Adesão à Terapêutica Anti-Retrovírica na Infecção VIH/SIDA
INTRODUÇÃO
A importância da adesão à terapêutica na infecção
VIH/sida foi reconhecida na 12ª Conferência Mundial em
Genebra (1). Assim, ao desafio de tratar esta infecção
acresceram duas questões: Qual o nível de adesão à
terapêutica necessário para o sucesso terapêutico? Qual
o nível de adesão estimado para os doentes em
terapêutica?
Em doenças crónicas, como a hipertensão, uma
adesão de 80% é considerada boa. No caso da infecção
VIH/sida, estudos recentes demonstraram que é
necessário cumprir entre 90% a 95% da terapêutica para
atingir o objectivo terapêutico (2).
Os objectivos desta revisão foram analisar estudos
feitos na área da adesão à terapêutica anti-retrovírica e
descrever as diferenças e as semelhanças quanto à
natureza da variável adesão, os métodos utilizados e o
tipo de estudo realizado, bem como as características da
amostra, os resultados encontrados e as barreiras à
adesão apresentadas.
MÉTODOS
Foi efectuada uma pesquisa na MEDLINE desde
1996 até 2004 e utilizando os seguintes termos: “adherence and HIV” e “adherence and AIDS”. Desta pesquisa
resultaram 30 artigos. Foi realizada uma outra pesquisa
com base nas referências desses artigos (20 artigos). O
termo “adherence” é o utilizado pelas recomendações
internacionais para a utilização de anti-retrovíricos,
anualmente emitidas pelo o Departamento de Saúde e
Serviços Humanos do governo dos Estados Unidos (3).
Nesta revisão foram incluídos 32 artigos, decorrentes
da investigação em adultos (acima de 18 anos) e cujo
objectivo principal foi quantificar a adesão à terapêutica
de doentes com infecção VIH/sida (apêndice).
A revisão dos artigos registou a informação relativa à
definição de adesão, ao local de realização e desenho do
estudo, à amostra, aos métodos de avaliação e aos
níveis de adesão à terapêutica obtidos.
As variáveis preditoras de adesão foram agrupadas
de acordo com o conceito que pretendiam representar.
Estes grupos foram organizados em três grandes
categorias: a) factores sociais, b) factores relacionados
com a doença e c) factores relacionados com o tratamento.
As variáveis estudadas por análise univariada e
multivariada foram agrupadas em função do seu
significado estatístico.
RESULTADOS
Caracterização dos artigos analisados
Definição de adesão
Em 20 dos 32 artigos analisados a adesão à terapêutica
foi considerada uma variável categorias: dicotómica (adere
ou não adere) ou com várias categórias.
O conceito dicotómico (cumprimento absoluto ou “no
missing doses”), que traduz uma adesão de 100%, isto é,
sem falha, foi utilizado por quatro autores (apêndice 5, 6,
19, 32).
Na adesão à terapêutica utilizando várias categorias
é, habitualmente, definido um valor abaixo do qual o
doente é considerado não aderente, sendo esse ponto
designado por limiar. O limiar mais baixo encontrado foi
75% (apêndice 31) e os mais utilizados foram os 80%
(seis artigos) e de 90% (seis artigos).
Em relação à apresentação da adesão por classes
foram identificados quatro artigos (apêndice 1, 8, 11, 27).
Nos restantes trabalhos, dez consideraram a adesão
uma variável contínua; dessa forma a adesão pode
assumir qualquer valor entre zero e 100% (apêndice 4,
10, 12, 13, 15, 18, 20, 21, 22, 29).
Foi identificado um artigo que, apesar de definir a
adesão à terapêutica como uma variável contínua
apresentou o resultado como categórica (apêndice 14).
Em outro trabalho foram consideradas simultaneamente
as duas classificações (apêndice 25).
Outro critério usado foi o instrumento empregue para
“medir” a adesão.
Nos estudos que utilizaram os níveis plasmáticos dos
inibidores da protease, a adesão à terapêutica foi definida
como a presença de uma concentração mínima destes
fármacos no sangue (apêndice 16, 25, 26, 28).
Para os trabalhos que utilizaram marcadores
biológicos, um doente foi considerado aderente à
terapêutica quando foram detectadas variações do volume globular médio, do ácido úrico e de bilirrubina
(apêndice 1, 2, 16).
Para a contagem de comprimidos e para os sistemas
electrónicos, a razão entre medicamentos tomados e
medicamentos prescritos foi a definição mais utilizada. O
período de tempo dessa avaliação variou de um dia
(apêndice 15, 20), a uma semana (apêndice 15) até seis
meses (apêndice 13). Os dados foram obtidos com base
em registos de profissionais de saúde ou por sistema
electrónico.
A utilização dos sistemas electrónicos também
recorreu a outra definição: a diferença entre o número
total de dias considerado para análise e o total de dias em
que todos os medicamentos prescritos foram
correctamente tomados (apêndice 12, 15).
Quando foi empregue o registo de dispensa de
medicamentos na farmácia, a adesão à terapêutica foi
definida pela razão entre medicamentos prescritos e
medicamentos dispensados, relativamente a um
determinado período de tempo. Apesar do período de
tempo ter variado entre seis meses e um ano, a adesão
foi estimada em avaliações mensais (apêndice 2, 7, 14,
23, 25, 26,31).
