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EuPTCVHe0870-90252010000100003

EuPTCVHe0870-90252010000100003

variedadeEu
ano2010
fonteScielo

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Infecção relacionada com a prestação de cuidados de saúde: infecções da corrente sanguínea (septicemia)

1. Introdução As infecções associadas com a prestação de cuidados de saúde constituem um importante problema de Saúde Pública, ainda que o nível de prioridade que se lhes atribui não se possa considerar muito elevado, pelo menos, na perspectiva do planeamento, programação, implementação e avaliação de programas de prevenção. Esse insuficiente desenvolvimento de programas de prevenção no nosso país pode estar relacionado com diversos factores, destacando-se: europeus e nacionais, a nível local ou por sectores específicos; o insuficiente interesse (ou mesmo relativo desinteresse) dos órgãos de gestão de unidades de saúde, pelo menos devido à insuficiente dotação de recursos humanos e técnicos necessários;  a insuficiente dotação de recursos humanos formados (e treinados) para pôr em prática tais programas nos hospitais (e em outras unidades de saúde), com a correspondente dificuldade na obtenção de informação válida que permita a definição  de  programas  de gestão de risco(s) desenhados  em função de avaliações mais rigorosas desse(s) mesmo risco(s).

Para que sejam delineados programas de intervenção para a redução das Infecções Associadas aos Cuidados de Saúde IACS (também designadas infecções nosocomiais) torna-se, desde logo, necessário conhecer com o máximo de rigor a dimensão do problema e obter informação sobre a frequência dessas infecções, e a respectiva gravidade, bem como os factores de risco associados de forma a estabelecer as respectivas prioridades para a intervenção.

O presente estudo pretende descrever e quantificar a infecção hospitalar em Portugal, mais especificamente as infecções da corrente sanguínea, e a correspondente morbi-mortalidade, através da exploração da informação obtida em estudos nacionais. Esses trabalhos foram desenvolvidos pelo Projecto Controlo de Infecção, criado em 1988, no âmbito das actividades do SIGSS (Sistemas de Informação para a Gestão dos Serviços de Saúde) da Secretaria de Estado da Administração e posteriormente no IGIF (Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde) e que, por despacho do Director-Geral da Saúde, foi transformado em Programa Nacional  de  Controlo  de  Infecção (PNCI)  em  14- 05-1999. O PNCI  foi  transferido  para  o  INSA  (Instituto  Nacional  de Saúde Dr. Ricardo Jorge) em 13-09-2000 por despacho do Secretário de Estado da Saúde. Na presente data está localizado na Direcção de Serviços de Qualidade Clínica da Direcção-Geral da Saúde.

2. Inquéritos de prevalência de infecção O primeiro estudo conhecido de prevalência de infecção nos hospitais em Portugal foi realizado em Novembro de 1988 (Pina, 1990). Foram objectivos desse estudo: (i) obter uma visão de conjunto do problema da infecção nosocomial (IN) nos hospitais do país através do conhecimento da taxa de prevalência da IN; (ii) obter informação relativamente a diferentes factores de risco, uso de antibióticos e de outros influenciadores da aquisição de IN; (iii) determinar as localizações mais frequentes da IN e suas prevalências; (iv) determinar os microrganismos mais comuns envolvidos na IN, identificando os seus padrões de resistência aos antibióticos e, finalmente, (v) estimular a vigilância epidemiológica nos hospitais portugueses fornecendo informação para o planeamento das actividades e dando visibilidade às Comissões de Controlo das Infecções (CCI) Para o estudo de Pina (1990), que abrangeu 71 hospitais (17 479 camas e 10 177 doentes), foi utilizado um protocolo da Organização Mundial da Saúde (Mayon- White et al.,1988). A taxa de prevalência então observada foi de 10% de infecções nosocomiais (mínimo 4,08%; máximo 34,4%) e 20,4% de infecções adquiridas na Comunidade. As IN atingiram uma taxa de prevalência de 11% nos indivíduos com idade superior a 85 anos.

