Caso II: adulto do sexo masculino, 20 anos, com diarreia não-sanguinolenta
ABSTRACT
Hepatobiliary diseases are common extraintestinal manifestations of
inflammatory bowel disease (IBD). In fact, abnormal liver biochemical tests are
present in up to 30 percent of patients with IBD, do not appear to correlate
with disease activity or severity and may be associated with a specific
concomitant disease (autoimmune or not) or therapy. As a result, persistently
abnormal liver biochemical tests should generally be carefully evaluated.
Primary sclerosing cholangitis (PSC) is one of the more common hepatobiliary
complications of IBD, particularly in patients with ulcerative colitis (UC),
particularly extensive colitis. We describe a case of a 20-year male patient
diagnosed with extensive ulcerative colitis and persistently elevated liver
biochemical tests. During the workup the patient presented persistent
cholestatic (gGT, ALP 3-4x ULN) and cytosolic liver injury (AST, ALT 2.5x ULN),
with a predominance of cholestasis. His etiological workup revealed an elevated
IgG and positive ANCAp. The liver biopsy performed did not show clear signs of
an anatomo-clinical entity responsible for the hepatobiliary disease. The
patient was treated with oral mesalamine, azathioprine and ursodeoxycholic acid
(UDCA) with a partial response. A cholangio-MRI showed an extra-hepatic biliary
stricture and the endoscopic retrograde cholangiopancreatography (ERCP)
revealed a 3cm stricture and findings highly suggestive of intra-hepatic PSC.
Biliary biopsies taken showed signs of atypia questioning the possible presence
of malignancy, and subsequent optimization of therapy.
Introdução Prof Guilherme Macedo (PGM): Gostaria de vos cumprimentar a todos,
dar-lhes as notas de boas vindas e explicar em 3 minutos o que nos moveu para
estar aqui. O que nos moveu, obviamente foi o convite generoso e irrecusável,
mas sobretudo o pretexto de comunicação, o pretexto de troca de informação, no
fundo trazer para aqui aquela que é a nossa realidade da Gastrenterologia neste
hospital, com o serviço de Anatomia Patológica. A grande razão para estarmos
aqui, é pois um pretexto de comunicação, um pretexto de ensino: o ensino é um
movimento biunívoco de quem ministra informação e de quem e como a apreende.
Conhecem provavelmente este cavalheiro, doutras lides, mas este mesmo Kubrick
dizia o que é para nós um aforismo quase vital: A entrega total a um objectivo
só é exigível quando nós damos esse testemunho. É esse testemunho que os dois
serviços vêm dar, sobre o ensino ou sobre esta modalidade de partilha de
conhecimento. Para nós o ensino é um método, em que se fornecem instrumentos
cognitivos e psicoafectivos, duas palavras que nós gostamos muito na nossa
área, para veicular várias coisas: informação, experiência, vontade,
competência e entusiasmo, tão características dos licenciados em medicina. Mas
mais do que isso, queremos que os licenciados em medicina se tornem médicos.
Uma pequena grande diferença que implica compreender alguns processos que
também se ensinam, processos esses que fazem transformar essas características
em conhecimento, em maturidade, em motivação, em dedicação e, sobretudo, muita
paixão.
Sabem, obviamente, qual é a diferença entre informação e conhecimento. Mas às
vezes essa diferença não é muito perceptível ou muito nítida nos nossos
espíritos e para os médicos é fundamental perceber que também para compreender
essa subtil diferença há um caminho a fazer-se. Se eu falar aqui, sobretudo à
comunidade mais jovem, quem é o senhor Peter Gonzalez, vou ter alguma
dificuldade. Alguém sugere quem seja o senhor Peter Gonzalez, que é este
cavalheiro? Ah, agora as meninas já disseram - Bruno Mars, isso conhecem. Ora
isto é dispor de informação, reconhecer uma foto mediática; obter conhecimento
significa ter tido a curiosidade, ambição e procura de saber que uma informação
imediatista pode ser completada com alguma coisa mais.
Muito importante também é o processo de passagem da experiência, pura e dura,
para a maturidade. Como devem calcular este cavalheiro (Chesley Sullenberger) e
muitos milhares de pilotos têm uma enorme experiência de voar, mas este piloto,
na altura apropriada revelou uma outra característica de excelência, que foi a
maturidade de seleccionar intuitivamente os riscos, e assim pousar no Hudson,
indubitavelmente against all odds.
Entre vontade e motivação há também alguma diferença, porque os alunos têm
muita vontade de aprender, muita vontade de fazerem coisas, mas não chega para
definir os contornos duma motivação, a motivação é um compromisso temporal. Sir
Alex Ferguson (que como sabem não é nenhum medico famoso ) diz frequentemente
que de facto nada contamina mais do que a vontade e o entusiasmo, é isso que
faz mover as coisas e faz vencer obstáculos. Mas a nosso ver mais importante
ainda que esta vontade e este entusiasmo é conseguir sustentar no tempo uma
motivação, um drive, uma intenção, e a isso chamamos paixão. É essa paixão que
nós vamos ver aqui quanto estivermos a discutir o caso clínico concreto dum
jovem, que tem a vossa idade e que anda, infelizmente pela sua doença, a ser
submetido a uma parafernalia de várias procedimentos, altamente complexos,
exigentes e tecnologicamente muito avançados, e que nós vamos discutir aqui,
sobre a sua oportunidade e aplicabilidade. O nosso pretexto de comunicação é
esse: mostrar que na clínica há muitos momentos que nós temos, para além de
muito estudo e trabalho solitário, pegar nos telefones, temos que calcorrear os
corredores do Hospital, temos que falar uns com os outros, partilhar certezas e
duvidas, para podermos servir bem, que é o nosso fundamento. Para demonstrarmos
isso vou passar a palavra à Dra. Susana Rodrigues (DSR), que é Interna do nosso
Serviço de Gastrenterologia do Hospital de São João e para a Dra. Joana Lopes
(DJL), Especialista de Anatomia Patológica, para nos contarem uma história.
