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EuPTCVHe0870-90252015000100005

EuPTCVHe0870-90252015000100005

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0870-9025
ano2015
Issue0001
Article number00005

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Questionário dos Conhecimentos da Diabetes (QCD): propriedades psicométricas

A diabetes mellitus é uma doença característica dos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, representando um dos principais problemas de saúde que causa incapacidade e mortalidade1. Calcula-se que 10% dos gastos globais em saúde sejam utilizados no tratamento desta patologia2. Torna-se, por isso, necessária uma intervenção efetiva por parte dos profissionais de saúde no que respeita à prevenção e tratamento desta doença.

O conhecimento e a adesão ao regime terapêutico é um aspeto fundamental para um eficaz controlo da diabetes, em que o indivíduo tem um papel ativo e colaborativo no planeamento e implementação do regime de tratamento. Vários fatores interferem na adesão ao regime terapêutico. Gonder-Frederick, Cox e Ritterband3 identificaram 3 categorias de variáveis: individuais, sociais e ambientais. As variáveis individuais incluem as crenças pessoais de saúde, as competências de coping, a psicopatologia, o distress psicológico, a personalidade e as características demográficas. As variáveis sociais integram o suporte social, as características da família, as responsabilidades parentais, as interações com os profissionais de saúde, o impacto da diabetes nas pessoas significativas e os fatores sociodemográficos. Por último, as variáveis ambientais contemplam o sistema de saúde, o ambiente geral, o ambiente no trabalho/escola, os programas comunitários e os fatores culturais.

A adesão ao regime terapêutico da diabetes mellitus implica frequentemente alterações nos estilos de vida do indivíduo em diferentes áreas, como na alimentação, na medicação e no exercício físico4, com implicações diretas no seu quotidiano. A complexidade do tratamento da doença constitui uma barreira à adesão ao regime terapêutico e contribui para um ineficaz controlo da doença, sendo "um tratamento extremamente desafiante pelo grau de envolvimento ativo fora do comum que exige ao doente" (p.34)5.

O conhecimento que o indivíduo possui sobre os determinantes da saúde é fundamental para que possa tomar decisões conscientes tendo como objetivo comportamentos saudáveis. O mesmo é válido para a doença e tratamento, em que o conhecimento é fundamental para o desenvolvimento de competências na gestão do regime terapêutico. Como referem Almeida e Matos6, "dada a complexidade do cuidado diário da diabetes, o doente e a família precisam de saber como lidar com a doença, desde o executar diário de tarefas ao saber fazer ajustamentos no regime de insulina ou na dieta" (p. 63). Apesar do conhecimento, por si , não ser suficiente para a mudança comportamental, a literatura tem demonstrado que este é essencial na adesão ao regime terapêutico1,7,8.

Uma das teorias mais validadas na compreensão dos comportamentos associados à doença e tratamento é a teoria de autorregulação de Leventhal et al.9. Com base nesta teoria, as pessoas formam crenças pessoais sobre a sua doença e tratamento que se podem agrupar em várias dimensões: identidade, causa, consequências, duração, cura e controlo, e estado emocional. Os conhecimentos sobre a doença e tratamento são passíveis de influenciar e ser influenciados por estas crenças, estando comprovado que estas afetam igualmente a adaptação à doença10,11. Assim, um instrumento de medida baseado nesta teoria poderá ser uma mais-valia na compreensão e adequação das práticas clínicas, privilegiando uma abordagem centrada no cliente. A avaliação dos conhecimentos da pessoa acerca da sua doença e tratamento é um passo importante na identificação das suas crenças e recursos, possibilitando um plano de tratamento personalizado e eficaz. No caso da diabetes, a identificação de áreas de desconhecimento acerca da doença e tratamento pode ajudar a orientar a educação do cliente e a identificar crenças que poderão prejudicar a sua recuperação. Existem várias escalas que permitem identificar o nível de conhecimentos sobre a diabetes, mas que são dirigidas a pessoas com níveis de literacia mais elevados. Apesar de se encontrarem referências na literatura a uma escala traduzida para português, esta está mais focada em aspetos clínicos, não contemplando as dimensões que formam as crenças pessoais12.

