Medição da qualidade de vida de insuficientes renais crónicos: criação da
versão portuguesa do KDQOL-SF
1. Introdução
É visível o crescente interesse da avaliação da qualidade de vida na
insuficiência renal crónica terminal, com as práticas dialíticas a provocarem
profundas alterações nas actividades da vida diária dos indivíduos. A doença
renal, para além das taxas de sobrevivência elevadas que possibilita, é
considerada uma doença altamente intrusiva, pelas implicações e restrições que
impõe à vida diária e pela incerteza do seu prognóstico (McGee e Bradley,
1994). A insuficiência renal leva à depressão, sendo as limitações progressivas
de diferentes funções do organismo, a fadiga, a fraqueza muscular, a diminuição
da capacidade de trabalho, as suas limitações financeiras e a redução da função
sexual, entre outros, os principais factores responsáveis por esta depressão.
Estes aspectos emocionais são potenciados pela grande instabilidade familiar,
laboral e social em que o doente se encontra.
Geralmente, o stressdo dia-a-dia é combatido por mecanismos de defesa ou de
compensação, tais como alimentação, o exercício físico, a actividade sexual, e
o consumo de álcool ou de tabaco. A maior parte destes mecanismos não são, no
entanto, utilizados pelo insuficiente renal, atendendo às limitações impostas
pela patologia e pela diálise. Muitos doentes enfrentam estas limitações com
coragem mantendo responsabilidades familiares e profissionais; para outros, o
sentimento de depressão, evidenciando sentimentos de desânimo, desespero,
desesperança, pessimismo e impotência perante a dura realidade da doença e
tratamento pode tornar-se tal, que acabam por questionar-se se valerá a pena
para ele e para a sua família continuar a viver deste modo (Wauters, 1980).
Ao nível da vida social, verifica-se uma alteração da rotina diária, assim como
das responsabilidades familiares e profissionais, devida essencialmente ao
facto do doente necessitar deslocar-se a um centro de diálise três dias por
semana entre três a cinco horas por dia (hemodiálise) ou ter de passar quase
metade dos seus dias a efectuar tratamentos no domicílio (diálise peritoneal).
O tempo gasto nas sessões de diálise, consultas médicas e exames laboratoriais,
associado ao tempo de hospitalização, vem dificultar a inserção laboral destes
doentes. Podem constituir factores de ruptura no equilíbrio do indivíduo
insuficiente renal crónico, a incerteza, a insegurança, a perda de autonomia, o
sentimento de incapacidade e a alteração dos papéis até então desempenhados.
Relativamente à situação laboral, Levy (1996) afirma que dois terços dos
doentes em diálise não voltam ao seu emprego, e que a capacidade dos indivíduos
retomarem o seu emprego é determinada pela situação socioeconómica.
Muitos autores são da opinião de que o reconhecimento da importância da relação
da qualidade de vida com outras variáveis de saúde contribui para uma melhor
prestação de serviços ao utente, devendo assim ser considerada na investigação,
na prática clínica e na tomada de decisão politica (Neves, 2000). O conceito de
qualidade de vida abrange, de facto, uma vasta série de características físicas
e psicológicas e a avaliação dos cuidados em saúde está cada vez mais dirigida
para as medições específicas de qualidade de vida na doença, de acordo com o
ponto de vista dos doentes (Bowling, 1995).
Em Portugal, alguns profissionais sentiam a necessidade de um instrumento de
medição que avaliasse a qualidade de vida relacionada com a saúde em
insuficientes renais crónicos em diálise, através de um instrumento de medida
específico de percepção e que, simultaneamente, efectuasse uma avaliação geral
da saúde. Daí a pertinência em procurar validar para a língua e cultura
portuguesas o KDQOL-SF, Kidney Disease Quality of Life (Hays et al.,1997), um
instrumento que nos pareceu o mais adequado do ponto de vista de construção,
conteúdo e tempo de aplicação.
O objectivo deste artigo é descrever o processo de tradução, adaptação cultural
e validação para a língua portuguesa da versão 1.3 do KDQOL-SF.
2. Medicão da qualidade de vida em insuficientes renais crónicos
Welch (1994) faz referência a seis medidas específicas para a avaliação da
qualidade de vida na insuficiência renal crónica. A primeira é a HSS
(Haemodialysis Stressor Scale)de Baldree, Murphy e Powers (1982), concebida
para medir os agentes stressantes da doença renal crónica e para ser aplicada
na exploração de estratégias psicológicas de adaptação usadas pelos doentes
renais crónicos. Abrange 29 agentes stressantes relacionados com a doença renal
crónica e é constituída por duas sub-escalas: uma fisiológica e outra
psicossocial.
