Exposição ocupacional a citostáticos e efeitos sobre a saúde
Os fármacos antineoplásicos são cada vez mais utilizados quer na terapêutica de
doenças malignas quer com intuitos profiláticos (terapêutica adjuvante) e num
espetro crescente de patologia benigna (doenças autoimunes, doenças
inflamatórias crónicas do foro gastroenterológico ou reumatológico, entre
outras). Têm em comum o facto de poderem lesar o genoma celular (efeito
genotóxico). Idealmente, deveriam afetar apenas as células neoplásicas; os
fármacos disponíveis, no entanto, embora afetem preferencialmente as células
malignas, são relativamente inespecíficos, afetando simultaneamente o genoma
das células normais e condicionando assim efeitos adversos para a saúde quer
dos doentes tratados quer dos profissionais de saúde a eles expostos.
A genotoxicidade dos citostáticos tem sido evidenciada por estudos in vitro em
diversos tipos de células. Yamada (2000)1, por exemplo, demonstrou a existência
de aberrações cromossómicas e de mutações induzidas pela exposição a 5
citostáticos numa linha celular linfoide. Boos2 estudou os efeitos dos
inibidores da topoisomerase ii sobre células linfoides de ratinho e verificou
que estes induziram um aumento da frequência de micronúcleos e do grau de lesão
do ADN medido pelo comet assay. Aydemir3 avaliou os efeitos genotóxicos da
gemcitabina in vitro sobre linfócitos humanos utilizando o teste de aberrações
cromossómicas e o teste de troca de cromátides irmãs (Sister Chromatid Exchange
- SCE), tendo verificado que induz um aumento significativo de ambos em todas
as concentrações testadas. Num estudo mais recente, demonstrou-se que o
etoposido partilha com o metabolito do benzeno hidroquinona a capacidade de
originar endorreduplicação cromossómica (amplificação do ADN sem a divisão
celular correspondente), mecanismo que pode levar a hiperploidia4.
A genotoxicidade dos citostáticos tem sido também demonstrada in vivo em
modelos de ratinho, nomeadamente sobre as células hematopoiéticas da medula
óssea (aumento da frequência de aberrações cromossómicas e de micronúcleos)5,6
e sobre as células espermáticas (aneuploidia e aberrações cromossómicas
estruturais, detetadas por hibridização in situ)7.
Existem ainda estudos evidenciando a genotoxicidade dos citostáticos em doentes
com cancro tratados com estes agentes, traduzida num aumento da frequência de
micronúcleos8,9,10,11 e no aumento do grau de lesão do ADN medido pelo comet
assay12.
Em profissionais expostos a citostáticos, várias publicações referem uma
frequência aumentada de diversos indicadores biológicos de genotoxicidade como
sejam aberrações cromossómicas13,14,15,16,17,18, troca de cromátides
irmãs15,17,19,20,21, micronúcleos19,22,23, lesão do ADN detetada por comet
assay24,25,26,27,28 e mutações29,30, geralmente avaliadas em linfócitos do
sangue periférico.
Exposição ocupacional a citostáticos
Para além dos doentes com cancro, expostos a efeitos genotóxicos sobre as
células normais por inerência da terapêutica da sua patologia, determinados
grupos profissionais estão expostos, pelas exigências da sua atividade de
trabalho, a estes fármacos. Destacam-se os profissionais de enfermagem,
responsáveis pela administração da terapêutica citostática, e os profissionais
das farmácias hospitalares, responsáveis pela sua preparação.
A exposição profissional parece ocorrer preferencialmente por via cutânea,
resultante da manipulação direta dos fármacos ou contacto com superfícies e
equipamentos contaminados31,32. Diversos estudos confirmam que existe
contaminação generalizada das superfícies de trabalho, paredes, pavimentos,
roupas de vestir e de cama de doentes tratados e recipientes que contêm ou
contiveram secreções e excreções destes em todas as situações de trabalho, quer
ao nível da preparação pelos técnicos de farmácia quer ao nível da
administração pelos profissionais de enfermagem (Quadro 1). Os doentes tratados
eliminam quantidades importantes de citostáticos através das secreções e
excreções após a terapêutica e constituem assim uma possível fonte adicional de
contaminação31. Fransman32, por exemplo, demonstrou existirem quantidades
significativas de citostáticos nas roupas de cama de doentes tratados,
justificando a recomendação de que estas sejam transportadas em separado e
sujeitas a pré-lavagem antes de serem misturadas com as restantes roupas33.
Quadro_1 Estudos da contaminação do ar ambiente e de superfícies/equipamentos
de trabalho
Apesar da utilização, atualmente quase generalizada, de câmaras de fluxo
laminar vertical, demonstrou-se que existe contaminação das superfícies
exteriores da câmara e de zonas relativamente distantes, resultante quer da
dispersão aérea do agente quer de transferência por mãos e objetos
contaminados34. Foi detetada contaminação de paredes, pavimentos, bancadas e
dos mais diversos equipamentos e objetos de trabalho. Cavallo35, por exemplo,
detetou contaminação no exterior das bombas infusoras, nos braços das cadeiras
usadas para administrar os citostáticos e nas tampas dos contentores de
resíduos. Brouwers et al.36, num estudo conduzido em 7 farmácias hospitalares
holandesas, detetaram contaminação em 94% das amostras provenientes de diversas
superfícies, nomeadamente no exterior das câmaras de fluxo laminar, pavimentos,
trincos das portas, manípulos dos sistemas de transferência de citostáticos e
prateleiras das zonas de armazenamento.