Trazerem a historia do percurso de vida dum rapaz, entre as varias decisões
clínicas que tivemos de tomar, que provavelmente alguns de vós irão conhecer
dentro de algum tempo, quando também tiverem de lidar com as nossas próprias
inquietações e uma ânsia tremenda de excelência.
Drª Susana Rodrigues: O caso clínico corresponde a um jovem do sexo masculino,
de 20 anos, natural de Paredes, estudante e residente em Lisboa.
A história deste doente, começa com uma referência a diarreia sem sangue, com
dor abdominal recorrente e emagrecimento de 2 a 3 kg no espaço de 6 meses.
Neste contexto o doente foi referenciado no exterior para efectuar uma
colonoscopia total. Mostrou mucosa do recto do cólon direito com edema/eritema
e úlceras, compatíveis com o diagnóstico endoscópico de pancolite ulcerosa. Em
relação aos antecedentes pessoais o doente não apresentava nenhuns antecedentes
patológicos de relevo, referia apenas o consumo esporádico de álcool em festas
da Faculdade, não apresentava história nenhuma de viagem recentes e como
antecedente familiar importante, tinha a mãe com história de Doença de Crohn.
Passamos agora a mostrar as imagens das biópsias cólicas efectuadas no
exterior.
Drª Joanne Lopes: Recebemos imagens dessa biópsia cólica efectuada num
Laboratório do exterior. Vemos um fragmento de mucosa cólica com expansão do
córion por folículos linfóides; observam-se alterações das criptas
(encurtamento e espaçamento irregular) (Fig_1). Há sinais de actividade, com
lesões de criptite, sem evidência, nestas imagens, de abcessos crípticos. Em
áreas focais há sinais de ulceração (traduzidas pela presença de tecido de
granulação). O diagnóstico então efectuado foi de lesões de recto-colite
crónica com sinais de actividade e ulceração, compatível com doença
inflamatória intestinal de tipo colite ulcerosa.
Prof. Guilherme Macedo: Deixe-me só dizer colocar uma questão que gostaria de
pôr já ao Prof. Luís Tomé, nosso Special Guest Star de hoje, é Prof. da
Faculdade de Medicina de Coimbra, e Chefe de Serviço dos Hospitais da
Universidade do Serviço de Gastroenterologia; a questão que eu gostaria de pôr
é se para já estamos tranquilos, com um diagnóstico com base histológica de
colite ulcerosa...chega para já?!... (9:53)
Prof. Luis Tomé: Em 1º lugar gostava de agradecer ao Sr. Prof. Guilherme Macedo
pela gentileza do convite a participar nesta reunião, e cumprimentar o Sr.
Prof. Sobrinho Simões, dizendo-lhe Sr. Prof. que eu não me lembro de ter tido
oportunidade de estar sentado ao lado de um Prémio Pessoa... Deixe-me dizer
também que, nós em Coimbra tivemos um Prof. na Universidade de Direito, que
tinha uma máxima que marcou a vida social intelectual da cidade, dizia ele,
nada de altas cavalarias, nem de voos arriscados, faça-se o trivial.
Evidentemente que esta observação que este Prof. de Direito proferiu conduziu a
cidade de Coimbra a um inexorável declínio. Naturalmente eu não me revejo nela
mas nem por isso arriscaria, aqui, alguma alta cavalaria. Quero portanto dizer
que estou tranquilo acerca do diagnóstico e devo dizer que não preciso
geralmente da histologia para fazer o diagnóstico. Por este contexto clínico
que aqui temos com o aspecto endoscópico descrito, as biopsias reputo-as de
dispensáveis.
Mas, já agora pergunto eu, essa circunstância da mãe do doente ter um Doença de
Crohn que tão assinalada é nessa sua introdução usando uma história clínica,
acha que tem alguma relevância? Acha que existe alguma tendência para alguma
agregação familiar nas doenças inflamatórias crónicas do intestino?
Prof. Luís Tomé: Quanto à biopsia...
Prof. Guilherme Macedo: Ficámos todos muito mais tranquilos quando fazemos
biopsia, e é recomendado ser sempre feita, até porque tivemos algumas surpresas
muito recentes, são raras, mas que podem fazer diferença entre a vida e a morte
e isso preocupa-nos naturalmente.
Prof. Luís Tomé: mas que surpresas foram essas já agora?
Prof. Guilherme Macedo: foi ter descoberto que um individuo com uma colite
ulcerosa trivialíssima, aos olhos de todos, era afinal uma amebíase. Tratava-se
de um senhor de raça branca e que dizia que nunca tinha ido a lado nenhum, até
depois de nós termos perguntado especificamente, não viajava para lado algum,
mas afinal tinha vivido em Angola muitos anos
Prof. Luís Tomé:...colite ulcerosa febril...
Prof. Guilherme Macedo: Há muitas colites ulcerosas febris e essa é também a
razão para precisarmos ter uma biopsia
Drª Susana Rodrigues: em Fevereiro de 2009, após a colonoscopia, o doente foi
medicado no exterior, com 5-ASA oral 1000mg 3x dia.
Em Agosto de 2009, em análises de rotina, efectuado pelo médico assistente no
exterior foram detectadas alterações das provas hepáticas, realçando-se a
presença de um padrão misto de citólise com aumento das transaminases, (381 -
10 vezes o valor normal da ALT) e o aumento também dos parâmetros da colestase
no aumento da gGT e aumento da fosfatase alcalina, ± 1,5x normal.
