticosteróide).
Os outcomes primários incluíram a taxa de internamento ao primeiro e sétimo
dias, para doentes em ambulatório, e a duração do internamento quando este foi
necessário. Os objectivos clínicos secundários consistiram em alterações na
avaliação clínica, saturação de oxigénio, frequência respiratória e frequência
cardíaca, efeitos adversos e reinternamentos e readmissões no serviço de
urgência ou num outro serviço de saúde.
Os estudos relativos aos doentes em ambulatório e aos doentes internados foram
avaliados separadamente, excepto os dados relativos aos efeitos adversos dos
fármacos. Para estabelecer a qualidade dos artigos, os resultados foram
avaliados de forma independente por dois revisores, tendo-lhes sido atribuído
um nível de evidência de acordo com o sistema GRADE, um risco relativo e um
número necessário tratar (NNT).
Foram incluídos 48 estudos, com um total de 4897 doentes, tendo-se verificado
uma grande variabilidade farmacológica: corticoesteróides (sistémico ou
nebulizado), adrenalina (nebulizado) e broncodilatadores (a maioria
nebulizado).
Quanto aos resultados obtidos nos doentes em ambulatório, verificou-se, com
nível de evidência moderado, uma redução de 33% na taxa de internamento ao
primeiro dia de doença com o uso de adrenalina face ao placebo [risco relativo
de 0.67 (intervalo de confiança (IC) 95% 0.50 a 0.89)], com um NNT de 15 (4 a
20).
Outro resultado estatisticamente significativo foi verificado na associação da
adrenalina com dexametasona, que reduziu em 35% a taxa de internamento ao
sétimo dia em comparação com placebo [risco relativo de 0.65 (IC 95% 0.44 a
0.95)], com um NNT de 11 (7 a 76). Por se tratar de um estudo preciso e com
pouco viés, o resultado foi considerado pelos autores, no entanto, como se
tratou apenas de um ensaio clínico, o nível de evidência foi considerado baixo.
Em relação aos doentes internados, apenas foi estatisticamente significativa a
comparação entre a adrenalina e o salbutamol, com uma diminuição do
internamento com a primeira [média de -0,28 dias (IC 95% -046 a -0.09)]. No
entanto, apesar do nível de evidência ser moderado, as implicações práticas
deste resultado devem ainda ser reconsideradas, uma vez que noutro estudo a
adrenalina não mostrou benefício em comparação com o placebo.
Relativamente aos efeitos adversos, a incidência foi baixa e não se verificaram
diferenças relevantes entre os grupos farmacológicos, sendo os mais frequentes
a palidez, vómitos, tremor, hipertensão, taquicardia e infecções. Contudo,
apenas alguns estudos forneceram dados sobre este objectivo clínico.
Como pontos positivos desta revisão, destaca-se a metodologia correcta e a
incorporação de novos métodos de análise para simultaneamente comparar as
diferentes intervenções e conseguir uma melhor clarividência acerca dos seus
benefícios.
No entanto, existem algumas limitações. O nível de evidência não foi elevado
devido ao risco aumentado de viés (pela descrição selectiva dos outcomes,
resultados incompletos e ausência de ocultação) e heterogeneidade dos
resultados.
O uso de adrenalina em regime de ambulatório mostrou um benefício na obtenção
de objectivos clínicos primários a curto prazo (redução de um dia nas taxas de
readmissão na urgência), sendo seguro e com baixo custo. Demonstrou-se alguma
evidência relativamente ao uso sinérgico de adrenalina e dexametasona na
obtenção de objectivos primários a longo prazo (redução das taxas de readmissão
na urgência sete dias após o episódio de urgência), mas é necessário prosseguir
a investigação quanto à utilização desta terapêutica combinada nos doentes em
ambulatório. Relativamente aos doentes internados, nenhuma das intervenções
farmacológicas demonstrou claro benefício na duração do internamento.
Comentário
A pertinência deste estudo prende-se com o facto de a bronquiolite ser uma
infecção das vias respiratórias inferiores muito prevalente nas crianças com
idade igual ou inferior a dois anos e também uma causa frequente de
internamento.1
Os estudos anteriormente publicados têm proposto vários tratamentos para a
bronquiolite aguda, contudo, não está demonstrado que estes alterem o decurso
natural da doença.1,2 Actualmente, na maioria dos casos, o seu tratamento em
ambulatório é essencialmente de suporte (oxigenoterapia, hidratação, vigilância
do estado respiratório, temperatura e nutrição).3
Esta revisão sistemática e meta-análise demonstraram um benefício da adrenalina
em monoterapia nos doentes em ambulatório (Nível de Evidência 1a) e alguma
evidência de um efeito sinérgico dos efeitos da adrenalina e salbutamol em
simultâneo (Nível de Evidência 1b).
Baseada nesta revisão e na revisão mais recente da Cochrane,4 a adrenalina em
monoterapia ou em associação com a dexametasona parece emergir como terapêutica
de primeira linha nos doentes tratados em regime de ambulatório, reduzindo
significativamente o número de admissões hospitalares.5 Não foi, contudo,
demonstrada uma vantagem clara dos corticoesteróides ou broncodilatadores nos
doentes internados.4
Nos Cuidados de Saúde Primários (CSP), a terapêutica actualmente recomendada
pela Direcção Geral da Saúde (DGS) inclui apenas o salbutamol (0,15mg/kg/dose,
máximo 1ml/dose, em aerossol com soro fisiológico) e o brometo de ipratrópio
(2ml/dose, em aerossol com soro fisiológico), considerando-se que a adrenalina
deve apenas ser usada em meio hospitalar.3 Apesar de no estudo em análise se
considerar a adrenalina como uma medicação segura, não existem dados
especificamente relativos a doentes tratados em CSP, o que não permite
estabelecer uma nova recomendação quanto ao seu uso nesta população.
Apesar de o estudo ter acrescentado estas considerações às recomendações pré-
existentes, apresenta, para além das limitações referidas anteriormente,
lacunas no que se refere aos outcomes avaliados, quer por não terem sido
estudados, quer por não terem sido considerados no estudo, como por exemplo, a
posologia.
Deste modo, considera-se necessária mais investigação, que avalie a segurança e
eficácia da adrenalina nos CSP e que foque as áreas em que foi demonstrado
algum benefício, embora com um nível de evidência não elevado.4 Espera-se
igualmente que novos estudos incluam outros dados relevantes, que ajudem a
diminuir a morbilidade da bronquiolite aguda, tão prevalente nos primeiros anos
de vida.