Conhecimento de factores de risco e de profilaxia na transmissão da brucelose
humana nos profissionais da pecuária na província do Namibe - Angola - 2009
Introdução
A brucelose é uma zoonose de grande importância económica em saúde pública. Em
países com um baixo nível sanitário, a enfermidade tem um carácter
profissional. Na espécie humana, a brucelose é considerada uma antropozoonose e
uma doença ocupacional 1. Ela tem uma distribuição mundial com uma alta taxa de
morbilidade, 500,000 casos por ano e baixa mortalidade. Em trabalhadores de
matadouros, o contacto infeccioso tem como fonte as carcaças e vísceras de
animais e através da formação de aerossóis presentes neste ambiente laboral 2-
4.
Segundo Kundaet al. 5, citando vários autores, a prevalência da brucelose em
África é a seguinte: 3 % no Malawi (Bernard, 1993); 2,27 % no Sudão (Mahmoud,
1991); 4,2 % na Etiópia (Tekelye-Bekele, 1989); 5,45 %-17,5 % no Kenya
(Waghela, 1977; Ndarathi e Waghela, 1991); 9,5 % na Somália (Werneryet al,
1979); 7 %-50 % na Nigéria (Eze, 1977); 37,9 %-61,8 % no Egipto (Refai, 1990).
Em Angola, a brucelose acomete populações que se dedicam a criação de gado. No
Namibe, o estudo dos Médicos Sem Fronteiras 6 apontou taxa de prevalência de
4,68 % de brucelose humana nos municípios de Bibala e Kamucuio e outro em gados
bovinos no Virei dirigido pelo departamento Provincial da Pecuária apresentou
27,7 % deBrucella bovis 7.
Namibe é uma província que se situa no Sudoeste da República de Angola. O clima
é árido e desértico. Tem uma densidade populacional de 21 hab/km2. A população
é heterogénea e dedica-se principalmente à pesca, pastorícia e agricultura 8.
O objectivo deste trabalho é identificar o nível de conhecimento dos factores
de risco envolvidos na transmissão da doença do animal para o homem em
matadouro, salas de abate, talhos esambos(criações de animais) e aspectos
relacionados com a profilaxia da doença no homem.
Material e métodos
A estratégia geral é de um estudo epidemiológico seccional 9.
O instrumento de colecta de informações no campo consistiu num questionário
pré-codificado e padronizado com perguntas fechadas abordando variáveis
relacionadas com conhecimento e profilaxia da brucelose humana, além de
questões sócio-demográficas. As entrevistas foram realizadas no mês de Novembro
de 2009. O questionário apresentou perguntas aplicáveis a todo grupo dos
profissionais da pecuária e específicas para trabalhadores ou criadores. Estas
últimas, foram sobre profilaxia para os trabalhadores ("desinfecta as mãos no
trabalho") e sobre conhecimento, profilaxia. Para obter a compreensão foi
necessária a utilização do dialecto local, o Nhaneca-Umbi.
As questões sócio-demográficas se relacionaram com idade, sexo, naturalidade,
grau de educação formal, posição e inicio na actividade. A posição na
actividade foi dividida em três categorias: legado, empreendedor e contratado.
Entende-se por legado o indivíduo que herdou a actividade de seus ancestrais,
empreendedor aquele que inicia a actividade e o contratado aquele que é
empregado. O início da actividade foi dividido em três categorias: menor (menos
de 12 anos), adolescente (de 12 a 17 anos) e adulto (de 18 anos ou mais).
O conhecimento foi caracterizado de acordo com os aspectos que se relacionam
com "ouvir falar" da brucelose, com o reconhecimento da brucelose como
antropozoonose, suas formas de transmissão aos humanos, de prevenção, sua
transmissão pelo leite azedo ou materiais fecais de animais, a existência da
vacina animal e a necessidade de uso de equipamentos de biossegurança. O leite
azedo referenciado diz respeito ao fermentado ou não pasteurizado, conhecido
por "Mahini" em Nhaneca-Umbi, muito estimado e usado como condimento na
alimentação diária da população pastoril no sul de Angola.
