Influência dos Factores Socio-Demográficos e Clínicos na Qualidade de Vida
Relacionada com a Saúde dos Doentes Hemato-Oncológicos
Introdução
Nas últimas décadas a qualidade de vida (QdV) tem assumido um papel de
crescente interesse em variadas disciplinas de ciências médicas, sociais e
humanas e embora não exista uma definição clara de QdV, a Organização Mundial
de Saúde (OMS), em 1993, defeniu QdV como a percepção que o indivíduo tem
do seu lugar na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais
vive, em relação com os seus objectivos, os seus desejos, as suas normas e as
suas inquietudes... (1).
Nos últimos anos tem-se assistido á emergência de diversos estudos que tem por
base a QdV, no entanto muito falta ainda, para se reconhecer a sua verdadeira
dimensão nos doentes com cancro. Pouco é conhecido sobre a influência de
factores socio-demográficos e clínicos na QdV dos doentes oncológicos,
particularmente na área da hemato-oncologia, dado que os poucos estudos
existentes baseiam-se em doentes com tumores sólidos, e demonstram resultados
controversos (2-5).
Neste trabalho pretende-se avaliar a QdV dos doentes hemato-oncológicos através
da aplicação do questionário EORTC QLQ-C30, e explorar as eventuais inter-
relações com os aspectos socio-demográficos e clínicos.
Material e métodos
Desenho de estudo e amostra
Este trabalho consistiu num estudo observacional transversal, com componente
descritiva e analítica. Foi realizado no Serviço de Oncologia do Hospital de
São Marcos (HSM),no período comprendido entre 19 de Junho a 13 de Julho de
2007. A população em estudo incluiu os doentes seguidos neste Serviço até à
data da realização do estudo, com diagnóstico de doenças malignas do sangue,
exceptuando as leucemias agudas por não serem acompanhadas neste centro,
identificados através dos registos médicos. Foram considerados elegíveis todos
os doentes residentes em território Português, que dominavam a língua
portuguesa, maiores de 18 anos e com doença hemato-oncológica maligna. Foram
excluídos todos os doentes que à data de realização do estudo ainda não tinham
diagnóstico definitivo, não apresentavam patologia hemato-oncológica maligna e
que não responderam ao questionário.
Todos os doentes considerados elegíveis para o estudo, foram convidados a
participar sendo-lhes entregue os questionários da avaliação da Qualidade de
Vida Relacionada com a Saúde (QdVRS) da European Organization for Research and
Treatment Of Cancer versão 3.0 (EORTC QLQ-C30) e o relativo à Classificação
Social de Graffar. Não foram oferecidos incentivos e foi garantida total
confidencialidade dos dados.
Foi elaborada uma ficha onde foi registada informação acerca dos dados socio-
demográficos e clínicos onde constavam itens como: sexo (feminino vs
masculino), data de nascimento (idade em valor absoluto), estado civil (casado,
solteiro, divorciado, viúvo), nível de instrução (= 12 anos de estudo, 10-11
anos de estudo, 8-9 anos de estudo, 6-7 anos de estudo e ensino primário
incompleto ou nulo) e classe socio-economica (Classe Social de Graffar I, II,
III, IV, V) obtidos através do questionário da Classificação Social de Graffar,
tipo de doença (Linfoma de Hodgkin (LH), Linfoma Não Hodgkin (LNH), Mieloma
Multiplo (MM), Leucemia Linfoide Crónica (LLC)), estadio inicial (doença
localizada vs avançada), fase da doença (diagnóstico inicial vs 1ª ou mais
recidivas), presença de tratamento actual (com vs sem Quimioterapia (QT)),
número de esquemas de tratamentos citotóxicos (1º vs 2 ou mais), e o valor de
hemoglobina sérica do último mês (valor absoluto). Tendo em conta o tamanho da
amostra houve necessidade de reagrupamento de algumas variáveis, para fins de
tratamento estatístico, conforme demonstra a tabela_1.