Em Junho de 1993 decorreu o segundo Inquérito Nacional de Prevalência de Infecção (Pina, 1994), com objectivos sobreponíveis ao anterior, e que abrangeu 65 hospitais. Foi utilizado um protocolo mais detalhado do EPINE (Estúdio de Prevalência de las Infecciones Nosocomiales en los Hospitales Españoles, da Sociedade Espanhola de Higiene e Medicina Preventiva)(España. Sociedad Española de Higiene y Medicina Preventiva Hospitalaria, 1993). Foram estudados 9331 doentes sendo encontradas taxas de prevalência de infecção nosocomial de 9,3% e 17,42% de infecções adquiridas na comunidade.

Nas últimas décadas, foram realizados estudos nacionais de prevalência de infecção nosocomial (IN) em muitos países europeus (Figura 1).Contudo, a análise comparativa entre países encerra muitos obstáculos devido à existência de diferenças metodológicas importantes, como são os exemplos da selecção dos hospitais participantes, dos critérios de inclusão, dos métodos de recolha de dados ou das definições das diversas infecções. Essas diferenças também dificultam a extrapolação dos resultados entre países.

Figura 1 Prevalência de infecção nosocomial em países europeus (HELICS, 2001)

De facto, é com base nas dificuldades de obter consensos, que se promoveram, na União Europeia, algumas iniciativas para padronizar as metodologias de estudo.

O projecto europeu HELICS III (Hospitals in Europe Link for Infection Control through Surveillance)estabeleceu um grupo de trabalho com a missão de definir um protocolo de consenso que pudesse ser adoptado como método único em todos os países europeus, de forma a permitir a comparação entre países e instituições.

O protocolo utilizado foi o resultado do trabalho daquele grupo e o estudo teve como objectivo geral avaliar a aplicabilidade, na prática, do protocolo proposto pelo HELICS III para além dos objectivos específicos atrás enumerados (Pina e Silva, 2005).

Participaram no estudo 67 hospitais (incluindo dois hospitais privados), correspondendo a uma lotação global de 18 722 camas com valência de Psiquiatria em 14 hospitais (num total de 585 camas). Cerca de metade dos hospitais referiram ter ensino pós-graduado e 3 hospitais caracterizam-se como hospitais universitários.

No dia em que decorreu o estudo, cerca de 60% dos doentes estudados estavam internados menos de 8 dias, 28,9% estavam internados entre 8 e 30 dias e 9,8% mais de 30 dias.

A prevalência das infecções nosocomiais atingiu valores de cerca de 10% (Figura 2),sendo mais elevada nos indivíduos com idade superior a 70 anos (13,3% de IN).

Figura 2 Prevalência de infecção nos estudos de 1988, 1993 e 2003 (critérios de inclusão diferentes não permitem uma comparação rigorosa)

A comparação com os dois estudos anteriores (1988 e 1993) permitiu verificar a existência de uma diminuição da taxa de infecções urinárias (mais frequente nos primeiros estudos) sendo a IN mais frequente a das vias respiratórias (o que poderá estar relacionado com o predomínio de doentes com idade superior a 60 anos, sendo 27% com idade superior a 80 anos). A distribuição da prevalência por localização da IN é apresentada na Figura 3.

A exposição a procedimentos invasivos, assim como a permanência de dispositivos invasivos, foram identificados como importantes factores de risco de natureza extrínseca. No que se refere às INCS (Infecções Nosocomiais da Corrente Sanguínea septicemia) verificou-se o seu aumento, provavelmente associado ao aumento concomitante de uso de cateter vascular central (Quadro I).Tal facto poderá, eventualmente, estar relacionado com o envelhecimento da população.

Quadro I Presença de CVC e prevalência de infecção nosocomial da corrente sanguínea

Quadro II Proporção e densidade de incidência de INCS por grupos de serviços (dados de 2004)

Como pode ser observado na Figura 4 verifica-se um aumento de prevalência de IN em função do número de factores de risco extrínseco presentes (cirurgia, CVC, alimentação parentérica, algaliação, ventilação mecânica).