Quanto à profilaxia, os trabalhadores foram inquiridos sobre o consumo de leite
azedo, a fervura do leite fresco e o contacto com excrementos de animais. O
leite fresco é o leitein natura, pós-ordenha, não fermentado e que não sofreu
fervura. Além disto, aos trabalhadores se inquiriu se desinfectavam as mãos no
trabalho, e aos criadores foi inquirido se tomavam medidas de protecção no
parto animal, e se separavam os animais que abortavam, por pelo menos um mês.
Adicionalmente foram construídas variáveis para medição resumida do
conhecimento e da profilaxia. A do conhecimento foi baseada na combinação das
respostas às perguntas específicas sobre conhecimento, descritas acima. Esta
variável tem três categorias. A de conhecimento completo corresponde à
combinação de respostas correctas às oito perguntas correspondentes, enquanto
que a de nenhum conhecimento corresponde à combinação de todas respostas
incorrectas. A categoria intermediária, de conhecimento parcial, reúne aqueles
que responderam correctamente a pelo menos uma das questões. Também foram
construídos escores de conhecimento sobre factores de risco baseados em somas
simples, atribuindo-se um ponto à cada resposta correcta às oito perguntas
sobre conhecimento descritas acima.
Para resumir a medida de profilaxia foram combinadas as respostas
correspondentes às questões descritas acima, sobre profilaxia. Esta variável
também tem três categorias. A de nível de profilaxia completo corresponde à
combinação de respostas correctas às perguntas correspondentes, segundo o tipo
de profissional, enquanto que a de nenhum conhecimento corresponde à combinação
de todas respostas incorrectas. A categoria intermediária, de nível de
profilaxia parcial, reúne aqueles que responderam correctamente a pelo menos
uma das questões. Os escores de profilaxia foram construídos por somas simples,
atribuindo-se um ponto a cada uma das três questões comuns à trabalhadores e
criadores sobre profilaxia (consumo de leite azedo, fervura do leite fresco e
contacto com excrementos).
Amostragem
Para conhecer a população de referência do estudo (trabalhadores e criadores)
foram utilizados os relatórios do Departamento Provincial da Pecuária de 2005 e
2006, provenientes da Secretaria da Direcção da Agricultura e Desenvolvimento
Rural 7,10. A população de referência são os profissionais da pecuária, da
Província do Namibe de Angola, divididos em dois grupos: os trabalhadores de
matadouro, talhos e salas de abate, e os criadores de animais (gados bovino,
caprino, ovino e suíno). Os trabalhadores, oficialmente controlados pelo
Departamento Provincial da Pecuária do Namibe até Setembro de 2009, constituíam
um universo de 40 pessoas, enquanto que os criadores, conhecidos pelo mesmo
departamento, eram 377 indivíduos.
Planeou-se entrevistar todos os trabalhadores, portanto obter os parâmetros
populacionais das variáveis investigadas nos trabalhadores. Já em relação aos
criadores foi seleccionada uma amostra, de acordo com um processo de amostragem
aleatória simples, isto é, sem reposição 11. Para uma estimativa de 15 % e um
erro amostral admitido de 5 %, para um intervalo de confiança de 95 %, o
tamanho da amostra aleatória simples foi calculado em 130 criadores. A selecção
dos indivíduos foi feita utilizando-se uma tabela de números aleatórios gerada
pelo programa Epi Info 12. Portanto, dos criadores foram obtidas estimativas
dos parâmetros populacionais.
Critérios de inclusão e exclusão
Para inclusão no estudo foram considerados somente os profissionais da pecuária
pertencentes ao sistema formal controlados pelo Departamento Provincial da
Pecuária do Namibe, tanto os trabalhadores como os criadores. Como critérios de
exclusão foram considerados não pertencentes à população de estudo os
profissionais do sistema informal, ou seja, os trabalhadores que praticavam o
abate clandestino e venda de carne em mercados informais e os criadores dos
desconhecidos pelo departamento de pecuária, geralmente nómadas.