Com base nestes pressupostos, Sousa e McIntyre11 desenvolveram o Questionário dos conhecimentos da diabetes (QCD) que visa identificar os conhecimentos que o indivíduo possui sobre a doença e tratamento. O presente trabalho visou avaliar as características psicométricas do QCD, no sentido de verificar se este reúne os critérios psicométricos necessários à sua utilização com segurança na investigação no domínio da diabetes e na prática clínica.

Método Participantes Neste estudo participaram 249 indivíduos inscritos em centros de saúde do distrito do Porto, com diabetes mellitus tipo 2 diagnosticada mais de 12 meses, com idade igual ou superior a 40 anos e que aceitaram participar no estudo, tendo por base uma amostra sequencial e de conveniência. A participação foi voluntária e sujeita a consentimento informado.

Foram estudados 166 (66,7%) participantes do sexo feminino e 83 (33,3%) do sexo masculino, com uma idade média de 66,4 anos (DP = 10,5), não havendo diferenças estatisticamente significativas na idade entre homens e mulheres (t[247] = 0,38; p = 0,703). No que se refere ao estado civil, verificámos que 53,0% das mulheres e 89,2% dos homens são casados. Os homens apresentam maior escolaridade (M = 4,36; DP = 2,79) do que as mulheres (M = 2,84; DP = 2,11), apresentando esta diferença significado estatístico (t[246] = 4,79; p = 0,0001). Quanto à situação laboral, a grande maioria, quer do sexo feminino (88,0%) quer do sexo masculino (80,7%), não se encontra ativa.

Relativamente à caracterização clínica da amostra, mais especificamente à idade do diagnóstico da diabetes, não se encontraram diferenças significativas entre os 2 sexos (t[246] = -1,09; p = 0,278), sendo que nas mulheres a idade média foi de 56,1 anos (DP = 11,9) e nos homens de 57,8 anos (DP = 11,1). A duração média da doença nos participantes foi de 9,7 anos (DP = 8,2; Min. = 1; Máx. = 44). Do total da amostra, 234 pessoas faziam antidiabéticos orais. É de realçar que 49,2% dos participantes referiram não ter qualquer ajuda familiar no tratamento da sua doença, relatando dificuldades na gestão do regime terapêutico na componente alimentação 24,6% dos diabéticos, na componente medicação 5,9% e no exercício físico 29,7%. A comparação destas dificuldades entre os participantes femininos e masculinos evidenciou que apenas no exercício físico as mulheres mostraram maior dificuldade (χ2 = 3,85; p = 0,03).

Questionados acerca de outros problemas de saúde, 71,5% referiu problemas de visão, 55,8% hipertensão arterial, 48,2% hipercolesterolemia, 38,2% diminuição na sensibilidade dos membros inferiores, 32,5% hipertrigliceriemia, 30,5% problemas do coração, 24,9% problemas renais e 14,1% antecedentes de AVC.

Contudo, apenas uma pequena percentagem de participantes relacionou estes problemas de saúde com a sua diabetes. A maior parte da amostra (54,6%) referiu antecedentes familiares de diabetes.

Instrumentos Utilizaram-se os seguintes questionários: o questionário sociodemográfico e clínico11 e o QCD11. O questionário sociodemográfico e clínico contém 13 itens de formato variado (perguntas fechadas e abertas) que questionam acerca dos aspetos idade, sexo, estado civil, escolaridade, situação laboral, profissão atual ou anterior, agregado familiar, idade do diagnóstico, início do tratamento com antidiabéticos orais, dificuldades específicas sentidas com o tratamento, apoio de pessoas significativas, problemas de saúde existentes, familiares com diabetes mellitus e seu parentesco.