A introdução das atuais ampolas seladas representou uma melhoria substancial em
relação ao uso das antigas, que tinham de ser quebradas para extração do
conteúdo. No entanto, a superfície externa destas ampolas está frequentemente
contaminada, contribuindo para a exposição cutânea a estes agentes37,38.
Touzin38, por exemplo, detetou contaminação externa com ciclofosfamida em 13 de
20 ampolas analisadas. Algumas soluções de citostáticos podem permear as
seringas, passando diretamente para as mãos do trabalhador39. Foi detetada
ainda contaminação da superfície exterior das embalagens contendo citostáticos,
antes da abertura, sugerindo que é necessária a proteção mesmo durante o
desembalamento39.
A maior parte dos estudos descrevem níveis mais elevados de contaminação nas
zonas de preparação em relação às de administração40,41, mas a frequência de
amostras positivas é frequentemente semelhante41. Nas zonas de administração,
alguns estudos sugerem diferenças entre o ambulatório (hospital de dia) e o
internamento (enfermaria), associando-se este último a maiores níveis de
contaminação42.
Por outro lado, existem dados que indiciam que diversas das medidas de
prevenção utilizadas têm eficácia limitada. A eficiência das câmaras de fluxo
laminar vertical tem sido contestada, particularmente para a ciclofosfamida,
que pode vaporizar à temperatura ambiente, originando partículas inferiores aos
poros dos filtros HEPA (High Efficency Particulate Air)31. De modo mais
significativo ainda, todas as luvas têm revelado em trabalhos experimentais
serem permeáveis aos citostáticos. Nos anos 80, Connor43 estudou a
permeabilidade de luvas de látex e de PVC à carmustina e verificou que todas
apresentavam permeação aos 90 minutos, sugerindo que a proteção oferecida é
insuficiente. Os mesmos resultados obtiveram Laidlaw44, que estudou a
permeabilidade de luvas de látex e PVC a 20 agentes citostáticos, tendo
demonstrado haver permeação a todos eles, com uma intensidade dependente da
espessura das luvas. Colligan45 estudou, também em condições experimentais, a
permeabilidade dos mesmos 2 tipos de luvas à ciclofosfamida e verificou que os
primeiros sinais de permeação ocorreram aos 10 minutos no caso das luvas de
látex e aos 20 minutos no caso das luvas de PVC. Num estudo mais recente, foi
testada a permeabilidade de 13 tipos diferentes de luvas (incluindo látex, PVC,
nitrilo e neopreno) a diversos citostáticos, tendo sido demonstrado que, após
uma hora, todos os materiais apresentavam permeação, baixa mas significativa, a
pelo menos um dos citostáticos testados46. Esta permeabilidade das luvas aos
citostáticos é evidenciada também pelos estudos em trabalhadores de saúde que
demonstraram existirem níveis significativos de citostáticos na superfície
interior das luvas, em contacto direto com a pele25,32,47,48,49,50. Também o
interior das máscaras e batas utilizadas pode apresentar níveis detetáveis
destes agentes, contribuindo para a exposição cutânea dos
trabalhadores25,48,49.
Os produtos de limpeza utilizados nem sempre são eficazes na neutralização de
citostáticos de uso comum, como sejam a ciclofosfamida e o 5-fluoruracilo51.
A atestar que esta contaminação generalizada das superfícies e equipamentos de
trabalho resulta em contaminação cutânea dos profissionais expostos, estão os
diversos estudos em que foi demonstrada a presença de citostáticos em diversas
regiões corporais, sobretudo ao nível das mãos28,32,49. Estes achados
demonstram que, efetivamente, os procedimentos de segurança e os equipamentos
de proteção individual são insuficientes para prevenir a exposição cutânea, com
consequente risco de absorção por esta via.
Apesar de parecer, pelos dados disponíveis, de menor importância, a via
inalatória poderá desempenhar um papel adicional nalguns casos. Alguns
citostáticos, como a ciclofosfamida, podem vaporizar à temperatura ambiente31.
Determinados tipos de manipulação (transferência de formulações líquidas com
seringa sob pressão, utilização de preparados sólidos sob a forma de pó ou
esmagamento de comprimidos) podem gerar a formação de aerossóis ou poeiras
suscetíveis de serem inalados31. Nalguns estudos efetuados com bombas de
amostragem individual, foi detetada a presença de citostáticos no ar ambiente,
embora este achado não seja tão frequente nem tão generalizado como a
contaminação de superfícies48,49,52.
Para além da exposição crónica a baixas doses, a exposição acidental a elevadas
quantidades de citostáticos pode constituir uma fonte não negligenciável de
dose interna. Assim, um estudo recente de Kopjar17 revelou que uma percentagem
significativa dos trabalhadores referia episódios de exposição aguda
relacionada com quebra/rotura de ampolas e sacos de citostáticos (43%), derrame
do seu conteúdo (39%) ou picadas com cortantes contaminados (13%).