Análise dos dados
O questionário foi produzido com Word XP 13 e informatizado com Excel XP 14. A
análise foi feita com o programa Stata 15. As tabelas foram construídas
cruzando os resultados das variáveis investigadas de acordo com os grupos de
profissionais da pecuária, trabalhadores e criadores. Os percentuais
correspondentes foram estimados para as categorias de cada variável, inclusive
os limites dos intervalos de confiança de 95 %. A estratégia geral para
confrontações entre os grupos consistiu nas comparações dos limites dos
intervalos de confiança, de 95 %, das estimativas obtidas para os criadores com
os parâmetros obtidos para os trabalhadores. Também foram obtidas estimativas
para o conjunto dos profissionais da pecuária utilizando-se as ponderações
correspondentes aos grupos (trabalhadores e criadores). Estas ponderações
correspondem aos inversos das fracções amostrais, que no caso dos trabalhadores
foi igual a 40/40 (= 1) e no caso dos criadores foi igual a 130/377 (≈0,3448).
Os limites dos intervalos de confiança de 95 % foram construídos utilizando-se
uma transformação logito dep (ln p/(1-p)) para obter apenas valores entre os
limites 0 e 100 % 15.
As diferenças de distribuições dos escores de conhecimento e de profilaxia
foram testadas com a estatística Mann-Whitney 16. Para testar a independência
entre níveis de conhecimento e de profilaxia foi utilizado o teste de qui-
quadrado de Pearson, corrigido para o delineamento amostral, com correcção de
segunda ordem de Rao e Scott 17, convertido para estatística F 15.
Aspectos éticos
A participação foi condicionada por consentimento livre e informado, seguindo-
se as orientações de Helsínquia e da CIOMS-2002 (Council for International
Organizations of Medical Sciences), referentes à pesquisa com seres humanos,
evitando qualquer tipo de dano físico ou moral conforme observação do comité de
ética da ENSP-FIOCRUZ na carta N.º 03/10-CEP/ENSP de 29 de Julho de 2010.
Resultados
Todos os profissionais seleccionados para participar no estudo foram
entrevistados, portanto, não houve perdas por qualquer motivo, inclusive
rejeição.
A tabela 1 resume os achados dos indicadores sócio-demográficos. Os
trabalhadores têm um perfil etário mais jovem do que os criadores. Esta
observação é corroborada pela comparação das médias de idade que são de 36,9
anos nos trabalhadores e de 48,9 anos (IC 95 %: 47,2; 50,8) nos criadores.
Tabela_1 - Percentuais e intervalos de confiança de 95% de indicadores sócio-
demográficos de trabalhadores e criadores da pecuária da Província do Namibe -
Angola, 2009
Como o intervalo de confiança da média dos criadores não contém a média de
idade dos trabalhadores, pode-se concluir que há diferença estatisticamente
significativa entre os grupos de profissionais. No total dos entrevistados
predomina o sexo masculino, e não há diferença estatística significativa na
distribuição do sexo entre os grupos de profissionais da pecuária. A maioria
dos criadores nasceu no Namibe, ao passo que metade dos trabalhadores provém da
Huila.
Do total dos profissionais estima-se que apenas 6,3 % têm instrução formal de
nível médio. Há diferença estatística significativa entre criadores e
trabalhadores quanto ao nível de instrução formal, sendo os últimos mais
instruídos. Os trabalhadores iniciaram sua actividade na idade adulta enquanto
que metade dos criadores o fizeram ainda menores (diferença estatísticamente
significativa). Os trabalhadores pertencentes às categorias de legado e
empreendedor são proprietários de talhos enquanto os contratados actuam no
matadouro. Há diferença significativa na categoria de legado a qual pertencem
quatro quintos dos criadores e na de contratados a qual pertencem mais da
metade dos trabalhadores.
