Discurso do Prof. Paulo Marchiori Buss, por ocasião da sua investidura como
Doutor Honoris Causa da Universidade Nova de Lisboa
Paulo Bussa
Senhor Prof. Dr. António Manuel Bensabat Rendas, Reitor da Universidade Nova de
Lisboa;
Querida amiga Dra. Ana Jorge, Ministra de Estado da Saúde da República
Portuguesa;
Senhor Embaixador do Brasil em Portugal, Embaixador Mario Vilalva;
Senhor Embaixador do Brasil junto à CPLP, Embaixador Pedro Motta Pinto Coelho;
Senhor Secretario Executivo da CPLP, Eng. Domingos Simões Pereira
Querido amigo Professor Paulo Ferrinho, Diretor do Instituto de Higiene e
Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa;
Querido Padrinho, Prof. Gilles Dussault;
Querida amiga Regina Ungerer, do Programa e-português da Organização Mundial da
Saúde;
Sra. Profa. Salwa Castelo-Branco, a quem agradeço as palavras carinhosas com
que me anunciou;
Demais autoridades políticas e universitárias aqui presentes; Queridos amigos e
amigas;
Senhoras e senhores:
Minhas palavras iniciais são do mais sincero e emocionado agradecimento pela
honra que me concede a Universidade Nova de Lisboa ao me conferir o titulo de
Doutor Honoris Causa. É um orgulho ser lembrado por esta jovem Universidade que
lidera as Universidades portuguesas - de tantas tradições nos contextos europeu
e mundial, desde que a primeira Universidade portuguesa foi fundada em 1289 - a
primeira universidade portuguesa, repito, no ranking universitário QS Top World
Universities 2010. De Campolide - ao que sei, uma das sete colinas de Lisboa -
e Caparica, mais do que uma institutição lisboeta ou portuguesa, a NOVA vem se
transformando numa universidade aberta ao mundo e interveniente nos grandes
desafios do Século XXI, com sua investigação competitiva no plano internacional
e seu ensino de excelência em diversos campos do conhecimento humano. Por tudo
isto, orgulha-me ingressar na NOVA pela porta do Doutoramento Honoris Causa.
Encanta-me ter sido colocado ao lado de grandes nomes da cena mundial que foram
agraciados com o título de Doutor desta Universidade, como: Kofi Annan, o ganês
que liderou nas Nações Unidas uma das mais belas iniciativas contemporâneas em
prol da pobreza e da exclusão, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio,
originados na Cúpula do ano 2000; a primeira ministra irlandesa Mary Robinson,
campeã mundial dos direitos humanos; o bioquímico e geneticista francês
François Jacob, do instituto-irmão da Fiocruz em solo francês, o Instituto
Pasteur, que com Monod e Lwoff ganhou o Nobel de Fisiologia de 1965; o Prêmio
Nobel James Tobin, corajoso economista americano que desde a década de 70
alerta para os perigos do capital financeiro especulativo, ao qual propunha
domar com a Tobin Tax; o anatomista brasileiro das Minas Gerais e de São Paulo,
Liberato Didio, cujo livro semeou meus primeiros sonhos como estudante de
Medicina, na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria, no
Rio Grande do Sul, onde me formei em 1972; e o inesquecivel Maestro Antonio
Carlos Jobim, glória da música brasileira, que esta Universidade soube tão
oportuna e justamente homenagear.
Também me honra muito compartilhar esta noite de alegria com o prof. Zahir
Hawass, eminente arqueólogo egípcio, especialista na maravilhosa história de
seu país, que o mundo todo reverencia, pelas impressionantes contribuições à
reconstrução da trajetória da nossa humanidade.
Podem imaginar todos vocês, meus amigos, a imerecida honra de ingressar agora
nesta seleta galeria de personalidades da Universidade Nova de Lisboa?
Ademais, orgulha-me e emociona-me ter sido lembrado pelo Instituto de Higiene e
Medicina Tropical, que integra esta Universidade, o Instituto de tantas glórias
e contribuições à saúde do mundo da lusitanidade, desde 1902, quando foi criado
por Carta de Lei do Rei Dom Carlos, apenas dois anos depois do Instituto
Oswaldo Cruz, o IHMT dos meus amigos Paulo Ferrinho, atual diretor, Jorge
Torgal, ex-diretor, hoje presidente do INFARMED, do meu padrinho e amigo Gilles
Dussault ,e de tantos outros amigos e amigas, entre os quais minha querida ex-
aluna e, nos anos 80, minha vice-diretora na Escola Nacional de Saude Publica
do Brasil, Zulmira Hartz, hoje vice-diretora do Instituto.