A segunda escala é a denominada IRS (Intrusiveness Ratings Scale)de Devins et
al.(1983), constituída por 11 perguntas e desenvolvida para medir a extensão
segundo a qual a doença renal crónica e o seu tratamento interferem nos vários
contextos de vida do doente, identificados como importantes para percepcionar a
qualidade de vida. Foi concebido, em parte, para explorar a relação entre o
nível de incómodo causado pela doença renal crónica e o seu tratamento e as
emoções experimentadas pelos doentes, tendo também sido aplicada em comparações
sobre o relativo grau de intromissão da hemodiálise e transplante renal
enquanto modalidade de tratamento da doença renal crónica. Os autores desta
escala sugeriram cinco sub-escalas respeitantes ao bem-estar físico e dieta, ao
trabalho e finanças, às relações familiares, conjugais e sexuais, ao
divertimento e outros aspectos da vida, incluindo perguntas de auto-expressão,
auto-melhoramento, expressão religiosa, e actividades cívicas e da comunidade.
A terceira escala é a DSS (Dialysis Stress Scale)de Burton et al. (1988), uma
medida de 40 perguntas concebida para aferir a reacção do doente perante a
doença renal crónica, o stressda diálise e a adaptação a estes. As perguntas da
DSS reflectem os medos e as preocupações geralmente relacionados com a
insuficiência renal crónica e mais especificamente com a dieta associada a
diálise.
A quarta escala é a HQL (Haemodialysis Quality of Life Scale)de Churchill et
al.(1991), uma medida de 61 perguntas sobre a doença e o seu tratamento, os
sintomas, os estados de humor e o funcionamento familiar e social dos doentes
renais crónicos. Fornece cinco sub-escalas, incluindo os sintomas da
hemodiálise, os sintomas dos doentes renais crónicos, os estados de humor e a
componente social e familiar/sexual.
A quinta escala é a QLI-H (Quality of Life Index-Haemodialysis)de Ferrans e
Powers (1992), uma modificação da versão inicial de 64 perguntas sobre a
qualidade de vida QLI-G (Quality of Life Index-Generic),que foi desenvolvida a
partir de uma revisão da literatura e dos relatos dos doentes (Ferrans e Powers
(1985). Para o QLI-H, foram adicionadas três perguntas relacionadas com a
hemodiálise para adaptar a medida às necessidades dos doentes com insuficiência
renal.
A última escala específica para insuficientes renais crónicos em diálise
referida por Welch, muito usada internacionalmente, é o KDQOL-SF (Kidney
Disease Quality of Life Instrument)de Hays et al.(1997). É um instrumento
específico de avaliação da qualidade de vida desenhado para doentes com
insuficiência renal em diálise. Apesar de se encontrar bastante difundido, por
vários países, não existia ainda uma versão validada em Portugal. Foi
construído em 1997 a partir do KDQOL-TM (versão original). Possui 43 perguntas
específicas da doença renal e 36 perguntas do foro genérico, para além de uma
pergunta de identificação geral de saúde, todas elas agregadas em 19 dimensões,
conforme o apresentado no Quadro I.
Quadro I
Representação do número de questões por dimensão do KDQOL-SFTM1.3
Este instrumento possui, assim, itens específicos, distribuídos por 11
dimensões que focam as preocupações particulares dos doentes renais em diálise
(ESRD End Stage Renal Disease): a presença de sintomas/problemas, os efeitos
da doença renal na vida diária, o peso resultante da doença renal, e o impacto
na actividade profissional, na função cognitiva, na qualidade da interacção
social, na função sexual e no sono. Engloba também três dimensões de qualidade
de vida: o apoio social, o encorajamento do pessoal de diálise e a satisfação
do doente com o tratamento.
O KDQOL-SF inclui ainda um questionário genérico de saúde a versão 2 do SF-36
, com 36 perguntas e constituído por 8 dimensões correspondentes à função
física, ao desempenho físico, à dor, à saúde em geral, à função emocional, ao
desempenho emocional, à função social e à vitalidade. A pergunta de
identificação geral de saúde mede o estado de saúde dos indivíduos, numa escala
de 0 a 10, desde o «pior estado de saúde possível» até ao «melhor estado de
saúde possível».
Existem três perguntas com um tipo de resposta dicotómica (sim, não). No
entanto, o formato de resposta mais frequente é a escala de Likert com três,
quatro, cinco, seis ou sete pontos. Duas questões são avaliadas num contínuo de
zero a dez (de «muito mau» a «muito bom», e de «pior possível» a «melhor
possível»).
