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EuPTCVHe0870-90252015000100004

EuPTCVHe0870-90252015000100004

variedadeEu
ano2015
fonteScielo

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Prevalência de excesso de peso nos imigrantes brasileiros e africanos residentes em Portugal

Introdução A saúde dos imigrantes em Portugal tem sido alvo de poucos estudos epidemiológicos1, havendo escassa informação e conhecimento relativamente ao estado de saúde nestas populações e seus determinantes. As desigualdades socioeconómicas estão associadas a contextos de pobreza, exclusão social e a situações laborais precárias, muitas vezes características das populações migrantes, que podem traduzir-se em reduzidas oportunidades de acesso à educação, utilização dos serviços sociais e de saúde. As barreiras culturais e linguísticas, relatadas pelos profissionais de saúde, são mais um obstáculo à utilização dos cuidados de saúde pelos imigrantes2. Estas desigualdades determinam diferentes graus de exposição a fatores de risco, que levam a um aumento da vulnerabilidade, com consequências ao nível da saúde destas populações3,4.

Relativamente à obesidade e doenças cardiovasculares, alguns estudos comparativos entre populações autóctones e populações imigrantes apontam para que as últimas apresentem maiores taxas de prevalência destas doenças3,5. Isto nem sempre acontece e também tem sido relatado o efeito do imigrante saudável: a população imigrante chega ao país de acolhimento com melhores níveis de saúde do que os nativos do país acolhedor6. Existem várias possíveis explicações para este fenómeno, incluindo rastreios de saúde por parte dos países de acolhimento, um comportamento saudável prévio à imigração, seguido da adoção sistemática de comportamentos menos saudáveis no novo país e uma autoseleção dos imigrantes, que tendem a ser mais ricos e saudáveis do que os restantes nativos não migrantes7. Este fenómeno é relatado em todos os tipos de imigrantes que imigram para países como os Estados Unidos da América, Canadá e Austrália - embora a grande maioria venha de países em vias de desenvolvimento, onde os níveis de mortalidade e morbilidade são superiores àqueles encontrados nos países desenvolvidos. No caso particular do excesso de peso, tem-se verificado uma tendência para menor prevalência deste fator nos imigrantes a viver nos Estados Unidos da América5, Canadá8, Austrália9, Itália10, Israel11, Holanda12 e Suécia13 em comparação com os nativos dos mesmos países. Não se trata de um fenómeno linear e varia por país de origem dos imigrantes, assim como por país de acolhimento dos mesmos14. Subjacente a um aumento na prevalência de excesso de peso com o tempo após a migração, está o conceito de aculturação e aculturação alimentar. A aculturação pode ser definida como o processo pelo qual um grupo étnico adota padrões (por exemplo, crenças, linguagem, alimentação) do grupo de acolhimento/dominante. Pode dizer- se que o conceito de aculturação envolve mudanças na atitude e comportamento dos imigrantes15. Aculturação alimentar refere-se ao processo que ocorre quando membros de um grupo minoritário adotam os padrões alimentares do país de acolhimento16. Diversos fatores influenciam a aculturação alimentar, nomeadamente a disponibilidade alimentar, o rendimento, o agregado familiar, as crenças alimentares e religiosas e a geração e idade no momento de migração.

A população estrangeira a residir, de forma legal, em Portugal tem vindo a aumentar desde 2003 (249.995 imigrantes)17 até aos dados mais recentes (relativos a 2011) publicados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (436.822)18.

Agrupando os imigrantes por países de origem, são os imigrantes do Brasil (25,5%) e dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) (24,4%) os que apresentam maior expressão demográfica em Portugal17. Este agrupamento é frequentemente usado em literatura acerca dos imigrantes a viver em Portugal19.