Alcoba (apêndice 26) considerou o acumulado de
dias para os quais o doente não teria medicamentos e
não a quantidade total de medicamentos cedidos na
farmácia.
Nos estudos que aplicaram a entrevista, a definição
empregue baseou-se no número de tomas/comprimidos
que o doente recorda ter feito dos medicamentos
prescritos, durante o período considerado. O período de
tempo sobre o qual incidiu esta avaliação foi variável, um
dia (apêndice 15) a sete dias (apêndice 3). Para além da
definição já referida, houve trabalhos que utilizaram o
número de dias com cumprimento absoluto da terapêutica
para definir adesão (apêndice 3).
Da mesma forma que na entrevista, no questionário
foram observados vários intervalos de tempo, nos quais
o doente deveria identificar a forma como cumpria cada
um dos medicamentos prescritos.
Para ambos os métodos, a informação acerca dos
“medicamentos tomados” foi obtida com base na memória
dos doentes.
Métodos de avaliação da adesão
Os métodos empregues dividiram-se em métodos
directos (determinação das concentrações plasmáticas
de fármacos e marcadores biológicos) e métodos
indirectos (contagem de comprimidos, registos da
dispensa de medicamentos na farmácia, juízo clínico,
comunicação da adesão pelo doente, através de
questionários e entrevistas e sistemas de controlo
electrónico). Na tabela 1 estão descritos os métodos
utilizados para estimar a adesão à terapêutica, nos
artigos analisados.
Dos trabalhos analisados, 15 (46,9%) utilizaram um
método para avaliar a adesão; 10 (31,3%) utilizaram dois
e 6 (18,7%) utilizaram três métodos, em simultâneo.
Hugen e colaboradores (apêndice 25) aplicaram sete
métodos diferentes num estudo descritivo realizado em
2002.
Nos 32 artigos analisados, o intervalo de tempo
considerado na avaliação da adesão e o número de
avaliações da adesão à terapêutica efectuadas foram
bastante diversificados. Na entrevista, questionário e
“juízo clínico”, o intervalo de tempo de avaliação variou
entre um dia a uma semana. Nos restantes métodos
indirectos esse período foi mais longo, havendo trabalhos
que fazem essa avaliação durante meses.
Local de realização
Dos 32 trabalhos, 17 (53,1%) foram realizados nos
Estados Unidos, 2 (6,3%) no Canadá, 4 (12,5%) em
Espanha, 2 (6,3%) em Itália, 1 (3,1%) na Bélgica, 1
(3,1%) na França, 1 (3,1%) na Holanda, 1 (3,1%) no
Reino Unido, 1 (3,1%) na Suiça, 1 (3,1%) em Hong-Kong
e 1 (3,1%) no Senegal. A zona urbana foi o local eleito
para a realização da maioria dos estudos.
Em dez artigos não foi identificado o número de
centros de investigação envolvidos e em 14 o estudo
decorreu num único centro de investigação.
A proveniência dos participantes foi: em três (9,4%)
artigos comunitária, em 18 (56,3%) hospitalar e em 11
(34,4%) seleccionados de coortes.
Desenho do estudo
Trinta e um estudos foram observacionais analíticos
e um foi descritivo (apêndice 25). Quinze foram estudos
prospectivos, 13 transversais e dois retrospectivos.
O intervalo de tempo de avaliação da adesão do
doente foi outro aspecto analisado. Os estudos
retrospectivos (apêndice 1, 27) decorreram durante
intervalos de tempo variáveis. Esse intervalo foi limitado
por um “ponto i”, definido como o início do estudo e por um
“ponto t”, onde o doente iniciou a terapêutica.
Nos estudos transversais não foi definido o intervalo
de tempo em que decorreu o estudo.
Os estudos prospectivos decorreram em intervalos
de tempo que variaram entre as 12 e as 104 semanas (2
anos).
Nos estudos transversais, o número de avaliações da
adesão à terapêutica foi pequeno, habitualmente, uma
avaliação. Nos estudos prospectivos, foram,
habitualmente, efectuadas mais do que uma avaliação.
Amostra
O número de doentes incluídos nas amostras variou
entre poucas dezenas e centenas. Cinco artigos utilizaram
amostras com menos de 50 doentes (apêndice 2, 10,
12,17, 25) e seis com mais de 500 (apêndice 14, 19, 21,
23, 31, 32). A amostra mais pequena foi de 28 doentes
(apêndice 25) e a maior de 1522 doentes (apêndice 31).
Na selecção de doentes houve autores que optaram
por recrutar doentes naives (apêndice 1, 14, 22, 31), mas
a maior parte optou por doentes em terapêutica há mais
de 6 meses ou 1 ano.
As características demográficas analisadas foram a
idade, o sexo, a etnia e/ou raça.
A maioria das amostras incluiu homens e mulheres
(27 artigos), mas o número de homens foi sempre superior. Nos restantes cinco artigos, dois não mencionaram
a distribuição por sexos (apêndice 5, 25), um apenas
incluiu mulheres (apêndice 20) e dois apenas homens
(apêndice 2, 32).
Nos estudos realizados nos EUA (17 estudos) foram
descritas as etnias dos participantes, sendo a caucasiana
inferior a 50% em 11 estudos (64,7%) e superior a 50%
em cinco (29,3%).