A tabela 2 resume os achados sobre o conhecimento dos factores de risco. O
nível de conhecimento básico aferido pela evocação da palavra brucelose
(Katolotolo em Nhaneca Umbi) foi baixo em ambos os grupos, mas há diferença
estatística significativa sendo que os criadores responderam "sim" 2,4 vezes
mais do que os trabalhadores. No geral estima-se que dois quintos dos
profissionais da pecuária do Namibe já ouviram falar de brucelose. O
desconhecimento da brucelose como antropozoonose é generalizado. Entre os
criadores pouco mais de um terço reconhece que a doença pode ser transmitida
para animais e homens, e o mesmo acontece com um décimo dos trabalhadores
(diferença estatisticamente significativa).
Tabela_2 - Percentuais e intervalos de confiança de 95% de respostas positivas
a questões sobre conhecimento de factores de risco de brucelose de
trabalhadores e criadores da pecuária da Província do Namibe - Angola, 2009
Quase três quartos dos profissionais da pecuária do Namibe não conhecem as
formas de transmissão da brucelose. O desconhecimento da prevenção sobre a
brucelose é quase total por parte dos trabalhadores e por metade dos criadores
(diferença estatisticamente significativa). A maioria dos profissionais da
pecuária do Namibe não reconhecem que o leite azedo transmite brucelose, apenas
um quarto conhecem esta forma de transmissão. Pouco mais de um quarto dos
criadores e menos de dez por cento dos trabalhadores reconhecem a relevância do
leite azedo (diferença estatisticamente significativa).
Pouco mais de um terço dos criadores e menos de dez por cento dos trabalhadores
reconhecem o papel dos materiais fecais (diferença estatisticamente
significativa). Cerca de um quarto dos criadores e menos de um quinto dos
trabalhadores reconhecem a importância da vacinação animal (diferença
estatisticamente significativa). O percentual de reconhecimento da necessidade
de uso de medidas de protecção é quase três vezes maior nos criadores do que
nos trabalhadores (diferença estatisticamente significativa).
A tabela 3 resume os achados sobre a profilaxia. Pouco mais de três quartos dos
profissionais da pecuária declararam consumir leite azedo. A diferença entre
trabalhadores e criadores é estatisticamente significativa, porém não é
relevante, porque ambos os percentuais são muito elevados. O percentual
estimado de fervura do leite fresco é baixo e a diferença entre trabalhadores e
criadores também é estatisticamente significativa, mas não é relevante porque
ambos os percentuais são muito baixos.
Tabela_3 - Percentuais e intervalos de confiança de 95% de respostas positivas
a questões sobre profilaxia da brucelose de trabalhadores e criadores da
pecuária da Província do Namibe - Angola, 2009
Estima-se que pouco menos de 30 % dos profissionais da pecuária não se expõe ao
contacto directo com excrementos de animais, sem diferença significativa entre
os grupos. Poucos trabalhadores desinfectam as mãos e nenhum dos criadores usa
rotineiramente medidas de protecção pessoal durante o parto animal ou separa os
animais que abortam, por um mês, de forma usual.
Nenhum dos trabalhadores possuía conhecimento completo dos factores de risco,
30,0 % de nenhum e os demais, 70,0 %, têm conhecimento de pelo menos um dos
factores. Quanto aos criadores, apenas 3 dos 130 entrevistados possuíam
conhecimento de todos os factores. Porém, 25,4 % não têm nenhum conhecimento e
o restante, 72,3 %, de pelo menos um dos elementos. Portanto, os dois grupos
não são diferentes quanto ao nível de conhecimento, pois não significância
estatística.
Entretanto, se cada resposta correcta aos oito elementos investigados quanto ao
conhecimento contribuir com um ponto para a formação de escores, observa-se que
as médias dos escores dos trabalhadores (de 0 a 8, as quantidades foram: 12,
18, 7, 3, 0, 0, 0, 0 e 0) e dos criadores (de 0 a 8, as quantidades foram: 33,
15,15, 16, 13, 13, 15, 7 e 3) foram 1,02 e 2,87, respectivamente. O teste de
Mann-Whitney para a diferença das distribuições de escores resultou na
estatística z = -3,999 e um p-valor = 0,0001. Portanto, a avaliação da
diferença entre as distribuições de escores permite supor que os criadores têm
mais conhecimento dos factores de risco do que os trabalhadores.