Existem dados relativamente às prevalências de excesso de peso nos países de origem destes imigrantes, embora amostras representativas a nível nacional sejam mais escassas e estratificações por estrato social também. No entanto, sabe-se que tendencialmente - e ao contrário daquilo que se verifica nos países desenvolvidos - as pessoas com maior grau de educação e/ou rendimento apresentam uma maior prevalência de excesso de peso, assim como aquelas que vivem em meio urbano em comparação com o meio rural. Isto verificou-se em Moçambique20 e no Brasil21.

Não existem dados prévios acerca da prevalência de excesso de peso nos imigrantes brasileiros e africanos a viver em Portugal. O estudo aqui descrito representa um contributo inédito para o conhecimento desta prevalência entre imigrantes com maior representatividade em Portugal, brasileiros e africanos, comparando a mesma com a da população portuguesa22-24.

Métodos O estudo utilizou dados recolhidos no âmbito do Projeto de Acesso aos Cuidados de Saúde e Nível de Saúde das Comunidades Imigrantes Africana e Brasileira em Portugal (SAIMI), realizado pelo Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública, da Faculdade de Medicina, da Universidade de Lisboa. Este estudo seguiu um desenho observacional seccional e teve por objetivo principal avaliar o acesso aos cuidados de saúde dos imigrantes em Portugal. Os dados foram recolhidos em 2007.

A partir dos distritos com maior proporção de imigrantes (Lisboa e Setúbal, nos quais habitam 43,1 e 10,3% do total dos imigrantes em Portugal, respetivamente18), foram selecionados os 13 concelhos e 18 freguesias com maior proporção de imigrantes (ou seja, os concelhos e freguesias onde habitavam mais imigrantes, comparativamente ao total do distrito, de acordo com os Censos 2001). Em cada um destes concelhos foi feita uma amostragem aleatória simples espacial com a definição de clusters com dimensão 50 × 50 m2, através do software ArcMap25. A partir dos 20 clusters assim selecionados, foram construídos mapas para guiar os entrevistadores, treinados e em equipas provenientes da comunidade em causa ou mistas, que se deslocaram ao terreno. Em cada cluster os entrevistadores incluíram todas as habitações e, em cada habitação, todos os sujeitos elegíveis. Este método permitiu entrevistar imigrantes em situação irregular. Verificou-se uma taxa de participação de 97,9% (número de entrevistados por número de contactados). Este método de amostragem permitiu englobar 98,2 e 90,6% dos imigrantes residentes no distrito de Lisboa e Setúbal, respetivamente, o que corresponde sensivelmente a metade dos imigrantes a residir em Portugal.

No presente estudo, foram incluídos os sujeitos com idades entre 18-64 anos, imigrantes de 1.a geração, ou seja, naturais dos PALOP ou do Brasil. Além disso, foi critério de exclusão a não existência de dados de peso e/ou altura que permitissem posteriormente efetuar o calculo do índice de massa corporal (IMC). Atendendo a estes critérios, foram incluídos no estudo 1.980 indivíduos.

Destes, 244 foram eliminados por terem um valor omisso em qualquer das variáveis usadas para a análise. Mais precisamente, 6,8% da amostra inicial tinha a variável escolaridade omissa, 1,2% tinha a variável refeições intermédias omissa, 0,9% tinha a variável refeições principais omissa, 0,3% tinha a variável estado civil omissa. Realizou-se uma análise de dados omissos exploratória e testaram-se técnicas de imputação simples e múltipla, relativamente à variável com maior percentagem de valores omissos - a escolaridade -, verificando-se que esta omissão não altera os resultados da regressão final.

A recolha de dados foi feita por questionário adaptado do 4.° Inquérito Nacional de Saúde (INS) (2005/06) aplicado, em contexto de entrevista face a face, no domicílio dos participantes. Antes da sua aplicação foi realizado um estudo piloto com o objetivo de testar o questionário, bem como as estratégias de amostragem. Para esse efeito, o questionário foi administrado a 32 participantes. Os dados recolhidos foram validados através da reinquirição, por telefone, a uma subamostra aleatória de cerca de 5% dos inquiridos, para controlo de qualidade.