Em Outubro de 2009, o doente iniciou corticoterapia com prednisolona 50mg pelo
seu médico assistente, com a suspeita que o doente pudesse ter uma hepatite
autoimune. Após iniciar esta terapêutica o doente em Janeiro de 2010 foi
referenciado ao nosso Hospital, à nossa consulta de Hepatologia. Quando nós o
vimos em Janeiro de 2010 o doente estava medicado com 10mg de prednisolona e a
fazer 5-ASA oral. Efectuou análises em Janeiro e vimos os resultados em Março
de 2010, nesta altura o doente estava assintomático, medicado apenas com
mesalamina oral e persistiam as alterações das provas hepáticas, mantinha
citólise e a colestase, desta vez com valores de colestase mais marcados.
Foi efectuado um estudo das alterações das provas hepáticas num contexto do
doente com colite ulcerosa; realizou uma ecografia abdominal, que mostrou
esteatose hepática sem sinais de hipertensão portal, nomeadamente,
esplenomegalia ou dilatação da veia porta, não tinha alterações das vias
biliares nem do pâncreas. Foram pedidos marcadores víricos para Hepatite B,
Hepatite C e HIV que foram negativos, no painel imunológico realço apenas
positivo o aumento da imunoglobulina G, os auto-anticorpos pedidos anti-
mitocondrial, anti-músculo liso, anti-nuclear e anti-LKM e ANCAs foram
negativos e a electroforese das proteínas séricas também foi normal.
Foi feito um despiste de doenças metabólicas, feito um doseamento da a1-
antitripsina, ceruloplasmina, cinética do ferro, que foram todas normais, o
perfil lipídico do doente também era normal, as hormonas tiroideias, estavam
dentro dos valores de normalidade, serologias eram negativas, para EBV, CMV, e
sífilis. Foi também efectuado o estudo de coagulação, também normal. Estávamos
então colocados perante um jovem com colite ulcerosa com alterações das provas
hepáticas, pelo que colocamos a hipótese de realização de uma biopsia hepática.
Pensamos em algumas hipóteses de diagnóstico, nomeadamente doenças
hepatobiliares que podem estar associadas a doença inflamatória intestinal, à
cabeça colangite esclerosante primária, pela sua frequência e com o facto do
doente apresentar uma pancolite ulcerosa, colangiopatia autoimune, a hepatite
autoimune, o envolvimento hepático por doença inflamatória intestinal, isto é,
alterações inespecíficas que podem surgir no fígado de um doente com doença
inflamatória intestinal, como por exemplo, esteatose ou granulomas epitelióides
ou até depósitos de amilóide. Também colocamos a hipótese de haver uma doença
hepatobiliar concomitante com doença inflamatória, como por exemplo, esteatose
simples, esteatohepatite ou toxicidade por 5-ASA.
Prof. Luís Tomé Ter uma elevação de cerca de 2 x fosfatase alcalina, achas que
isso é suficiente para diagnosticar uma colestase?
Drª Susana Rodrigues: Ele tem de facto um padrão misto ele não tem só uma
colestase, ele tem citólise e colestase
Prof. Luís Tomé: Foi proposto que deveria haver um limiar quanto ao valor de
fosfatase alcalina que se sobreponha ao normal, para se definir colestase e
esse valor geralmente atribuía-se o de 3 vezes. Mas por exemplo, a fosfatase
alcalina de 180 também é colestase?
Prof. Guilherme Macedo: Se for de origem hepática e em 2 determinações
espaçadas de 3 a 6 meses, é!.
. É evidente que se for uma elevação transitória, haverá um critério temporal
também nesta avaliação. Para um doente que neste perfil clinico, e que tem 2 ou
3 determinações diferentes com fosfatase alcalina elevada que vá acima de 1.5x
o normal, é evidente que estamos a considerar que tem uma colestase. A questão
é que este doente não tem uma colestase isolada. Ter fosfatase alcalina elevada
não significa no entanto, sempre, ter colestase. Uma grávida, normalmente, por
ter uma estrutura a crescer que se chama sinciciotrofoblasto e outra estrutura
que alberga que é o feto, tem fosfatase alcalina elevada
Prof. Luís Tomé: ...Neste caso porque o doente tem fosfatase alcalina elevada e
gGT elevado importa mais a conjunção das duas enzimas para definir esta
colestase. Já agora, queria saber se faria biópsia hepática
Prof. Guilherme Macedo: eu faria, neste contexto parece-me crucial.
Prof. Luís Tomé: .....eles discutem a possibilidade de ter uma colangite
esclerosante, uma colangiopatia autoimune, uma hepatite autoimune embora não
tenha auto-anticorpos, na exclusão deste diagnóstico talvez precise da
histologia, mas não tem auto-anticorpos, e o envolvimento hepático por doença
inflamatória crónica quer dizer exactamente o quê?
Drª Susana Rodrigues: são alterações inespecíficas que podem surgir no contexto
de doença inflamatória, como presença de esteatose, ou granulomas epitelióides.
Plateia b):Quando o Prof. Luís Tomé disse que a hepatite autoimune está
completamente fora de parte, porque não tem anti-anticorpos, isso não é
propriamente critério de exclusão... relativamente ao envolvimento hepático
pela doença inflamatória intestinal, pode acontecer, que se tivermos
granulomas, há alterações das provas hepáticas
Prof. Luís Tomé: eu nunca vi nenhuma granulomatose hepática, com 330 de
transaminases, não me lembro....
Prof. Guilherme Macedo: é verdade, no caso duma granulomatose isolada; o
problema é que há aqui um componente citolítico que nos põe tantas dúvidas, que
devemos fazer biópsia.
Prof. Luís Tomé: a medicina é feita de coisas simples e não de coisas
complicadas, a granulomatose hepática é uma coisa complicada, não é provável
que este doente nos venha a aparecer com uma granulomatose ... mas vamos ver o
que é isto...