Instrumentos
Foi utilizado o Questionário de Qualidade de Vida da European Organization for
Research and Treatment Of Cancer versão 3.0 (EORTC QLQ-C30) validado para a
língua portuguesa (Portugal) (6, 7, 8). Este questionário é composto por 30
itens que definem: cinco escalas funcionais; física (FF), emocional (FE),
cognitiva (FC), social (FS) e desempenho (DE); uma escala de qualidade de vida/
saúde global (QdVida/Saúde Global), três escalas de sintomas; fadiga (FA), dor
(DO), náuseas/vómitos (NV); seis itens individuais, nomeadamente dispneia (DI),
insónia (IN), anorexia (AN), obstipação (OP), diarreia (DA) e o impacto
financeiro da doença (IF). Os valores originais das dimensões da QdV foram
transformados por regressão linear e agrupados de forma a obter escalas globais
(funcional, sintomas, itens individuais e QdVida/Saúde Global) com pontuações
entre 0 e 100. Pontuações elevadas nas escalas funcionais e escala global de
QdV e saúde indicam uma melhor capacidade, enquanto pontuações elevadas nas
escalas de sintomas e itens individuais representam pior sintomatologia ou pior
impacto financeiro (8). Foi também utilizado o questionário da Classe Social de
acordo com a Classificação de Graffar (9). Esta consiste numa classificação
social internacional que se baseia no estudo de um conjunto de cinco critérios:
profissão, nível de instrução, fontes de rendimento, conforto do alojamento e
aspecto do bairro onde habita.
Análise estatística
Os dados foram codificados e processados em Microsoft Excel 2007©, e
convertidos em SPSS (Statistical Package for Social Science) para Windows
versão 15.0 (SPSS Inc, Chicago, EUA), procedendo depois ao tratamento
estatístico. As categorias e os dados qualitativos foram expressos como número
e/ou percentagem e as varíaveis contínuas foram expressas em média e desvio
padrão (DP).
A análise da consistência interna das escalas foi verificada através do
Coeficiente Alfa de Cronbach. Foi utilizado o teste t student para comparações
de variáveis contínuas (scores de QdVRS) entre dois grupos independentes,
quando estas amostras apresentavam uma distribuição normal (sexo, estado civil
e fase do tratamento). Testes não paramétricos foram aplicados quando as
variáveis não apresentavam uma distribuição normal, nomeadamente o teste de U
Mann ' Whitney (tipo de doença, estádio inicial, fase da doença, nº esquemas de
QT) e Kruskal-Wallis (escolaridade e classe socioeconómica) para comparação
entre dois grupos ou mais, respectivamente. O teste de correlação de Pearson
foi utilizado para analisar variáveis contínuas e verificar a sua associação
(idade, níveis de hemoglobina).
Para todos os testes foi estabelecido um nível de significância de 5%.
Resultados
Caracterização da amostra
Dos 106 doentes que constavam nos registos clínicos verificou-se no início do
estudo que 14 tinham falecido, 2 foram excluídos por ainda não terem
diagnóstico definitivo e 2 por não apresentarem patologia maligna. Dos 88
considerados elegíveis para o estudo, apenas 74 responderam ao questionário,
representando uma percentagem de resposta de 84,1%.
Caracterização dos Factores Socio-Demográficos, Clínicos e dos Scoresde QdVRS
segundo a e ORTC QLQ-30
As características socio-demográficas, clínicas e os scores de QdVRS da
população em estudo encontram-se representadas na tabela_1 e 2.
Embora o questionário utilizado se encontrasse validado foi calculado o
coeficiente alfa de Cronbach para avaliar a consistência interna das diversas
escalas que constituíam o questionário, nomeadamente das 5 funcionais, das 3 de
sintomas e da QdVida/Saúde Global. Os valores obtidos para as cinco escalas
funcionais encontravam-se todos acima de 0,706 excepto para a função cognitiva
em que assumiu o valor de 0,323. Por não ter obtido um bom grau de
confiabilidade, podendo levar à inferência de associações erróneas, foi
excluída a sua avaliação neste estudo. Todas as escalas de sintomas
apresentavam valores superiores ao valor limite de 0,7 para serem consideradas
consistentes (10).
Impacto da Idade e Género na QdVRS
Doentes mais velhos obtiveram pior FF (p=0,000) e DE (p=0,013) e maior fadiga
(p=0,019), dor (p=0,016) e anorexia (p=0,006) (tabela_3). Estes resultados
apresentaram um grau de correlação considerado válido, destacando-se a FF pelo
maior coeficiente de correlação. No parâmetro da QdVida/Saúde Global não se
verificaram diferenças significativas estatisticamente.
Relativamene ao género não foram encontradas diferenças estatisticamente
significativas.
Impacto do estado Civil na QdVRS
Os doentes casados obtiveram pontuações mais elevadas na FF, DE, FE, FS e
QdVida/Saúde Global, enquanto o grupo solteiros/divorciados ou viúvos
registaram maiores valores na maioria das escalas de sintomas e itens
individuais. A fadiga constitui porém, a única escala em que existiu uma
diferença estatisticamente significativa (p=0,017), obtendo um valor inferior
nos doentes casados (Tabela_3).