O IMC foi calculado a partir da fórmula de Quetelet e recodificado de acordo com os critérios estipulados pela Organização Mundial de Saúde (OMS): baixo peso, eutrofia, pré-obesidade (PO) e obesidade26.

Os dados sociodemográficos recolhidos e utilizados no presente estudo foram a idade (categorizada em 18-24, 25-34, 35-44, 45-54, 55-64 anos), a escolaridade (categorizada em 0-5, 6-12 e superior a 12 anos de sucesso escolar), o estado civil (categorizada em solteiro, casado ou outro [viúvo ou divorciado]) e o número de anos de residência em Portugal (categorizada em 0-4 anos, 5-9, 10-14, 15 ou mais anos).

Os sujeitos foram questionados quanto ao número de refeições consumidas, que se dividiram em 2 categorias: as principais e as intermédias. No caso das primeiras a informação foi obtida da seguinte forma: "Por refeições principais entende-se o pequeno-almoço, almoço e jantar. Quantas refeições principais é que toma habitualmente por dia?". No caso das refeições intermédias a questão foi: "O/a senhor/a come habitualmente fora das refeições principais? Se sim, quantas vezes?". A variável número de refeições principais foi recodificada em 2 categorias: menos de 3 refeições e 3 refeições. A variável número de refeições intermédias foi recodificada em 4 categorias: 0, 1, 2 e 3 ou mais.

Para o tratamento estatístico dos dados foram usadas as aplicações informáticas R Studio 2.14 e Microsoft Office Excel 2007.

Para comparação de proporções foi utilizado o teste Z. Para comparação de médias entre amostras independentes usou-se o teste T (bilateral). Para testar a associação entre 2 variáveis categóricas utilizou-se o teste do Qui-quadrado ou o teste de Fisher, nos casos que assim o exigissem. Sabe-se que o IMC não tem uma distribuição normal, mas sim uma distribuição assimétrica27. Por esse motivo, foi calculada uma regressão, através de um modelo linear generalizado cuja variável resposta (o IMC) tem distribuição gama, e obtiveram-se os coeficientes de regressão (β) ajustados para as variáveis sexo, idade, escolaridade, estado civil e naturalidade. O valor-p (p) usado como referência para a significância das diferenças estatísticas foi de 0,05.

Este estudo foi conduzido de acordo com as orientações encontradas na Declaração de Helsinki e seguiu orientações de boas práticas na investigação clínica. O consentimento verbal informado foi obtido. Optou-se por não usar o consentimento escrito para garantir a participação de imigrantes em situação irregular que se pudessem sentir constrangidos com o fornecimento da assinatura.

Resultados Participaram neste estudo 1736 indivíduos, representando 6 países de origem diferentes: Brasil 696 (40,1%); Cabo Verde (CV) 360 (20,7%); Angola 330 (19,0%); Guiné-Bissau (GB) 181 (10,4%); São Tomé e Príncipe (STP) 142 (8,2%); Moçambique 27 (1,6%). Ao todo, os imigrantes PALOP representam 62,3% da amostra.

Verificaram-se diferenças significativas entre amostras de imigrantes, por origem (brasileiros versus africanos). Cerca de metade dos imigrantes brasileiros eram do sexo feminino (50,3%) e entre imigrantes africanos 55,6% eram mulheres (p = 0,031). A idade média dos imigrantes brasileiros era de 32,4 ± 8,9 anos e dos imigrantes africanos 36,1 ± 11,3 anos (p < 0,001). No caso dos imigrantes brasileiros, a escolaridade média era de 10,1 ± 3,1 anos (superior à dos africanos, com 8,6 ± 3,7 anos; p < 0,001). Relativamente à ocupação profissional, 61,9% dos imigrantes africanos exerciam uma profissão mesmo não remunerada e 12,2% estavam desempregados. No caso dos imigrantes brasileiros, 83,6% exerciam uma profissão e 9,7% estavam desempregados (diferenças estatisticamente significativas, p < 0,001 e p = 0,04, respetivamente). Dos imigrantes africanos, 24,8% estavam em situação de visto temporário e 5,5% em situação irregular. Dos imigrantes brasileiros, 16,8% estavam em situação de visto temporário e 31,4% em situação irregular (diferenças estatisticamente significativas, p < 0,001 para ambos). Os brasileiros viviam, em média, menos anos em Portugal do que os africanos (4,0 ± 3,0 e 13,1 ± 8,1 anos, respetivamente; p < 0,001). Relativamente à situação familiar, 64,1% dos imigrantes brasileiros eram casados, enquanto apenas 50,2% dos africanos se encontravam nessa situação (p < 0,001).