Drª Joanne Lopes: Nós recebemos um pedido de exame anátomo patológico para uma
biópsia hepática, devidamente preenchido, em que a informação clínica era de
pancolite ulcerosa, com um ano de evolução, com sinais de citólise e colestase;
havia história também de consumo esporádico de álcool. No exame histológico
observámos fígado com expansão dos espaços porta e septação fibrosa do
parênquima (Fig._2A). Nos espaços porta observámos infiltrado linfocitário de
densidade moderada com pequenos agregados linfóides. Não se identificaram
lesões fibro-obliterativas dos ductos biliares nem aspecto de fibrose em casca
de cebola (Fig._2B). Não se identificaram granulomas. Em hepatócitos peri-
portais observou-se depósito de cobre. Em resumo, não observámos aspectos
morfológicos típicos de colangite esclerosante primária. Contudo, a presença de
fibrose e acumulação de cobre levaram-nos a levantar a hipótese de perturbação
do fluxo biliar e a sugerir estudo imagiológico das vias biliares.
Prof. Luís Tomé: As lesões em casca de cebola à volta dos ductos biliares,
que disse que são características da colangite esclerosante, com que frequência
é que elas se encontram, que eu não me lembro de ter visto nunca nenhuma?
Drª Joanne Lopes: É raro, mas geralmente é observado quando há colangite
esclerosante primária com envolvimento dos pequenos ductos e então aí a biopsia
hepática, se tiver uma amostragem adequada, pode demonstrar este aspecto
característico.
Prof. Luís Tomé: A Srª Drª já viu? Casca de cebola ....
Drª Joanne Lopes: já vi
Plateia c)(Profª Fátima Carneiro):É verdade que são raras as lesões em casca
de cebola. Nesta biopsia havia alguns plasmócitos, mas a densidade era ligeira
e as lesões de hepatite de interface e de actividade intralobular eram também
discretas. Na hepatite auto-imune estas alterações costumam ser acentuadas e
coexistir com transformação acinar dos hepatócitos. Estes aspectos não estavam
presentes neste caso.
Prof. Luís Tomé: outra coisa se ouve muito falar, mas eu também de facto não me
lembro de ter vindo à mão, é aquele fenómeno de que se descreve nos livros, nas
hepatites auto-imunes, de emperipolesis.
Plateia c):Trata-se de fenómenos de piece-meal necrosis, de necrose marginal.
Não foram observados nesta biopsia e costumam estar presentes na hepatite auto-
imune.
Drª Joanne Lopes: A hepatite de interface costuma ser muito exuberante em
situações de hepatite auto-imune; não era o caso.
Prof. Luís Tomé: Portanto em resumo a biopsia não terá ajudado nada
Drª Joanne Lopes: ajudou muito...
Prof. Guilherme Macedo:...pelo que mostrou e pelo que não mostrou
Drª Susana Rodrigues: Por apresentar um aumento de dejecções, cerca de 1 a 2
vezes por dia e aumento da proteína C reactiva, o marcador inflamatório, em
Julho de 2010 foi submetido a uma ileocolonoscopia. A ileocolonoscopia mostrou
mucosa com edema, congestão e erosões, ao longo de todo o cólon com maior
exuberância no cólon direito, e a mucosa ileal não mostrou qualquer tipo de
lesão mas procederam-se a biopsias neste exame
Drª Joanne Lopes: Na mucosa ileal vemos que a arquitectura vilositária está
preservada e não há evidência de alterações inflamatórias, úlceras/erosões ou
granulomas (Fig._3A). Na mucosa cólica observaram-se alterações inflamatórias
acentuadas e distorção das criptas, que estão profundamente encurtadas (não
atingindo o plano da muscular da mucosa) e se apresentam irregularmente
espaçadas. (Fig._3B). Observaram-se sinais acentuados de actividade, com
permeação do epitélio glandular por números polimorfonucleares, com
consitutição de raros abcessos crípticos (Fig._3C).
Em conclusão, estes aspectos morfológicos são próprios de doença inflamatória
intestinal do tipo colite ulcerosa.
Prof. Luís Tomé: duas observações. Em 1º lugar, para lhes dizer, usando uma
expressão que usam no Norte do País é que estas imagens são uma categoria, e
que os colegas da Anatomia Patológica são de facto uma categoria, isto parece
ser tirado de livro. Em 2º lugar, por seguir muitas colangites esclerosantes
que eu presumo que é aquilo que o que o doente tem, vejo que colites ulcerosas
das colangites esclerosantes costumam ser mansas, ou seja não costumam ter esta
coisa grave de ser necessário fazer mais colonoscopias, por vezes até nos
esquecemos que tem uma doença inflamatória intestinal, tem claramente uma
actividade mais branda do que aquilo que nos está aqui a ser mostrado.
Portanto, eu começo a pôr-me à defesa.
Plateia d): uma dúvida, aqui ele encontrava-se com suspensão da terapêutica?
Prof. Guilherme Macedo: esteve sempre sob terapêutica
Plateia d): portanto está em terapêutica e mantem lesões activas?
Prof. Guilherme Macedo: mantem lesões, discretas lesões endoscópicas, mas
lesões histológicas, o que também é comum na doença inflamatória em que há uma
certa discrepância, não há uma correlação directa entre o silêncio clínico e a
actividade histológica ou actividade endoscópica.
Drª Susana Rodrigues: O doente também tinha sido referenciado de fora, nós não
tínhamos também nenhuma avaliação endoscópica no nosso hospital, também é
importante para nós conseguirmos perceber.
Portanto, mantendo a suspeita de possível colangite esclerosante primária, uma
vez que a biopsia foi de facto inconclusiva, solicitamos o apoio da Radiologia
e pedimos uma colangioressonância em Julho 2010. O relatório descreve uma
dilatação fusiforme da via biliar principal, na sua porção extra-hepática
atingindo o calibre máximo de 8mm. Este aspecto foi considerado inespecífico e
não sugestivo de colangite esclerosante primária, podendo então traduzir uma
presença de um pequeno quisto do colédoco.