Esta exposição, predominantemente a nível cutâneo e de forma secundária por via
inalatória, associa-se a absorção significativa destes agentes. Tal é
evidenciado por diversos estudos utilizando biomarcadores de exposição e que
demonstram consistentemente a presença de citostáticos ou dos seus metabolitos
na urina25,28,35,41,47,49,52,53,54,55,56,57,58,59,60. Havendo absorção e dose
interna, haverá potencialmente risco de efeitos adversos para a saúde.
Efeitos adversos para a saúde
Os doentes tratados com citotóxicos desenvolvem frequentemente efeitos tóxicos
agudos (mucosite, alopécia, diarreia, citopénias); a exposição ocupacional, no
entanto, não tem sido associada a este tipo de efeitos, exceto no contexto de
acidentes envolvendo quantidades elevadas de fármaco31.
Alguns estudos parecem indiciar que, em condições particulares, alguns
profissionais expostos poderão apresentar uma prevalência aumentada de alguns
sintomas atribuíveis a toxicidade aguda dos citostáticos. No início dos anos
90, um estudo realizado nos EUA61 refere, num grupo de enfermeiras expostas a
citostáticos, uma prevalência superior de diversos sintomas (gastrointestinais,
neurológicos, alérgicos, sistémicos) relacionada com uma possível toxicidade
aguda dos citostáticos, estando o número de sintomas associado à intensidade de
exposição cutânea (avaliada pelo número de doses manipulada e pela utilização
ou não de luvas durante a manipulação). Mais recentemente, um estudo realizado
por Krstev62 na Sérvia analisou 186 enfermeiras expostas a fármacos
antineoplásicos por comparação com um grupo controlo de 77 enfermeiras não
expostas. Foi constatada, no grupo exposto, uma frequência significativamente
maior de sintomas como alopécia (OR = 7,14), rash cutâneo (OR = 4,7) e sensação
de lipotímia (OR = 4,78), com uma regressão significativa nos fins de semana
(OR = 4,78). Num estudo semelhante oriundo da Polónia, Walusiak63 refere, em
104 profissionais expostos e 103 controlos não expostos, uma prevalência
aumentada de alopécia no grupo exposto (50,6% versus 10,7%).
Na interpretação destes resultados, deve ter-se em consideração que estes 3
estudos podem traduzir realidades particulares não generalizáveis à maior parte
dos ambientes de trabalho atuais. Por exemplo, o estudo de Valanis61 incluíu
profissionais expostas nos anos 70 e início dos anos 80, antes da implementação
generalizada das medidas preventivas atualmente em vigor na maior parte dos
locais de trabalho dos EUA, que ocorreu em meados dos anos 80. Os profissionais
incluídos no estudo sérvio de Krstev62, por seu lado, não estavam em grande
parte abrangidos por estas medidas, referindo os autores que apenas 38%
utilizava câmaras de fluxo laminar para a preparação dos citostáticos, 57%
máscaras (embora 82% referissem usar luvas) e que na maior parte dos locais de
trabalho não existiam procedimentos escritos nem contentores específicos para
material contaminado. O estudo polaco de Walusiak63 não refere dados
suficientes para se aferirem as condições da atividade de trabalho. Numa meta-
análise recente64, em que foram analisados todos os estudos publicados até
2004, foi considerado não existirem dados suficientes para calcular o risco de
efeitos agudos em profissionais expostos a citostáticos.
Tendo em conta a genotoxicidade comum a todos os fármacos antineoplásicos, os
efeitos a longo prazo que maior investigação têm merecido prendem-se com o
aumento da incidência de determinados tipos de cancro e com os possíveis
efeitos sobre a reprodução e o desenvolvimento.
Carcinogenicidade
De acordo com a IARC (International Agency for Research on Cancer), 7 fármacos
citotóxicos possuem evidência suficiente para serem considerados carcinogénicos
para o Homem (Quadro 2), com base no risco de cancro de doentes tratados. Esta
evidência inclui as associações entre terapêutica com agentes alquilantes ou
inibidores da topoisomerase II e leucemia mieloide aguda e entre terapêutica
com ciclofosfamida e neoplasia da bexiga. Com base nestas associações,
Sessink54 publicou nos anos 90, um trabalho extremamente interessante visando
calcular o risco teórico de cancro em profissionais expostos a ciclofosfamida,
o agente antineoplásico sobre o qual existem mais dados disponíveis na
literatura. Teve em conta os dados de modelos animais, o risco de tumores
secundários em doentes tratados com ciclofosfamida e os valores disponíveis de
marcadores biológicos de exposição (ciclofosfamida urinária) em profissionais
de saúde expostos. Por extrapolação, estimou um risco aumentado, semelhante
para a leucemia e para o carcinoma da bexiga, de 1,4 a 10 casos/milhão/ano.
