Efeito da formação nas concepções de saúde e de Promoção da Saúde de estudantes
do ensino superior
Introdução
Parece-nos útil iniciar a nota introdutória a este artigo com a definição de
alguns conceitos, que constam das ideias apresentadas.
A Organização Mundial de Saúde 2, definiu Promoção da Saúde como "O processo
que permite às pessoas aumentarem o controlo sobre a sua saúde e melhorá-la".
Esta definição que tem sido largamente adoptada, define Promoção da Saúde como
um processo, implicando também um objectivo, com uma clara base filosófica e
auto-capacitação.
Por sua vez, Tones e Tilford 3, apresentam um conceito de Promoção da Saúde,
através da fórmula:"PrS = EpS X Política de saúde", baseando a sua
conceptualização na opinião, de que um dos papéis da nova Educação para a Saúde
é capacitar as pessoas, torná-las mais conscientes acerca dos determinantes da
saúde, principalmente, dos factores ambientais e sócio-económicos, para que
possam exercer pressão sobre quem define a política de saúde.
Outra definição de Promoção da Saúde é recomendada por Downie, Tannahill e
Tannahill 4, os quais referem que a"Promoção da Saúde compreende esforços para
aumentar a saúde e reduzir o risco de doença, através das esferas de acção
sobrepostas da educação, prevenção e protecção da saúde". Estes autores vêem a
Promoção da Saúde como um conjunto de diferentes combinações de Educação para a
Saúde, prevenção e protecção da saúde, considerando a Educação para a Saúde
dentro do âmbito da Promoção da Saúde, que constitui um processo mais amplo.
Intimamente ligado ao conceito de Promoção da Saúde está o termo "empowerment",
que no dizer de Laverack 5 é "Um processo através do qual as pessoas
desfavorecidas trabalham em conjunto para terem mais controlo dos
acontecimentos que determinam as suas vidas", devendo ter origem no seio do
grupo.
Adoptamos, ainda, o conceito de protecção da saúde de Downie, Tannahill e
Tannahill 4, que referem que este domínio compreende o controlo legal e fiscal,
outras medidas regulamentadoras e políticas de protecção, visando a Promoção da
Saúde. Por outras palavras, trata-se de tornar as escolhas saudáveis, escolhas
fáceis.
O processo de Promoção da Saúde pode ser abordado por diversos profissionais,
tais como enfermeiros, médicos, dentistas, professores e assistentes sociais 4,
embora os enfermeiros tenham um papel chave nesta arena da promoção da saúde
desenvolvida ao nível multidisciplinar 6,7.
Por sua vez, a formação dos profissionais que actuam no campo da Promoção da
Saúde, particularmente, os técnicos de saúde, deverá envolver não apenas os
conhecimentos e as competências, mas também as atitudes relacionadas com
oempowerment (ou "capacitação") dos utentes 8, contribuindo assim para
potenciar a sua capacidade de tomada de decisão.
Neste sentido, para a formação dos enfermeiros e de outros profissionais
envolvidos na educação para a saúde, é importante que os formadores passem de
uma abordagem tradicional centrada na transmissão de conhecimentos e na
prevenção de doenças, para uma abordagem deempowermentdas pessoas 9. Assim,
para uma adequada formação, os docentes necessitam de conhecer as concepções
dos seus formandos, as quais dependem dos conhecimentos (K), dos valores (V) e
das práticas (P) 1.
Foi neste sentido que pretendemos conhecer as concepções dos alunos de diversos
cursos superiores, quer antes da sua formação (1º ano) quer no final (4º ano)
com vista a verificar os efeitos da formação em diversos cursos, todos eles
implicados na Educação para a Saúde, mas em perspectivas diferentes: por um
lado, os cursos de técnicos de saúde (médicos e enfermeiros), por outro, os
educadores (educadores de infância e professores do 1º ciclo do ensino básico)
e por fim, os assistentes sociais (serviço social).