Figura 4 Prevalência de infecção em função dos Factores de Risco Extrínseco (FRE)

Foram identificadas prescrições de um total de 6971 antimicrobianos em 5639 doentes (34,4%). Nos dois estudos anteriores, 41% dos doentes tinha uma prescrição com antibióticos mas os dados não são comparáveis que os critérios de inclusão foram diferentes (no estudo de 2003 foram incluídos todos os doentes internados mesmo admitidos menos de 24 horas).

A prescrição de antibióticos foi, naqueles estudos, empírica na maioria das situações sendo dirigida com base no antibiograma em apenas 29,4% das IN. Note- se que cerca de 20% das prescrições de antibióticos foram feitas em doentes sem infecção (excluídas as prescrições para profilaxia cirúrgica).

3. Estudos de incidência de infecção O PNCI desenvolveu um sistema nacional de vigilância epidemiológica com o objectivo de criar uma política comum para o registo de infecção, promovendo a padronização dos protocolos de modo a permitir comparações entre o mesmo tipo de doentes (após estratificação por risco) e obter dados de referência consistentes da incidência de um número importante de infecções associadas aos cuidados de saúde, por categorias dos principais factores de risco.

Foram desenvolvidos os seguintes programas de nível nacional sobre: Infecções Nosocomiais da Corrente Sanguínea (INCS); Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais; Incidentes Infecciosos em doentes submetidos a Diálise.

Também se adoptaram programas de nível europeu (Hospitals in Europe Link for Infection Control through Surveillance): HELICS-UCI (nas unidades de cuidados intensivos); HELICS-CIR (infecções do local cirúrgico).

No contexto do presente estudo, dirigido às infecções da corrente sanguínea (septicémia), em adultos, as infecções nas UCI neonatais e as infecções do local cirúrgico não serão incluídas nesta análise.

3.1. Vigilância epidemiológica das infecções nosocomiais da corrente sanguínea Trata-se de um estudo cuja fase-piloto decorreu entre os anos 1999 e de 2001 e em que se foi verificando a diminuição do número de hospitais aderentes, principalmente por razões referenciadas à insuficiência de recursos humanos: (i) 39 hospitais em 2002 e (ii) 25 hospitais em 2004 (Silva e Pina, 2005). É ainda essa mesma razão que justifica que apenas uma minoria de hospitais inclua toda a população internada, optando os restantes pela selecção de apenas alguns serviços considerados de maior risco.

Uma das principais limitações deste sistema de vigilância epidemiológica consiste no facto de ter como ponto de partida um exame microbiológico positivo não permitindo, por isso, identificar os factores de risco em relação aos doentes que não tiveram infecção.

A análise global da base de dados referentes ao período de 2002-2004 envolve 5385 episódios de INCS numa população internada de 706 392 doentes. A incidência cumulativa global de INCS foi de 0,76 por 100 doentes estudados correspondendo a uma densidade de incidência de 1,2 por 1000 dias de internamento (1,1 em 2002).

A seguir ao Serviço de Hematologia (8,6 : 1000) é nas UCI que se observa a maior densidade de incidência de INCS (5,9 : 1000) seguindo-se as UCI Neonatais (4,5 : 1000).Existe um predomínio nos grupos etários acima dos 60 anos e a demora média dos doentes com INCS foi de 36,41 dias, enquanto que a demora média da população total (incluindo os doentes com INCS) foi de 8,4 dias.

É importante salientar que, em 40,3% dos casos, a INCS foi secundária a outra infecção nomeadamente das vias respiratórias (11,1%), das vias urinárias (7,8%), da pele e tecidos moles (3,3%), do aparelho gastrointestinal (2,7%) e da ferida operatória (2,3%) (Quadro III).

Quadro III Origem provável da INCS

As INCS consideradas primárias estão em cerca de um terço relacionadas com o cateter venoso central. A taxa de INCS relacionada com o CVC foi de 3,08 por mil dias de cateterização vascular central.

Quanto ao número de dias decorridos entre a admissão e a INCS, esta surge até 6 dias após a admissão em 28,8% dos doentes, em 47,9% entre 7 e 15 dias e em 29,1% e nos restantes casos a partir dos 15 dias de internamento.

A taxa bruta de mortalidade foi de 37,3%, sendo a distribuição etária da mortalidade nos doentes com INCS apresentada no Quadro IV.