Os imigrantes de origem brasileira apresentaram um IMC médio de 24,3 ± 3,9 kg/ m2, enquanto os africanos tinham 25,5 ± 4,7 kg/m2 (p < 0,001). A percentagem de brasileiros que afirmaram fazer menos de 3 refeições principais por dia foi superior à dos africanos, com 31,0 versus 24,1% (p = 0,002). Dos imigrantes brasileiros, 33,9% afirmou não fazer nenhum snack ao longo do dia, valor superior ao encontrado para os imigrantes africanos (26,5%) (p = 0,001).

Excesso de peso nos imigrantes A tabela_1 apresenta a prevalência de PO e a prevalência de obesidade nos imigrantes, por faixa etária, escolaridade, estado civil e anos de residência em Portugal. Os dados apresentam-se para o total da amostra e estratificados por sexo. No final da tabela, podem observar-se as prevalências totais de PO e de obesidade encontradas para os imigrantes brasileiros e africanos.

As prevalências de PO e de obesidade aumentam com a faixa etária. No que diz respeito à classe de obesidade, a última categoria da mesma (55-64 anos) apresenta a maior prevalência, em ambos os sexos. A faixa etária de 45-54 anos apresenta a maior prevalência de PO, em ambos os sexos. A faixa etária está fortemente associada ao excesso de peso tanto nos homens como nas mulheres (p < 0,001) (tabela_1).

Os imigrantes com menos de 6 anos de escolaridade apresentam maior prevalência de PO e obesidade. Estratificando por sexo, os resultados são diferentes. Os homens com escolaridade superior a 12 anos apresentam maior prevalência de PO, mas a prevalência de obesidade mais elevada verifica-se naqueles com menos de 6 anos de escolaridade (0-5 anos). No caso das mulheres, são as que têm menor escolaridade (0-5 anos) que apresentam os valores mais elevados de PO e de obesidade. A menor escolaridade encontra-se associada ao excesso de peso na amostra total e nas mulheres imigrantes (p < 0,001). Nos homens, esta associação não se verifica (tabela_1). Verifica-se maior percentagem de PO e de obesidade nos casados e nos imigrantes com outro estado civil, em comparação com os solteiros (quer para homens quer para mulheres). Esta variável está associada, de forma estatisticamente significativa, ao excesso de peso nos 2 sexos (tabela_1).

As mulheres que vivem 15 anos ou mais em Portugal têm maior prevalência de PO e de obesidade. O mesmo se verifica para os homens, no que diz respeito à prevalência de obesidade, mas não de PO (que é superior naqueles que vivem 10-14 anos no país). Verifica-se ainda o aumento (não linear) da prevalência de PO e obesidade com o aumento da categoria de anos de residência em Portugal.

Este aumento é particularmente acentuado nas imigrantes, mas significativo em ambos os casos (tabela_1).