O QCD foi desenvolvido com vista a avaliar o conhecimento das pessoas acerca da doença e tratamento. Como foi referido, a definição dos domínios do conhecimento a avaliar teve por base o modelo de autorregulação de Leventhal, que define várias dimensões de representação cognitiva da doença: identidade, consequências, causa, duração, controlo/cura e reações emocionais13. Estas dimensões inspiraram as facetas de conhecimento sobre a diabetes avaliadas pelo QCD. A versão original do QCD de 35 itens foi objeto de um estudo piloto que produziu uma versão inicial de 28 itens organizados nas seguintes dimensões: Identidade, Causas, Duração, Tratamento, Limitações, Controlo e Complicações da diabetes. No presente estudo, que visou uma análise mais aprofundada das características psicométricas do QCD, optámos pela aplicação da versão original, que continha 35 itens, uma vez que alguns dos itens eliminados pareciam ter pertinência clínica (tabela_1). Estes itens tinham sido revistos por um painel de peritos que opinou sobre a sua relevância e correção clínica, assim como o formato de resposta.

Os itens do QCD usados neste estudo apresentam um formato com 3 opções de resposta, tal como na versão original: verdadeiro (V), falso (F) e não sei (NS). O total das respostas corretas (soma das respostas V e F corretas) constitui uma medida dos conhecimentos sobre a doença e tratamento. A análise das respostas por domínio em termos de respostas incorretas e "não sei", permite identificar áreas de desconhecimento acerca da doença e tratamento.

Para que os resultados de cada dimensão variassem entre 0-100, facilitando a sua interpretação e comparabilidade, a pontuação de cada participante nas diferentes dimensões em análise foi calculada através de uma fórmula [/ Mx*100], sendo o somatório das respostas corretas do participante na dimensão; e o Mx a pontuação máxima possível de obter nessa dimensão.

Procedimento Todos os participantes no estudo foram devidamente esclarecidos sobre o objetivo do mesmo e sobre a confidencialidade dos dados. Assegurou-se a participação voluntária e o consentimento informado.

Devido ao baixo nível de escolaridade dos participantes o preenchimento do questionário foi efetuado, na maioria (81,1%) por heterorrelato. Os investigadores foram orientados a não influenciarem as respostas dos participantes, sendo apenas permitida a repetição do item 2 vezes.

O estudo de fidelidade foi realizado através do cálculo dos coeficientes de consistência interna (Cronbach alfas) e do coeficiente de correlação teste- reteste (intervalo de 30 dias), numa subamostra de 123 pacientes. A validade de constructo foi estudada através de análises fatoriais exploratórias e análises fatoriais confirmatórias. A análise fatorial exploratória incluiu a análise de componentes principais através do método de rotação Varimax. Para avaliar se a estrutura fatorial encontrada se mostrava ajustada a um modelo teórico, procedemos a uma análise fatorial confirmatória com recurso ao AMOS (versão 21, SPSS-IBM). Seguimos os índices e respetivos valores descritos por Marôco14 para avaliar a qualidade do ajustamento do modelo (CFI, PCFI, TLI e RMSEA).

Resultados Apresentaremos de seguida, os resultados relativos ao estudo de validade (análises fatoriais exploratórias e confirmatórias), seguidos dos resultados relativos à fidelidade (consistência interna e teste-reteste).

Estudo de validade Para testar a validade de constructo do QCD procedeu-se a análises fatoriais exploratórias e confirmatórias. O modelo inicial, obtido por análise fatorial exploratória com o total dos 35 itens e sem fixação do número de fatores, gerou uma matriz de 11 componentes que explicavam 60,69% da variância nos valores do QCD. Todavia, a composição dos 11 fatores não era suportada por um modelo teórico coerente. Procedeu-se a uma segunda análise fatorial exploratória, forçando a 7 fatores, para analisar a sobreposição com o modelo sugerido pelos autores no estudo da versão original11, não se reproduzindo a estrutura fatorial do QCD na sua versão original. A variância explicada por esta solução fatorial foi de 47,86%. Foram realizadas análises exploratórias subsequentes, com indicação de 4, 5 e 6 fatores, que também não produziram soluções coerentes.