Níveis de adesão obtidos
Os níveis de adesão à terapêutica dos estudos
analisados, considerando a adesão como variável
categórica, são apresentados na tabela 2. Estes resultados
consideraram os vários métodos utilizados para avaliar a
adesão numa única avaliação.
Os resultados dos artigos que consideraram a adesão
à terapêutica como variável contínua estão expressos
nas tabelas 3 e 4.
Variáveis associadas à adesão à terapêutica
Em oito dos 32 trabalhos analisados, os autores
questionaram os doentes acerca das razões que os
levaram a não cumprir a terapêutica. As principais razões
mencionadas foram o “esquecimento” e o “estar muito
ocupado ou fora de casa”.
Os “efeitos secundários” dos medicamentos, a
depressão e as “dificuldades em compreender a posologia
prescrita” foram outras das razões apontadas.
As “alterações na vida diária”, o “querer desintoxicar
o corpo”, o “adormecer” e o consumo de álcool ou outra
substância ilícita aparecem descritas no final da lista.
Dos 32 artigos, 17 (53,1%) fizeram uma análise
univariada dos factores preditores da adesão à terapêutica
no doente com infecção VIH/sida e 13 (40,6%) alargaram
essa análise a um estudo multivariado. O resultado das
associações encontradas é apresentado considerando
factores sociais, factores relacionados com a doença e
factores relacionados com a terapêutica (Tabela 5).
Factores sociais
Do conjunto de variáveis demográficas, a idade foi a
que apresentou associação mais evidente com a adesão
à terapêutica. Os artigos mostraram que os participantes
mais velhos tinham maior adesão à terapêutica.
A etnia foi estudada em 13 artigos, todos provenientes
dos Estados Unidos. Os afro-americanos apresentam
mais baixa adesão à terapêutica.
Em nenhum estudo foi encontrada associação
estatisticamente significativa entre sexo, estado civil e
viver com dependentes (componente familiar), e adesão
à terapêutica.
As características socio-económicas incluíram o nível
de escolaridade e o estatuto socio-económico. O nível de
escolaridade considerou indicadores relativos ao grau
académico e ao grau de iliteracia. Do estatuto socioeconómico fizeram parte indicadores tão diversos como
o vencimento anual dos doentes, a situação laboral, o
número de refeições diárias ou o ter casa própria. Os
artigos que evidenciaram associação mostraram que os
participantes com baixo nível de escolaridade e socioeconómico tinham menor adesão à terapêutica.
Nem todos os autores definiram o tempo de consumo
de tabaco, álcool ou drogas ilícitas, alguns dividiram esse consumo entre activo ou histórico. A associação entre
o consumo de tabaco e a adesão à terapêutica foi analisada em dois artigos, mas não foi encontrada associação
entre as variáveis.
As características institucionais incluíram o apoio
social e o grau de satisfação com a instituição médica e/
ou com os profissionais de saúde. Os resultados mostraram que os participantes com maior apoio social
tinham maior adesão à terapêutica. As situações
enquadradas no apoio social foram: o apoio de familiares
e amigos, o apoio religioso e o apoio dado por instituições
de solidariedade social. A satisfação do doente em relação
à instituição onde é tratado e aos profissionais de saúde
que o acompanham, nomeadamente médicos, não
mostrou evidência de associação significativa com a
adesão à terapêutica.
As variáveis ligadas à saúde mental foram o stress e
a depressão. No stress foram considerados sentimentos
como: a ansiedade, as limitações emocionais, o cansaço,
o isolamento. Como depressão incluíram-se as situações
clínicas ligadas à saúde mental. Foram utilizadas várias
escalas para avaliar a depressão. Os artigos que incluíram
participantes mais deprimidos ou com stress tinham
menor adesão à terapêutica.
Factores relacionados com a doença
O estado clínico do doente reflectiu uma variedade de
situações, desde um bom estado geral de saúde, ao
aparecimento de sinais ou sintomas incómodos ou de
infecções ou eventos oportunistas, avanço na história
natural da doença, aumento da carga vírica ou deterioração do estado imunológico. Foi observada associação
significativa entre o estado imunológico (número de
linfócitos T CD4+) e a adesão à terapêutica, esta foi no
sentido de doentes com menor número de linfócitos T
CD4+ demonstravam uma menor adesão à terapêutica.
As variáveis que estudaram a associação entre a
atitude perante a doença e a adesão à terapêutica
abordaram situações relacionadas com a crença na
saúde e com a motivação. A primeira incluiu situações
relacionadas com o conhecimento da doença e/ou da
forma de actuação dos medicamentos, a percepção de
que os medicamentos podem melhorar e prolongar a
vida, que os medicamentos vão combater o vírus ou a
percepção de que a infecção VIH causa doenças que
podem ser combatidas pelos medicamentos. A segunda
considerou situações que demonstram empenhamento
face ao cumprimento da terapêutica, tais como “coping”,
uso de auxiliares de memória para não esquecer de
tomar os medicamentos. Os artigos mostraram que os
participantes mais motivados têm maior adesão à
terapêutica.
Factores relacionados com o tratamento
Dada a sua complexidade o regime terapêutico foi
avaliado em termos gerais. Com efeito, é complicado
tomar os medicamentos sobretudo fora de casa, durante
o horário do trabalho, de estômago vazio ou quando não
se encaixam no quotidiano.