Métodos e procedimentos
O presente trabalho resulta de uma parte de uma tese de doutoramento na qual se
pretendia comparar as concepções em Promoção da Saúde/Educação para a Saúde e
outros conceitos relacionados 10. Trata-se de um estudo descritivo, comparativo
e transversal 11,12, que pretende conhecer as concepções dos alunos do 1º e do
4º ano do Curso de Licenciatura em Enfermagem de Vila Real (E-VR), Escola
Superior de Enfermagem de Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro (ESEVR-UTAD) e compará-las com as de alunos de outros cursos do ensino
superior, para se conhecer o efeito da formação na evolução dos conceitos. A
população é constituída por 1132 alunos de sete cursos do ensino superior: E-
VR, ESEVR-UTAD; Licenciatura em Enfermagem de Braga (E-BR), Escola Superior de
Enfermagem Calouste Gulbenkian, Universidade do Minho (ESECG-UM); Licenciatura
em Enfermagem do Porto (E-PO), Escola Superior de Enfermagem de S. João
(ESESJ); Licenciatura em Medicina (MED), Instituto de Ciências Biomédicas Abel
Salazar, Universidade do Porto (ICBAS-UP); Licenciatura em 1º Ciclo do Ensino
Básico (PEB), Instituto de Estudos da Criança, Universidade do Minho (IEC-UM);
Licenciatura em Educação de Infância (EI), IEC-UM e Licenciatura em Serviço
Social (SSO), Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Católica Portuguesa
de Braga (FCSUCP).
A amostra é composta por todos os alunos presentes no momento de recolha de
dados e que voluntariamente preencheram os questionários, num total de 709
alunos, cerca de 62,6 % do universo.
Os dados foram recolhidos através de um questionário de auto-preenchimento,
anónimo e confidencial, construído pelos investigadores para esse efeito, o
qual foi aplicado aos alunos do 1º e do 4º ano de cada um dos cursos
participantes no estudo.
Na aplicação deste instrumento verificaram-se três situações distintas: nos
cursos de Enfermagem, os investigadores levaram, aplicaram e recolheram os
questionários na data agendada para o efeito; no curso de MED, os
investigadores levaram e recolheram os questionários, que foram aplicados pelos
docentes, no caso da turma do 1º ano e, pelos investigadores, no caso da turma
do 4º ano; e nos cursos de EI, PEB e SSO, os questionários foram aplicados
pelos docentes dos próprios cursos e devolvidos aos investigadores.
Para o tratamento dos dados recorremos à estatística descritiva e procedemos à
realização de testes estatísticos de χ 2 e teste de Friedman. Consideramos
existirem diferenças estatisticamente significativas, no caso de p < 0,05
13,14.
Calculamos a valorização atribuída a cada conceito, através da fórmula
apresentada por Vallejo 15 que se baseia nosrankings atribuídos a cada uma das
quatro frases de cada conceito:
V = 100 - (Σ R - N/NK - N) x 100.
Em que:
Σ R Soma doranking de cada frase (Nº de vezes x posição);
N Número de sujeitos de cada grupo/curso;
K Número de frases que se ordenam;
V - Valorização arredondada às décimas.
Esta valorização é independente do número de respondentes e do número de
elementos (frases) que se ordenam. Salienta-se que esta fórmula tem em conta as
frequências obtidas pelas quatro frases. A escala de 0 a 100 é facilmente
interpretável e permite a representação gráfica.
Resultados
Apresentamos uma breve caracterização dos respondentes quanto às principais
variáveis em estudo na tabela 1.
Tabela 1
Caracterização dos respondentes (%)
O sexo feminino é largamente maioritário na amostra total (86,0 %) bem como em
todos os cursos, sendo que o de EI é exclusivamente frequentado por alunas (100
%) e o curso de MED é aquele onde a predominância do sexo feminino é menos
acentuada (76,4 %).
