Histiocitose de Células de Langerhans: Dois Casos Clínicos com Envolvimento
Orbitário e Revisão da Literatura
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial de Saúde define Histiocitose de Células de Langerhans
(HCL) como uma prolifera
ção de células de Langerhans imunorreactivas "para" o CD1a e
proteína S100 e presença intracitoplasmática de grânulos de Birbeck detectáveis
na microscopia electrónica (1,2).
Aincidência anualé de cerca de 5 por milhão afectando maioritariamente crianças
do género masculino com menos de 15 anos (1,3). A etiologia é desconhecida e,
embora existam alguns relatos da ocorrência simultânea em irmãos e gémeos, não
foi encontrada até à data uma alteração genética associada (3). A doença pode
manifestar-se de 3 formas diferentes: unifocal, multifocal uni-sistémica e
multifocal multi-sistémica (1,4). A forma unifocalé a mais frequente (60%) e
apresenta-se em 75% dos casos com envolvimento ósseo (ossos craniofaciais,
coluna, pélvis, costelas, e mandibula) mais frequentemente sob a forma de lesão
osteolítica. O envolvimento da órbita ocorre em cerca de 20% dos casos (1,5-8).
Histologicamente caracteriza-se por uma proliferação em toalha de células de
Langerhans, associando-se a maior ou menor infiltrado de polinucleares
eosinófilos e neutrófilos, histiócitos e linfócitos. O diagnóstico deverá ser
confirmado pela imunorreactividade das células neoplásicas "para" o
CD1a e a proteína S100 (1,2,4).
Fizemos uma revisão dos casos diagnosticados desde 2004 no nosso serviço
(Tabela 1), dando particular ênfase a dois casos clínicos de apresentação pouco
habitual.
Tabela 1 - Dados epidemiológicos dos casos de Histiocitose de Células de
Langerhans diagnosticados no Serviço de Anatomia Patológica do Hospital de S.
João, 2004-2009.
Ano Idade Género Órgão envolvido
2004 4 anos Masculino Pulmão
2004 4 anos Masculino Osso*
2005 51 anos Feminino Osso femural
2006 49 anos Masculino Fígado, pulmão
2006 19 anos Masculino Pulmão
2006 1 mês Feminino Osso*
2007 3 anos Feminino Pele
2008 44 anos Masculino Pulmão
2008 61 anos Masculino Pele
Caso 1 2009 5 anos Masculino Osso esfenóide (órbita)
Caso 2 2009 5 anos Feminino Osso frontal (órbita)
* não foi possível saber qual o osso envolvido.
CASOS CLÍNICOS
Caso 1: Criança do género masculino, com 5 anos, nascida de gestação gemelar
triamniótica, tricoriónica, sem intercorrências. Recorreu ao hospital por
proptose, oftalgia, edema palpebral e diminuição progressiva da acuidade visual
à direita em cerca de 3 semanas. A Tomografia Computorizada e a Ressonância
Magnética (RM) mostraram uma lesão osteolítica no osso esfenóide, com
extensãointraorbitária e envolvimento da dura-máter. O Cintilograma Ósseo de
corpo inteiro com Tomografia Computorizada de Emissão revelou hiperfixação do
radiofármaco na metade direita do osso esfenóide. Foi efectuada craniotomia
pterional direita, com remoção de lesão óssea intradiplóica pterional, do terço
interno.
Caso 2: Criança do género feminino, com 5 anos, sem antecedentes conhecidos,
apresenta proptose e neoformação supero-lateral da órbita direita. A RM
Cerebral e Orbitária mostrou uma lesão expansiva, de contornos irregulares
localizada lateralmente, na lâmina orbitária do frontal, com destruição óssea e
extensão para a cavidade orbitária. Foi efectuada orbitotomia superior com
exérese de neoformação.
Nos produtos de biópsia de ambos os casos, observaram-se células com
características de células de Langerhans, numerosos polimorfonucleares
eosinófilos, neutrófilos e linfócitos (Figura 1). As células descritas foram
imunorreactivas "para" CD1a e proteína S100 (Figura 1). Foi feito o
diagnóstico de HCL.
Fig. 1 - Histiocitose de Células de Langerhans - prolife
ração de células de Langerhans, eosinófilos, neutrófilos e linfócitos (H&E-200x).
Inseridas apresentam-se imagens de imuno - histoquímica "para" o
CD1a e proteína S100.
DISCUSSÃO
A HCL é uma doença rara que envolve a órbita em 20% dos casos, atingindo
maioritariamente a face superolateral e geralmente sem ocupação da órbita.
Nestes casos, a forma de apresentação clínica mais frequente é a proptose
(6,7,9-13).