A tabela_2 apresenta informação acerca da prevalência de excesso peso por consumo alimentar, mais precisamente, número de refeições principais e intermédias consumidas. O número de refeições principais consumidas não está associado ao excesso de peso no total da amostra e no sexo feminino. No entanto, no sexo masculino encontra-se uma associação significativa entre variáveis (p = 0,031). No caso do número de refeições intermédias, a associação com o excesso de peso é mais forte e unânime - todos os grupos apresentam uma associação significativa entre as 2 variáveis. Isto poderá refletir as menores prevalências de PO e obesidade quando o consumo de refeições intermédias é superior, ou seja, de 2 refeições (no caso da obesidade no total da amostra e nas mulheres) ou 3 ou mais (no caso da PO no total, homens e mulheres e obesidade nos homens). Por outro lado, as maiores prevalências de PO e obesidade encontram-se naqueles que não consomem refeições intermédias (no total da amostra e nos homens) ou que consomem uma refeição intermédia diária (nas mulheres).

Excesso de peso por origem O gráfico da figura_1 apresenta a prevalência de PO e de obesidade por sexo e origem dos imigrantes.

Pode constatar-se uma percentagem mais elevada de PO nos homens africanos comparativamente com as mulheres da mesma origem, mas verifica-se o contrário para a categoria da obesidade (PO: p = 0,305; obesidade: p < 0,001). No caso dos imigrantes brasileiros, as percentagens de PO e obesidade são semelhantes nos homens e mulheres (PO: p = 0,383; obesidade: p = 0,615). No geral, as mulheres brasileiras apresentam menor prevalência de PO e obesidade do que as as mulheres africanas (PO: p = 0,143; obesidade: p < 0,001). Nos homens encontra-se o mesmo fenómeno, mas as diferenças são marginais (PO: p = 0,151; obesidade: p = 0,596).

Estratificando estes resultados por naturalidade (tabela_3), pode verificar-se que os homens são-tomenses têm maior prevalência de PO e os moçambicanos têm maior prevalência de obesidade, enquanto os homens brasileiros têm menor prevalência de PO e os guineenses de obesidade. Relativamente às mulheres, são mais uma vez as são-tomenses quem apresenta maior prevalência de PO e as moçambicanas de obesidade. A prevalência mais baixa de PO é encontrada nas imigrantes moçambicanas e de obesidade nas imigrantes brasileiras.

Ajustando um modelo de regressão linear, conclui-se que a idade, os anos de residência no país, a naturalidade são-tomense e o estado civil são fatores associados a um maior IMC. Todas as categorias de faixa etária apresentam um IMC significativamente superior à categoria referência 18-24 anos (β25-34 anos = 1,62, p < 0,001; β35-44anos = 2,50, p < 0,001; β45-54anos = 2,88, p < 0,001; β55-64anos = 4,37, p < 0,001). Ser casado está associado a um IMC médio superior, comparativamente com ser solteiro (categoria de referência) (β = 0,55, p = 0,019). Aqueles que vivem 10-14 anos (β = 1,15, p = 0,004) ou 15 anos ou mais no país (β = 1,48, p < 0,001) têm em média um IMC superior aos que vivem em Portugal menos de 5 anos (categoria de referência). Os imigrantes são-tomenses apresentam um IMC médio superior aos imigrantes brasileiros (categoria de referência, β = 1,21, p = 0,004). O sexo (p = 0,28) e a escolaridade (p6-12anos = 0,40 e p > 12anos = 0,48) não estão associados ao IMC de forma estatisticamente significativa, neste modelo ajustado para a idade, naturalidade, escolaridade, sexo e anos de residência em Portugal. O R2 obtido foi 15,2%.

Discussão A prevalência de excesso de peso entre imigrantes a residir em Portugal tem sido muito pouco estudada. O presente estudo procurou caracterizar esta prevalência, num grupo populacional que reside na zona de maior densidade de imigrantes e que corresponde a 49,9% da população imigrante estimada para Portugal à data da recolha dos dados18. O estudo seguiu um desenho observacional seccional com amostragem aleatória simples espacial. No total, foi analisada informação relativa a 1736 adultos imigrantes, através de questionário administrado por entrevista face a face. A amostra de imigrantes usada é representativa dos imigrantes brasileiros e africanos a viver em Lisboa e Setúbal.