Nenhum dos trabalhadores está totalmente protegido, segundo os elementos
positivos para profilaxia. Além disto, 47,5 % estão sem nenhuma protecção e os
demais, 52,5 %, estão parcialmente expostos a pelo menos um elemento negativo.
Quanto aos criadores, da mesma forma, nenhum está totalmente protegido. Além
disto, 53,1 % está sem nenhuma protecção e os demais, 46,9 %, estão
parcialmente expostos a pelo menos um elemento negativo. Os dois grupos não são
diferentes quanto aos elementos de profilaxia contra a brucelose, pois não
significância estatística.
Na comparação das distribuições dos escores formados pela soma de respostas
correctas aos elementos de profilaxia comuns a ambos os profissionais da
pecuária (não consumir leite azedo, ferver o leite fresco e não ter contacto
com excrementos de animais) observa-se que as médias dos escores foram muito
aproximadas, de 0,70 e 0,65, para trabalhadores (de 0 a 3, as quantidades
foram: 19, 14, 7 e 0) e criadores (de 0 a 3, as quantidades foram: 69, 38, 22 e
1), respectivamente. O teste de Mann-Whitney para a diferença das distribuições
de escores resultou na estatística z = 0,458 e um p-valor = 0,6467. Portanto,
não há evidência de diferença nas distribuições de escores entre trabalhadores
e criadores quanto ao nível de profilaxia.
Na tabela 4 comparam-se os níveis de profilaxia de acordo com os níveis de
conhecimento. Entre os de nível de conhecimento parcial, pouco menos da metade
se protegem com medidas parciais de profilaxia, enquanto que entre os de nenhum
conhecimento, pouco mais da metade se protege de forma parcial. O teste de
independência resultou em F = 1,8864 com p-valor = 0,1534. Portanto, não é
possível inferir que há associação entre os níveis de conhecimento e de
profilaxia.
Tabela_4 - Percentuais estimados e intervalos de confiança de 95% dos níveis de
profilaxia segundo os níveis de conhecimento dos profissionais da pecuária da
Província do Namibe, Angola - 2009
Discussão
Este trabalho é um estudo de observação seccional e como tal descreve a
situação relativa aos aspectos de comportamentos e atitudes, conhecimento dos
factores de risco na transmissão da brucelose humana e de profilaxia dos
profissionais da pecuária da província do Namibe da República de Angola, em
Novembro de 2009. Pelo carácter deste tipo de estudo existem certas limitações.
Primeiro, a restrição a observações em uma amostra de criadores pode resultar
em erros de estimativas. Segundo, a população de referência se limita aos
profissionais da pecuária do sector formal e controlados pelo Departamento
Provincial da Pecuária. Portanto, não é possível inferir sobre as condições dos
criadores nómadas e trabalhadores das salas de abate informais, que estão além
do olhar do sistema de vigilância sanitária. Terceiro, o questionário
padronizado e pré-codificado limita o escopo do estudo, não considerando
aspectos não contemplados no inquérito.