Quadro_2 Fármacos antineoplásicos classificados pela IARC quanto à sua
carcinogenicidade (vols 1-100, revisto agosto/2010)
Leucemia mieloide
Diversos agentes alquilantes isolados (bussulfan, melfalan, clorambucil,
treossulfan) ou em associação como o MOPP (Mostarda nitrogenada + Oncovina +
Procarbazina + Prednisona) e outros esquemas similares, bem como o inibidor da
topoisomerase II etoposido, estão classificados pela IARC no grupo I pela sua
associação com leucemia mieloide aguda. O aumento da incidência de síndrome
mielodisplásica (SMD) e de leucemia mieloide aguda (LMA) após terapêutica
antineoplásica está descrito desde os anos 7065 e foi confirmada por estudos
posteriores66,67. As síndromes mielodisplásicas e leucémias pós-terapêutica
representam 10-15% do total de casos e estão descritas após terapêutica com
agentes alquilantes e com inibidores da topoisomerase II68. Esta terapêutica
associa-se a um risco de SMD e LMA 100 vezes superior ao da população geral68.
Globalmente, a LMA pós-terapêutica responde pior ao tratamento do que a LMA de
novo e apresenta pior prognóstico. Em termos clínicos e citogenéticos, estão
descritos 2 tipos de LMA pós-terapêutica68,69: a) a LMA associada aos
alquilantes, caracterizada por um período de latência médio de 5-7 anos, por
ter um SMD antecedente e por apresentar deleção completa ou parcial do
cromossoma 5 e/ou do cromossoma 7 e cujo risco está relacionado com a dose
cumulativa de terapêutica alquilante; b) a LMA associada aos inibidores da
topoisomerase II, caracterizada por um período de latência médio de 2 anos, por
ausência de um SMD antecedente e por apresentar translocações equilibradas do
braço longo do cromossoma 11 envolvendo o gene MLL (Mixed Lineage Leukemia),
localizado em 11q23, cujo risco é independente da dose cumulativa de
terapêutica.
No que diz respeito a um possível aumento da incidência destas síndromas
hematológicas em profissionais de saúde expostos a citostáticos, existem alguns
dados publicados que são sugestivos duma associação, embora se esteja longe de
uma relação comprovada. Nos anos 90, Skov70 publicou um trabalho em que foram
estudadas enfermeiras de unidades de oncologia (275) versus outras enfermeiras
(765), tendo sido detetado um aumento significativo do risco de leucemia
mieloide nas primeiras (RR = 10,65), embora apenas à custa de 2 casos (1 LMA e
1 LMC). Estudos posteriores mais alargados, de base populacional, descrevem um
aumento da mortalidade por leucemia mieloide em profissionais de
saúde71,72,73,74, mas em nenhum deles foi avaliada especificamente a exposição
a citostáticos. A exposição dos profissionais de saúde a outros agentes
possivelmente leucemogénicos (radiações ionizantes, formaldeído, gases
anestésicos, óxido de etileno) torna impossível estabelecer relações
etiológicas com base nestes estudos. De acordo com estas limitações dos dados
publicados, Dranitsaris64 considera na sua meta-análise que não existem dados
suficientes para calcular um risco de cancro de causa ocupacional em
trabalhadores expostos a citostáticos.
Neoplasia da bexiga
Outra associação bem estabelecida é a da terapêutica com ciclofosfamida e risco
de neoplasia da bexiga. A ciclofosfamida é um agente alquilante com elevada
toxicidade para o epitélio vesical, originando quer efeitos agudos (cistite
hemorrágica) quer aumento a longo prazo do risco de neoplasia da bexiga. A
prevalência de neoplasia da bexiga em doentes tratados com ciclofosfamida
atinge os 10% aos 11-16 anos e a maior parte dos tumores são carcinomas de
células de transição, embora estejam descritos tipos histológicos mais raros75.
Não existe, no entanto, do nosso conhecimento, nenhuma publicação com
incidência aumentada desta neoplasia em profissionais expostos a citostáticos.
Outras neoplasias
Foi sugerido também aumento do risco de outros tipos de cancro para além dos
referidos, que seriam à partida os expectáveis com base nos efeitos descritos
em doentes tratados com citostáticos. No final dos anos 90, um estudo de caso-
controlo76, embora de pequenas dimensões (59 casos e 118 controlos), sugere um
aumento do risco de cancro da mama em enfermeiras de oncologia (OR = 1,65).
Mais recentemente, Ratner et al.77 et al. descrevem, num estudo de coorte de
maior dimensão (56.213 enfermeiras), um aumento da incidência de neoplasia da
mama (RR = 1,83 para IC = 95%) e, no subgrupo das profissionais com maior
exposição, de cancro do reto (RR = 1,87 para IC = 95%).
Efeitos sobre a reprodução e desenvolvimento
Os agentes antineoplásicos são simultaneamente citotóxicos e genotóxicos para
as células germinais. Os possíveis efeitos incidem, por um lado, sobre a
capacidade reprodutiva (redução da fertilidade ou mesmo esterilidade,
transitórias ou definitivas, aumento do risco de anomalias genéticas da linha
germinal, com possível impacto a longo prazo sobre a descendência) e, por
outro, sobre o desenvolvimento, imediato ou a longo prazo, de fetos ou embriões
diretamente expostos.