Na avaliação clínica, na consulta de hepatologia, entre Julho e Setembro de
2010 o doente estava assintomático, mantinha terapêutica com 5 ASA oral, já
teria iniciado nesta altura, ácido ursodesoxicólico com a presunção que o
doente poderia ter uma colangite esclerosante primária, 250 mg 2 vezes por dia,
mantinha o perfil misto analítico com transaminase aumentadas, citólise e com
gGT e fosfatase alcalina aumentada, traduzindo colastase, foi feita pesquisa de
marcadores tumorais CA 19,9 e CEA que foram normais e o doente aumentou a sua
dose de ácido ursodesoxicólico, uma dose terapêutica 15mg/Kg/dia. Nesta altura
em Agosto de 2010 o doente também iniciou terapêutica imunosupressora com
azatioprina uma vez que tinha uma actividade marcada na colonoscopia. Repetiu-
se o estudo imunológico, o doente tinha um aumento da imunoglobina gama e desta
vez veio uma positividade para os ANCAs que não se verificara anteriormente.
Este quadro I serve para compararmos principalmente a hepatite autoimune com a
colangite esclerosante primária; existem algumas diferenças que são importantes
como por exemplo, diferenças epidemiológicas, a hepatite autoimune é muito mais
frequente nas mulheres do que nos homens, enquanto na colangite esclerosante
primária, há um predomínio masculino, embora ligeiro. As alterações
predominantes hepáticas em termos analíticos na hepatite auto-imune é um padrão
de citólise com aumento das trasaminases, da ALT e da AST, na colangite
esclerosante primária há principalmente colestase com aumento da gGT associada
a um aumento de fosfatase alcalina. Em relação aos auto-anticorpos, na hepatite
autoimune habitualmente temos anticorpos anti-nucleares positivos, os ANA,
anti-músculo liso, anti-LKM e mais frequente pode aparecer os ANCAs
perinucleares aumentados na colangite esclerosante primária. Em termos
histológicos como já referimos, na hepatite autoimune principalmente pode
acontecer lesões do tipo interface, e presença de um predomínio de células
linfoplasmocitárias. Na colangite esclerosante primária, o que nós esperamos é
a presença de fibrose e obliteração à volta da zona dos ductos biliares. Em
termos de diagnóstico na hepatite autoimune existe um score internacional e
vários parâmetros, incluem a histologia e os autoanticorpos entre outros, na
colangite esclerosante primária é muito importante a presença de uma
colangiografia, seja ela por ressonância, seja por CPRE. Em termos
terapêuticos, habitualmente a terapêutica da hepatite autoimune passa pela
imunossupressão com corticoterapia, prednisolona mais frequentemente associação
com azatioprina ou outros imunossupressores. Na colangite esclerosante primária
embora seja controverso, neste momento, a maior parte dos especialistas propõe
o uso do ácido ursodesoxicólico (um ácido biliar) nem que seja num contexto
quimio-profiláctico, porque estes doentes, tem um aumento risco de vários tipos
de cancro, como vamos ver de seguida
Prof. Luís Tomé: Vamos parar um bocadinho agora nesta parte. O diagnóstico da
hepatite autoimune, é de uma doença muito heterogénea, para a qual não existe
marca bem definida não se tem um teste tal, nem um teste tal para fazer o
diagnóstico, por isso a partir de 1993 foram desenvolvidos uma série de scores,
depois em 1999 chegaram à conclusão que os aqueles scores não eram bem assim
( este score aqui de 15 corresponde a essa estratificação de 1999) mas em 2008
apareceu um novo score simplificado para o diagnóstico da hepatite autoimune
que depende apenas de 4 items
Drª Susana Rodrigues: Isso está validado?
Prof. Luís Tomé: o score é novo e sendo fresco talvez não possa corresponder
muito bem às exigências e de facto tem havido em algumas publicações em que se
compara os méritos do score de 2008 que depende só de 4 parâmetros com o score
de 1999 que engloba 17 parâmetros e chega-se à conclusão que aparentemente o
score de 2008 deixa passar algumas doenças que o score de 1999 não deixava
passar. Para o nosso caso o valor máximo que podemos obter no score 2008 é 4
pontos, no diagnóstico exigem pelo menos 6, portanto este doente não tem de
certo uma hepatite autoimune de acordo com esse score.
Prof. Guilherme Macedo: Logo, continuamos sem fugir da nossa ideia inicial, que
é uma colangite esclerosante com um envolvimento citolítico em que estamos a
ver se conseguimos enquadrar numa destas entidades que é difícil, há
sobreposições como se vê, entre critérios, entre autoanticorpos, entre
alterações analíticas etc, mas não so há colangite esclerosante no contexto de
uma doença inflamatória do intestino, colite ulcerosa, mas há mais, porque há
alterações visíveis da via biliar como se viu na colangioressonância que nos
pôs muitas dúvidas...
Plateia (Dr. Costa Maia): de facto aquela ressonância, ou pelo menos aquele
relatório e aquela imagem que puseram ali não é uma categoria, estamos de
acordo. Eu não sei o que o relatório dizia ou as imagens o que mostravam em
relação à árvore biliar intra-hepática que não tive oportunidade de ver ali,
porque não se vê. Não percebo a que propósito é que vem aí ou pra que servem
neste contexto marcadores tumorais. Será que é de pedir marcadores tumorais a
este doente ou a outro doente nestas circunstâncias?
Prof. Guilherme Macedo: Se calhar já podemos dar resposta melhor daqui a pouco.
