A eficácia do proFamílias em doentes de Acidente Vascular Cerebral (AVC) e
cancro e seus familiares
Introdução
Face a uma situação de doença crónica o indivíduo doente obrigatoriamente tem
de se adaptar às limitações e/ou novas condições geradas, sendo necessário
reenquadrar as vivências individuais e aprender a viver com a doença. A
família, enquanto grupo primário de identidade e socialização, à semelhança do
sujeito doente também tem de se adaptar às exigências colocadas por esta
situação, por um lado porque o paciente pode precisar de cuidados, e por outro
porque a própria família e os seus elementos vivem o impacto da doença. Desta
forma os papéis e tarefas da família são alterados e (re)distribuídos de forma
a ajudar o paciente e dar resposta, quer às novas, quer às normativas
necessidades emocionais, desenvolvimentais e instrumentais. Isto significa uma
sobrecarga para a família que, para conseguir lidar de uma forma adequada com
esta nova situação, vai precisar de apoio. Por exemplo, no caso dos doentes com
diagnóstico de AVC, a fisioterapia e a alimentação são fundamentais para a
recuperação e estabilização do doente. Mas para a família revela-se num esforço
financeiro, readaptação alimentar, readaptação do espaço habitacional,
rompimento com rotinas familiares diárias e alteração das responsabilidades e
papéis familiares. Uma das preocupações dos especialistas de reabilitação é a
qualidade de vida destas pessoas 1. Os factores psicológicos e interpessoais
influenciam profundamente a vocação e competência do doente para lidar com a
doença. Por esta razão, o funcionamento psicológico óptimo tem vindo a ocupar
um papel central nas intervenções de reabilitação.
A presença das componentes médica, social e psicológica na intervenção psico-
educativa facilita a adaptação do doente e da família à doença crónica. Este
tipo de intervenção reconhece a necessidade de integrar aspectos sociais,
biológicos, familiares e individuais no acompanhamento e tratamento de doentes
com doença crónica e seus familiares 2. A intervenção, denominada psico-
educativa, é um modelo de intervenção que se adapta a várias doenças crónicas e
idades 3. Permite o desenvolvimento de um foco de apoio centrado na família
para que os membros da mesma possam perceber as suas atitudes, sentimentos e
padrões relacionados com a doença crónica partilhando perspectivas e
estratégias com outras famílias. Neste tipo de intervenção dá-se primazia à
maximização de "pontos de vista múltiplos" sobre os múltiplos papéis das
famílias intervenientes 3.
O proFamílias foi desenvolvido para ajudar famílias com doentes crónicos e é um
modelo de intervenção psico-educativa que utiliza o formato de grupo de
discussão multi-famílias. Estes grupos de discussão multi-famílias eram
homogéneos relativamente ao AVC (existindo algumas distinções em termos de
incapacidade) e heterogéneos nos casos de doença oncológica (variedade nos
tipos de cancro quanto à localização) tendo havido a preocupação de haver
alguma semelhança em termos da incapacidade 3. Este programa caracteriza-se por
uma intervenção breve (quatro a seis sessões semanais) para evitar a sobrecarga
familiar, centra-se na família, tem um carácter psicoeducativo (alia o apoio
suportivo ao educativo) e é estruturada 3.
Este estudo pretende conhecer o resultado da intervenção em termos de
percepções dos doentes crónicos nos casos do AVC e Cancro e suas famílias da
utilidade, aspectos positivos e negativos e ainda sugestões do programa de
intervenção (proFamílias).
Metodologia
Tipo de estudo
Trata-se de um estudo descritivo, que de acordo com Fortin 4 consiste em
descrever um fenómeno ou um conceito relativo a uma população.
População e amostra
Fortin 4 define amostra como um subconjunto de uma população ou de um grupo de
indivíduos que fazem parte de uma mesma população, sendo as características da
amostra uma representação da população em estudo.
Neste estudo a amostra é de conveniência, uma vez que foram seleccionados de
entre a população de doentes crónicos de cancro e AVC, os mais convenientes
para o estudo com base em critérios de inclusão. A amostra é constituída por 16
doentes (8 doentes de Cancro e 8 doentes de AVC) e seus familiares num total de
37 elementos, que aceitaram participar no programa de intervenção psico-
educativa. As famílias que participaram no programa foram recrutadas de várias
formas:
nos casos da doença oncológica no Centro Regional Oncologia do Centro -
Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil (CROC-IPOFG);
e nos casos de AVC no Hospital Infante D. Pedro (HIP) - serviço de
Especialidades Médicas (Neurologia).