Efeitos sobre a capacidade reprodutiva
A toxicidade dos citostáticos para as células germinais, tanto masculinas como
femininas, é confirmada por diversos modelos animais7,78,79,80. Relativamente
às células germinais masculinas, os agentes alquilantes são mutagénicos para
todos os estádios de maturação, embora não pareçam ocasionar aneuploidia ou
translocações cromossómicas transmissíveis78. Os derivados da platina podem
induzir aberrações cromossómicas, também transitórias e sem repercussão sobre a
descendência80. Os alcaloides da vinca interferem com o fuso mitótico e
originam elevadas taxas de aneuploidia, que ao nível da linha germinal
masculina se parecem traduzir em citotoxicidade para os espermatócitos
primários80. Os inibidores da topoisomerase ii são potentes indutores de
anomalias cromossómicas, tendo sido demonstrado, num modelo de ratinho7, que o
etoposido não só induz aberrações cromossómicas nas células germinais
masculinas, como estas células podem transmitir as lesões à descendência,
resultando num esperma com níveis persistentemente elevados de anomalias
cromossómicas, tanto numéricas como estruturais, muitos anos após ter cessado a
exposição ao agente. Também Palo81 demonstrou, para o antimetabolito citosina-
arabinosido, a indução de aberrações cromossómicas das células germinais
masculinas, algumas das quais transmitidas às células maduras. Relativamente às
células germinais femininas, os agentes alquilantes têm sido associados, em
modelos animais, a aborto espontâneo80, enquanto que os derivados da platina
podem induzir mutações letais, conduzindo a morte embrionária precoce80. A
exposição de células germinais femininas a alcaloides da vinca tem sido
associada, também em modelos animais, a malformações fetais resultantes da
fecundação de óvulos aneuploides80.
Efeitos adversos sobre a reprodução estão bem descritos em doentes tratados. No
homem estão descritas esterilidade (geralmente transitória) e anomalias
genéticas dos espermatozoides, embora tal não pareça traduzir-se em efeitos
adversos sobre as futuras gravidezes82. Os agentes alquilantes, em particular,
são extremamente citotóxicos para as células germinais masculinas, causando
depleção ou aplasia do epitélio germinal dos testículos com a consequente
oligospermia ou azoospermia, que apresentam baixa taxa de recuperação a longo
prazo80. Na mulher, a terapêutica com citostáticos associa-se, com alguma
frequência (dependendo do esquema terapêutico e da idade e função ovárica da
mulher) a insuficiência ovárica e menopausa prematura82. Os alquilantes são
também aqui particularmente tóxicos, provocando fibrose ovárica com depleção de
folículos e oocitos, acompanhados de taxa elevada de infertilidade80. Muitas
mulheres, no entanto, recuperam a fertilidade e, ao contrário do sugerido pelos
estudos animais, estas gravidezes não apresentam aumento da frequência de
aborto nem de malformações congénitas quando comparadas com as da população em
geral82.
Efeitos sobre o desenvolvimento
Após administração materna, a maior parte dos agentes citostáticos atingem o
embrião/feto em concentrações significativas, uma vez que a placenta não
representa uma barreira eficaz contra estes agentes80. A exposição in utero a
citostáticos tem efeitos imediatos comprovados sobre o desenvolvimento
embrionário e fetal, que vão depender, em parte, da idade gestacionária. A
exposição muito precoce, logo após a conceção, quando o embrião apresenta uma
relativa resistência aos efeitos teratogénicos dos citostáticos, traduz-se
habitualmente em morte embrionária e aborto espontâneo80. Da exposição durante
o período de organogénese, que decorre durante o primeiro trimestre, é
expectável que possam surgir malformações fetais. Os efeitos teratogénicos do
metotrexato, por exemplo, são relativamente bem conhecidos: a exposição pré-
natal a este agente, durante fases críticas da embriogénese (o período mais
crítico parece ocorrer entre as 6 e as 8 semanas), causa uma síndrome
característica com múltiplas malformações83. Também para a ciclofosfamida foi
descrita, como consequência da exposição materna durante o primeiro trimestre,
uma síndrome característica de malformações congénitas84. Globalmente, a
terapêuticos citostáticos durante o 1.° trimestre da gravidez associa-se a
malformações major em 10-20% dos fetos, atingindo de forma semelhante todos os
órgãos e sistemas83,84,85,86. O risco de anomalias após quimioterapia
administrada durante o 2.° e o 3.° trimestres é provavelmente baixo, embora
tenham sido descritos casos de atraso de crescimento e mielossupressão fetal
como consequência de terapêutica no 3.° trimestre87.
Mais difíceis de avaliar são as repercussões a longo prazo da exposição in
utero a citostáticos. Foram estudados os efeitos sobre a função intelectual e
neurológica, uma vez que o sistema nervoso se continua a desenvolver após o 1.°
trimestre e é sensível às agressões durante todo o período de gestação ' estas
poderão não ter tradução em termos de defeitos anatómicos, mas resultar num
deficiente desenvolvimento a longo prazo80. Estão publicados 2 estudos
avaliando o desenvolvimento neurocognitivo a longo prazo em crianças expostas a
citostáticos in utero e, em ambos, não foram detetatadas diferenças
relativamente a valores de controlo comparáveis80.