Posso dizer já, não está indicado o pedido de marcadores tumorais neste
contexto nesta fase: mas começamos a sentir algum desconforto neste doente
concreto, porque há alterações biliares que não conseguimos compreender e a
imagiologia não ajudou e portanto considerou-se que podia ter algum relevo um
valor histórico, isto é, o valor em determinado momento da doença, dispormos de
valores de determinados marcadores tumorais.
Plateia (Dr. Costa Maia):portanto esse é o valor de base para comparação
futura, é isso?
Prof. Guilherme Macedo: Correcto
Plateia (Margarida): foi posta a hipótese de toxicidade de 5-ASA;gostaria de a
perguntar se alguma vez se suspendeu, porque este doente tem feito sempre o 5-
ASA e se alguns aspectos que foram descritos na biópsia, nomeadamente a
colestase, não podia ser interpretada num contexto de uma toxicidade
Drª Joanne Lopes: Não foram identificadas alterações relacionáveis com
corticoterapia ou terapêutica com azatioprina ou 5-ASA.
Prof. Luís Tomé: já agora, sobre esse assunto, os aminossalicilatos podem dar
fenómenos de esteatose que geralmente não se costumam acompanhar com alterações
tão substanciais como temos aqui, uma visível citólise, embora eu acho que a
Srª Dra faz uma observação cheia de sentido.
Drª Susana Rodrigues: em Dezembro de 2010, o doente estava assintomático,
medicado com 5-ASA oral, ácido ursodesoxicólico 500mg 2x por dia e azatioprina
125mg/dia, cerca de 2 mg/Kg/dia. Em termos do perfil hepático, mantinha o
aumento da ALT, cerca de 4x/4,5x normal e mantinha o aumento discreto de
fosfatase alcalina e aumento gGT cerca de 4x normal. Em Abril, o doente foi
reavaliado, tinha aumentado a dose de azatioprina para um valor 2.5mg/Kg e
tinha tido um ligeiro agravamento das análises de colestase em relação às
medidas anteriores e uma vez que a colangiorressonância anterior ter sido
inconclusiva em relação ao diagnóstico ou não de colangite esclerosante, foi
proposto a realização de nova colangioressonância. Na 2ª colangioressonância
realizada em Julho de 2011 descreve-se uma área focal de ectasia fusiforme da
via biliar principal, distal ao ducto cístico com cerca de 7mm de diâmetro
anteroposterior e uma extensão de 2cm, afilando de forma progressiva, e não se
identificava o nível obstrutivo, achado que poderá estar relacionado com quisto
do colédoco. Não há descrição da rarefação dos canalículos biliares intra-
hepáticos. O doente foi então submetido em Agosto de 2011 a uma CPRE
(colangiopancreatografia retrógrada endoscópica), um exame endoscópico que
combina endoscopia e a fluroscopia que tem como interesse diagnóstico neste
caso, avaliar a anatomia das vias biliares, através da injecção de contraste.
Este colangiograma foi feito depois da insuflação do balão e conseguimos ver
uma ligeira dilatação do terço médio e proximal do colédoco com os ramos intra-
hepáticos com aspecto em rosário com áreas dilatação/saculação bem como áreas
de estenose, e claramente consegue-se observar uma rarefação dos canalículos
biliares terminais intra-hepáticos. Foi feito durante esta CPRE, biópsia da via
biliar, e também, escovado da via bilar a nível do ramo intra-hepático direito.
Drª Joanne Lopes: A biopsia da papila de Vater era de pequenas dimensões. Não
se observaram lesões de displasia ou de neoplasia invasora. Na citologia do
escovado da via biliar observaram-se células cúbicas dispostas em monocamada,
ocasionalmente com aumento da relação núcleo-citoplasmática e com hipercromasia
nuclear (Fig._4). Estes aspectos foram considerados inconclusivos, i.e.
insuficientes para um diagnóstico suspeito de malignidade.
Prof. Guilherme Macedo: Neste ponto gostaria de recordar duas coisas: para já
estamos a contar uma história, história real, em tempo real de um jovem que tem
a idade de muitos que estão aqui e que tem uma doença no intestino, uma doença
hepato-biliar, naquilo que nós designamos, actualmente como a expressão clara
daquilo que se descreve como eixo do fígado e intestino. A verdade é que esta é
uma doença muito particular, a colangite esclerosante, de um risco adicional de
complicações a nível da árvore biliar e este foi o problema que subitamente
começamos a entroncar, quer dizer, se havia a dúvida de haver doença autoimune
de tipo colangite esclerosante, doença como sabem autoimune de envolvimento
hepático e biliar traduzida pela colestase bioquímica, a verdade é que não se
exprime só pela colestase bioquímica: há algo na via biliar, que uma 1ª
colangioressonância, imperfeita, deixa-nos desconfortáveis pelo que, não
fazendo por rotina a CPRE na colangite esclerosante - por vários problemas que
podemos discutir a seguir e ao contrário do que se fazia hà muitos anos atrás,
em que era mandatório, - nós fazemos quando temos de esclarecer dúvidas na
colangioressonância ou quando temos suspeitas de que é preciso ir lá buscar
alguma coisa, tentar ver se alguma coisa justifica aquela dilatação. Aquela
descrição de facto deixou-nos muito desconfortáveis e na CPRE temos imagens que
são quase de livro também, a árvore de inverno, aquela imagem que vemos de
rarefação dos ramos intra-hepáticos e que resulta da injecçao sobre pressão
mantendo a pressão elevada com pequeno balão insuflado endoluminal, colocado na
via biliar distal pelo endoscopista (Dr Pedro Pereira). Isto tem um significado
importante, porque a colangite esclerosante é uma condição pré-maligna, de
doença oncológica a nível biliar.
Queres fazer algum comentário sobre isto?