O estudo fez o recorte dos factores de risco que são reconhecidos pelos
profissionais da pecuária do Namibe tendo em consideração os hábitos locais,
excluindo aspectos tais como o consumo dos derivados de leite (queijo e
manteiga) e de legumes, por estes não serem observados na província. Os
relatórios de estudos da brucelose animal e humana realizados nos municípios de
Bibala, Kamucuio e Virei, da província do Namibe, indicaram a existência desta
doença nos animais e humanos com as respectivas taxas de prevalência de 27,7 %
em bovinos e 4,68 % em humanos 6,7. Pelo seu carácter zoonótico, torna-se de
primordial importância a identificação e a eliminação das fontes de infecção
com a finalidade de bloquear a transmissão ao ser humano e a outros animais
susceptíveis 19. O perfil etário dos profissionais da pecuária do Namibe revela
que estes são relativamente mais velhos do que a população de Angola. Isto,
porque, uma vez que 70,2 % tinham 40 anos ou mais, enquanto que o mesmo só
ocorria com 36,4 % dos adultos de Angola em 2004 19. Este perfil etário, dos
profissionais da pecuária, se deve principalmente aos criadores, a fracção mais
numerosa. Como seria de esperar, o predomínio de homens é quase absoluto entre
os profissionais da pecuária. A naturalidade dos criadores é predominantemente
ligada a Província do Namibe, enquanto que a maioria dos trabalhadores são
oriundos de outras províncias, na busca de melhores condições de vida, em
movimento possivelmente ocasionado pela guerra recente e pelo crescimento
económico das regiões litorais, conhecido por fenómeno da litoralização. O
percentual de escolaridade dos profissionais da pecuária (49,0 %) é próxima
daquela estimada para todo o país em 2006 que foi de 45,0 % 18. A educação
específica sobre as zoonoses deve começar na infância especialmente, no grupo
dos criadores. As actividades de criação de animais começam na infância, pela
educação tradicional no cuidado da riqueza, representada pelos animais. A
criação de animais é também produto do legado ou herança. A forma de trabalho
contratado é muito mais importante para os trabalhadores do que para os
criadores.
O trabalho sobre a brucelose bovina e humana, realizado em matadouro municipal
de São Luís (Maranhão, Brasil) 20, aferiu que 84,75 % já tinham ouvido falar de
brucelose e o mesmo percentual de trabalhadores sabia o que é a brucelose. No
presente estudo, no Namibe, obteve-se, respectivamente, os seguintes
resultados: 17,5 % e 10,0 % para as mesmas questões feitas aos trabalhadores.
Infelizmente o trabalho de São Luís não refere o grau de escolaridade dos seus
trabalhadores, mas relata que o matadouro estava sob frequente inspecção
oficial enquanto que o matadouro, as salas de abate e talhos do Namibe têm tido
inspecções educativas irregulares e insuficientes. Portanto, este pode ser um
dos motivos para maior sensibilização dos trabalhadores do matadouro de São
Luís em relação ao problema da brucelose. De qualquer modo, o conhecimento
geral dos profissionais da pecuária do Namibe sobre a brucelose é muito
incipiente, pois pouco mais de um terço ouviu falar da doença e sabe que é uma
zoonose.
Apenas pouco mais de um quarto dos profissionais reconheceram as formas de
transmissão da brucelose. Muito poucos apontaram o consumo de leite azedo como
forma de transmissão. O leite azedo (Mahini) é intimamente ligado a vida
nutricional da população pastoril do Namibe. O contacto com restos de animais
teve maior cotação. O desconhecimento da maioria aumenta o risco da
contaminação 21.
Quanto ao conhecimento da prevenção contra a brucelose, o estudo observou de
novo que mais da metade dos profissionais a desconhecem. Mais de um terço dos
criadores referiu a vacina animal como meio de prevenção, provavelmente em
analogia a outras vacinas aplicadas em bovinos. Entretanto, a vacina contra a
brucelose nunca foi aplicada em Angola. Apesar da inexistência da vacina contra
a brucelose animal no Namibe, quase um quarto dos profissionais declararam ter
ouvido falar deste antígeno, ainda que um percentual maior (35,5 %) acredite
tratar-se de um meio eficaz de prevenção. Portanto, há uma razoável
sensibilidade dos profissionais, especialmente dos criadores, em relação à
necessidade de vacinação.
Os criadores de gado bovino são os potenciais consumidores de leite azedo na
sua alimentação diária. Entretanto, um percentual insuficiente dos
profissionais reconheceu que o leite azedo pode transmitir a brucelose.