Outro aspeto consiste na possibilidade de efeitos relacionados com mutações não
letais, sem tradução imediata, que poderiam resultar num futuro aumento do
risco de cancro. Esta possibilidade é levantada pelos resultados de alguns
estudos experimentais em animais, demonstrando, por exemplo, que a exposição in
utero de células germinais hematopoiéticas ao etoposido em baixas doses é
suficiente para provocar aumento das quebras do ADN e induzir translocações
específicas, envolvendo o gene MLL88. Estas alterações genéticas são
semelhantes às descritas nas LMA do adulto que surgem após terapêutica com este
tipo de citostáticos, tendo sido sugerido que a exposição materna a estes
agentes aumentaria o risco de um tipo particular de leucemia que surge nos
primeiros 12 meses de vida (Leucemia Aguda Infantil) e que apresenta como
anomalia genética característica precisamente a presença de rearranjos do gene
MLL. No Homem está demonstrada a presença, em descendentes de mães tratadas com
citostáticos durante a gravidez, de anomalias cromossómicas estáveis, como, por
exemplo, a translocação recíproca equilibrada entre os cromossomas 5 e 20
associada ao metotrexato86. Num estudo envolvendo 217 mães tratadas com
quimioterapia durante a gravidez89 foram detetados 2 recém-nascidos portadores
de anomalias cromossómicas estáveis sugerindo que este fenómeno, embora
relativamente raro, pode ocorrer.
Estes dados dizem respeito à exposição a doses elevadas de citostáticos, no
contexto da terapêutica de doenças neoplásicas. A questão sobre se a exposição
crónica a baixos níveis destes agentes, no contexto profissional, se pode
também repercutir de forma adversa sobre a reprodução ou sobre o
desenvolvimento embrio-fetal é um assunto ainda em aberto. Os efeitos mais
investigados e sobre os quais existem dados mais consistentes são o aborto
espontâneo e as malformações congénitas.
Relativamente ao risco de aborto espontâneo, nos anos 80, Selevan90 publicou um
primeiro estudo caso-controlo conduzido em enfermeiras de 17 hospitais
finlandeses, tendo detetado uma associação significativa entre exposição a
citostáticos e perda fetal (OR = 2,30). Por outro lado, na mesma altura, em
outro estudo semelhante, conduzido por Hemminki91, e que incluiu 217 casos e
571 controlos, não se verificou associação significativa entre exposição a
citostáticos e risco de aborto espontâneo (OR = 0,8). Já nos anos 90, Stucker92
publica um terceiro estudo de caso-controlo, realizado em 4 hospitais
franceses, no qual é evidenciado, em profissionais expostas a citostáticos, um
aumento do risco de aborto espontâneo (OR = 2,0); Skov70, pelo contrário, num
estudo também caso-controlo (incluindo 1.282 enfermeiras de oncologia e 2.572
outras enfermeiras) não verificou associação entre exposição a citostáticos e
aborto (OR = 0,76). Valanis93 publicou também um estudo caso-controlo
transversal, incluindo 2.976 enfermeiras e técnicas de farmácia, referindo
existir associação significativa entre exposição a citostáticos durante a
gravidez e risco de aborto espontâneo (OR = 1,5). Na meta-análise de
Dranitsaris64, que inclui todos os estudos referidos, conclui-se haver uma
associação de fraca intensidade entre exposição a citostáticos e aborto (RR =
1,64).
Existem diversos estudos referindo um aumento da frequência de malformações
congénitas em profissionais expostas a agentes citostáticos. Hemminki91 refere,
num estudo caso-controlo (46 casos versus 128 controlos), um risco aumentado de
malformações congénitas (OR = 4,7). Também nos anos 80, McDonald94 refere, num
grupo de 152 grávidas com história de manipulação de citostáticos durante a
gravidez, 8 anomalias congénitas versus 4,05 esperadas (p = 0,05). Mais
recentemente, em outro estudo de caso-controlo95 que envolveu 851 gravidezes,
100 das quais associadas a fenda palatina, e 751 com recém-nascidos saudáveis,
foi assinalada uma relação entre exposição ocupacional a agentes
antineoplásicos e fenda palatina (OR = 5,0). Também Walusiak63 refere um
aumento de malformações congénitas em profissionais expostas a citostáticos
durante a gravidez (4/84 gravidezes versus 1/169 gravidezes) e, posteriormente,
Ratner et al.77 descrevem um aumento da frequência de malformações congénitas
do olho (OR = 3,46 para IC = 95%). Em sentido contrário, Skov70, num estudo
caso-controlo com 1.282 enfermeiras expostas a citostáticos e 2.572 enfermeiras
controlo, não detetou aumento da frequência de malformações congénitas nas
expostas (OR = 1,02). Numa perspetiva geral, assinale-se a meta-análise já
citada64, incluindo todos os trabalhos publicados entre 1966 e 2004, que não
revelou associação significativa entre exposição a citostáticos e malformações
congénitas (OR = 1,46).