Em relação ao número de fármacos incluídos no
regime terapêutico, ao número de comprimidos diários
ou à posologia, a associação pareceu menos evidente.
Nas duas situações, regimes terapêuticos complexos,
com vários fármacos, muitos comprimidos e posologia
com maior número de tomas estariam associados a uma
adesão mais fraca.
Em relação à associação entre a experiência
terapêutica e a adesão à terapêutica, houve mais
referências de associação positiva em doentes já em
tratamento.
DISCUSSÃO
A Organização Mundial de Saúde definiu adesão à
terapêutica como “a extensão em que o comportamento
de um indivíduo, para a utilização de medicamentos,
cuidados de saúde, alimentação e estilos de vida, está de
acordo com as recomendações de um profissional de
saúde com as quais concorda” (4). Apesar das várias
definições que foram sendo desenvolvidas ao longo dos
anos, a adesão à terapêutica continua a ser difícil de
“medir”, pelo que nos artigos analisados se centrou nos
medicamentos tomados pelo doente. Apenas um autor
(apêndice 25), apresentou como objectivo do estudo, a
avaliação da adesão à terapêutica prescrita bem como a
avaliação da adesão à posologia e às restrições
alimentares.
Nos artigos analisados foi mais frequente a
classificação categórica da adesão, contudo pelo seu
carácter dinâmico, a classificação contínua seria melhor
opção. Esta posição é defendida por Steiner, para este
autor a utilização da adesão como variável categórica só
fará sentido quando for claro o limiar para a patologia em
causa, fora essa situação a medida contínua deveria ser
a utilizada (5). Os artigos que consideraram a adesão
uma variável categórica utilizaram, geralmente métodos
de avaliação subjectivos (auto-comunicação, juízo clínico),
períodos de avaliação curtos e basearam a informação
na memória do doente ou do profissional de saúde.
Quando utilizada a variável contínua, os períodos de
avaliação foram mais longos e a informação, em regra,
não se baseou na memória do doente ou do profissional
de saúde. Esta opção permitiu igualmente fazer avaliações
considerando múltiplos intervalos de tempo, o que
possibilitou avaliar não só a adesão à terapêutica no
período de tempo definido no estudo, mas também a sua
evolução ou retrocesso.
Em alguns artigos, o tempo de avaliação da adesão à
terapêutica não foi quantificado. Houve autores que
consideraram o tempo entre “visitas”/consultas (apêndice
12, 22), o que implicou que a avaliação da adesão tivessem intervalos de tempo variados. Por exemplo, para
alguns doentes o tempo entre consultas poderia ser
diferente por razões ligadas à evolução da doença ou por
motivo de fraca adesão à terapêutica. Esta variação pode
originar um viés de selecção. Idealmente, os intervalos
de tempo de avaliação devem ser iguais ou muito
aproximados para os doentes de um mesmo estudo.
Para avaliar a adesão foram empregues diversos
métodos. A utilização de marcadores biológicos na
avaliação da adesão à terapêutica não constitui uma
inovação na área da medicina. Na infecção VIH/sida, os
marcadores biológicos utilizados foram a macrocitose,
característico da zidovudina e da estavudina; o aumento
dos valores séricos do ácido úrico, característico da
didanosina, e o aumento dos níveis de bilirrubina que
ocorre nos doentes a tomar indinavir. Os marcadores
biológicos foram encarados como promissores por alguns
investigadores (6). Doung (apêndice 16) mostrou existir
evidência de associação entre a hiperbilirrubinemia e a
adesão ao indinavir e entre o aumento do ácido úrico e a
adesão à didanosina. Contudo, nem sempre foi
demonstrada a associação entre essas alterações e a
adesão. Broers e colaboradores (apêndice 1) não
encontraram associação entre a macrocitose e a adesão
à terapêutica com zidovudina ou com estavudina. A
deficiência de vitamina B12 e de folatos, o alcoolismo ou
a doença hepática são, igualmente, capazes de provocar
alterações semelhantes, o que pode enviesar os
resultados (10).
A determinação sérica dos fármacos é um método
dispendioso e complexo (7). Os fármacos mais utilizados
foram os inibidores da protease, particularmente o
indinavir. Doung (apêndice 16) demonstrou que níveis
plasmáticos acima dos valores de referência para os
inibidores da protease e resposta virológica estavam
associados e que os níveis de fármaco eram preditores
nessa resposta. Outro artigo não confirmou, inteiramente,
essa associação (apêndice 26). Outros estudos
demonstraram que a baixa adesão estaria associada
com níveis de fármaco indetectáveis, mas não com
cargas víricas quantificáveis (8).
Uma desvantagem deste método prende-se com o
facto dos inibidores da protease terem semi-vidas curtas,
de facto, apenas se podem dosear concentrações
plasmáticas relativas ao dia anterior à última toma, pelo
que a extrapolação para períodos de tempo mais longos
é controversa. Alguns autores concluíram que seria
possível essa extrapolação (apêndice 26); outros
alegaram o chamado efeito “escova de dentes” para se
oporem (9). Outros viéses apontados na literatura foram
as interacções medicamentosas e da dieta alimentar que
podem estar ligadas a valores falsamente baixos de anti-retrovíricos (10).