A participação dos doentes e familiares foi voluntária e gratuita, tendo sido
salientado a todos os participantes do estudo a confidencialidade dos dados
pessoais. Após o primeiro contacto era efectuada uma entrevista com a família
onde se explicava o que era o programa e se identificava quem da família
participaria.
De seguida apresentam-se as características demográficas e sócio-económicas da
amostra assim como o tratamento em curso (se ocorre no domicílio ou no
hospital) e expectativas dos membros da família em relação à doença, isto é, se
esperam a recuperação total ou parcial.
Características demográficas e sócio-económicas
Analisando a tabela 1 verifica-se que quanto à média etária dos participantes,
esta era de 56,13 para os doentes e familiares de Cancro e de 55,5 para os
doentes e familiares de AVC. Quanto ao género encontravam-se equitativamente
distribuídos com 50 % cada por ambos os sexos. O estado civil era semelhante
nos 2 grupos sendo que na sua maioria eram casados, e também a escolaridade
apresentada na sua maioria era o 1.º ciclo. Quanto à situação profissional dos
participantes, verifica-se que a maioria dos doentes e familiares de cancro
encontram-se empregados.
Tabela_1 - Características demográficas e sócio-económicas dos participantes
Tratamento em curso
Quanto ao tratamento em curso, nos doentes de cancro, 62,5 % referiram que o
tratamento ocorria no hospital e 37,5 % que ocorria em casa. Nos doentes de AVC
75 % referiram que o tratamento ocorria no seu domicílio e apenas 25 % no
hospital.
Expectativas em relação à doença
Relativamente às expectativas de cada membro da família em relação à doença na
sua maioria referem a recuperação total: 87,5 % dos doentes e familiares de
cancro e 62,5 % dos doentes e familiares de AVC.
Tratamento estatístico dos dados
Os dados recolhidos foram sujeitos a tratamento estatístico através do programa
SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 10.0 a 15.0 para
Windows da SPSS Inc.
Ao longo do estudo foram utilizados diversos procedimentos estatísticos de
acordo com o tipo de variáveis e os objectivos de análise.
Para as variáveis avaliadas e codificadas em escalas nominais e ordinais foram
calculadas frequências (absolutas e relativas) e percentagens. Para as
variáveis relativas a escalas intervalares calcularam-se médias e desvios-
padrão.
Instrumento utilizado
O questionário elaborado para avaliar a eficácia do programa é composto por
quatro perguntas fechadas e três perguntas abertas (com espaços para resposta).
As quatro primeiras perguntas avaliam o se: a participação foi boa para o
doente, se a participação foi boa para algum(ns) elementos da família e/ou para
toda a família e ainda, qual a classificação da utilidade do programa para a
família, numa escala de 1 a 20 (1 - prejudicial; 10 - nem bom nem mau; 20 -
muito benéfico). As três perguntas abertas pretendem recolher dados relativos
a: aspectos positivos; aspectos negativos; e sugestões/comentários das
famílias.
Resultados
Utilidade da participação no programa de intervenção
Pela análise da tabela 2 verifica-se que a participação foi muito útil para
todos, pois as médias (considerando as duas doenças, doentes e familiares)
variam entre 18,90 e 16,62, ou seja, já próximas do 20 (muito benéfico).
Considerando a amostra total, a doença, os doentes e os familiares observa-se
que todos tendem a considerar que a participação foi mais útil para o doente,
seguindo-se para alguns elementos da família e para a família.
Tabela_2 - Utilidade da participação no programa
Aspectos positivos com a participação no programa de intervenção
Os aspectos positivos mencionados pelos participantes no proFamílias foram
agrupados em cinco categorias: (i) diminuição do isolamento social e emocional
("aprendemos a conviver em grupo", " é uma maneira de sairmos de casa"); (ii)
aquisição de informação e esclarecimento de dúvidas ("maior conhecimento da
doença", " podemos recorrer a outros serviços se necessitarmos", "nas consultas
não há tempo para nos explicarem tudo como fizeram aqui", " há coisas que nem
nos lembramos de perguntar nas consultas"); (iii) percepção de auto-competência
("acabamos por ter mais confiança em nós", "encaramos o futuro com mais
optimismo"); (iv) maior compreensão sobre a doença ("temos maior conhecimento
sobre a doença", "antes eu pensava que quem tinha um cancro tinha uma sentença
de morte, mas agora sei que existem outras possibilidades", "se nos explicassem
nas consultas as coisas como devem ser nós não tínhamos tantas dúvidas", " eu
aprendi muito sobre o tratamento da minha doença", "a explicação sobre a doença
é mais fácil de entender"); (v) apoio emocional ("foi muito importante que
nesta fase difícil da minha vida eu sentisse o vosso apoio", "ajudaram-nos a
encontrar soluções", "vocês souberam ouvir-nos e entendem o que sentimos, só
isso, já ajuda muito...").