A natureza urbana da amostra implica que os imigrantes se encontrem aglomerados por bairros específicos - fenómeno típico deste tipo de amostra em cidades -, o que torna a amostra mais realista, mas o processo de aculturação mais lento e difícil, facilitando a manutenção dos hábitos e comportamentos do país de origem.

Os dados sobre peso e altura foram recolhidos por autorrelato, tratando-se de um limite metodológico. A literatura aponta para uma tendência de subestimação dos dados de peso e sobrestimação da altura, fato verificado em Portugal24 e no Brasil28. No entanto, importa salientar que vários estudos que analisam as diferenças do autorrelato entre imigrantes nos EUA referem que as imigrantes subestimam menos o peso, em comparação com as nativas; os homens subestimam o seu peso da mesma forma29,30. Esta tendência para subestimação de peso e sobrestimação da altura pode resultar numa subestimação da prevalência de excesso de peso. No entanto, em termos comparativos com a população residente em Portugal esta questão não se levanta, que os dados usados para este efeito foram também recolhidos por autorrelato.

A prevalência de obesidade na população adulta portuguesa não foi alvo de muitos estudos de âmbito nacional. Para efeitos comparativos, importa ter em conta 2 estudos mais recentes: o estudo de Do Carmo et al.22 (2003-05; a partir do qual é possível aferir as prevalências de PO e obesidade autorrelatadas, tendo em consideração a publicação do mesmo grupo de investigação por Santos et al.24) e o estudo do último INS23 (2005-06). A prevalência de PO no nosso estudo foi de 32,5%. Esta percentagem é significativamente superior (p = 0,004) à que Do Carmo et al. encontraram para a população adulta portuguesa (35,5%), bem como à que foi registada, para a mesma população, no 4.° INS (35,7%). no que se refere à prevalência da obesidade (11,4%), os resultados do presente estudo não diferem significativamente dos encontrados por Do Carmo et al.

(11,8%, p = 0,34), mas são significativamente inferiores aos reportados pelo 4.° INS (15,7%, p = 0,03).

Tal como verificado no 4.° INS, a prevalência de obesidade é maior nas mulheres do que nos homens. A percentagem de PO entre mulheres imigrantes não difere significativamente da encontrada por Do Carmo et al. e pelo 4.° INS. no que se refere à obesidade, a prevalência entre as imigrantes (13,8%) é significativamente superior à encontrada por Do Carmo et al. (10,5%, p = 0,02).

Entre os homens, quer para a PO quer para a obesidade as percentagens encontradas no nosso estudo (33,8 e 8,5%) são significativamente inferiores às do INS (40,6%, p = 0,01 e 14,3%, p < 0,001) e às do estudo de Do Carmo et al.

(43,2%, p < 0,001 e 13,1%, p < 0,001).

As prevalências calculadas pela OMS e usadas na tabela_3 são, no caso de Angola, valores projetados e têm de ser interpretados com a devida cautela, podendo verificar-se grandes diferenças entre estes valores e os valores medidos nas comunidades31.

Tal como seria de esperar, os imigrantes do sexo masculino apresentam uma prevalência superior de PO e obesidade comparativamente com os seus compatriotas não migrantes. No entanto, os brasileiros não migrantes têm prevalências superiores de PO e obesidade, relativamente aos imigrantes a viver em Portugal.

No caso das imigrantes, apresentam maior prevalência de PO as cabo-verdianas, são-tomenses e guineenses, comparativamente com o país de origem. Relativamente à obesidade, as imigrantes apresentam maior prevalência comparativamente com as suas compatriotas não migrantes, exceto as brasileiras.