A classe etária predominante é a dos 20-22 anos (46,6 %), indicador de uma
ligeira supremacia do número de alunos do 4º ano. A média de idades é de 20,3
anos, a moda é os 18,0 anos e o desvio padrão é de 2,29, sendo que os cursos de
Enfermagem são frequentados por alunos mais jovens e o curso de PEB e MED por
alunos mais velhos.
A maioria dos alunos é proveniente da aldeia (40,5 %) e considera ter uma
prática religiosa "Mediana" (28,8 %). Os alunos do curso de MED constituem uma
excepção relativamente a estas variáveis, uma vez que a maioria viveu na cidade
e considera-se "Não praticante". Associamos a proveniência dos respondentes com
a prática religiosa, uma vez que esta prática é influenciada pelo meio onde se
vive e ambas as variáveis influenciam as concepções das pessoas e a forma como
vêem o mundo.
Representação do conceito de Saúde
Para estudar a conceptualização de Promoção da Saúde / Educação para a Saúde é
fundamental previamente reflectir sobre o conceito de Saúde, uma vez que este é
parte integrante daqueles conceitos.
As palavras-chave utilizadas pelos alunos da amostra para representar o termo
"Saúde" foram "Bem-estar" (77,4 %), "Hospital" (49,8 %), "Doença" (45,6 %),
"Médico" (41,2 %) e "Enfermeiro" (30,3 %). Os cursos da área da saúde foram os
que mais contribuíram para a grande percentagem da palavra "Bem-estar",
sobretudo os três cursos de Enfermagem, dos quais se destaca o de E-BR (93,9
%); o curso que menos contribuiu foi o de SSO (41,6 %). No entanto, a palavra-
chave "Bem-estar" foi indicada por um maior número de alunos em todos os
cursos, excepto no curso de SSO que foi a quarta mais assinalada (tabela 2).
Tabela 2
Palavras-chave utilizadas pelos alunos inquiridos para representar o termo
Saúde (%)
Evolução do conceito de Saúde
Com vista a se analisar a evolução dos conceitos de "Saúde" ao longo de cada
curso, representam-se de seguida as diferenças, entre os alunos do 1º e do 4º
ano dos diversos cursos.
Os cursos de técnicos de saúde - E-BR e MED - são os que mais se destacam em
termos de descida das frequências das palavras-chave ligadas à visão
reducionista de "Saúde" ("Doença", "Hospital", "Enfermeiro" e "Médico"). Por
outro lado, o curso de PEB é aquele onde se constatam mais aumentos da
frequência das palavras-chave ligadas ao conceito abrangente de Saúde,
associado ao estilo de vida ("Bem-estar", "Alimentação", "Higiene", "Exercício
físico"), seguido também pelo curso de MED. Os alunos do 4º ano deste curso
introduzem uma nova palavra-chave "Educação" e os do curso de PEB "Alimentação"
e "Medicamento".
Importância atribuída aos conceitos
A importância atribuída aos diferentes conceitos foi avaliada de forma
indirecta através de frases que tinham determinado conceito implícito e que os
respondentes teriam de ordenar por ordem de importância. Aplicando a fórmula de
Vallejo 15 (ver "Métodos e procedimentos") podemos elaborar os gráficos das
figuras 1 a 4.
Figura 1
Valorização das frases do conceito de Saúde Positivo/Negativo por curso
Figura 2
Valorização do tipo de conceito de Saúde Escolar por curso
Figura 3
Valorização do tipo de conceito de Promoção da Saúde por curso
Figura 4
Valorização do tipo de conceito de Educação para a Saúde por curso
i) Conceito de saúde Positivo/Negativo - Associando a proporção de alunos que
considerou mais importantes as duas frases positivas, a grande maioria da
amostra (86 %), valoriza mais a perspectiva positiva de saúde. A frase de
carizpositivo que obteve a maior valorização (V), em todos os cursos, foi
"Desfrutar bem-estar físico, mental e social" (F.Pos.1; fig. 1). Foi no curso
de MED que se obteve maior valorização nesta frase, seguindo-se o curso de E-
BR. Por sua vez, a valorização mais baixa encontrou-se nos cursos de EI e SSO.