Os resultados são apresentados na tabela 3, sendo que se verifica que os
principais aspectos positivos são: a aquisição de informação e maior
compreensão sobre a doença, ou seja, aspectos centrados na doença.
Tabela 3 ' Aspectos positivos
Aspectos negativos com a participação no programa de intervenção
Relativamente aos aspectos negativos, os resultados são apresentados na tabela
4 em que se destaca um número elevado de não resposta a esta questão, que se
pode dever ao facto dos participantes não terem tido ganhos negativos. Em
relação aos que responderam observaram-se dois grupos de resposta:
Tabela 4 ' Aspectos negativos
i) tempo dispendido para participar nas sessões;
ii) a não existência de aspectos negativos.
Sugestões/comentários para melhoria do programa de intervenção
Relativamente às sugestões e comentários efectuados pelos doentes e famílias
para melhorar o proFamílias foi efectuado um agrupamento em quatro categorias:
i) manter as sessões uma vez por mês; ii) manter a colaboração de outros
técnicos; iii) as sessões deveriam ser extensivas a outros doentes com outras
patologias; iv) a existência de apoios financeiros para os doentes e familiares
frequentarem as sessões.
As respostas mais frequentes são (tabela 5): manter sessões semanais (21,6 %) e
a não resposta (48,7 %).
Tabela 5 ' Sugestões/comentários para melhoria do proFamílias
Discussão
Relevância do proFamílias para a família
Verificou-se que a participação no proFamílias foi "muito útil" para todos,
pois as médias obtidas variaram entre 18,90 e 16,62, ou seja, próximas do 20
(muito benéfico). Paralelamente, observa-se que todos os participantes tendem a
considerar que a participação foi mais útil para o doente, seguindo-se para
alguns elementos da família e para toda a família.
Os resultados indicam que estas famílias com membros com doença crónica que
participaram no programa de intervenção psico-educativo, denominado de
proFamílias, expressaram ter adquirido competências para enfrentarem de forma
mais adequada a doença crónica, uma vez que estes programas aliam a vertente
educativa (educação para a saúde, necessidade já reconhecida nesta área) à
suportiva (inclui componentes de gestão do stress, facilitação de estratégias
de coping e discussão de questões existenciais em contexto multi-familiar) 3.
Estudos efectuados 5,6 revelaram que a intervenção psicoeducativa tem efeitos
positivos nas situações de doença crónica porque diminuem o stresse familiar,
aumentam a competência das famílias aprendendo a lidar com esta situação de uma
forma satisfatória, o que se traduz numa diminuição das recaídas do paciente e
aumento na adesão aos tratamentos. Atendendo a que as famílias estão mais
sobrecarregadas, este programa de intervenção caracteriza-se por ter uma
duração breve (6 a 8 sessões), com uma periodicidade semanal (ou quinzenal
atendendo à disponibilidade das famílias) com o objectivo primordial de activar
as competências das famílias 7. As referências aos seus efeitos benéficos, como
as melhorias dos estados afectivos, melhores estilos de coping, maior qualidade
de vida e melhor controlo da dor, tem sido aceite tanto pela comunidade leiga,
como pelos profissionais de saúde. Uma meta-análise de 45 estudos sobre uma
variedade de intervenções psicossociais confirma esses benefícios 8.