As recomendações do Department of Health and
Human Services, de Outubro de 2005, consideram a
monitorização sérica de inibidores da protease e inibidores
não nucleosídeos da transcriptase reversa como uma
opção com interesse potencial e de inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa como sendo, ainda, objecto
de mais estudos. Em relação à sua utilização na prática
clínica, as situações indicadas por esses peritos não
incluem a avaliação da adesão à terapêutica. De facto, a
falta de estudos prospectivos capazes de demonstrar
que a monitorização sérica de anti-retrovíricos melhora a
resposta à terapêutica é a principal limitação à utilização
deste método (3).
Nenhum estudo empregou, exclusivamente métodos
directos para estimar a adesão à terapêutica. Nos 32
artigos analisados, houve uma opção predominante pelos
métodos indirectos e em seis artigos foram utilizados, em
simultâneo, métodos directos e indirectos.
A entrevista e o questionário foram os métodos mais
utilizados para avaliar a adesão à terapêutica,
respectivamente em 23 trabalhos. De um modo geral, os
questionários e as entrevistas sobrestimam a adesão, no
entanto manifestar uma adesão absoluta é um fraco
preditor, mas declarar uma adesão baixa deve ser tida
em consideração (11).
Houve artigos que referiram ter optado por um
entrevistador com formação específica e independente
da equipa de saúde (apêndice 3, 28). A formação do
entrevistador é importante, na medida em que lhe é
ensinado a orientar uma entrevista, para que o doente
compreenda o que lhe é perguntado, sem, no entanto, o
influenciar ou condicionar. O facto do entrevistador não
ser membro da equipa de saúde, pode dar mais garantias
de que o doente não se sentirá pressionado a responder
algo que agrade ao entrevistador e, por isso, sobrestime
a sua adesão à terapêutica. Para além de se obterem
respostas mais fidedignas, há um reforço positivo da
importância da adesão à terapêutica, uma oportunidade
de conhecer os motivos das falhas e uma oportunidade
de intervir (12). Estes dois métodos permitem auscultar o
doente em relação às suas dificuldades em cumprir a
terapêutica.
O registo da dispensa de medicamentos (sete artigos),
o sistema electrónico (oito artigos) e a contagem de
comprimidos (oito artigos) foram as segundas grandes
opções, em termos de métodos de avaliação. Bangsberg
(apêndice 12) defendeu as vantagens da contagem de
comprimidos relativamente aos sistemas electrónicos.
Para este autor, os sistemas electrónicos subestimam a
adesão, uma vez que é vulgar o doente retirar mais de
uma dose de cada vez que abre o frasco, particularmente
quando utiliza as chamadas “caixas de medicação”, o
autor defende, ainda, a vantagem da contagem de
comprimidos ser efectuada em casa dos doentes e sem
visitas previamente anunciadas.
O registo de dispensa de medicamentos na farmácia
pressupõe condicionalismos, nomeadamente, que a
dispensa de medicamentos seja feita exclusivamente por
uma farmácia e para períodos de tempo regulares e bem
definidos. Em 1988, Steiner publicou um artigo onde
descreveu e validou este instrumento para estimar a
adesão à terapêutica (13). Este método permite obter
uma informação: se os medicamentos foram dispensados
ao doente, mas não controla se foram realmente tomados.
A interrupção da dispensa de medicamentos devido a
efeitos adversos, episódios de internamento ou indicação
médica não foram analisadas na maior parte dos trabalhos,
apenas Olalla (apêndice 23) considerou estas variáveis
nos seus resultados.
A capacidade dos médicos e outros profissionais de
saúde avaliarem a adesão à terapêutica revelou-se, um
instrumento incerto. No estudo de Paterson (apêndice
13), 51% dos doentes classificados pelo médico como
tendo uma adesão inferior a 80% tinham, na realidade,
adesão superior a esta percentagem (avaliada por sistema
electrónico). De facto, 21% desses doentes tinham adesão
superior a 95%. Aparentemente, um doente raramente
admite ao seu médico não aderir à terapêutica, da mesma
forma que um médico raramente admite que um seu
doente não seja aderente à terapêutica (14).
Houve estudos em que os doentes receberam uma
gratificação pela colaboração que tiveram, ou seja, pelo
tempo dispensado a responder aos questionários ou às
entrevistas (apêndice 3, 5, 17, 30). Este procedimento
pode “incentivar” o doente a agradar; este pode tentar
“colaborar” mais e, consequentemente “aumentar” a
adesão à terapêutica.
Apesar das diferenças entre os vários métodos foi
encontrada correlação moderada entre a autocomunicação (entrevista e/ou questionário) e os sistemas
electrónicos num artigo (apêndice 15) e entre os sistemas
electrónicos e a determinação das concentrações
plasmáticas noutro (apêndice 25). Outros estudos que
compararam sistemas electrónicos, contagem de
comprimidos e auto-comunicação, encontraram níveis
de adesão significativamente diferentes para esses
métodos (apêndice 12, 18).
Parece, pois, ser consensual não existir um método
ideal para avaliar a adesão à terapêutica, e que será a
combinação de vários métodos a melhor abordagem;
parece, também, lógico que estudos que utilizaram
diferentes resultados analíticos e/ou clínicos como
resultado final obtivessem diferentes resultados de
adesão.
Mesmo entre os estudos que utilizaram o mesmo tipo
de método houve diferenças, por exemplo, nas questões
colocadas na entrevista ou do questionário, no tempo sob
o qual incidiu a análise (um dia, dois dias, uma semana)
e no próprio processo de recolha de informação.
