Abordagem da vida sexual feminina nos Cuidados de Saúde Primários
INTRODUÇÃO
A maioria das mulheres, segundo estudos efectuados nos Estados Unidos da
América (EUA), afirma ser importante ter uma vida sexual satisfatória.1 No
entanto, muitas têm problemas nesta área, os quais afectam a sua auto-estima,
relacionamento com os parceiros e qualidade de vida.2,3 Segundo Laumann E.O. et
al.4, nos EUA, cerca de 43% mulheres entre os 18 e 59 anos apresentam disfunção
sexual, sendo que apenas 20% destas procuram ajuda junto do seu médico de
família.3,4,5 Este é portanto um problema pouco abordado, o que torna a
disfunção sexual feminina uma patologia subdiagnosticada.3,4,6
Quando questionadas acerca da abordagem de problemas relacionados com a sua
vida sexual na consulta, muitas mulheres referem ter vergonha de falar sobre o
tema e receio de que o médico se sinta desconfortável e menospreze o seu
problema.1,2,7 Um estudo recente refere que apenas 14% das mulheres revela
espontaneamente ter problemas na sua vida sexual e que 58% o faz somente quando
esta questão está incluída em questionários.2,8 Por outro lado, os médicos
também têm relutância em introduzir a problemática da sexualidade na consulta
por questões que se prendem com falta de tempo e também de conhecimentos e
prática acerca do tema e da sua abordagem.3,4,9-10. Em Harsh V. et al.11 é
referido que o tema pode nunca surgir se a responsabilidade de o introduzir na
consulta for dada ao doente.11 Diferenças socioeconómicas, culturais, étnicas e
etárias podem também dificultar a comunicação sobre a sexualidade.10
Ao prestarem cuidados de saúde primários, os médicos de família estão numa
posição favorável para detectarem problemas relacionados com a vida sexual
feminina, implementar estratégias para estabelecer um diagnóstico e iniciar
terapêutica quando adequado.9,12 A consulta de Planeamento Familiar/Saúde da
Mulher poderá ser um espaço privilegiado para a abordagem da sexualidade das
utentes, atendendo a que se cria um ambiente de maior privacidade e onde também
outros aspectos do foro íntimo são focados.
Percebendo as barreiras à comunicação sobre a sexualidade poder-se-ão criar
estratégias que permitam ultrapassá-las e assim promover a detecção precoce e
tratamento da disfunção sexual na mulher, melhorando a qualidade de vida das
utentes.3,7,9 Com este trabalho pretendemos identificar algumas dessas
barreiras e perceber a relevância do tema para as utentes da consulta de
Planeamento Familiar/Saúde da Mulher da Unidade de Saúde Familiar (USF) do
Castelo.
MÉTODOS
Realizou-se um estudo transversal, descritivo, através do auto-preenchimento de
questionários pelas mulheres com 18 ou mais anos frequentadoras das consultas
de Planeamento Familiar/Saúde da Mulher da USF do Castelo, em Sesimbra. A
população de utentes seguidas neste programa de saúde totalizava 1546 doentes.
A amostra foi obtida por método não aleatório, consecutivo durante dois meses,
de 15 de Março a 15 de Maio de 2010. Tendo em conta o número de marcações por
dia nesta consulta, esperávamos obter resposta a cerca de 200 questionários. O
questionário foi desenvolvido especificamente para este estudo, contendo 15
questões do tipo pergunta fechada e com várias opções de resposta (Anexo_I). Um
grupo de questões tinha como objectivo caracterizar as variáveis sócio-
demográficas da amostra (idade, nacionalidade, nível de escolaridade e estado
conjugal). Outro grupo incidia sobre as variáveis específicas do estudo (grau
de satisfação atribuído à vida sexual, percepção da existência de problemas na
vida sexual, importância atribuída à abordagem da vida sexual na consulta com o
médico de família, frequência com que o médico aborda o tema e com que
frequência este é introduzido na consulta pela utente, influência do género do
médico na abordagem do tema, razões apontadas pelas utentes que dificultam a
abordagem do tema na consulta) a partir das restantes questões. O questionário
foi testado durante uma semana, tendo sido reformuladas duas perguntas.
Após solicitada a sua participação no estudo, as utentes preencheram o
questionário de forma autónoma e confidencial na sala de espera da consulta de
Planeamento Familiar/Saúde da Mulher. Foram considerados para o estudo os
questionários correcta e completamente preenchidos por utentes com 18 ou mais
anos.