Quadro IV Mortalidade por grupos etários

No que se refere aos agentes causais mais frequentes verificou-se um predomínio de microrganismos de Gram positivo: Staphylococcus coagulase negativo (22,0%) seguido de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA 12,2%) e Staphylococcus aureus sensível à meticilina (MSSA 10,1%) eentre os microrganismos de Gram negativo observou-se um predomínio significativo deEscherichia coli (11,3%) seguido de Pseudomonas aeruginosa (7,9%). Os bacilos de Gram negativo do género Acinetobacter foram isolados em 2,3%.

3.2. HELICS-UCI mais de uma década que se vem tentando desenvolver, a nível europeu, um protocolo comum a fim de padronizar os métodos de vigilância epidemiológica utilizados em todos os países. Mais recentemente, para ultrapassar dificuldades surgidas devido à complexidade do sistema, foram propostos dois níveis de registo mantendo o método baseado no doente individual e oferecendo um sistema alternativo em que os denominadores referentes à exposição a dispositivos invasivos são colhidos a nível global da unidade, através de uma folha calendário que indica o número de doentes expostos em cada dia sem especificar doentes individuais. Este último sistema permite a obtenção de denominadores e de indicadores comparáveis embora não seja possível uma análise mais detalhada de factores de risco.

No programa HELICS-UCI, define-se infecção da corrente sanguínea como: hemocultura(s) positiva(s) de um agente patogénico reconhecido; ou uma combinação de sintomas clínicos (febre superior a 38°C, arrepios, hipotensão) e duas hemoculturas positivas de um contaminante da pele em 2 amostras separadas obtidas num período inferior a 48 horas. Dessa forma, são incluídas as infecções com comprovação microbiológica, não estando contemplados os casos de sepsis clínica.

No início do projecto foi desenvolvida uma aplicação informática que permitiu a cada UCI a introdução dos seus dados e a obtenção de alguns relatórios que permitisse uma análise de dados apenas a nível local.

Os dados aqui analisados reportam-se aos anos de 2001 e 2002 e abrangem 832 doentes de 14 UCI correspondendo a 11 560 dias de internamento (dados estes disponibilizados para a base de dados europeia (European Union. Directorate General Sanco. IPSE, 2005). Tratam-se, na sua maioria (75%), de UCI polivalentes. Os doentes são predominantemente (69,9%) do foro médico sendo os restantes, entre outros, do foro cirúrgico (10,6% de traumatologia) e apenas 1,8 % de doentes coronários. A média de idades foi de 59,2 anos com um predomínio do sexo feminino.

O índice de risco avaliado pelo SAPSII Simplified Acute Physiology Score(Le Gall, Lemeshow e Saulnier, 1993) foi de 41,3, sendo o correspondente valor médio a nível europeu de 35,9. O tempo médio de permanência na UCI foi de 12,6 dias (média europeia 10,7 dias) e a mortalidade global na UCI foi de 22,2% (média europeia 15,1%).

Apenas 42,4% dos doentes foram admitidos directamente da comunidade (a média europeia foi de 49,1%), sendo a grande maioria de doentes oriundos de outros serviços do mesmo hospital (57%) ou transferidos de outros hospitais (10%). Os doentes tinham estado internados, em média, 5,5 dias antes da admissão na UCI (média europeia 4,5 dias).

Outro aspecto a assinalar é que 59,7 % dos doentes apresentavam uma infecção na admissão na UCI, mais frequentemente das vias respiratórias (61%), seguindo-se as infecções do local cirúrgico. Seis por cento dos doentes apresentavam infecção da corrente sanguínea 80,8% dos doentes tinham tomado antibióticos até 48 horas antes da admissão na UCI (média europeia 44,7%).

A razão de utilização de CVC (i.e o número de dias com CVC em relação ao número total de dias de internamento, que traduz a exposição ao risco devido ao dispositivo invasivo CVC) foi de 0,98 nas UCI portuguesas o que significa que os doentes tiveram um CVC colocado durante 98% dos dias de internamento. A incidência de infecção nosocomial da corrente sanguínea (INCS) associada a CVC nas UCI foi de 2,9 por 1000 dias de presença de CVC (média europeia 3,00/00 (Quadro V).