Finalmente, a avaliação foi feita, quase sempre, para um
regime terapêutico e foram poucos os estudos que
analisaram a adesão a fármacos em particular.
Não obstante o carácter universal desta infecção, são
ainda poucos os trabalhos realizados na Europa, na Ásia
ou em África. Salienta-se o facto de não terem sido
identificados quaisquer artigos originários do leste da
Europa, uma vez que esta região apresenta um aumento
da incidência da infecção VIH/sida. Refere-se, também,
o facto de 30 dos artigos analisados serem oriundos de
países onde o acesso à terapêutica é universal a todos os
doentes que dela necessitem.
A importância dos estudos sobre adesão à terapêutica
no doente com infecção VIH/sida prende-se, principalmente, com o facto de ser imprescindível conhecermos
os factores condicionantes da adesão para ser possível
agir sobre eles. De facto, a diversidade de estudos
realizados dificulta a comparação entre os vários
trabalhos. Além disso, a ausência de um grupo controlo,
aumenta a possibilidade de ocorrerem viéses por
indicação, tais como a prescrição de regimes mais
complexos a doentes considerados mais aderentes. A
predominância de estudos transversais esquece a
evolução ou retrocesso da adesão do doente à terapêutica
ao longo do tempo.
A classificação do método epidemiológico utilizado e
a duração do estudo foram parâmetros nem sempre
definidos claramente pelos autores. Em 14 (44%) dos
artigos analisados a classificação do método
epidemiológico não foi definida pelo autor. Em relação à
duração do estudo, se para os estudos transversais pode
ser entendido que o estudo decorreu no tempo necessário
à aplicação do instrumento de avaliação aos doentes,
para os estudos prospectivos e retrospectivos a definição
clara da duração temporal é um factor essencial.
Em grande parte dos artigos analisados, as amostras
eram de pequena dimensão, o que pode ter dificultado a
identificação dos factores preditores. A generalização
dos resultados à população é igualmente controversa,
pelo facto de existirem amostras de conveniência, dos
participantes estarem já incluídos em estudos de coorte
ou receberem incentivos monetários. O reduzido número
de mulheres, a variabilidade de distribuição de factores
de risco para transmissão e as diferenças culturais foram
outros limites à generalização.
Em relação aos estudos analisados, houve uma clara
predominância por populações provenientes do continente
americano (59,4%) relativamente à Europa (34,4%).
O optimismo surgido nos doentes e na comunidade
médica e científica com o aparecimento de novos fármacos, particularmente os que permitiam uma terapêutica
potente, foram frustrados pelo reconhecimento das
exigências do próprio regime terapêutico. A terapêutica
anti-retrovírica potente demonstrou ser capaz de baixar
a carga vírica para valores indetectáveis, relacionando-se este facto com uma diminuição da morbilidade e da
mortalidade. Contudo, a eficácia deste tratamento depende do cumprimento rigoroso de um regime terapêutico
(15).
Os níveis da adesão à terapêutica encontrados nos
artigos analisados foram diversos; contudo, foi unânime,
para vários investigadores, que o nível de adesão à
terapêutica deveria ser elevado para atingir os benefícios
terapêuticos. Salienta-se o crescimento do valor limiar ao
longo do tempo (ano de realização do estudo) e à medida
que as evidências científicas e clínicas apontavam para
a necessidade de um cumprimento cada vez mais
escrupuloso do regime terapêutico.
Nos estudos que consideram a adesão uma variável
categórica (apêndice 5, 6, 19, 32), o melhor resultado foi
o obtido no trabalho de Kleeberger e colaboradores, onde
78 a 85% dos doentes apresentaram uma adesão de
100%. O pior resultado foi obtido por Maggiolo e
colaboradores, com apenas 50,9% dos doentes a
apresentarem uma adesão de 100%. Curiosamente,
ambos os autores usaram um questionário estruturado
como instrumento para estimar a adesão.
Nos artigos em que o valor limiar utilizado foi de 90%,
o melhor resultado foi obtido por Fong e colaboradores,
98,1% de doentes aderentes (apêndice 27) e o pior
resultado foi obtido por Gordillo e colaboradores 57,6%
de doentes aderentes (apêndice 9).
Nos artigos que consideram a adesão uma variável
contínua, os melhores resultados foram obtidos por
Melbourne e colaboradores (apêndice 10) e por Laniéce
e colaboradores (apêndice 29). Os piores resultados
foram os obtidos por Andrea e colaboradores (apêndice
20) e por Arnsten e colaboradores (apêndice 15).
Do ponto de vista do doente, os factores que mais
dificultaram a adesão à terapêutica foram o esquecimento,
o estar muito ocupado ou fora de casa, os efeitos
secundários e a depressão. Curiosamente, o número de
fármacos, o número de comprimidos ou a posologia não
apareceram entre as primeiras razões apontadas, apesar
de na literatura, serem apontadas como importantes
causas de má adesão à terapêutica (3).
Nos artigos analisados, o desenho do estudo, a
amostra, o método utilizado para estimar a adesão foram
bastante diferentes; contudo, as variáveis analisadas
foram muito semelhantes. De facto, não foi identificada
uma variável estudada num único artigo; pelo contrário
foram identificadas dezenas de variáveis repetidas. Essas
variáveis foram reunidas em grupos e depois em três
grandes categorias: factores sociais, factores relacionados
com a doença e factores relacionados com o tratamento.