A base de dados e tratamento estatístico foram efectuados no programa
Microsoft® Office Excel 2007.
RESULTADOS
Dos 170 questionários preenchidos, nove foram excluídos, tendo sido analisados
161. No que se refere à caracterização desta amostra (Quadro_I), podemos
observar que se distribui de forma homogénea pelos intervalos de idades
considerados, sendo a média de idades de 36,6 anos, com uma idade mínima pré-
estabelecida de 18 anos e máxima observada de 66 anos. A caracterização sócio-
demográfica da amostra encontra-se no Quadro_I.
Quando questionadas acerca da sua vida sexual, 50,9% das inquiridas classifica-
a como boa, 35,4% como satisfatória e 2,5% como má. Quanto à abordagem da vida
sexual na consulta, 75,8% das mulheres consideram-na importante, sendo que
19,3% dizem que o fazem frequentemente e 26,7% referem nunca o ter feito. Por
sua vez, 24,2% afirmam que o médico as questiona frequentemente acerca da sua
vida sexual e 48,5% dizem ser questionadas raramente (Figura_1). Referem nunca
ter sido inquiridas acerca do assunto na consulta 27,3% das mulheres.
Em relação ao facto do género do médico influenciar o seu à-vontade para
abordar a sexualidade na consulta, as utentes que participaram no estudo
dividem-se, sendo que 50,3% afirma que não influencia e 49,1% responde que sim.
No que respeita às razões apontadas como barreiras à abordagem deste tema na
consulta destacam-se a vergonha por parte das utentes (42,5%), o receio de que
o médico não considere o tema importante (12,6%) e a falta de tempo na
consulta, seleccionada por 10,3% das inquiridas (Figura_2). De referir que
25,3% responderam que não existem obstáculos à abordagem da sexualidade na
consulta.
DISCUSSÃO
Neste estudo, os problemas na vida sexual das mulheres surgem numa percentagem
inferior à encontrada no estudo de Jan L Shifren,14em que 12% das mulheres
referem desconforto na sua vida sexual. É também bastante inferior à
prevalência de disfunção sexual feminina nos EUA descrita por Laumann et al4
(43%). Salienta-se a percentagem de mulheres que respondeu «não sei» quando
confrontada com esta questão, 12,4%, um valor elevado e não considerado em
outros estudos.
Muitas mulheres, 50,9%, classificam como boa a sua vida sexual, valor não muito
diferente dos 44% encontrados em outro estudo.15
Em estudos publicados7-8 apenas 14% das mulheres abordam espontaneamente os
problemas da sua vida sexual com o médico, valor próximo do encontrado nas
utentes da USF do Castelo analisadas, em que 19,25% revelam falar
frequentemente deste assunto na consulta.
As causas mais frequentemente apontadas pelas utentes como barreiras à
abordagem da vida sexual na consulta são a vergonha por parte destas e o receio
de que o médico não considere o assunto importante. Estas causas são também
frequentemente apontadas em outros estudos.2-3,7,12-13 Marwick C.1 descreve que
68% dos doentes receia que a conversa sobre os seus problemas sexuais
envergonhe o médico e 71% acreditam que o médico não dará importância ao seu
problema. No nosso estudo as percentagens foram mais baixas mas são também
estas as razões mais apontadas pelas utentes. A falta de tempo na consulta é
outra razão apontada sendo também um dos motivos referidos em outros estudos
sobre sexualidade.6,7
Como limitações deste estudo podem-se apontar: utilização de um questionário
não validado e o facto de a amostra ser de conveniência e não representativa.
Seria importante averiguar, em eventuais estudos futuros, o ponto de vista dos
médicos e enfermeiros que actuam nos Cuidados de Saúde Primários, a fim de
apurar outros possíveis entraves à comunicação sobre a sexualidade.
A maioria das mulheres considera importante discutir os problemas da sua vida
sexual nas consultas médicas. Ao analisarmos e discutirmos os resultados
obtidos neste estudo identificámos as principais barreiras apontadas pelas
utentes da USF do Castelo que dificultam a inserção do tema na consulta.
Concluímos então que é necessário que o médico mostre à doente que existe à-
vontade, disponibilidade e necessidade de abordar este assunto nas consultas.