Impacto da escolaridade e Classe Social de Graffar na QdVRS
A uma escolaridade superior à obrigatória associouse melhor FF (p=0,002), FS
(p=0,028) e DE (p=0,044). A escolaridade média/obrigatoria esteve associada a
maior dor (p=0,05) e a incompleta/nula a maior anorexia (p=0,038).
Indivíduos pertencentes à classe social alta obtiveram maior pontuação na FF
(p=0,004), os da classe média apresentaram maior FE (p=0,03) e os da classe
baixa maior impacto financeiro (p=0,004), e maior dor (p=0,021) (Tabela_3).
Impacto do tipo de Doença na QdVRS
O tipo de doença não teve impacto na maioria das escalas com excepção da função
social (p=0,015), que foi superior nos doentes com LNH (Tabela_4).
Impacto do estadio Inicial na QdVRS
Sem diferenças estatisticamente significativas.
Impacto da Fase da Doença na QdVRS
A fase da doença não teve impacto na maioria das escalas com a excepção da
anorexia (p=0,012), que foi superior nos doentes com 1ª ou mais recidivas
(Tabela_4).
Impacto da Quimioterapia (Qt) citotóxica na QdVRS
AQT não teve impacto na maior parte das escalas com excepção do desempenho, da
FS e da obstipação. Assim, os doentes sob QT apresentaram pior desempenho (p
=0,09), pior função social (p=0,025) e maior obstipação (p=0,03) (Tabela_4).
Impacto do número de esquemas de tratamentos Citotóxicos em Doentes actualmente
em Qtna QdVRS
O número de esquemas de tratamento citotóxico não influênciou a maioria das
escalas com excepção da escala da dor (p=0,023), que foi superior nos doentes
com maior número de esquemas citotóxicos (Tabela_4).
Impacto dos Valores Séricos da Hemoglobina na QdVRS
Verificou-se que existia significância estatistica para a função física,
emocional, social, desempenho, fadiga, náuseas/vómitos, anorexia, diarreia e
QdVida/Saúde Global. Constatou-se ainda que nas escalas funcionais existia uma
correlação positiva (níveis de hemoglobina mais altos associavam-se a melhores
scores funcionais) e nas escalas de sintomas uma correlação negativa (níveis de
hemoglobina mais altos associavam-se a menor sintomatologia) (Tabela_4).
Discussão
A excelente taxa de resposta obtida ao inquérito neste estudo (84%) permitiu
alcançar uma amostra significativa da população (11).
O perfil socio-demográfico da população estudada revelou uma idade média de 61
anos, e um nível de instrução escolar maioritariamente incompleto ou nulo. O
baixo nível de escolariadade pode dever-se á zona de referenciação Oncológica
do Hospital incluir zonas rurais e á frequência elevada de idosos. Evidenciou-
se que uma elevada proporção dos inquiridos se incluía em classes
socioeconómicas mais baixas, realçando a importância do desenvolvimento de
estratégias de apoio social.
A maioria dos doentes encontravam-se em diagnóstico inicial e a patologia mais
frequente foi o LNH. A idade média da população está de acordo com a idade
média de diagnóstico do LNH.
No que concerne aos scores de QdVRS verificou-se nas escalas funcionais médias
mais altas para a FF e FE. Apesar da FF ser relatada frequentemente como uma
das escalas com valores mais altos, a função emocional tem sido descrita como
uma das funções mais afectadas pela patologia oncológica (12). Neste estudo,
este resultado poderá ser interpretado face ao facto da maioria dos doentes
ainda se encontrar em diagnóstico inicial, e pela eventual perspectiva de cura
deste tipo de doença oncológica. Na escala de sintomas, uma média mais alta foi
relatada para a fadiga, dor e insónias, o que esta de acordo com a literatura
(12).
Calculou-se a consistência interna das subescalas do QLQ-C30, uma vez que a
QdVRS é uma variável dinâmica, assim, apesar do questionário estar validado
para Portugal, isto apenas significa que provavelmente ele tem boas capacidades
psicométricas numa população similar que precisa de ser confirmado. No presente
estudo, os valores de fidelidade das subescalas do questionário e a média total
podem ser considerados bons. O instrumento apresenta boa consistência interna,à
excepção da funcão cognitiva, que apresenta um valor baixo, à semelhança do que
também se verifica noutros estudos (12).