Da mesma forma, mas em nível um pouco superior, houve reconhecimento de que o
contacto com os materiais fecais de animais transmitem brucelose. O
reconhecimento da necessidade do uso de medidas de biossegurança é insuficiente
no conjunto dos profissionais do gado. Mas o pior é que o grupo dos
trabalhadores, o que mais necessita de medidas de biossegurança, é o que menos
reconhece a sua necessidade. O estudo de São Luis observou que ninguém fazia
uso de máscara, nem de luvas e botas 20, enquanto que em estudo sobre factores
de risco no Município de Correntes (Estado de Pernambuco, Brasil), encontrou-se
73,2 % das pessoas sem fazer uso do equipamento de protecção individual 22. A
observação directa dos trabalhadores do matadouro, salas municipais de abate e
talhos do Namibe mostrou que apenas alguns usavam botas e quase todos o fato de
protecção (ou macacão). Nenhum utilizava todas as medidas de protecção
recomendáveis. Isto é testemunho da fraca vigilância sanitária em Angola.
Para sintetizar o grau de informação sobre o nível de conhecimento a respeito
de brucelose, combinaram-se em uma única variável os elementos: ouviu falar de
brucelose, que a brucelose é uma antropozoonose, como se transmite aos humanos,
suas formas de prevenção, sua transmissão pelo leite azedo ou materiais fecais
de animais, existência da vacina animal e necessidade de uso de equipamentos de
biossegurança. O conhecimento correcto de todos os elementos sobre conhecimento
investigados só foi registrado em 2,1 % dos profissionais. No outro extremo, do
conhecimento completamente equivocado, se posicionaram praticamente um quarto
dos profissionais o que revela que a maioria tem parcos conhecimentos sobre a
brucelose. Em relação aos pontos extremos do conhecimento, completo ou nenhum,
trabalhadores e criadores apresentam semelhanças, o que poderia ser justificado
pelo facto de terem a mesma base cultural tradicional, apesar de diferirem no
grau de instrução formal. Isto indica que a educação formal, dada na juventude,
não determina o conhecimento específico sobre brucelose e provavelmente sobre
outros agravos correlatos de saúde. Porém, ao observar os elementos específicos
do conhecimento, é possível verificar que os criadores parecem ter níveis
maiores do que os trabalhadores, pela comparação dos escores. Isto talvez se
explique pelo fato de que o cuidado dos animais pelos criadores é mais elevado.
Os animais representam valor social e económico mais importante na vida dos
criadores do que na dos trabalhadores.
Nas populações angolanas que vivem da pastorícia, com ênfase os povos Kuvales,
Mumuilas e outros Hereros, o leite azedo é o acompanhante principal dofunji
(pirão de farinha de mandioca ou cereais) na sua ração diária. Dois terços dos
profissionais de gado confirmaram o consumo de leite azedo, enquanto que o
leite fresco só é fervido por um sétimo. Estas atitudes podem potenciar o risco
de infecção pela brucelose. Os estudos dos municípios de São Luís 20 e de
Correntes 22 observaram frequências relativas de consumo de leite cru de 27,1 %
e 78,6 %, respectivamente. Em outro estudo realizado no Município de
Araputanga, Mato Grosso-Brasil, encontrou-se o consumo de leite não
pasteurizado ou não fervido em 62,1 % das propriedades com criação de bovinos
de leite 23.
O percentual de criadores em contacto com excrementos de animais, como era de
esperar, é bem maior do que o dos trabalhadores. Mas, mesmo estes têm contacto
frequente com excrementos o que significa que o risco de infecção é elevado no
conjunto dos profissionais.
Ainda mais, em relação aos trabalhadores são raros os que desinfectam as mãos
durante o trabalho. Por outro lado, o trabalho no matadouro de São Luís
observou que 98,3 % dos trabalhadores desinfectavam as mãos pelo menos antes
das refeições 20. A pouca cultura de higiene básica de lavagem das mãos é uma
fonte real de exposição, uma vez que constitui via importante de transmissão
deBrucella sp. 24. A lavagem das mãos é atitude simples, mas capital na redução
do risco de infecção contra a brucelose, entretanto, a falta de água canalizada
e lavatórios em matadouro, salas de abate e talhos da Província do Namibe
favorece a contaminação contra brucelose.
Em caso de brucelose animal ou quando acontecem abortos, as autoridades
sanitárias orientam os criadores a separar os animais do rebanho durante um
mês. Apenas um quinto dos criadores usa medidas de protecção raras vezes
durante o parto e ainda é menor a fracção daqueles que raramente separam os
animais que abortam do restante do gado. Isto provavelmente se deve ao facto de
que há falhas na comunicação entre autoridades e criadores.