Nenhum dos artigos analisados encontrou associação
entre sexo, estado civil, viver com dependentes e a
adesão à terapêutica. No entanto, ser jovem, pertencer a
uma etnia minoritária, ter um baixo nível de escolaridade
e económico e consumir drogas ilícitas apareceram
associados com uma baixa adesão à terapêutica. As
características socio-demográficas foram variáveis
incluídas em praticamente todos os estudos; apesar de
não serem necessariamente bons factores preditores,
identificam franjas populacionais capazes de beneficiar
de intervenções dirigidas.
Provavelmente, a associação entre a etnia e a adesão
à terapêutica ocorreu como reflexo da diversidade de
culturas, de crenças na saúde, de atitudes perante o
tratamento, bem como do nível socio-económico dos
doentes pertencentes a essas minorias. Os trabalhos
que descreveram essa associação eram provenientes
dos Estados Unidos e foi a população afro-americana a
que apresentou uma menor adesão à terapêutica.
Em relação ao nível socio-económico, a diversidade
de critérios de avaliação poderia justificar as associações
encontradas. De facto, os critérios de pobreza ou de
riqueza são muito variados e vão desde o “comer menos
de duas refeições por dia” (apêndice 30), ao estar
desempregado (apêndice 13, 20), até à quantificação do
vencimento anual, isto é, grandes extremos de pobreza
e de riqueza nos critérios escolhidos.
Em alguns estudos, o consumo de drogas
endovenosas foi associado com baixos níveis de adesão
à terapêutica, noutros essa associação não foi confirmada.
Um consumo histórico poderia estar implicado com o
risco para a transmissão, particularmente nas drogas
endovenosas. Um consumo activo estaria mais associado
a um desinteresse pelo tratamento. Na literatura, há
autores, que defendem que mesmo o consumo activo de
drogas não é condição para limitar o acesso à terapêutica,
sob pena de aumentarem os casos de SIDA (16). Num
trabalho de 2003, Wood concluiu que se não forem
implementadas medidas para favorecer a adesão à
terapêutica nos consumidores activos, estes progridem
mais rapidamente para estadios mais avançados da
doença com consequente utilização de outro tipo de
recursos da saúde (17). O receio do incumprimento da
terapêutica pode levar a atitudes discriminatórias, contudo,
um estatuto socio-económico alto, um nível de
escolaridade elevado e um passado sem consumo de
drogas não foram descritos como preditores de óptima
adesão à terapêutica nas mais recentes recomendações
(3).
A limitação de acesso à terapêutica baseada no sexo,
na idade, na etnia, no estatuto socio-económico ou na
história de consumo de drogas ilícitas poderia colocar em
risco um grupo populacional bastante vulnerável; no
entanto, intervenções planeadas para esse grupo,
exercendo uma discriminação positiva poderiam
maximizar o tratamento (18).
A depressão foi associada com uma adesão à
terapêutica subóptima, contudo o carácter transversal da
maioria dos estudos analisados pode ter condicionado a
relação causa-efeito. Por um lado, é possível que sintomas
depressivos possam limitar a capacidade dos doentes de
seguir as orientações do médico; por outro lado, a falta de
adesão à terapêutica pode contribuir para o agravamento
da depressão pela ausência de resultados clínicos
favoráveis.
A depressão no doente com infecção VIH/sida pode
ser mais do que uma situação transitória causada pelo
impacto do diagnóstico, mas representar uma condição
duradoura caracterizada por comportamentos auto-destrutivos (19). Há autores que apontam a depressão
como a variável mais vezes associada a uma baixa adesão à terapêutica. Doentes com depressão ou doença
mental deveriam receber tratamento e medicação adequada simultaneamente com o tratamento anti-retrovírico
(20).
O stress foi igualmente relacionado com uma baixa
adesão à terapêutica, de facto este pode reduzir a
capacidade do doente em aderir à terapêutica, quer pela
redução da motivação, quer pelo aumento da dificuldade
de concentração e falha de memória (21).
O grau de satisfação do doente com o médico ou com
a instituição de saúde não foram associados com a
adesão à terapêutica, em nenhum dos artigos. Uma boa
relação médico-doente tem sido dada como factor positivo
na adesão à terapêutica (7). Para Chesney, esta relação
poderá funcionar de forma inversa, ou seja, uma má
relação médico-doente, uma observação recriminatória
ou com juízos de valor, com falta de compreensão sobre
valores culturais pode afastar o doente do tratamento e
da instituição (22).
Alguns dos estudos analisados referiram que doentes
com níveis de linfócitos T CD4+ elevados apresentavam
uma maior adesão à terapêutica. Stone tirou conclusões
semelhantes (23). Contudo, o sentido desta associação
não fica claro: doentes em fase menos avançada da
infecção aderem melhor à terapêutica porque têm menos
sintomas da doença? Ou doentes que aderem mal à
terapêutica não conseguem atingir a supressão virológica
e a reconstituição imunológica? (24) Curiosamente, o
estadio da infecção não apareceu associado com a adesão à terapêutica, de facto, somente em três artigos se
associou a fase de SIDA com uma maior adesão à terapêutica.