Quadro V Razão de utilização de CVC e incidência de INCS associada a CVC

A maioria das INCS foi considerada primária (origem desconhecida ou associada a cateterização venosa central CVC), sendo as restantes secundárias a infecção pulmonar e, menos frequentemente, a infecções urinárias e do local cirúrgico.

Enquanto a mediana dos dias de internamento até ao aparecimento de INCS foi de 19 dias, a mediana europeia foi de 13 dias. Houve um predomínio de bactérias de Gram positivo nomeadamente Staphylococcus aureus e Staphylococcus coagulase negativos (24,2% de cada). Nos Gram-negativos houve um predomínio de não- enterobacteriáceas 19,7% (média europeia 11,6%) com 18,2% de Pseudomonas aeruginosa (média europeia 8,7%). No que respeita aos fungos, as UCI portuguesas identificaram 13,6% casos de fungémia (média europeia 7,9%). A análise de resistência foi feita em conjunto para as INCS e as pneumonias nosocomiais. Portugal apresentou a taxa mais elevada de MRSA 73,0% (média europeia 34,7%). A resistência de Pseudomonas à ceftazidima foi de 28,8% (média europeia 21,3%).

3.3. Vigilância epidemiológica de incidentes infecciosos em diálise As infecções em doentes submetidos à hemodiálise representam um aumento de morbilidade requerendo hospitalização e prescrições de antimicrobianos com o consequente risco de aparecimento de microrganismos multi-resistentes.

Tratando-se de uma situação mantida em que os doentes são tratados várias vezes por semana, surgem alguns obstáculos em quantificar as infecções, designadamente na concepção de denominadores para o cálculo de taxas. Uma maneira de ultrapassar o problema é proceder ao registo dos doentes atendidos no centro durante a primeira semana de cada mês e utilizar o somatório desses doentes como o número de doentes atendidos naquele mês, sendo as taxas calculadas por cem doentes/mês. Essa taxa pode ser interpretada como a média de doentes em que se verificou o referido evento em cada mês.

De 1 de Janeiro a 30 de Junho de 2004, cinco centros de hemodiálise da região de Lisboa e Vale do Tejo participaram num estudo utilizando integralmente o protocolo do Centers for Disease Control and Prevention(CDC) (Tokars, Miller e Stein, 2002).

Os doentes foram categorizados conforme o tipo de acesso vascular que utilizavam. Para cada caso que requereu hospitalização (mesmo não estando relacionada com infecção), ou em que foram prescritos antibióticos por via parentérica sem hospitalização, foi preenchida uma ficha de incidente. Nessa ficha foram registadas as datas do início, se o antibiótico prescrito foi a Vancomicina e qual o tipo de acesso vascular. Também foram indicados os sinais clínicos de infecção mais frequente (no local de acesso; infecção de ferida; pneumonia ou infecção urinária) e ainda, se foi ou não efectuada hemocultura e, se realizada, o seu resultado (Pina, Silva e Ponce, 2005).

Foram registados um total de 30 meses. A média de doentes/mês foi de 150 sendo a variação média de doentes de ('1,4 e +1,6). As fístulas foram usadas em 60,8% dos doentes, as próteses em 31,3%, o cateter permanente em 7,7% e o cateter provisório em 0,5%. A percentagem de doentes tratados com cateter foi de 8,3% (com uma variação de mais ou menos 3,6 entre os cinco centros). A distribuição dos doentes/mês por tipo de acesso vascular é apresentado no Quadro VI.

Quadro VI Distribuição dos doentes por tipo de acesso vascular

Foram registados, na totalidade, 348 incidentes sendo 166 hospitalizações e 182 prescrições de antibióticos IV. A média mensal de incidentes foi de 58 (49-63).

A maioria dos incidentes variou substancialmente conforme o tipo de acesso vascular presente. O Quadro VII apresenta a distribuição dos incidentes e outros problemas, por tipo de cateter.