Para sintetizar o grau de informação sobre o nível de profilaxia para brucelose
combinaram-se em uma única variável os elementos: não consumir leite azedo,
ferver o leite fresco, não ter contacto com excrementos de animais e
desinfectar as mãos no trabalho (trabalhadores), e usar medidas de protecção
durante o parto, separar os animais que abortam (criadores). Não houve
diferença entre trabalhadores e criadores quanto à profilaxia que foi
completamente inexistente em pelo menos metade dos profissionais. Nenhum dos
profissionais observou todos os elementos de profilaxia investigados.
Não foi possível inferir que existe uma relação entre nível de conhecimento e
de profilaxia nos profissionais da pecuária da Província do Namibe da República
de Angola. Não houve significância estatística na associação, mas o que é
evidente e relevante é que os níveis de conhecimento e profilaxia são
inadequados. A situação ideal seria aquela em que todos os profissionais
tivessem níveis de conhecimento e de profilaxia completos, mas esta condição
está muito longe da realidade dos profissionais da pecuária do Namibe. Ainda
assim, se houvesse relação perfeita entre conhecimento e profilaxia,
logicamente todas as observações deveriam recair na diagonal da Tabela_4
. Porém, não só isto não aconteceu, como se estimou que apenas 42,6 % das
observações recaem na diagonal correspondente à perfeita concordância entre
conhecimento e profilaxia, ocorrendo grande dispersão de observações fora da
diagonal. Além disto, maior percentual de profilaxia parcial foi observado
entre os de nenhum conhecimento, enquanto que entre os de conhecimento parcial
foi verificado um percentual mais elevado daqueles com nenhuma profilaxia. Este
aparente paradoxo pode ter ocorrido por artefacto, isto é, pelo menos em parte,
sua explicação pode estar relacionada com viéses de resposta, especialmente nas
questões sobre conhecimento, uma vez que o entrevistador é identificado como
agente de saúde.
A brucelose é zoonose listada entre as doenças negligenciadas, segundo a
Organização Mundial de Saúde 25, portanto da sua vigilância deveria participar
um sector da infraestutura responsável pela veterinária em saúde pública. No
Namibe este papel é desempenhado pelo Departamento Provincial de Pecuária que
se vê a braços com número reduzido de veterinários. Como resultado desta
precariedade, a brucelose não é diagnosticada, gerando uma percepção errónea de
que não é um problema relevante na província. Há um esforço por parte do
governo da província em recuperar o sector da pecuária para fortalecer a
economia. Entretanto, o controle da brucelose humana necessita da eliminação de
seu reservatório animal.
Conclusões e recomendações
Os procedimentos utilizados no tratamento dos produtos da pecuária da Província
do Namibe são rudimentares e obsoletos.
O nível de conhecimento dos factores de risco da brucelose humana dos
profissionais da pecuária da Província do Namibe é, de maneira geral,
insuficiente, ainda que em vários aspectos específicos os criadores tenham
demonstrado maior conhecimento do que os trabalhadores de matadouro, talhos e
salas de abate.
O nível de profilaxia contra a brucelose humana adoptado pelos profissionais da
pecuária da Província do Namibe também é, de maneira geral, insuficiente, tanto
por parte de criadores como trabalhadores.
Não há associação entre os níveis de conhecimento dos factores de risco e de
profilaxia da brucelose humana nos profissionais da pecuária da Província do
Namibe.
Portanto, são recomendações deste trabalho: a) elevar o conhecimento de
factores de risco e de profilaxia para brucelose a níveis adequados por meio de
educação, inspecções veterinárias, cumprimento de medidas de biossegurança e
fervura do leite; b) incrementar a vigilância sanitária animal e humana da
brucelose; e, c) incrementar políticas públicas de inclusão da brucelose como
doença prioritária, de aumento dos recursos humanos, de coordenação
interdisciplinar e de realização de estudos.