Outros efeitos estudados na área da reprodução incluem a gravidez ectópica, com
a qual não foi detetada associação96, a disfunção menstrual, com a qual foi
referida uma associação positiva com OR = 3,497 e a redução da fertilidade
feminina, igualmente com associação positiva, OR = 1,598. Do nosso
conhecimento, não existem estudos publicados avaliando possíveis efeitos
tardios sobre os descendentes de mães com exposição ocupacional a citostáticos
durante a gravidez, nomeadamente sobre o desenvolvimento neurocognitivo e o
risco de cancro. O facto de estes efeitos não terem sido cabalmente comprovados
no caso da exposição terapêutica, com doses elevadas durante curtos períodos de
tempo, não significa necessariamente que não existam efeitos da exposição
profissional, com doses baixas mas ocorrendo durante períodos muito mais
prolongados. Como dado indireto, uma revisão de Savitz99 incidindo sobre
diversos estudos epidemiológicos que procuraram correlacionar a profissão
materna e paterna com a incidência de cancro nos descendentes, concluiu existir
evidência de uma associação forte entre a ocupação materna como técnica de
farmácia e a incidência de leucemia (OR = 3,2).
Outros efeitos crónicos sobre a saúde
Existem alguns dados, embora escassos e geralmente em estudos de pequena
dimensão, sobre outros efeitos crónicos para a saúde da exposição ocupacional a
citostáticos. Os mais documentados são os que ocorrem sobre o sistema
imunitário. Nos anos 80, Jochimsen100 comparou alguns parâmetros hematológicos
de enfermeiras com exposição a citostáticos em situação basal e após um teste
de estimulação com prednisolona, com o objetivo de averiguar se existiam
anomalias fenotípicas subclínicas semelhantes às descritas em doentes
submetidas a quimioterapia adjuvante para a neoplasia da mama, não tendo
verificado diferenças significativas. Mais recentemente, Spatari101 descreve,
num pequeno número de trabalhadores expostos a antineoplásicos (n = 17) um
aumento significativo dos níveis circulantes de IL-15 e sugere que estes
poderiam corresponder a um aumento da expressão endógena como resposta
defensiva antitumoral. Num outro estudo recente102 foi efetuada
imunofenotipagem dos linfócitos e estudada a função dos neutrófilos do sangue
periférico em 306 enfermeiras expostas a antineoplásicos. Os autores descrevem
algumas diferenças significativas em relação ao grupo controlo, nomeadamente,
um aumento da proporção de linfócitos B e uma diminuição da frequência de
linfócitos T helper ativados CD25+ (o marcador CD 25 corresponde à cadeia α do
recetor de alta afinidade para a interleucina 2, indutível com a ativação
destas células) e ainda um aumento da resposta oxidativa dos neutrófilos quando
estimulados, sugerindo um priming prévio induzido pela exposição crónica a
citostáticos. Nenhum estudo demonstra, no entanto, que estas anomalias
fenotípicas do sistema imunitário tenham algum tipo de impacto no seu normal
funcionamento. Ainda no que respeita ao sistema imunitário, estão bem
documentados, embora sejam raros, casos esporádicos de reações alérgicas a
alguns tipos de citostáticos. Estão descritos casos de asma ocupacional
relacionada com a mitoxantrona103 e os derivados da platina104 e um caso de
rinossinusite atribuída ao etoposido105.
O facto de as antraciclinas se associarem, em doentes tratados, a efeitos
cutâneos, tanto por ação sistémica como por contacto direto, levou a que fossem
estudados os efeitos cutâneos da exposição ocupacional. Demonstrou-se que a
doxorrubicina permeia regularmente as luvas e, quando incubada com uma cultura
celular de queratinocitos, é diretamente tóxica para estas células, induzindo
apoptose por um mecanismo p53-independente106.
Alguns citostáticos, nomeadamente os derivados da platina, são nefrotóxicos em
doentes submetidos a quimioterapia. Nos anos 90, Sessink107 analisou parâmetros
laboratoriais de lesão renal precoce (doseamento urinária da Retinol Binding
Protein e da albumina) em profissionais expostos a citostáticos e não encontrou
diferenças em relação a um grupo controlo não exposto.
Em 1983, Sotaniemi108 descreve 3 casos de lesão hepática grave com fibrose em
enfermeiras, que atribuiu à exposição a citostáticos, mas nenhum estudo
posterior veio confirmar ou infirmar estes achados.
Observações finais
A contaminação do ambiente de trabalho com agentes antineoplásicos é um fator
de risco inerente à atividade de muitos profissionais de farmácia e enfermagem.
É indiscutível que esta contaminação permeia todos os equipamentos de proteção
individual utilizados e se traduz na absorção, maior ou menor, destes agentes e
em efeitos genotóxicos, demonstrados sobretudo ao nível do sangue periférico.
Em termos globais e na maior parte dos países, é indiscutível que se registaram
melhorias substanciais como resultados da adoção das atuais normas de
segurança. A título de exemplo, encontram-se resumidas na Quadro 3 as
principais recomendações do NIOSH109 (National Institute for Occupational
Safety and Health) nos EUA.