Como esperado, a idade representa um importante factor de influência nos vários
domínios da QdVRS, verificando-se uma correlação negativa com FF e DE
(traduzindo pior FF e DE com o aumento da idade), e positiva com a fadiga, dor
e anorexia (traduzindo maior sintomatologia com o aumento da idade), sendo
estes resultados concordantes com a literatura existente (11). Apesar de todas
estas escalas apresentarem corrrelações consideradas razoáveis, a FF destaca-se
pelo maior grau de correlação. De facto, a população mais idosa apresenta um
comprometimento funcional prévio que irá ser agravado pela patologia oncológica
e seu tratamento, reflectindo-se numa maior limitação física.Manifestações mais
exuberantes de dor e fadiga, nos doentes mais velhos, podem estar relacionadas
com a existência potencial de maior número de comorbilidades neste grupo
etário. Diversos estudos relatam a existência de uma anorexia do
envelhecimento, que é ainda mais acentuada nestes doentes pela própria doença
oncológica, assim como pelos tratamentos anticancerígenos, alertando para o
facto de a desnutrição proteico-energética ser um problema grave nos idosos
(13). No entanto, neste estudo com doentes com patologia oncológica
hematológica, não se verificaram diferenças na QdVida/Saúde Global ao contrário
de outros estudos, o que se poderá dever ao tamanho reduzido da população ou
por se tratar de um grupo específico de patologia oncológica (11).
A comparação entre géneros não demonstrou existência de diferenças
significativas, não se verificando a tendência das mulheres para níveis de
QdVida/Saúde Global mais baixos e para valores mais altos nas escalas de
sintomas ou itens individuais, identificados noutros estudos (11).
Neste trabalho pretendeu-se avaliar se o facto do doente viver acompanhado
tinha repercussões na QdV, para tal, recorreu-se ao estado civil tendo-se
constituido dois grandes grupos (casados vs solteiros/divorciados e viúvos).
Verificou-se que os doentes casados apresentam menor fadiga, ao contrário dos
estudos apresentados por Hagelin,no entanto, deve-se ter em conta, que os
resultados deste autor incidiram na população oncológica geral e em doentes em
fase terminal (14). No nosso estudo, este resultado poderá dever-se ao facto
destes doentes possuírem, na maioria dos casos, apoio nas suas tarefas diárias.
Contudo não se provou a existência de distintos padrões de impacto nas escalas
funcionais ou na QdVida/ Saúde Global. Salienta-se ainda que neste estudo, não
foi aferida informação acerca de outros aspectos de suporte social para além do
estado civil (rede social, existência de filhos e qualidade da relação
conjugal), o que poderá influênciar os resultados.
Relativamente à escolaridade, verificou-se que a função física, social e
desempenho apresentou-se mais elevada nos doentes com a escolaridade superior à
obrigatória. As classes sociais altas associaram-se a melhor FF. Estes
resultados reflectem a tendência dos indivíduos de níveis socioeconómicos e
culturais mais altos de possuírem maior facilidade em utilizar estratégias
cognitivo-comportamentais, que lhes permitem uma maior capacidade de
descentração dos problemas emocionais e envolvimento em tarefas, apresentando
deste modo, menores limitações e restrições relacionadas com o cancro
(2,11,15).Aanorexia atingiu valores médios mais altos associados a escolaridade
incompleta/nula, enquanto o ensino médio/obrigatório reportou pontuações mais
elevadas na dor. Estes resultados poderão ser explicados por uma menor adesão à
terapêutica de controlo destes sintomas, devido a uma pior compreensão da sua
cor-recta utilização ou maior efeito apelativo para medicação anti-emética
profilática.
O impacto financeiro da doença revelou-se significativamente maior nos doentes
de classes sociais mais baixas, mais vulneráveis a um agravamento de ordem
financeira. Estas situações podem ser agravadas pelas limitações temporárias ou
permanentes da actividade laboral, geralmente de mais exigência fisica, nas
classes sociais mais baixas. Pontuações mais elevadas na escala dor surgem
também acopladas a estas classes sociais, o que está de acordo com o descrito
na literatura (2).
No que diz respeito ao impacto da doença na QdVRS verificou-se que os doentes
com LNH apresentaram melhor função social que as restantes patologias, o que
neste estudo poderá dever-se à percentagem significativa de Mieloma Múltiplo no
último grupo, que se associa a níveis significativos de morbilidade podendo
desta forma afectar a FS.