Neste quadro, os imigrantes brasileiros diferenciam-se dos restantes. As diferenças nas prevalências encontradas são grandes, com os imigrantes a apresentarem menores prevalências em ambas as categorias. O estudo comparativo usado para este país foi a Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2008-0932, com valores de prevalência a nível nacional. Os dados antropométricos foram recolhidos através de um processo de medição, enquanto no presente estudo foram autorrelatados. Esse motivo poderá justificar as diferenças, que o autorrelato leva a subestimação do IMC em sujeitos brasileiros28. No entanto, esta questão também existe nos países com dados provenientes do STEPS - Moçambique, São Tomé e Princípe, CV e Guiné. Verificou-se um aumento recente na prevalência de obesidade dos brasileiros. Os dados relatados neste estudo foram recolhidos em 2007, com imigrantes brasileiros que viviam no país cerca de 4 anos, e poderão representar gerações mais antigas, com prevalências de excesso de peso menores, à partida. A discrepância encontrada entre prevalências de imigrantes brasileiros e africanos pode, em parte, dever-se à diferença significativa entre a média de anos de residência no país com os imigrantes brasileiros a viver consideravelmente menos tempo em Portugal.

No presente estudo, verificámos que a idade, o estado civil, os anos de residência em Portugal e a naturalidade são fatores associados a um maior IMC nos imigrantes a residir no país, mesmo após ajustamento para estas variáveis e para o sexo e escolaridade. É comum encontrar estes resultados na literatura. O tempo de residência no país de acolhimento é considerado, com frequência, um fator de risco para a obesidade nos imigrantes, podendo ser representativo da aculturação sofrida durante o processo de migração14. Por outro lado, ser mais velho e ser casado33 são fatores de risco reconhecidos na população geral. Os determinantes de um maior IMC médio nos imigrantes são-tomenses, comparativamente com os imigrantes brasileiros, estão ainda por descobrir. O processo de aculturação poderá ser distinto para este grupo, mas também poderão existir fatores genéticos, culturais e sociais subjacentes a este resultado e que necessitam ser investigados.

O efeito do imigrante saudável, comparativamente com os nativos do país de acolhimento, verifica-se no presente estudo. Encontraram-se menores prevalências de excesso de peso nos imigrantes, comparativamente com os nativos portugueses. No entanto, este efeito é visível apenas nos homens, sendo que as mulheres parecem mais suscetíveis à aculturação e estão, aparentemente, menos protegidas por este efeito. Este resultado vai ao encontro a resultados previamente relatados, que descrevem comportamentos e respostas diferentes em saúde de acordo com o sexo34, durante o processo de migração. O comportamento em saúde nas mulheres mais aculturadas é menos positivo do que nas menos aculturadas. Para os homens, a aculturação parece ter pouco efeito nos comportamentos de saúde35. Isto poderá prender-se com o próprio processo de seleção dos imigrantes: homens e mulheres têm diferentes motivações para imigrar e, com frequência, os papéis e trabalhos que vão assumir no país de acolhimento diferem36. Também poderão estar em causa aspetos culturais das imigrantes estudadas, nomeadamente a autoperceção de imagem corporal, que parece ser mais positiva nas africanas em comparação com as caucasianas. As africanas apresentam uma maior preferência cultural por modelos de beleza associados a um maior IMC37.

Conclusão Os resultados encontrados são ilustrativos de uma amostra de imigrantes com menores prevalências de PO e de obesidade do que as encontradas nos nativos no país de acolhimento (efeito do imigrante saudável), mas com aparente tendência para o aumento de IMC com o tempo de residência em Portugal e com importantes diferenças por sexo. Interessa estudar mais aprofundadamente esta associação (prevalência da obesidade com tempo de residência dos imigrantes em Portugal), assim como identificar que estratégias para combater a obesidade nos imigrantes residentes em Portugal. Próximos estudos deverão incluir uma análise dos determinantes da obesidade nos imigrantes em Portugal, assim como maior variedade de etnias e de países de origem (bem como tamanhos amostrais maiores, para cada um dos países de origem em questão). Seria também de grande interesse analisar outras variáveis de aculturação, como a aculturação alimentar, a preferência pelos media em casa e autoperceção de aculturação. Este esforço deveria fazer parte de uma estratégia mais abrangente de monitorização da saúde (e condições de saúde) das populações imigrantes em Portugal.


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