A frasenegativa "Não ter nenhuma doença" (F.Neg.1) foi muito valorizada nos
cursos, que não pertencem ao sector da saúde: PEB, EI e SSO (fig. 1).
Aplicou-se o teste de Friedman às frequências atribuídas às quatro frases pelo
total de alunos e pelos alunos do 1º e do 4º ano de cada um dos sete cursos em
estudo. Este teste gera classificações (rankings) e quanto maior é a
importância atribuída à frase, menor é a classificação. O teste mostrou a
existência de diferenças altamente significativas (p = 0,000) entre as 4
frases, em cada um dos cursos, sendo a F.Pos.1 ("Desfrutar bem-estar físico,
mental e social") a que tem menor classificação, ou seja, é a frase considerada
mais importante em todos os cursos (fig. 1). No que diz respeito ao ano do
curso, tanto o 1º ano como o 4º ano consideram a F.Pos.1, a mais importante, no
entanto, a classificação é bastante superior no 4º ano do curso de MED do que
no 1º ano (+0,07) e é ligeiramente superior no 4º ano (+0,01), nos cursos de E-
VR e E-PO do que nos 1os anos dos respectivos cursos.
ii) Conceito de Saúde Escolar - A associação da proporção de alunos, que
escolheram as frases abrangentes, indica-nos que a esmagadora maioria da
amostra (91 %), valoriza mais a perspectiva abrangente da Saúde Escolar. A
frase mais valorizada por quase todos os cursos foi a fraseabrangente "Conjunto
de actividades sistemáticas para melhorar o nível de saúde das crianças em
idade escolar" (F.Abr.1; fig. 2), sendo o curso de E-PO aquele que mais a
valoriza. A única excepção é o curso de E-BR, que valoriza mais a frase
tambémabrangente "O alvo das actividades devem ser as crianças, o grupo e o
ambiente" (F.Abr.2).
O curso SSO é o que mais aposta nas frasesreducionistas F.Red.1 e F.Red.2.
Observando a figura 2, verifica-se, no conjunto de todos os cursos, a
existência de uma clara de diferenciação entre a valorização atribuída às
frasesabrangentes e às frasesreducionistas, que é sempre menor.
Constatou-se existirem diferenças altamente significativas (Friedman: p =
0,000), na importância atribuída às quatro frases, a nível de quase todos os
cursos e anos, sendo a F.Abr.1 ("Conjunto de actividades sistemáticas para
melhorar o nível de saúde das crianças em idade escolar") considerada a mais
importante, pelos estudantes de quase todos os cursos e do 1º e do 4º ano, do
que as outras frases. As excepções encontram-se em dois cursos: o curso de E-BR
(como acima referido) que, tanto o total de alunos como os alunos do 1º ano e
do 4º ano, consideram mais importante a frase tambémabrangente F.Abr.2, sempre
com diferenças significativas; o curso de E-VR em que, embora o total de alunos
e o grupo de alunos do 4º ano considera mais importante a frase F.Abr.1, o 1º
ano atribui maior importância à F.Abr.2, com uma diferença significativa.
iii) Conceito de Promoção da Saúde - No caso deste conceito, a maioria da
amostra (65 %), valoriza mais a perspectiva abrangente de promoção da saúde,
embora a proporção seja menos elevada do que nos restantes conceitos. Na
representação gráfica da valorização 15 das frases relativas a este conceito
(fig. 3), pode observar-se a forte contribuição do curso de E-PO e E-VR para a
predominância da fraseabrangente "Processo que visa criar condições para que as
pessoas controlem a sua saúde" (F.Abr.1), que é a frase mais valorizada por
todos os cursos, excepto o curso de E-BR, que valoriza mais a frase
tambémabrangente "Visa desenvolver as capacidades das pessoas e estimular a
participação" (F.Abr.2). Os cursos que mais contribuem para a valorização das
frasesreducionistas (F.Red.1 e F.Red.2; fig. 3), são o curso de EI e SSO.