Quadro_3 Principais medidas de controlo do risco propostas pela NIOSH nas
atividades de preparação e administração de Citostáticos116
No início desta década, Fransman110 analisou conjuntamente os resultados de 3
estudos transversais de avaliação da exposição (1997, 2000 e 2002) e referiu
uma redução substancial da contaminação de luvas e superfícies de trabalho, não
só em termos da quantidade de citostáticos presentes mas também em termos da
extensão global das zonas contaminadas. Esta redução da contaminação ambiental
foi acompanhada por uma diminuição da percentagem de profissionais de
enfermagem expostos com ciclofosfamida detetável na urina, tanto ao nível do
hospital de dia (6,6 para 1,7%) como do internamento (12,4 para 2,9%). Também
Sottani111 estudou a evolução da contaminação de superfícies e da percentagem
de profissionais com biomarcadores de exposição na urina em 5 farmácias
italianas no período entre 1990 e 2010. Registou redução dos níveis de
contaminação de superfícies e da frequência de biomarcadores de exposição
positivos (30% dos profissionais nos anos 90 versus 2% na década 2000-2010.
Turci112 refere também que, ao longo de um período de vigilância de 5 anos, foi
verificada em 7 hospitais do Norte de Itália uma redução progressiva quer da
contaminação de superfícies quer da percentagem de biomarcadores de exposição
na urina positivos ' de cerca de 30% na década de 90 para 2% após 2000.
Com base nestes dados e na análise da literatura, parece evidente que
atualmente, nas condições de exposição verificadas na maior parte dos países de
origem das publicações, o risco de efeitos agudos para a saúde é praticamente
inexistente fora do contexto da exposição acidental a doses elevadas de
citostáticos. Tal não invalida que, em determinados locais de trabalho, com
maiores níveis de contaminação e menor nível de proteção dos trabalhadores,
relacionado por exemplo, com ausência de procedimentos de segurança ou uso
insuficiente ou inadequado de equipamentos de proteção individual, não possa
existir sintomatologia aguda associada a estes agentes. Exemplos de trabalho
recentes que fogem à tendência referida para uma redução progressiva nos níveis
de exposição são os de Rekhadevi113, proveniente da Índia, e o de Krstev62,
proveniente da Sérvia, em que a baixa percentagem de cumprimento de diversas
regras de proteção se associou a uma elevada prevalência de sintomas sugestivos
de toxicidade aguda dos citostáticos, como alopécia e rash cutâneo.
Já em termos de efeitos crónicos, nomeadamente, aumento do risco de
determinados cancros e repercussão sobre a reprodução e o desenvolvimento,
estamos longe de poder efetuar qualquer afirmação com segurança. Consoante é
bem evidenciado pela meta-análise de Dranitasaris64, os dados publicados são
insuficientes para retirar qualquer conclusão. Do conhecimento que se tem sobre
mecanismos de genotoxicidade ressalta, no entanto, que as melhorias verificadas
na maior parte dos locais de trabalho não serão provavelmente suficientes
enquanto continuarem a existir trabalhadores com biomarcadores positivos. Para
a maior parte dos citostáticos é postulado existir, para os efeitos
genotóxicos, uma curva dose-resposta linear, sem efeito limiar de dose
discernível (efeitos de tipo estocástico)114. Embora este modelo tenha sofrido
ultimamente alguma contestação e, indiscutivelmente, alguns citostáticos não
apresentem uma curva dose-resposta linear mas sim exponencial, sugerindo que
possa existir um limiar de dose, para a maior parte das respostas genotóxicas,
este limiar não parece existir115. Sendo portanto impossível, com base no
conhecimento científico atual, determinar um nível de exposição abaixo do qual
se possa assegurar a inexistência de efeitos adversos, deve tentar-se que a
contaminação ambiental seja tão baixa quanto possível (As Low as Reasonably
Achievable ' ALARA)116.
Outro fator importante a considerar é o local onde cada estudo é efetuado, com
as suas características específicas. Os resultados obtidos num determinado
contexto ocupacional não podem ser usados para avaliar o risco noutro contexto
ocupacional diferente, com uma população exposta de características também
diferentes. São exemplos os trabalhos já referidos de Rekhadevi113 e Krstev62 e
um estudo recente conduzido no Japão117 revelando que os profissionais de
enfermagem, numa percentagem substancial de casos, não trabalhavam abrangidos
pelas medidas de proteção atualmente recomendadas, referindo nomeadamente
desconhecimento de recomendações específicas (47% casos), manipulação de
citostáticos fora de câmaras de fluxo laminar (42% casos), não utilização de
qualquer equipamento de proteção individual (10% casos), manipulação inadequada
de frascos e ampolas contendo antineoplásicos (25% casos) e ausência de
precauções especiais no contacto com excreções e secreções de doentes tratados
(92% casos). Uma percentagem significativa destes profissionais (44%) referia
ainda pelo menos um acidente de trabalho com exposição a citostáticos. Tais
achados justificam que cada situação de trabalho concreta tenha de ser alvo de
estudo, para avaliar de forma correta o risco dos profissionais que nela estão
inseridos.