Nos artigos analisados foi encontrado um grande
número de variáveis que reflectiam as atitudes do doente
face à infecção, ao tratamento e ao medicamento. Por
exemplo, o medo, o cepticismo, o pessimismo, mas
também a confiança e o conhecimento técnico acerca
dos fármacos. Para uma grande parte dos autores, a
confiança do doente e a motivação estavam associadas
com uma adesão à terapêutica mais elevada. A confiança
do doente na terapêutica e a sua aceitação estão descritas
como fundamentais no sucesso da terapêutica (25). A
preparação psicológica do doente para iniciar um regime
terapêutico engloba a compreensão, a motivação e o
compromisso. Antes de iniciar tratamento é importante
acordar com o doente as condições de aceitabilidade
desse regime. Esta atitude envolve uma instrução/
educação do doente e uma compreensão perante as
dificuldades expostas ou manifestadas por ele (3). Os
instrumentos e as definições utilizadas para avaliar, por
exemplo, sintomas depressivos, qualidade de vida, apoio
social e crenças na saúde foram, igualmente muito
diversos, nos artigos por nós analisados.
Nos artigos analisados os regimes terapêuticos
descritos foram muito diferentes, fruto da quase ausência
de opções terapêuticas que caracterizaram os primeiros
anos da epidemia e do desenvolvimento de novos
fármacos e regimes terapêuticos que surgiram após a
viragem do milénio. Nos estudos que decorreram ou
foram publicadas até 1998, houve a opção pela monoterapia e/ou terapêutica dupla, resultado dos fármacos
disponíveis na época. Após esses anos, a terapêutica
anti-retrovírica potente passou a ser a principal escolha.
O aparecimento de efeitos secundários dos
medicamentos foi apontado como um factor de baixa
adesão à terapêutica, em vários dos artigos analisados.
Esta variável fora já citada pelos doentes quando
descreveram as principais barreiras à adesão. De facto,
para um doente assintomático que inicia terapêutica anti-retrovírica potente, os efeitos secundários dos fármacos
representam uma diminuição na qualidade de vida.
Ammassari relatou a mesma situação (26). Altice concluiu
que doentes que recebiam informações acerca dos efeitos
adversos esperados e da forma como estes poderiam ser
minoradas apresentavam uma adesão à terapêutica mais
elevada (25).
Em relação ao número de comprimidos, apenas num
artigo foi confirmada associação com a adesão à
terapêutica e em relação à posologia foram identificados
quatro artigos. Murphy avaliou de forma mais abrangente
as barreiras à adesão à terapêutica. Neste estudo, foi
considerado barreira à adesão à terapêutica qualquer
factor que impedisse ou desincentivasse o doente de
tomar os medicamentos. Estes factores incluíram: estado
clínico do doente (ou seja a forma como o doente
percepciona o papel da terapêutica na sua situação
clínica); a natureza do regime terapêutico (número de
comprimidos, posologia, necessidade de refrigeração);
as emoções do doente (depressão; confusão); a vontade
do doente (o doente não toma os medicamentos porque
não se sente bem; porque isso o vai impedir de beber); o
estilo de vida do doente (se o regime terapêutico não se
encaixa no seu estilo de vida). Curiosamente, os factores
mais apontados foram a coincidências dos horários dos
fármacos com as horas de dormir e a dificuldade de tomar
medicamentos com instruções especiais. O número de
comprimidos aparece mencionado em 11º lugar e o
número de administrações diárias não aparece
mencionado (27).
Aparentemente, a forma como um regime terapêutico
encaixa na rotina do doente é um factor mais importante
que o número de comprimidos ou a posologia diária.
Planear um regime terapêutico que se adapte à rotina de
cada doente será mais importante do que reduzir o
número de comprimidos, fármacos ou administrações
diárias. A redução no número de administrações diárias
poderá ter como limitação a semi-vida do fármaco,
particularmente dos análogos nucleosídeos e nos
inibidores da protease. A simplificação de regimes
terapêuticos a que se tem assistido nos últimos anos é
um precioso contributo para aproximar os regimes
terapêuticos da vida dos doentes e não uma panaceia em
si mesma (28).
Em conclusão, considerar a adesão como uma variável
categórica foi a opção mais escolhida nos artigos revistos.
A diversidade de métodos para avaliar a adesão foi
grande, contudo a entrevista e o questionário foram os
métodos mais utilizados. Os estudos realizados foram
maioritariamente observacionais com um predomínio
dos estudos prospectivos. A proveniência dos
participantes foi sobretudo hospitalar com predomínio do
sexo masculino.
Apesar da diversidade de instrumentos de avaliação
da adesão, das várias definições da variável, dos
diferentes valores de limiar considerados, os resultados
da adesão à terapêutica encontrados, nos vários trabalhos,
estão, na maior parte dos casos, abaixo do necessário
para obter sucesso clínico.
As variáveis que em mais estudos se associaram com
a baixa adesão à terapêutica foram: o baixo nível de
escolaridade e estatuto sócio-económico, a depressão, a
falta de motivação para o tratamento e a complexidade
do regime terapêutico.
Futuros ensaios clínicos na infecção VIH/sida devem
considerar a inclusão de pelo menos uma metodologia de
avaliação da adesão; a utilização, em simultâneo, de dois
métodos diferentes poderá ser a melhor abordagem.
É importante realizar estudos desenhados para
encontrar estratégias para melhorar a adesão à
terapêutica.