Nos cursos de E-VR, E-PO e MED existem diferenças estatísticas altamente
significativas (Friedman: p = 0,000), na importância atribuída às frases deste
conceito, sendo a fraseabrangenteF.Abr.1 ("Processo que visa criar condições
para que as pessoas controlem a sua saúde") aquela a que é atribuída maior
importância, tanto pelo total de alunos, como pelos alunos do 1º e do 4º ano.
Oranking obtido através do teste dos alunos do 4º ano é inferior ao dos alunos
do 1º ano, o que significa que o 4º ano dá maior preferência aquela frase do
que o 1º ano nestes cursos. No curso de E-BR sucede o mesmo com a frase
tambémabrangente F.Abr.2 ("Visa desenvolver as capacidades das pessoas e
estimular a participação").
No curso de PEB, tanto os alunos do 1º como do 4º ano atribuem mais importância
à F.Abr.1, mas no 4º ano não se verificam diferenças significativas e no curso
de EI, apesar de existirem diferenças estatísticas, o 4º ano atribui a mesma
importância à fraseabrangente F.Abr.1 e à frase reducionista F.Red.1. No curso
de SSO existe outra matiz, que importa salientar: o total de alunos e o 1º ano
atribuem maior importância à frase de carizabrangenteF.Abr.1 com diferenças
altamente significativas (Friedman: p = 0,000), mas a turma do 4º ano, atribui
maior importância à frase de carizreducionistaF.Red.1, também com diferença
significativa (Friedman: p = 0,029).
iv) Conceito de Educação para a Saúde - Em relação à Educação para a Saúde, a
grande maioria da amostra (82 %), valoriza mais a perspectiva activa do
conceito. Todos os cursos valorizam mais a fraseactiva "Processo interactivo
feito com as pessoas para lhes facilitar a adopção de comportamentos saudáveis"
(F.Act.1; fig. 4), tendo sido os cursos de enfermagem E-BR e E-PO os que mais
contribuíram para tal. O curso PEB, seguido pelo de SSO foram os que obtiveram
menor valorização para esta fraseactiva. Por sua vez, os cursos que mais
valorizam as frasespassivas (F.Pas.1 e F.Pas.2) foram os cursos que não são da
área da saúde: PEB, EI e SSO (fig. 4).
Constatam-se diferenças altamente significativas (Friedman: p = 0,000), no que
concerne à importância atribuída às frases, nos diversos cursos, quer no 1º
ano, quer no 4º ano, de cada um deles, sendo a fraseactivaF.Act.1 ("Processo
interactivo feito com as pessoas para lhes facilitar a adopção de
comportamentos saudáveis"), aquela a que é atribuída mais importância. Em todos
os cursos, a proporção de alunos do 4º ano que considera esta
fraseactivaF.Act.1, como a mais importante é sempre superior à do 1º ano. Há
uma inversão no que diz respeito às frases de tendênciapassiva F.Pas.1 e
F.Pas.2.
A classificação gerada pelo teste de Friedman é sempre inferior (maior
importância) no 4º ano, em comparação com o 1º ano, à excepção do curso de E-VR
em que não se encontraram diferenças significativas.
Diferenciação entre Promoção da Saúde (PrS) e Educação para a Saúde (EpS)
Confrontamos os alunos com a questão: "Os termos PrS e EpS são diferentes?".
Uma ligeira maioria dos alunos da amostra (58,8 %) de quase todos os cursos,
assinalou que "Sim". Os cursos de E-BR e E-PO foram os que mais assinalam esta
resposta, existindo diferenças altamente significativas entre os cursos (χ 2: p
= 0,000). As excepções são os alunos do curso de EI e de SSO nos quais apenas,
respectivamente, 46,7 % e 39,6 % dos alunos responderam que "Sim", bem como o
1º ano dos cursos de E-VR e EI. A proporção de alunos do 4º ano, que indicou
que "Sim", é superior à proporção de alunos do 1º ano, excepto nos cursos de E-
BR e PEB, verificando-se uma diferença significativa no curso de E-VR (χ 2: p =
0,034), sendo o "Sim" mais frequente nos estudantes do 4º ano.