A solução fatorial mais consistente do ponto de vista empírico e conceptual foi de 3 fatores, a qual passamos a descrever. Esta solução implicou a eliminação de 11 dos 35 itens da versão original (itens 2, 3 e 4 da dimensão Identidade; itens 1 e 6 da dimensão Causas; itens 2 e 5 da dimensão Tratamento; item 4 da dimensão Limitações; itens 1, 3 e 5 da dimensão Complicações) por apresentarem carga fatorial inferior a 0,40, seguindo as recomendações de Pestana e Gageiro15. Analisando a relação de cada um dos itens com a respetiva dimensão, considerou-se ainda oportuno a eliminação de mais 4 itens por não apresentarem coerência conceptual com os restantes itens do fator em que estavam alocados (os itens 1, 2 e 3 da dimensão Limitações e o item 1 da dimensão Controlo). Na totalidade, 15 dos 35 itens originais foram eliminados na versão atual de validação.

A estrutura trifatorial final contempla 20 itens e apresenta uma variância explicada de 42,75% (tabela_2), tendo a dimensão Tratamento, controlo e complicações 10 itens (variância explicada de 24,33%), a dimensão Duração 5 itens (variância explicada de 9,61%) e a dimensão Causas também 5 itens (variância explicada de 8,81%). Verifica-se que o item 6, "Devido à diabetes, outros problemas de saúde podem surgir sem o diabético dar por isso" satura em 2 dimensões (Tratamento, controlo e complicações e Causas), contudo, com uma carga fatorial superior na dimensão Tratamento, controlo e complicações, pelo que foi alocado.

Adicionalmente procedeu-se a análise fatorial confirmatória para testar a adequação do modelo trifatorial encontrado para o QCD. O modelo revelou uma qualidade de ajustamento razoável, mas com possibilidade de o melhorar (CFI = 0,801; PCFI = 0,704; RMSEA = 0,076). Após a eliminação de outliers e a correlação dos erros de medida entre os itens 2, 7 e 4 com o item 1, e ainda correlacionados os erros dos itens 2 com o 9, e o 5 com o 6, todos pertencentes à componente Tratamento, controlo e complicações, foi possível obter um melhor ajustamento que suporta a validade fatorial deste instrumento (CFI = 0,908; PCFI = 0,774; TLI = 0,892; RMSEA = 0,052). A figura_1 apresenta os valores dos pesos fatoriais estandardizados e a fiabilidade individual de cada um dos itens no modelo final.

Ainda como estudo da validade de constructo, realizaram-se correlações de Spearman entre as 3 subescalas do QCD. O Tratamento, controlo e complicações apresenta uma correlação com a Duração de rs = 0,28; p = 0,000 e com as Causas de rs = 0,28; p = 0,000. A Duração apresenta uma correlação com as Causas de rs = 0,18; p = 0,005. Verifica-se que estas dimensões apresentam correlações baixas a moderadas entre si, o que apoia a especificidade das mesmas.

Estudo de fidelidade Para avaliar a consistência interna dos valores obtidos nos itens do QCD, calculou-se o coeficiente alfa de Chronbach para as 3 subescalas (tabela_3). Os valores alfa de Cronbach obtidos foram de 0,75 para a subescala de conhecimentos ao nível do Tratamento, controlo e complicações, de 0,74 para a subescala Duração e de 0,61 para a subescala Causas. Estes valores indicam uma consistência interna adequada embora os coeficientes alfa sejam relativamente modestos (< 80). Isto deve-se provavelmente ao facto de haver baixa variância dos itens, havendo um viés positivo no sentido de conhecimentos elevados nas várias dimensões. O valor mais baixo da subescala Causas poderá ter ainda a ver com o menor número de itens desta subescala.