Quadro VII Distribuição dos incidentes e problemas por tipo de cateter

A taxa de hospitalização foi de 3,1 por 100 doentes/mês, sendo de 2,2 % para as fístulas, 4,0 % para as próteses, 9,9% para os cateteres permanentes e 19,0% para os cateteres provisórios.

Registaram-se um total de 92 infecções relacionadas com o acesso vascular. A taxa de infecções da corrente sanguínea relacionadas com o acesso foi de 2,04 por 100 doentes/mês sendo de 0,7% para as fístulas, 1,4% para as próteses, 11,6% para os cateteres permanentes e de 42,8% para os cateteres provisórios.

Foram referidos outros problemas relacionados com o acesso (mas não infecciosos) em 33 doentes.

Dos 182 doentes (4,04%) que iniciaram antibióticos no centro, em cerca de 47,8%, o antibiótico prescrito foi a Vancomicina. Destes, 56 (30,8%) tinham hemocultura efectuada, sendo positiva em 25% dos casos. No Quadro VIII é apresentada a distribuição, por frequência, dos microrganismos isolados nas hemoculturas sendo de referir, apesar do pequeno número de casos, o predomínio significativo de Staphylococcus,porque se trata geralmente de flora cutânea.

Quadro VIII Microrganismos isolados nas hemoculturas

Refira-se ainda que, apesar de ser prática recomendada, o número de hemoculturas efectuadas em doentes com prescrição de antibióticos intravenosos foi de apenas 30,8%.

4. Discussão e conclusões A existência de um protocolo europeu não determinou a sua adopção nos estudos de prevalência mais recentes (Zotti et al., 2004; Eriksen, Iversen e Aavitsland, 2005; Floret et al., 2006) talvez por ser muito detalhado e exigir recursos humanos que estão cada vez menos disponíveis.

Embora não seja possível comparar os resultados com os de outros países devido à diversidade dos protocolos adoptados e, mesmo a nível nacional, o terceiro estudo nem sempre é comparável com anteriores devido a critérios de inclusão diferentes, a análise dos resultados dos três inquéritos de prevalência de infecção identifica as infecções nosocomiais da corrente sanguínea (septicemia) como um importante problema nos hospitais, com tendência para aumentar e associada, pelo menos em parte, a um aumento de exposição a dispositivos invasivos (CVC).

Uma das limitações importantes das bases de dados analisadas é o facto de não ter havido qualquer processo de validação desses dados, talvez por falta de recursos financeiros. Apesar disso, e aceitando essa limitação, é possível extrair algumas conclusões úteis em relação às INCS.

De facto, apesar de não ser possível fazer uma associação directa da infecção com a mortalidade que se tratam, frequentemente, de doentes com co- morbilidades associadas, o estudo de incidência das INCS indicia taxas de mortalidade elevadas o que torna provável a sua contribuição, pelo menos parcial, para a mortalidade nestes doentes.

Uma das limitações dos estudos que se baseiam apenas em doentes com INCS é que não é possível identificar factores de risco específicos, comparativamente aos doentes que não tiveram infecção. Outros estudos, de que é exemplo um estudo belga (Ronveaux et al.,1998), que utilizaram um protocolo semelhante ao português descrevem uma taxa de INCS relacionadas com CVC ligeiramente superior (23,5%) e INCS secundárias semelhante (40,3%), com uma mortalidade associada ligeiramente inferior (31,4%).

No Reino Unido os dados referentes ao período compreendido entre 1997 e 2000 (UK. NINSS, 2002) revelam uma taxa de INCS de 3,5 por 1000 doentes internados, correspondendo a 0,6/1000 dias de internamento, e em que cerca de um terço das infecções foram associadas à presença de CVC.

No que se refere aos doentes das UCI e comparando com as outras UCI europeias integradas no HELICS-UCI, apesar de os doentes internados nas UCI portuguesas serem mais graves (SAPSII mais elevados) do que a média europeia, e estar expostos a maior risco devido à presença de CVC durante a quase totalidade do período de internamento na UCI, as taxas INCS associada a CVC não diferem da média europeia (European Union. Directorate General Sanco. IPSE, 2005) o que revela os bons resultados da adopção de medidas preventivas. Contudo, estudos recentes vieram demonstrar que é possível obter (e manter) taxas de zero de INCS associadas a CVC (Provonost et al.,2006). Tal demonstração é reveladora de um amplo espaço para melhoria e propõe o investimento em medidas preventivas mais eficazes, apesar dos actuais resultados poderem ser considerados aceitáveis.