Ambos os casos descritos tiveram uma apresentação clinica de proptose. A
neoplasia localizava-se na porção superior da órbita com envolvimento do terço
interno esfenoidal (caso 1) e da lâmina orbitária do frontal (caso 2). Numa
revisão de 25 casos de HCL por Erly et al, três casos apresentavam envolvimento
orbitário, um deles do osso esfenoidal (14). Na nossa série de 11 casos de HCL,
cinco apresentavam envolvimento ósseo, dois deles (casos 1 e 2) da órbita
(Tabela 1). 54,5% dos casos apresentaram-se em crianças e 45,5% em adultos,
aproximando-se estes dados do habitualmente descrito na literatura (15). Nos
casos infantis não observamos diferenças clínicas ou morfológicas,
relativamente ao descrito por outros autores (2,3,5,7,9,11,12). Arico et al,
refere, numa série de casos em adultos, a presença de um predomínio no género
masculino (16). No nosso departamento, 80% dos doentes adultos são do género
masculino. Ainda segundo este autor, a forma multissistémica da doença é a
apresentação mais frequente nos adultos, com envolvimento do pulmão em 62% dos
casos nas formas unifocais. Outros autores referem um envolvimento preferencial
ósseo em doentes adultos (17,18). No nosso departamento, verificamos predomínio
de envolvimento extraósseo nos doentes adultos, nomeadamente do pulmão (n= 3 em
5). Não existem referências a diferenças morfológicas entre os casos de doentes
adultos e crianças. O mesmo verificamos na nossa série.
O mecanismo etiopatogénico desta patologia é desconhecido e até ao momento não
foi identificado qualquer defeito genético molecular consistente.
Existem publicações associando o aparecimento de HCLunifocalóssea ainfecções
neonatais,linfoma maligno e exposição a solventes (3). Está igualmente descrita
a ocorrência simultânea em gémeos (1,19). Nos nossos casos não encontramos
referência a nenhuma outra patologia ou exposições prévias a tóxicos em nenhum
dos casos. O doente do caso 1 era nascido de uma gestação trigemelar, não tendo
até à data nenhum familiar com o diagnóstico de HCL.
O diagnóstico diferencial de neoplasias que poderão ocorrer nesta localização e
idade faz-se com neuroblastoma, rabdomiossarcoma, PNET e outraslesões
histiocíticas como o xantogranuloma juvenil (XGJ) e a doença de Rosai-Dorfman
(1,20). O aspecto histológico permite excluir as duas primeiras uma vez que são
neoplasias de células pequenas redondas e azuis. O XGJ, envolve mais
frequentemente as partes moles sob a forma de um nódulo isolado, podendo
igualmente envolver a órbita e o SNC (1,21,22). Por seu lado, a doença de
Rosai-Dorfman, quando envolve a órbita e o SNC afecta mais frequentemente
doentes adultos (1). Histologicamente o XGJ apresenta-se como proliferação de
histiócitos imunorreactivos "para" CD68 e factor XIIIa e negativos
"para" CD1a e proteina S100, sem eosinófilos e com células gigantes
multinucleadas de tipo Touton (em 85% dos casos) (23). A doença de Rosai-
Dorfman, para além da proliferação de células histiocíticas imunorreactivas
"para" CD11c, CD68, proteína S100 e negativas "para"
CD1a, apresenta caracteristicamente fenómenos de emperipolese (1).
O diagnóstico definitivo de HCL faz-se conjugando aspectos clínicos, achados
histológicos e imuno-histo-químicos (1,2,4). A forma unifocal óssea tem
habitual-mente melhor prognóstico, evoluindo de forma benigna em cerca de 95 %
dos casos (11). A terapêutica de eleição é cirúrgica necessitando, em alguns
casos, de aplicação de radioterapialocalou corticosteróides sistémicos. Estão
descritos casos de remissão espontânea (9,24). Muito embora tenham surgido
recentemente alguns relatos contraditórios (25), o envolvimento dos ossos
craniofaciais foirelacionado em alguns estudos, nomeadamente o DAL HX -
83/90, LCHI e LCHII, com uma maior incidência de diabetes insipidus, sendo
considerados pela Histiocyte Society, como locais de risco de posterior
envolvimento do Sistema Nervoso Central ("CNS-risk") (26,27). Estes
achados justificam a recomendação da utilização de quimioterapia (prednisolona e
vimblastina) durante um mínimo de seis meses presente no Treatment Protocol of
the Third International Study for Langerhans Cell Histiocytosis(28). Os nossos
dois casos encontram-se vivos e sem doença activa, tendo sido tratados segundo
o referido protocolo.