Demora aproximadamente 16 minutos a ser preenchido. No total, são 80 itens que
podem ser complementados com outros itens adicionais para obter toda a
caracterização do doente.
3. Métodos
A elaboração de instrumentos originais de medição em saúde é um processo muito
complexo e a sua construção implica elevados custos em recursos humanos e
materiais, de tempo e um elevado grau de exigência de cuidados (Ferreira e
Rosete, 1996; Ferreira e Santana, 2003). São várias as medidas existentes,
válidas e disponíveis para avaliar o estado de saúde, com mais de 300
instrumentos, entre genéricos e específicos, já publicados (Eiser et al.,
1992).
No entanto, para que se possa utilizar medidas desenvolvidas noutras culturas,
é necessário ter determinados cuidados metodológicos de adaptação e validação
intercultural. É necessário garantir que as traduções sejam equivalentes e
conduzam a resultados com interpretações equivalentes, como, por exemplo, em
termos de semântica e conteúdo (Ferreira e Rosete, 1996).
Por outro lado, para haver confiança absoluta na validação de um instrumento
numa língua ou cultura diferentes das originais, é necessário a repetição do
processo de validação, com uma rigorosa tradução, retroversão e pré-teste do
instrumento. Há que ter em conta que, para além dos diferentes níveis de
literacia, os significados de saúde e doença não têm um consenso universal.
A validação cultural de instrumentos de medição do estado de saúde pressupõe o
estudo dos instrumentos existentes, das suas características psicométricas, da
sua importância na medição do fenómeno em causa, da obtenção de autorização
para uso do instrumento e da equivalência entre os dois instrumentos, o
original e a tradução (Ferreira e Rosete, 1996).
Como já foi referido, deste instrumento faz parte o questionário SF-36, que
constitui um indicador genérico do estado de saúde. Este questionário encontra-
se já validado para a população portuguesa (Ferreira, 2000a, 2000b; Ferreira e
Santana, 2003), razão pela qual, neste artigo, não iremos tratar as questões de
tradução, adaptação cultural e validação referentes ao SF-36.
A tradução e a adaptação cultural da parte ESRD do KDQOL-SF para a língua
portuguesa, desenvolveu-se, então, em várias etapas como mostra, de forma
resumida, a Figura 1.
Figura 1
Processo de adaptação cultural da parte ESRD do KDQOL-SF
Numa primeira etapa, foi solicitado a dois tradutores portugueses com elevada
fluência na língua inglesa que, de uma forma independente, efectuassem as
traduções de inglês para português do questionário.
Depois, numa segunda etapa, após efectuadas as duas traduções, realizou-se uma
reunião com os tradutores para uma análise de equivalência de significados dos
itens traduzidos do KDQOL-SF (equivalência semântica), comparando ambas as
traduções efectuadas, de que resultou uma versão de consenso. Houve especial
atenção para palavras ou termos com várias traduções possíveis em português ou
vários significados em inglês e situações em que o equivalente semântico
pudesse dificultar a interpretação na língua portuguesa.
Na terceira etapa, foi efectuada uma retroversão da versão de consenso, por um
tradutor com o inglês como língua materna e com elevada fluência na língua
portuguesa. Realizou-se então uma nova reunião em que a retroversão produzida
foi comparada com a versão original, dando origem a uma nova versão intermédia.
Numa última etapa, foram criados dois painéis. Um primeiro com um especialista
em nefrologia, ao qual foram explicitados os objectivos do estudo e a
metodologia usada. A este especialista foi apresentada esta última versão
intermédia e foi-lhe solicitada a elaboração de um relatório clínico de revisão
do processo de tradução. Solicitou-se que prestasse especial atenção aos termos
técnicos e semi-técnicos que pudessem estar incluídos no questionário.
O segundo painel foi constituído por cinco pessoas insuficientes renais
crónicos em hemodiálise numa clínica de hemodiálise em Mirandela, a quem foi
feito um teste de compreensão, com o intuito de verificar se todas as perguntas
eram perceptíveis. Começou-se por apresentar o objectivo da investigação, a
metodologia usada para a obtenção da versão portuguesa e a importância do teste
de compreensão. Foi distribuído o questionário por todos os elementos e foi
solicitado o seu preenchimento, após o que foram discutidos o conceito e o
significado de cada pergunta, a sua compreensão e a facilidade de responder.
Este grupo foi formado por quatro pessoas do sexo masculino e uma do sexo
feminino, com idades compreendidas entre os 41 e os 60 anos. Todos eram
casados, apenas um se encontrava desempregado e todos faziam hemodiálise.