No entanto quando se pediu aos alunos que haviam assinalado que os dois termos
eram diferentes para referirem sucintamente em que consistia essa diferença,
apenas, uma minoria (12,8 %) da amostra, indicou diferenças consistentes.
Discussão dos resultados
No presente estudo pretendeu-se analisar e comparar o sistema de valores em
Promoção e Educação para a Saúde veiculados em cursos na área da saúde, ensino
pré-escolar, ensino básico e serviço social, a fim de compreender a relação
entre as concepções a ensinar e as concepções ensinadas.
No que diz respeito à representação do conceito de Saúde, verificou-se que
apesar da grande frequência da palavra-chave "Bem-estar", a utilização das
outras palavras-chave mais frequentes, pelos alunos da amostra, para
representar o termo Saúde ("Hospital", "Doença", "Médico" e "Enfermeiro")
significa, no seu todo, que a representação do conceito de saúde destes alunos,
é dominada pelo paradigma Biomédico, no qual os profissionais de saúde e as
unidades prestadoras de cuidados de saúde assumem um papel de destaque e a
negatividade da palavra-chave "doença" continua a marcar presença. A influência
daquele paradigma traduz-se na visão reducionista dos determinantes de saúde,
técnico-centrica, uma vez que estes alunos vêem a saúde, quase exclusivamente,
como um feudo dos Cuidados de Saúde, esquecendo ou desconhecendo os outros
determinantes de saúde como a Biologia, os Estilos de vida e o Ambiente 16. Em
suma, esta representação, bem ancorada no redutor modelo biomédico de saúde,
parece ter um carácter fortemente social e cultural.
Num estudo equivalente realizado por Fernandes e Lopes 17, com 98 alunos do
Curso de Estudos Superiores Especializados em Enfermagem (Pós-Licenciatura de
especialização), dirigido a enfermeiros já com experiência profissional, as
seis palavras mais frequentemente mencionadas para representar o conceito de
"Saúde" foram: "Bem-estar", "Alegria", "Equilíbrio" "Felicidade" "Vida" e
"Doença". Só nas posições seguintes é que aparecem as palavras "Enfermeira" e
"Hospital". Também naquele estudo a palavra "Bem-estar" foi a mais indicada,
mas no seu conjunto, todas as seis palavras mencionadas têm um cariz positivo,
excepto "Doença" que é a única palavra de cariz negativo. Estes dados sugerem
que os enfermeiros em exercício, relativamente aos ainda estudantes, tendem a
desenvolver um conceito de saúde mais positivo, mais próximo da actual
definição de saúde da OMS.
Os cursos nos quais é mais visível a evolução do conceito de Saúde, do 1º para
o 4º ano, de uma perspectiva reducionista de saúde (associada às unidades e
técnicos de saúde) para uma perspectiva mais abrangente (associada à promoção
de estilos de vida saudáveis) são os cursos de E-BR, MED e de PEB. Estes cursos
parecem, pois, sensibilizar os estudantes para a importância da Educação e da
Alimentação como factores importantes na melhoria do nível de saúde das
pessoas. Neste conceito, não é visível uma diferenciação entre a formação
administrada nos cursos de saúde e nos outros cursos, que não pertencem a este
sector.
No dizer de Astolfi [et al.] 18, as concepções que um sujeito já tem
incorporado aquando do ensinamento de uma dada noção, podem resistir a esse
esforço e perdurar através de toda a escolaridade, constituindo portanto
obstáculos às aprendizagens 18-20. Esta poderá ser uma explicação para o facto
de nos alunos do 4º ano, dos cursos de E-VR, E-PO, EI e SSO, após a formação
vivenciada, não se terem identificado alterações significativas na
representação do conceito de Saúde.