Tudo isto soma-se ao grande amor que eu, neto de italianos e alemães, chegados
ao Sul do Brasil no final do século XIX, nutro por este Portugal amoroso, do
fado de Amália, da poesia de Pessoa e Floberla Espanca, da prosa de Camões e
Saramago, dos navegadores que da Torre de Belém, no eterno Tejo, se lançaram ao
mundo, dos homens e mulheres inteligentes e criativos, dos vinhos da generosa
terra ibérica, dos queijos da serra, dos doces conventuais e dos azeites das
oliveiras centenárias. Portugal que me emociona desde que aqui pisei pela
primeira vez, muitos anos atrás, guiado pelas mãos, pelo entusiasmo e pelo
imenso coração de Antonio Lobato de Faria, então diretor da Escola Nacional de
Saúde Pública de Portugal.
Desde então, minha vida acadêmica está entremeada com instituições e colegas
portugueses. Quando diretor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação
Oswaldo Cruz, nos anos 80, estabelecemos uma profícua cooperação com nossa
homônima portuguesa, hoje também uma Unidade Orgânica da NOVA.
As necessidades do mundo da lusitanidade aproximaram-me do Instituto de Higiene
e Medicina Tropical, eu já então presidente da Fundação Oswaldo Cruz. Com
Torgal, a época diretor do IHMT, e o Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge,
realizamos a primeira reunião de Institutos Nacionais de Saúde da CPLP, aqui em
Lisboa.
Como membro da Academia Nacional de Medicina do Brasil e presidente da Fiocruz,
aproximei-as, com colegas portugueses como Maria do Céu Machado e Paulo
Ferrinho, do Ministério da Saúde de Portugal, do IHMT e da Academia Portuguesa
de Medicina - da qual com imensa honra sou membro honorário - e, juntos,
realizamos um evento seminal sobre saúde na colônia e hoje, para comemorar os
200 anos da deslocação da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, fato que
abriu o Brasil ao mundo e definitivamente implantou a lusitanidade nas
Américas.
Depois disto, desenvolvemos junto com a liderança da Comunidade de Países de
Lingua Portuguesa, a nossa CPLP, uma importante iniciativa compartilhada pela
constelação de países de língua portuguesa, o Plano Estratégico de Cooperação
em Saúde, processo em que se destacaram - e os menciono com o receio de
inevitáveis omissões de pessoas - os Ministros Ana Jorge e Temporão, assim como
os demais Ministros da Saúde dos países integrantes da CPLP, os Embaixadores
Luis Fonseca e Lauro Moreira, o Engenheiro Domingos Simões Pereira, atual
Secretario Executivo da CPLP, Maria do Céu Machado, Paulo Ferrinho, Deolinda
Cruz, Felix Rosenberg e Manuel Lapão.
As profundas iniquidades sociais e em saúde, vigentes nestas décadas que cercam
a virada do milênio, também acometem nossos países e, particularmente, os
países africanos de língua portuguesa e o nosso geográfica, mas não
emocionalmente, distante Timor Leste. Juntos, Brasil, Portugal, o Timor e os
PALOP decidiram que era hora de compartilhar experiências e recursos para
enfrentar os determinantes sciais da saúde e reforçar os sistemas de saúde e de
proteção sociais dos nossos países.
Assim, guiados pelo mencionado Plano Estratégico, estamos implementando na CPLP
um dos mais belos exemplos de cooperação sul-sul, preparando recursos humanos,
construíndo redes institucionais estruturantes para os sistemas de saúde dos
nossos países - como as Redes de Institutos Nacionais de Saúde, de Escolas de
Saúde Pública e de Governo em Saúde e de Escolas Técnicas - assim como,
desenvolvendo conceitos e métodos e, mesmo, construindo estruturas físicas.
Enfrentamos doenças e problemas de saúde prevalentes, nos unimos para enfrentar
as situações de emergências e desastres, e procuramos atuar harmonizadamente no
plano internacional da saúde. Tudo isto com o compartilhamento de recursos
financeiros e humanos e competências técnicas, no melhor espírito de
solidariedade e amizade, unidos por nosso único e belo idioma. Ao falar sobre o
português devo mencionar o extraordinário labor de organização e divulgação de
trabalhos técnico-científico em saúde no nosso idioma, que vem sendo realizado
pela OMS, na pessoa da Dra. Regina Ungerer, aqui presente, que dirige o
programa e-portugues daquela organização.
Ademais da cooperação sul-sul no contexto multilateral da CPLP, tampouco posso
deixar de mencionar a ativa cooperação bilateral da FIOCRUZ, minha instituição,
com Portugal e os PALOP. Com a NOVA, o IHMT, o Instituto Ricardo Jorge e outros
Institutos e Universidades portuguesas estamos intensificando os intercâmbios
de pesquisadores, professores e estudantes de pós-graduação, a realização
conjunta de projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico em medicina e
saúde pública, assim como publicações bi-laterais.