Prof. Luis Tomé: O Prof. Guilherme Macedo diz bem, no sentido dos colegas mais
novos terem isso presente, que a colangite esclerosante é uma condição pré-
maligna, nas próprias vias biliares e a sua existência também aumenta o risco
de malignidade no cólon nas colites ulcerosas. É preciso que a colangite
esclerosante tenha alguns anos de evolução e este rapaz que só tem 20 anos,
pelo que não me parece muito natural que tenha já esta temível complicação
Prof. Guilherme Macedo: Há no entanto um grupo etário particular o grupo
pediátrico, sobretudo no início da adolescência, em que algumas formas de
colangite esclerosante surgem nem sempre associadas a dados clínicos muito
relevantes, mas com forte compromisso citolítico e colestático bioquímico e que
nós só detectamos isso se fizermos algumas análises nessa altura por qualquer
outra razão; o que o Prof. Luís Tomé diz pois é que é muito rara a colangite
esclerosante nesta fase, num rapaz de 20 anos, a não ser - e nós temos essa
dúvida - que este jovem tenha, de facto, a doença há muitos anos.
Prof. Luis Tomé: A colangite esclerosante que aparece nos jovens é geralmente
aquilo que se chama colangite esclerosante dos pequenos ductos, ou seja, é mais
normal de que seja da periferia dos ramos biliares e depois, como a gente sabe,
com a evolução e o passar dos anos essa colangite esclerosante dos pequenos
ductos acaba por dar manifestações, não deste género, mas antes de estenose
marcada nas vias biliares de calibre mais importante. Agora eu faço-te uma
provocação, porque é que este doente não tem um Caroli com esta dilatação da
via biliar principal?
Prof. Guilherme Macedo: Caroli é uma má formação das vias biliares e que se
traduz por uma saculação quística da via biliar. Foi um pouco para responder a
isso que fomos lá para a CPRE na dúvida da temporalidade da doença, dúvida da
gravidade da doença, porque a colangite esclerosante, nós sabemos isso, em
qualquer momento é uma doença muito caprichosa, não é uma doença que evolua com
muita inflamação, muitos anos e depois vem o colangiocarcinoma não é assim, há
uma grande discrepância no tempo entre a expressão clínica da colangite
esclerosante e a sua gravidade oncobiológica não há dúvida, sabemos isso e
portanto pode surgir em qualquer momento. Este é o problema do seguimento
destes doentes, e nós só chamamos para a hipótese Caroli, outra condição pré-
maligna das vias biliares porque há uma descrição inicial, volto a dizer uma
colangioressonância imperfeita, que diz que ali há uma dilatação fusiforme, a
via biliar principal está um pouco dilatada, mas a CPRE tirou-nos do horizonte
a malformação congénita da via biliar.
Prof. Luis Tomé: estamos todos de acordo, será no fundo uma colangite
esclerosante na sua fase inicial
Prof. Guilherme Macedo: certo, o grande problema aqui que nós começamos a ficar
cada vez mais desconfortáveis com alguns dados inconclusivos da citologia, não
totalmente definidos para atipia, etc. o que nos levanta sérios embaraços,
porque sabemos que na colangite esclerosante, de facto, de repente, podemos
deparar com um colangiocarcinoma. Aliás uma das soluções terapêuticas pode
ficar gravemente comprometida porque já se tendo o colangiocarcinoma avançado
inesperadamente isso compromete qualquer solução radical.
Drª Susana Rodrigues: o doente foi avaliado em Setembro de 2011, estava
assintomático nesta altura, medicado com 5-ASA 3gr/dia, AUDC 500mg 2x/dia e
azatioprina 150mg. Tinha havido uma ligeira melhoria analítica, com valores de
fosfatase alcalina quase normal, uma gGT aumentada e uma ALT mais ou menos 3 a
4x normal. Foi proposta nova CPRE ao doente uma vez que resultados que pedimos
do escovado biliar tinham sido inconclusivos em relação à presença ou não da
atipia.
A 2ª CPRE realizada em Dezembro de 2011, é basicamente sobreponível à anterior,
conseguimos ver uma rarefação dos canalículos biliares intra-hepáticos e foi
efectuado novamente escovado da via biliar.
Drª Joanne Lopes: Na citologia do escovado da via biliar, constituída por 7
lâminas, apenas se observaram agrupamentos de células epiteliais numa delas.
Nestes grupos celulares observou-se sobreposição nuclear, anisocariose e
reforço da membrana nuclear (Fig._5). Embora a citologia não seja conclusiva,
achamos que estas alterações são mais do que reactivas e transmitimos isso
mesmo aos clínicos, salientando que estes grupos, apesar de raros, eram
bastante problemáticos.
Prof. Luís Tomé: Essa citologia foi feita nalguma estenose?
Drª Susana Rodrigues: havia uma zona na área do ramo intra-hepático direito que
não se conseguia progredir com o contraste. E foi por isso que foi pedido com
esta informação de possível estenose maligna.
Prof. Luís Tomé: Os colangiocarcinomas, naturalmente podem surgir em alguma
circunstância, em qualquer estenose, mas é raríssimo que surja em primeiro
lugar sem um certo tempo de evolução de uma colangite esclerosante, é raríssimo
que surjam em doentes que não estejam com as bilirrubinas elevadas.Num
transplante em doentes com colangite esclerosante, quando se vai visualizar no
microscópio ao detalhe as vias biliares, uma percentagem significativa dos
doentes em que não se imaginava que houvesse colangiocarcinoma tem de facto um
colangiocarcinoma, em cerca de 1/5 dos doentes, 20%. Portanto nessas
circunstâncias em face a um meu doente de 29 anos que já tinha uma hepatopatia
avançada comecei a fazer uma imensa pressão para que o doente fosse
transplantado e a falar com franqueza, tinha um grande receio que tivesse que
levar essa má noticia ao doente, de que ele teria um colangiocarcinoma quando
eu já o sigo há cerca de 10 anos, teria sido realmente uma grande inércia da
minha parte se isso acontecesse. Felizmente ele foi transplantado e não tinha
absolutamente nada, aquilo correspondia à evolução da hepatopatia que costuma
acontecer nas colangites esclerosantes. As citologias não dão diagnóstico de
colangiocarcinomas num 1/3 dos casos, quando muito, e tem falsos positivos:
quando há actividade inflamatória importante ali à volta aquelas células
começam logo aparecer um pouco estranhas, portanto, a sua eficácia é baixa. Se
o médico acredita que o doente tem um colangiocarcinoma ou tem displasia, ele
tem de o mandar transplantar nessa altura, não é preciso andar a perder tempo,
senão é a vida do doente que se perde.