Relativamente à fidelidade teste-reteste, a estabilidade temporal do QCD foi avaliada através de coeficientes de correlação de Spearman entre os valores de cada dimensão e os valores encontrados no intervalo de 30 dias. Os resultados demostram que a correlação entre os conhecimentos na dimensão Tratamento, controlo e complicações foram de rs = 0,91; p = 0,0001. A estabilidade na dimensão Duração foi de rs = 0,93; p = 0,0001 e na dimensão Causas foi de rs = 0,97; p = 0,0001, valores indicativos de uma estabilidade temporal elevada.

Estatísticas descritivas e influências demográficas e clínicas Caracterizou-se a amostra em relação aos níveis de conhecimentos acerca da doença e tratamento de acordo com o QCD. Tendo em conta que o máximo de cotação possível de alcançar em cada subescala é de 100, a análise das estatísticas descritivas (média e desvio padrão) das 3 subescalas do QCD, mostra que os participantes apresentam mais conhecimentos específicos no Tratamento, controlo e complicações da diabetes (M = 88,07; DP = 16,76), seguido pelos aspetos relacionados com a Duração da doença (M = 83,94; DP = 25,19). Por outro lado, questões relativas às Causas, nomeadamente o que origina a diabetes, foi a dimensão onde as pessoas evidenciaram mais desconhecimento (M = 74,94; DP = 26,25), porém com valores ainda elevados de conhecimentos nesta dimensão.

Analisando as medidas de tendência central nestas variáveis, constatamos que a moda em cada uma das dimensões foi de 100 e que a mediana se situa entre a média e a moda, dando a indicação de que se trata de uma distribuição assimétrica positiva (Med Tratamento, controlo e complicações = 90; Med Duração = 100; Med Causas = 80).

Procedeu-se ao estudo da relação entre variáveis sociodemográficas e clínicas e os valores do QCD em termos da idade, escolaridade, sexo e tempo de doença (tempo decorrente desde o diagnóstico da doença até à avaliação atual).

Realizaram-se coeficientes de correlação de Spearman entre as variáveis contínuas e testes t de Student para a variável categórica (sexo). Constatou-se que a idade da pessoa não apresenta correlações significativas com as dimensões do QCD. Verificou-se uma correlação baixa significativa entre a escolaridade e as dimensões Tratamento, controlo e complicações (rs = 0,20; p = 0,002), e a Duração (rs = 0,17; p = 0,008), sugerindo que participantes mais escolarizados têm maiores conhecimentos acerca da diabetes nas dimensões referidas.

Analisando os resultados em função do sexo, verificou-se que apenas na dimensão Tratamento, controlo e complicações as mulheres demonstram menos conhecimentos (M = 86,45; DP = 17,30) do que os homens (M = 91,33; DP = 15,30), com resultados estatisticamente significativos (t[247] = 2,18; p = 0,03). Em termos da variável clínica considerada, não se encontrou correlação significativa entre o tempo de doença e os níveis de conhecimento em qualquer dimensão do QCD.

Discussão O QCD foi desenvolvido com o objetivo de avaliar os conhecimentos que as pessoas com diabetes possuem acerca da sua doença e tratamento, abordando as principais dimensões que o modelo de representações de doença de Leventhal preconiza. O estudo das características psicométricas do instrumento na presente amostra resultou numa versão de 20 itens com bons índices de validade e fidelidade. O instrumento em estudo teve uma boa aceitação junto dos participantes, mostrando-se útil para pessoas mais idosas e com menos literacia.

A análise fatorial exploratória não confirmou as dimensões propostas por Leventhal et al. indicando que as pessoas nesta amostra têm uma perspetiva menos diferenciada dos conhecimentos sobre a sua doença e tratamento. Assim, a solução fatorial encontrada engloba 3 dimensões em vez das 7 esperadas: Identidade, Causas, Duração, Tratamento, Limitações, Controlo e Complicações.