Identificação dos aspectos positivos para os membros da família com a sua
participação no proFamílias
No que se refere à identificação dos aspectos positivos para a família com a
participação no programa, segundo as categorias consideradas, verificou-se que
os principais ganhos com a participação no programa para a amostra considerada
são: aquisição de informação e maior compreensão sobre a doença, ou seja,
aspectos centrados na doença. Estes resultados confirmam a necessidade,
evidenciada pela literatura, que estes doentes e famílias sentem em terem
informação sobre a doença (etiologia, sintomatologia, curso e prevenção),
esclarecimentos sobre os cuidados a terem em casa, receber informação sobre
recursos da comunidade, que lhes permitam desenvolver sentimentos de
competência e controlo face à doença, aspectos desenvolvidos pelo proFamílias
no âmbito da vertente educativa 3.
Salienta-se deste modo, o papel preponderante que o proFamílias assume no
âmbito do apoio psicológico orientando as famílias no sentido da redução do
stress resultante do impacto da doença, ajudando a gerir emoções e a usar
estratégias mais eficazes na resolução de problemas, facilitando a comunicação
na família e com os serviços de saúde, evitando o isolamento social e mantendo
redes de apoio que num momento de crise vivenciado por estas famílias é de
extrema importância 3.São os resultados positivos alcançados pelo proFamílias
que sugerem a implementação e generalização de programas de intervenção psico-
educativa nestas situações.
Identificação dos aspectos negativos para os membros da família com a
participação no proFamílias
Verificou-se como preponderante a não resposta, que parece dever-se ao facto
dos participantes não terem identificado aspectos negativos com a sua
participação no proFamílias. Em relação aos que responderam observaram-se dois
grupos de resposta: o tempo dispendido para participar nas sessões; e a não
existência de aspectos negativos. Significa isto que os participantes tendem a
considerar o proFamílias como um programa muito eficaz na ajuda da gestão de
situações de doença crónica nos casos do AVC e Cancro. O facto de quase não
apontarem aspectos negativos e referirem a não existência de aspectos negativos
pode estar relacionado com factores culturais e sociais do povo Português
revelados por: provável desconhecimento do tipo de respostas de apoio
existentes devido ao baixo grau de escolaridade das famílias; a falta de
informação e divulgação dos direitos, benefícios e regalias de que podem
usufruir e as dificuldades a nível do acesso aos cuidados de saúde.
Identificação de sugestões/comentários efectuados pelos membros das famílias
relativamente ao proFamílias
Verificou-se que as respostas mais mencionadas foram as que se seguem, além da
não resposta (48,7 %): manter sessões mensais (21,6 %); e a existência de
apoios financeiros (18,9 %).
Assim, manter sessões mensais, é uma das sugestões mais apontadas por todos os
participantes, evidenciando importantes implicações com vista à continuação da
intervenção, uma vez que constituiu um poderoso meio de incrementar o sentido
de competência e de controlo destes doentes e familiares sobre a situação. Esta
intervenção assenta num paradigma de stress e coping, e não num modelo
psicopatológico, enfatizando um clima de desculpabilização que possibilita
explorar novas estratégias 3. A existência de apoios financeiros para poderem
frequentar estas sessões é outra das sugestões mais apontadas pelos
participantes que desta forma parece que garantiriam a sua presença, pois
existe um aumento nas suas despesas. Os problemas financeiros foram descritos
como um dos problemas e necessidades pelos quais passam estas famílias,
relacionado com a elevação dos gastos em medicação, consultas médicas e
deslocações 9.
Conclusão
Na doença crónica é necessário que o significado da doença permita manter o
sentido de competência e controle. O que normalmente acontece às famílias são
duas situações: dão-lhes explicações biológicas ou outras que implicam uma
responsabilidade pessoal, num contexto psicossocial vago ou inexistente. As
famílias têm necessidades de procedimentos preventivos e psicoeducativos que as
ajudem a antecipar as tarefas normativas dos diferentes estadios da doença
permitindo-lhes o domínio e controle face a uma nova situação.
A intervenção psicoeducativa pretende aumentar o sentido de eficácia do
paciente e família para saberem lidar com a doença, para responder às
exigências comunicacionais e emocionais que a doença implica para estes
pacientes e famílias, e ainda promover um envolvimento adequado dos vários
sistemas (o familiar, o de saúde, e o comunitário) 6,10.
Os resultados do estudo sugerem que quanto à participação no programa de
intervenção (proFamílias) esta se revelou "muito útil" para todos os envolvidos
(doente e membros da família); tendo sido apontados como principais aspectos
positivos a aquisição de informação e maior compreensão sobre a doença, ou
seja, aspectos centrados na doença; e quanto às sugestões apontadas referem-se
essencialmente em manter sessões mensais.