Ao contrário de outros trabalhos na área da oncologia, neste estudo não foram
encontradas diferenças com significado estatístico no que concerne ao estadio
provavelmente porque os doentes melhoram rapidamente a QdVRS após a
quimioterapia inicial e o estudo incluiu um maioria de doentes em fase iniciais
(16). Por outro lado, em Oncologia Hematológica o estadiamento constitui um
método pouco preciso de avaliar a massa tumoral e a actividade da doença, tendo
surgido de modo a superar essa incapacidade, índices de prognóstico (como o IPI
no LNH ou o IPS no Linfoma de Hodgkin) no qual o estadio é apenas um parâmetro
entre outros com igual ou maior importância (17,18).
Os doentes com 1ª ou mais recidivas apresentavam mais anorexia em relação aos
doentes com diagnóstico inicial, o que está de acordo com o pressuposto que no
cancro os mesmos factores que influenciam o crescimento tumoral também são
responsáveis pela anorexia associada ao cancro (19).
Além disso, experiência anterior de tratamentos citotóxicos com potencial
emético, pode condicionar naúseas e vomitos psicogénicos.
Este estudo permitiu observar que os doentes que se encontravam em tratamento
citotóxico actual apresentaram pior desempenho e função social e um maior score
na escala de sintomas relativa à obstipação. Isto explica-se pelo facto da
quimioterapia ter normalmente um impacto nocivo no bem-estar do doente e na
QdVRS, como foi previamente publicado (20). Verificou-se ainda que quanto maior
o número de esquemas de tratamentos citótoxicos efectuados, maior a
sintomatologia álgica. Avança-se a hipótese da quimioterapia causar um impacto
negativo cumulativo no doente, físico ou psicológico, reflectindo-se num menor
limiar álgico. Pode também haver taquifilaxia aos analgésicos ou associação à
resistência da doença.
A importância de relacionar os níveis de hemoglobina com a QdV, deve-se ao
facto da anemia ser uma condição muito comum nos doentes com cancro,
repercutindo-se em termos físicos e psicológicos, afectando a QdV (21-
23).Neste projecto pretendeu-se perceber a relação entre os níveis de
hemoglobina sérica e a QdVRS. Constatou-se a existência de correlações com
significado estatistico em diversos domínios, apresentando os doentes com
níveis superiores de hemoglobina melhor função física, emocional, social,
desempenho e QdVida/Saúde Global e menor sintomatologia no que refere à fadiga,
náuseas/ vómitos, anorexia e diarreia. Tendo em conta o tamanho da amostra,
todas estas correlações são consideradas válidas, salientando-se o DE, FS e FE
por apresentarem os maiores níveis de correlação. A maioria dos estudos revela
que a anemia relacionada com o cancro está associada a maiores índices de
fadiga, menor capacidade para o trabalho e pior QdV o que vai de encontro aos
resultados obtidos neste estudo (21-23).
É importante salientar que, dado o escasso número de artigos na literatura
portuguesa relativos ao estudo da influência de factores socio-demográficos e
clínicos na QdVRS dos doentes oncológicos, os resultados foram analisados
segundo uma perspectiva comparativa com estudos realizados noutros países.
Particularmente em doentes hemato-oncológicos, esta temática tem sido pouco
explorada.
Apontam-se como principais limitações a este trabalho o facto da população
utilizada ser relativamente pequena, o que obrigou à formação de subgrupos com
tamanho limitado influenciando osresultados,e o facto da aplicação do EORTC
QLQ-C30 se efectuar de forma transversal, ou seja, num período curto de tempo.
Nestes doentes é previsivel uma evolução dinâmica da QdVRS dependendo da fase
de tratamento do doente. Ainda relativamente à população, salienta-se o facto
de a aplicação dos questionários aos doentes hemato-oncológicos de um único
centro, limitar a sua aplicação, nomeadamente a outras populações, hospitais,
ou patologias.
Conclusão
O conhecimento e compreensão das repercussões da patologia oncológica nos
diferentes aspectos da QdV é um passo importante na definição de estratégias
visando melhorar a QdV e bem estar dos doentes. Cada vez mais importa perceber
se o facto de prolongar a vida representa efectivamente qualidade de vida.
Assim neste estudo, identificaram-se factores socio-demográficos e clínicos que
afectam vários domínios da QdVRS dos doentes hemato-oncológicos do HSM. Estes
dados, alertam para
o facto da necessidade de atenção para as várias dimensões da QdV e para o
contexto biopsicossocial onde o doente oncológico se insere, de forma a poder
oferecer uma melhor adequação dos serviços de saúde às reais condições destes
doentes e assim minorar o impacto da doença e dos tratamentos na sua QdV.