Os itens relativos ao tratamento, controlo e complicações concentram-se numa dimensão, o que pode ser explicado pela informação disponível acerca da doença, em que estes 3 aspetos estão habitualmente associados. Isto é, o controlo da doença está intimamente relacionado com o tratamento e com as consequências que podem advir. Parece que estes aspetos da diabetes são percecionados conjuntamente pelos participantes, o que pode também indicar alguma falta de diferenciação, por exemplo, em relação ao significado do que está englobado no tratamento da doença, versus o seu controlo. Este controlo refere-se concretamente à monitorização de alguns valores como a glicemia, cetonúria e tensão arterial. Será importante que os profissionais enfatizem a importância de vigiar estes parâmetros, não como uma finalidade em si, pois somente o ato de monitorizar não influencia diretamente no estado da diabetes, mas antes como um meio de adequar o tratamento, de forma a manter a diabetes controlada, evitando ou atrasando as suas consequências. Isto porque a nossa prática profissional tem revelado que estes comportamentos de autovigilância, embora fundamentais, são por vezes sobrevalorizados pelos utentes, remetendo para segundo plano os comportamentos de autocuidado, relacionados efetivamente com o tratamento.

As restantes dimensões reportam-se às causas e à duração da doença, correspondendo às categorias mais valorizadas pelos profissionais de saúde e mais distintas do ponto de vista dos conhecimentos que as pessoas têm acerca da doença.

Os valores de fidelidade encontrados são indicativos de uma boa consistência interna para 2 das suas subescalas. Os valores encontrados para a subescala Causas, embora aceitáveis, são mais baixos, provavelmente devido à baixa variabilidade na resposta aos itens e ao menor número de itens, o que afeta os coeficientes de correlação.

As correlações teste-reteste indicam que o QCD apresenta uma elevada estabilidade temporal, tendo sido encontrados valores de correlação superiores a 0,90 ao intervalo de 30 dias, sugerindo que os níveis de conhecimentos acerca da diabetes são bastante estáveis no tempo. Neste caso, os bons níveis de conhecimentos apresentados pelos participantes na primeira avaliação não parecem diminuir no espaço de um mês, o que é um espaço razoável. Seria importante, em estudos futuros, avaliar a estabilidade do QCD em períodos de tempo mais alargados (por exemplo, aos 6 meses) e também em termos do impacto de programas educacionais dirigidos ao aumento dos conhecimentos da pessoa acerca da sua doença e tratamento. Será importante determinar se o QCD é sensível a uma intervenção educativa.

Tal como em estudos anteriores, os participantes da amostra revelaram bons níveis de conhecimentos sobre a diabetes11,16,17. Em geral, verifica-se uma baixa variância nos valores médios das subescalas, que são bastante elevados nas medidas de tendência central (média e moda). Isto sugere que esta amostra tem conhecimentos elevados acerca da doença e tratamento e que é bastante homogénea a este nível. Será pertinente, no futuro, realizarem-se estudos com o QCD em amostras menos homogéneas.

No que se refere às diferentes dimensões, os participantes demonstraram maiores conhecimentos sobre o Tratamento, controlo e complicações e menores conhecimentos relacionados com as Causas, resultados também encontrados por Sousa11, Pace et al.18 e Hu, Gruber, Liu, Zhao e Garcia19. Os resultados poderão estar relacionados com o tipo de informação que os profissionais de saúde priorizam, ou seja, a ênfase em aspetos práticos relacionados com a gestão do regime terapêutico. Por outro lado, os utentes poderão também valorizar a informação com aplicabilidade no dia-a-dia. Contudo, os estudos sobre as representações de doença que usam o modelo de autorregulação têm indicado que a representação cognitiva que as pessoas têm sobre as causas da doença tem implicações na adesão ao regime de tratamento20, o que sugere que a educação para a saúde da pessoa com diabetes deve também considerar esta dimensão.