Com os PALOP, a Fiocruz tem contribuído com programas de mestrado, doutorado e
especializações, realizados nos próprios países africanos, caso de Moçambique e
Angola e, mais recentemente, desenvolvemos planos similares com Cabo Verde e
Guiné Bissau. A FIOCRUZ colabora com importantes recursos financeiros e
técnicos para a implantação de uma fábrica de medicamentos anti-retrovirais e
outros genéricos em Moçambique. FIOCRUZ e IHMT estão planejando a implementação
conjunta do primeiro doutorado interinstitucional para os países africanos de
lingua portuguesa, o que certamente marcará uma nova fase no conceito e na
prática da cooperação sul-sul.
E o que chamo de "cooperação estruturante em saúde", porque deixa resultados
permanentes e sustentáveis, ao ajudar estruturar instituições e preparar seus
dirigentes e pessoal técnico-cientifico.
A NOVA e a Fiocruz, estão portanto irmanadas neste belo projeto de cooperação
sul-sul. A cultura da NOVA a lança não apenas para a Europa, mas também para a
África e as Américas. Não poderia ser diferente neste mundo globalizado.
Mundo que lamentavelmente vê-se jogado pela especulação do capital financeiro
apátrido e irresponsável numa crise sem precedentes, que roubou lares, empregos
e sonhos de milhares de famílias por todo mundo, que aumentou as iniquidades
sociais e sanitárias e que ameça subtrair dos jovens a esperança de um mundo
melhor. A saúde vê-se ameaçada de retrocesso: o aumento da mortalidade materna
e na infância, a re-emergência de doenças infecciosas e parasitárias, a crise
alimentar e a manutenção da fome e da desnutrição e as consequências do câmbio
climático sobre o ambiente e a saúde humana - como se verificou nesta semana
com a tragedia das inundações e deslizamentos de terra no Rio de Janeiro, que
nos roubou mais de 800 preciosas vidas de brasileiros - são flagelos
persistentes, que se aprofundam nestes tempos de crise global.
Minha participação como representante do Brasil no Comitê Executivo da
Organização Mundial da Saúde tem sido marcada pela incessante luta em defesa da
saúde e da vida, procurando enfrentar estes problemas com soluções que
mobilizem as políticas econômicas e sociais em prol da saúde e da qualidade de
vida, com equidade e justiça social. Com muitos outros atores, estou
comprometido com a reforma da arquitetura e da governança da saúde global,
reforçando o multi-lateralismo sadio, democratizando o sistema de poder e
dando-lhe mais transparência e eficiência.
Quero ainda compartilhar com vocês os novos projetos com os quais hoje estou
envolvido. Trata-se, no plano global, da realização, no Rio de Janeiro, em
outubro deste ano, da Conferencia Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde,
em cooperação com a OMS, evento no qual reuniremos dirigentes públicos de
diversos setores e representantes da sociedade civil de todos os países do
mundo para estabelecer uma estratégia e um plano global por meio do qual
possamos enfrentar e resolver o flagelo das iniquidades sociais e sanitárias
vigentes.
De outro lado, estou engajado na construção de uma nova entidade, o Instituto
Sul-americano de Governo em Saúde, integrante da União Sul-americana de Nações,
por meio da qual pretendemos formar os dirigentes públicos do mais alto nível
dos sistemas de saúde dos doze países sul-americanos.
Espero poder contar com a NOVA em ambas as iniciativas. Muito poderia ainda ser
dito, mas não vejo necessidade de alongar muito mais minhas palavras. Eu já as
disse eloquentemente em inúmeros papers acadêmicos e livros. Faço apenas uma
profissão final de fé na ação dos homens e as mulheres de bem aqui reunidos,
que hão de reagir a esta crise sistêmica e global do capitalismo, reforçando os
laços de amizade e solidariedade entre povos, Estados nacionais e indivíduos,
como sonhamos realizar no mundo da lusitanidade.
Como diz o maestro e compositor brasileiro Antonio Carlos Jobim, tambem doutor
honroris causa desta Universidade, na sua bela canção 'Wave', "é impossível ser
feliz sózinho". Então, ao finalizar, gostaria de poder realizar o impossível
desejo de abraçar pessoalmente a cada membro da NOVA, a cada um dos seus mais
de 18 mil alunos, 1.100 docentes e 750 funcionários pois, a partir de hoje, com
muito orgulho, emoção e felicidade, sou um de vocês!
Muito obrigado!
Lisboa, 18 de Janeiro de 2011