Outro aspecto a considerar é a existência de diferenças significativas, entre estudos, em relação aos microrganismos isolados e os padrões de resistência.

Essas diferenças poderão ser explicadas, em parte pelos critérios de interpretação dos resultados laboratoriais (nomeadamente das secreções brônquicas) que a análise incidiu no conjunto de microrganismos isolados e não apenas nas INCS (European Union. Directorate General Sanco. IPSE, 2005).

Em 2006, Braun e colaboradores (Braun et al., 2006) demonstraram a dificuldade de comparar e interpretar dados de estudos sobre INCS devido às diferentes metodologias utilizadas, nomeadamente no que se refere às definições, às fontes dos dados (administrativos, clínicos ou ambos) e aos critérios de inclusão/ exclusão. As taxas de INCS associadas a CVC poderão ser mais elevadas nos doentes internados noutros serviços em relação aos internados nas UCI. No sistema de vigilância epidemiológica alemão foram observadas taxas de 4,3 por 1000 dias de exposição (Vonberg et al., 2006). Por outro lado, ao longo dos anos, têm-se verificado alterações significativas nas taxas de frequência e nos microrganismos causais, o que pode estar relacionado com o tratamento de doentes, com situações de saúde cada vez mais graves e com idades mais avançadas (Karchmer, 2000).

Os resultados obtidos nos doentes em diálise identificam de uma forma clara, e tal como se verifica noutros estudos (Tokars, Miller e Stein, 2002), a existência de uma importante taxa de complicações em doentes com cateteres, principalmente os provisórios. Contudo, o número total de doentes com esse tipo de acesso (8,3%) é significativamente inferior em comparação com os dados descritos pelo mesmo autor que refere a presença de cateter provisório em 28,2% dos doentes.

Ainda de acordo com Klevens et al.(2006), as taxas de infecção da corrente sanguínea por 100 doentes/mês são aproximadamente três vezes superiores às expressas por 1000 dias de internamento o que corresponderia a uma taxa de infecção da corrente sanguínea de 0,68/1000 dias de internamento. No entanto, relacionando-se com doentes tratados em ambulatório, este grupo de doentes necessita de abordagens específicas não podendo ser englobados nos estudos efectuados a nível hospitalar.

O «benchmarking»entre unidades de saúde (e até entre países) que tal tipo de abordagens possibilita, mesmo carecendo de abordagens cuidadosas devido à ausência de ajustamento pelo risco e diferenças de critérios, deverá no entanto ser aceite. Um dos pressupostos, tal como acontece nos estudos de âmbito europeu, é a participação voluntária e a garantia de confidencialidade. Não foi por isso efectuada qualquer comparação entre hospitais ou serviços que permitisse identificar variações e também não houve qualquer tentativa de associar os resultados obtidos com as estruturas, práticas ou organização dos serviços/hospitais participantes.

O estudo das variações nos padrões pode ter interesse por diversas razões. Em primeiro lugar, a existência de diferenças significativas pode indicar a insuficiência de conhecimentos actualizados identificando a necessidade de formação para alteração de práticas. Pode ainda constituir uma medida de gestão de risco para identificar situações/instituições carenciadas de intervenções de natureza correctiva. Por outro lado, a análise das situações com melhor desempenho poderá fornecer orientações para alteração das práticas.

Em conclusão, aimportância da morbilidade e da mortalidade das INCS, assim como a demonstração recente de que um número significativo destas infecções é evitável, justifica um maior investimento em estudos de investigação que abordem o problema com maior profundidade e que permitam a identificação de factores de risco específicos e a análise das estruturas e práticas utilizáveis na sua prevenção. dessa forma poderão ser dados passos seguros para intervenções fundamentadas que objectivem a taxa de 0% descrita noutros países e que deveria também ser a nossa meta.


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