Algumas variáveis sociodemográficas demonstraram ter influência nos conhecimentos acerca da diabetes. Verificámos que os diabéticos com maior nível de instrução sabem mais sobre a sua doença. Fitzgerald et al.21 e, mais recentemente, Hu et al.19 também confirmaram maiores conhecimentos sobre a diabetes nas pessoas com mais formação académica. Um estudo efetuado com uma população de pessoas não diabéticas, mas onde esta doença tinha elevada prevalência geográfica, revelou que as pessoas com maior nível educacional tinham maiores conhecimentos acerca da patologia22.

Neste estudo, as mulheres evidenciaram menos conhecimentos, o que poderá estar relacionado com o menor nível de escolaridade das mesmas, sendo essa diferença apenas significativa na dimensão Tratamento, controlo e complicações. Al- Sarihin et al.23 também encontraram diferenças nos conhecimentos acerca da diabetes entre homens e mulheres, argumentando que a baixa literacia que elas possuem estará na base desses resultados.

O tempo de convívio com a doença não influenciou os conhecimentos globais acerca da diabetes. Frequentemente, nesta patologia, não se verifica uma deterioração visível do estado de saúde a curto/médio prazo. Como referem Leventhal e Benyamini9, a forma como as pessoas percecionam os seus sintomas influencia o seu comportamento. É assim de esperar que, perante pouca sintomatologia da doença, as pessoas não se sintam motivadas a procurar mais informação, principalmente quando consideram que possuem a necessária para lidar com a doença no dia-a-dia. As políticas de saúde têm vindo a reforçar a necessidade de proporcionar aos clientes recursos informativos que lhes permitam compreender a sua doença e tomar decisões esclarecidas. Esta aposta pode refletir-se numa população mais esclarecida acerca da diabetes. Assim, no caso desta amostra, os conhecimentos acerca da doença foram elevados, independentemente do estádio da doença.

Os resultados relativos à influência de fatores demográficos nos níveis de QCD permitem identificar grupos-alvo para intervenção educativa. As mulheres e os utentes com menor escolaridade parecem necessitar de mais atenção em termos educacionais acerca da diabetes.

Este questionário, tendo como referencial teórico o modelo de autorregulação de Leventhal, permite avaliar os conhecimentos que as pessoas têm sobre a sua diabetes em 3 dimensões importantes da sua doença: Tratamento, controlo e complicações, Causas e Duração. Estas dimensões têm comprovada relevância em termos das crenças acerca da doença e tratamento e subsequentemente, nos comportamentos de adesão terapêutica, que são essenciais à gestão e controlo da doença. O QCD pode ser um instrumento importante a utilizar pelos técnicos de saúde para identificar áreas de desconhecimento acerca da diabetes e orientar as intervenções educativas.

Através deste trabalho foi possível verificar que o QCD revela ser um instrumento fiável e válido para avaliar os conhecimentos gerais que as pessoas possuem sobre a sua diabetes. As opções metodológicas assumidas na realização deste estudo seguem as recomendações mais clássicas de avaliação de instrumentos de medida24. Porém, o estudo dos aspetos psicométricos deveria ser ponderado com o cruzamento de aspetos mais clinimétricos25. Seriam desejáveis novos estudos, em amostras semelhantes, que comprovassem os resultados apurados na análise fatorial confirmatória, para assim confirmar o modelo teórico tridimensional. Na prática clínica poderá ser um instrumento útil para orientar a educação para a saúde. Em termos de futuros estudos, será importante continuar a testar a validade do QCD, especialmente com populações com maior variabilidade de nível de conhecimentos sobre a doença.

Investigações futuras sobre o impacto de campanhas comunitárias ou intervenções individuais ou de grupo, destinadas a aumentar os conhecimentos da pessoa com diabetes sobre a sua doença e tratamento, poderão beneficiar do uso do QCD para avaliar os conhecimentos pré e pós-intervenção.


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