A fiabilidade, um dos principais critérios de avaliação da qualidade e da
adequação de uma medida (Duarte et al.,2003), diz respeito à estabilidade da
informação, ou seja, até que ponto a informação é semelhante, quando as
medições são efectuadas mais do que uma vez, ou por mais do que um avaliador.
Para testar a fiabilidade foi tido em conta o conceito de estabilidade
intertemporal (reprodutibilidade teste-reteste) e o conceito de coerência
interna ou homogeneidade de conteúdo, este último testado através da
determinação do a de Cronbach, usado para estimar o grau de equivalência entre
respostas para conjuntos de perguntas associadas ao mesmo conceito.
Foram feitas duas avaliações às mesmas pessoas, com intervalo de uma semana
para testar a reprodutibilidade teste-reteste. O KDQOL-SF foi aplicado a 26
pessoas insuficientes renais crónicas que efectuavam hemodiálise numa clínica
de reabilitação renal de Vila Real. Na selecção aleatória destes doentes foi
apenas tido em conta terem mais de 18 anos. Foram excluídas situações de
patologia mental, qualquer estado de inconsciência ou desorientação no tempo e
no espaço e qualquer problema que impossibilitasse a comunicação ou o
preenchimento do questionário. Mais uma vez foram explicados os objectivos do
estudo, o processo de tradução, adaptação e validação do questionário e a
necessidade do teste-reteste, assim como a necessidade de duas medições. A
composição da amostra teve em conta as características sociodemográficas e
clínicas deste tipo de doentes.
A validade de um instrumento é definida como a propriedade de medir aquilo que
se pretende medir (Duarte et al.,2003). Relativamente à validade, diferentes
tipos de equivalências são recomendadas, para que um determinado instrumento de
medição possa ser considerado interculturalmente válido.
Hays, Anderson e Revicki (1993) referem quatro tipos de equivalências: a
equivalência de tradução da pergunta, a equivalência da pergunta, a
equivalência da escala e a equivalência métrica da escala.
Por outro lado, segundo o European Research Group on Health Outcomes (ERGHO),
existem cinco tipos de equivalências: a equivalência de conteúdo, a
equivalência de semântica, a equivalência técnica, a equivalência de critério e
a equivalência conceptual (Ferreira e Santana, 2003; Touw-Otten e Meadows,
1993). Normalmente utilizam-se três critérios: a validade de conteúdo, de
construção e validade de critério.
A validade de conteúdo pode ser garantida através dos painéis utilizados, onde
são analisados todos os componentes da escala, garantindo que todos os aspectos
estão a ser medidos e que o conteúdo de cada variável corresponde à designação
que se lhe atribuiu.
A validade de construção baseia-se nas relações lógicas entre as variáveis,
esperando-se que os doentes com baixa percepção em relação à qualidade de vida
sejam, por exemplo, aqueles que apresentem valores mais baixos no SF-36.
Por fim, como não existe um padrão óptimo para verificar a validade de
critério, este tipo de validade foi testado utilizando as correlações
existentes entre as várias dimensões. As dimensões do SF-36 são aqui utilizadas
como variável de critério da percepção do estado de saúde, uma vez que o SF-36
é um instrumento de medida já validado para a população portuguesa.
4. Resultados
Em relação à equivalência semântica e ao relatório clínico de revisão elaborado
pelo especialista em nefrologia não foi sugerida qualquer alteração, pelo que
se passou directamente para o teste de compreensão em que os doentes demoraram,
em média, 27,6 minutos a preencher o questionário. De referir que este tempo
corresponde ao preenchimento do questionário KDQOL-SF ao qual foram associadas
questões de caracterização pessoal, que posteriormente foi aplicado na
população do Nordeste Transmontano.
Como resultado deste teste de compreensão, podemos afirmar que o questionário
foi bem aceite, considerado claro e de fácil compreensão em relação aos
conceitos expostos e às instruções do próprio questionário, uma vez que as
pessoas não referiram qualquer dificuldade na sua interpretação e
preenchimento.
Da análise efectuada sobre o conteúdo do instrumento, surgiram algumas dúvidas
de interpretação das perguntas relacionadas com os eventuais problemas com a
fístula e com o cateter, uma vez que a primeira é para ser respondida apenas
por doentes em hemodiálise e a segunda por doentes em diálise peritoneal. No
entanto, existem muitos doentes que fazem hemodiálise, mas através de um
cateter central, possuindo fístula e cateter.