Analisámos ainda a importância atribuída aos conceitos, que passamos a discutir
sucessivamente.
Conceito de saúde Positivo/Negativo - O facto dos estudantes do 4º ano do curso
de MED terem obtido uma classificação bastante superior e os dos cursos de E-VR
e E-PO ligeiramente superior, no teste de Friedman, aos dos estudantes dos
mesmos cursos do 1º ano, quer dizer que os alunos do 1º ano dos cursos de saúde
(MED, E-VR e E-PO) consideram mais importante a F.Pos.1 ("Desfrutar bem-estar
físico, mental e social"), do que os alunos do 4º ano. Parece, pois, que a
formação nestes cursos contribui para a visão biomédica da saúde, descorando a
visão positiva da saúde. Assim, a formação ocorrida nos cursos de saúde parece
não alterar a visão social de saúde, como ausência de doença, enquanto a
formação nos cursos do sector da Educação e Social parece consegui-lo,
existindo uma diferenciação entre estes dois tipos de cursos.
Conceito de Saúde Escolar A formação parece desenvolver nos alunos da maioria
dos cursos (E-VR, E-PO, MED, PEB e SSO) um conceitoabrangente de Saúde Escolar,
uma vez que através do ranking do teste de Friedman é possível verificar, que
os alunos do 4º ano atribuem mais importância à F. Abr.1 ("Conjunto de
actividades sistemáticas para melhorar o nível de saúde das crianças em idade
escolar") do que os alunos do 1º ano. Nos cursos de E-BR e EI parece haver uma
inversão dado que são os alunos do 1º ano a atribuírem mais importância,
respectivamente, à F.Abr.1 e à F.Abr.2, não se notando uma diferenciação entre
os cursos do sector da saúde e dos outros sectores.
Conceito de Promoção da Saúde Em todos os cursos da área da saúde (MED, E-VR,
E-BR e E-PO) a formação terá contribuído para o desenvolvimento de uma visão
mais abrangente, mais holística da Saúde, a qual se enquadra no conceito de
Promoção da Saúde, parecendo tornar conscientes os seus estudantes acerca da
importância do auto-controlo e da capacitação das pessoas, na melhoria da sua
própria saúde.
Por outro lado, a formação nos cursos de PEB, EI e SSO parece favorecer a
tendência reducionista, contrária ao conceito de Promoção da Saúde. Existe,
pois, uma clara diferenciação entre os cursos de saúde e os que não pertencem a
este sector, no caso deste conceito.
Uma explicação possível para este facto, pode residir na visão social, em que
os técnicos de saúde, são vistos como os únicos responsáveis pela saúde das
pessoas, desconhecendo ou ignorando, o papel das próprias pessoas e das medidas
de protecção na promoção da saúde, que a formação destes cursos não conseguiu
alterar.
Conceito de Educação para a Saúde Os resultados mostram que o efeito da
formação, em todos os cursos (à excepção do de E-VR), parece potenciar
claramente a perspectivaactiva da Educação para a Saúde. A constatação de que a
formação no curso de E-VR parece não contribuir para a construção de uma
perspectiva activa de Educação para a Saúde nos seus estudantes, pode ficar a
dever-se ao seu fracasso, em conseguir suplantar a tendência de não incluir os
destinatários das actividades de Educação para a Saúde, como parte activa em
todas as fases de execução desta actividade, considerando-os apenas como
simples receptores de conhecimentos.
Também a diferenciação entre Promoção da Saúde e Educação para a Saúde foi um
aspecto tido em conta neste estudo, tendo-se verificado haver dificuldade dos
alunos do presente estudo em estabelecerem a diferenciação entre o conceito de
PrS e de EpS. Resultados idênticos foram também encontrados num estudo
realizado no Reino Unido por Clark e Maben 21 com uma amostra de estudantes e
docentes de Enfermagem, no qual as autoras referem que mais de 80 % dos
estudantes inquiridos concordavam que os termos PrS e EpS eram diferentes, mas
quando passavam para a articulação das diferenças entre os conceitos, as
respostas eram caracterizadas pela confusão. Esta confusão manifestada pelos
estudantes pode reflectir também o fraco domínio dos docentes destes conceitos.