Verificou-se também alguma dificuldade de compreensão na pergunta que questiona
o incómodo ocorrido pela situação de se ter as mãos ou os pés dormentes. No
entanto, a palavra «dormentes» suscitou dúvidas de compreensão em alguns
doentes, tendo-se optado pela alternativa mais esclarecedora «mãos ou pés
dormentes ou adormecidos».
Outro problema de compreensão verificou-se na pergunta relacionada com o
stresscausado pela doença renal, em que o termo stresslevantou algumas dúvidas
de compreensão, alterando-se a pergunta para «stress,tensão ou preocupação
causadas pela doença renal».
Após ter obtido uma versão equivalente do KDQOL-SF para português, seguiu-se um
conjunto de testes de fiabilidade e de validade. Para o teste-reteste com os 26
doentes, a nossa amostra foi maioritariamente feminina (61,5%), com uma média
etária de 60,7 anos, uma mediana é 64,5 anos, um desvio padrão de 16,3 e com os
valores a variarem entre os 23 e 84 anos. Relativamente ao estado civil, 69,2%
dos utentes eram casados. No que concerne às habilitações literárias 76%
possuíam até ao 1.o ciclo ou 4.a classe, dos quais 38,5% não possuíam sequer o
ensino básico. Cinco respondentes viviam sós e quatro deles auferirem menos que
250 euros por mês. Constatou-se que 80% dos nossos inquiridos se encontravam
reformados ou aposentados. As profissões mais referenciadas foram a agricultura
(23,1%) e a actividade doméstica (23,1%). Por fim, como já foi referido, todos
os utentes faziam hemodiálise, quatro deles há menos de um ano, sete de um a
três anos e os restantes onze de três a doze anos.
Os valores das correlações entre as duas avaliações foram altos e positivos,
variando entre 0,712 para a função cognitiva e 0,979 para o apoio social,
conforme está apresentado no Quadro II.
Quadro II
Correlações para comparação em amostras emparelhadas do ESRD
Os valores encontrados de correlação mostraram uma associação muito forte e
positiva para a maioria das perguntas. Os valores de correlação mais baixos
corresponderam às perguntas referentes à forma como o/a doente se deu bem com
as outras pessoas e à forma como o pessoal da diálise o/a ajudou a lidar com a
sua doença renal, respectivamente, 0,624 e 0,749, embora todos os resultados
tivessem sido estatisticamente significativos. A correlação entre as duas
avaliações foi positiva e muito alta em metade das perguntas. Na outra metade
encontramos uma correlação alta, à excepção das questões sobre o tempo passado
pelo(a) doente a tratar da sua doença renal, se se deu bem com as outras
pessoas e se se sentiu confuso(a), onde ela é moderada, com valores de 0,659;
0,624 e 0,463 respectivamente.
A coerência interna ou homogeneidade de conteúdo foi testada através do a de
Cronbach. No Quadro III encontram-se apresentados os valores obtidos para cada
uma das dimensões.
Quadro III
Resultados do a de Cronbach na população em estudo (n = 231)
No nosso estudo a maioria das dimensões específicas do KDQOL-SF obtiveram
coeficientes a de Cronbach superiores a 0,70, com excepção da actividade
profissional (0,687), do peso da doença renal (0,645) e da qualidade da
interacção social (0,359).
No Quadro IV poderemos observar as relações mais importantes que se obtiveram
na comparação das várias dimensões e no teste da validade de construção.
Verificamos que existe uma associação linear positiva entre todas as dimensões
do ESRD e do SF-36. A grande maioria dos resultados apresenta significância
estatística. No entanto, em termos de significância clínica, ela é moderada a
fraca.
Quadro IV
Correlações entre as dimensões do ESRD e do SF-36
Apenas quatro dimensões de ESRD apresentam algumas relações não significativas
com o SF-36. São elas a qualidade de interacção social (funcionamento e
desempenho físico), a função sexual (dor e saúde geral), o apoio social (dor),
encorajamento do pessoal da diálise (saúde geral, função social e vitalidade) e
a satisfação do doente que não apresenta nenhuma correlação estatisticamente
significativa com o SF-36.
5. Conclusões
Concluímos as diversas etapas necessárias conducentes à tradução, à adaptação
cultural e à validação do instrumento KDQOL-SF para Portugal. Foram modificadas
ou complementadas expressões menos claras para os doentes, de acordo com o
português comum, tendo em conta o nível de literacia.
O estudo das características psicométricas do KDQOL-SF permitiu concluir a
validade e a fiabilidade do instrumento, podendo ser utilizado na investigação
científica para a população portuguesa.