Conclusões e recomendações
Depois de analisarmos os principais resultados relacionados com as
representações dos alunos dos sete cursos (E-VR, E-BR, E-PO, MED, PEB, EI e
SSO) sobre Saúde e a importância atribuída a conceitos relacionados com a
Promoção/Educação para a Saúde, bem como a evolução destes conceitos em função
da formação em cada um dos cursos, passamos a elencar as principais conclusões:
Os alunos da amostra, mas sobretudo os alunos do curso de E-VR, têm uma
representação de Saúde de carácter social e cultural, ancorada no modelo
Biomédico, tendo uma visão reducionista dos determinantes de saúde de cariz
técnico-centrica. Vêm a saúde como a "Ausência total de doença", numa
perspectiva considerada negativa e estática. É, pois, necessário proporcionar
espaços de reflexão, durante o processo de ensino-aprendizagem, acerca do
conceito de saúde com vista à aquisição de uma visão mais abrangente e dinâmica
da saúde;
Particularmente nos cursos de E-VR, E-PO, EI e SSO onde ocorreram pequenas
alterações na representação do conceito de Saúde do 1º para o 4º ano, deverão
ser introduzidos conteúdos acerca da evolução deste conceito e dos seus
determinantes, caso ainda não façam parte dos curricula, utilizando-se
estratégias adequadas para provocar a mudança conceptual no aluno;
Nos cursos de saúde, E-VR, E-PO e sobretudo no de MED, a formação parece ter
pouco impacto no desenvolvimento de uma concepção positiva de Saúde, aspecto
que deverá ser mais trabalhado a fim de se conseguir atingir esse objectivo;
No que se refere ao conceito de Saúde Escolar, nos cursos de E-BR e EI, os
alunos focam-se apenas na criança enquanto indivíduo, restringindo este
programa às actividades de Saúde Oral. A sua concepção deverá integrar não
apenas a criança, mas também o grupo (comunidade escolar) e o ambiente,
compreendendo que a Saúde Escolar é muito mais do que a Saúde Oral;
Quanto ao conceito de Promoção da Saúde, os alunos dos cursos sem serem de
saúde, PEB, EI e SSO, estão muito focados na prevenção da doença, pelo que
seria conveniente serem dadas condições, para que os alunos adquiram uma visão
mais abrangente da Promoção da Saúde e atribuam a mesma importância à protecção
da saúde e à Educação para a Saúde, que atribuem à prevenção da doença, esferas
de acção que se cruzam neste mesmo processo da Promoção da Saúde;
No que diz respeito ao conceito de Educação para a Saúde, apenas os alunos do
curso de E-VR parecem adoptar uma perspectivapassiva deste conceito, pelo que
deverá ser salientada, na sua formação, a importância da participação de todos
os intervenientes no processo, que deverá ser interactivo e não apenas uma mera
actividade de transmissão unidireccional de conhecimento;
Por último, em relação à diferenciação entre os conceitos de Promoção da
Saúde e Educação para a Saúde, parece-nos importante que a formação
desenvolvida em todos os cursos, possa conduzir ao esclarecimento das
diferenças entre os termos e respectivos conceitos, permitindo aos alunos um
domínio claro destas conceptualizações.
Consideramos interessante, num futuro próximo, vir a desenvolver um estudo
aprofundado conducente à evolução do conceito sobre saúde eventualmente
existente entre os jovens estudantes de enfermagem e os enfermeiros já em
exercício, bem como identificar os factores conducentes a tal evolução.
Conflito de interesse
Os autores declaram não haver conflito de interesse.