Prof. Guilherme Macedo: estás portanto a dizer que há transplantes
profilácticos?
Prof. Luís Tomé: Em certa medida, pois normalmente fazemos um transplante a uma
colangite esclerosante para evitar que apareça um tumor mas não é bem o caso
que eles tem aqui, isto já começa a ter algumas citologias meias equívocas, eu
no meu caso concreto que vos estive a descrever tinha um doente com uma
degradação acentuada nas provas hepáticas. Uma degradação acentuada nas provas
hepáticas é uma indicação imperiosa na colangite esclerosante para poder
transplantar.
Prof. Guilherme Macedo: nós não recomendamos transplantação neste caso
concreto. Já vimos que colangite esclerosante é uma doença caprichosa, e
portanto também foge um pouco aos cânones habituais de indicação para
transplantação, e tem critérios que também fogem ao comum para indicação para
transplantação. Também existem scores, mas na ausência de hipertensão portal
ficaríamos muito surpreendidos que este doente precisasse de transplante
Plateia (Dr. Costa Maia): Acho que este é um caso em que nós não conseguimos
negociar muito bem a informação, isto é, não é possível completamente e em
segurança, correlacionar a informação com uma decisão. Há colangiocarcinomas
aos 20 anos e nós temos uma informação que nos diz que este doente tem uma
colangite esclerosante, e temos uma informação que nos diz que este doente tem
alterações que não são só explicáveis por alterações reactivas não temos outro
remédio que não seja promover uma transplantação atempada neste doente.
Prof. Guilherme Macedo: Como vêm é muito menos fácil e linear do que parece à
primeira investida
Prof. Luís Tomé: Os tumores destes colangiocarcinomas antes de desenvolverem um
aspecto da massa parenquimatosa são geralmente tumores que rodeiam o ducto tem
antes um componente de estenose da via biliar, é por isso que é a estenose que
nos preocupa.
Plateia: neste caso não há existência de estenose?
Prof. Guilherme Macedo: obviamente que há zonas de estenose quando se diz
aspecto em rosário na CPRE. Por isso nós estamos progressivamente a ser
empurrados para o lado da transplantação neste doente sobretudo enquanto não
dispusermos da possibilidade de explorar ainda com mais detalhe, por dentro, a
própria via biliar, ver as atipias, ver as displasias em tempo real, como
desejamos poder faze-lo em breve no nosso hospital. O problema, não é da
transplantação que é uma coisa fabulosa e fantástica a seu tempo, mas não
propriamente a melhor coisa para se dizer a alguém que tem 22 anos, que está
assintomático, portanto é bom contextualizarmos isto, é a tal a dimensão humana
que também temos de ter e que nos faz às vezes hesitar nalgumas decisões, e
isso não significa estar indeciso, significa atempar melhor uma decisão...
Prof. Luis Tomé: Eu acho que este doente não escapa a uma transplantação, o
problema que está aqui à nossa frente não é saber se ele escapa, porque eu
estou convencido que com esta evolução que temos aqui é saber quando é que ela
vai ter de ser feita e esse é que é o problema mais sério.
Prof. Sobrinho Simões: Vocês, gastroenterologistas, têm um medo
desproporcionado em termos de custo benefício para a cancerização Será que o
transplante se justifica pelo risco de cancerização ou porque existe uma doença
hepática gravíssima?
Prof. Guilherme Macedo: o problema da colangite esclerosante é ainda outro, é
que não é só o medo de aparecer o cancro, não, é que o facto de aparecer o
cancro nestes doentes pode proscrever, pode ser uma contra-indicação, para a
própria transplantação. Esse é que é o drama nesta doença em particular, é que
quando se consegue detectar o colangiocarcinoma pode já não ser possível
oferecer o transplante
Plateia (Profª Fátima Carneiro): no vosso entendimento, o conhecimento da
história natural da colangite esclerosante leva a que seja inexorável o
transplante e o que querem é poder fazê-lo em tempo útil e não serem impedidos
de o fazer porque entretanto apareceu o colangiocarcinoma, é isto?
Prof. Luis Tomé: Profª Fátima, a evolução deste doente antecipa com que este
doente não consiga escapar a um transplante, antecipa, como o Prof. Guilherme
assim disse e eu subscrevo muito as suas observações, a doença é muito
caprichosa, mas pela experiência que vamos acumulando, com o que se lê e com
aquilo que lidamos, é improvável que este individuo com esta actividade na sua
doença hepática vá conseguir escapar a um transplante; ele um dia destes vai
ter estenose na via biliar principal, porque ele agora tem apenas aquele
compromisso dos pequenos ductos e quando aparecer a estenose então a nossa
preocupação aumentará ainda mais
Prof. Guilherme Macedo: A CPRE mudou de facto a sua aplicabilidade no contexto
da colangite esclerosante, mudou 2 vezes: no princípio, achamos que era menos
importante fazer, havia risco de infecção, havia estase, zonas estenóticas,
estase biliar, havia quase a promoção de infecção. Deixamos de fazer
praticamente nesse contexto, depois voltou o 2º movimento, de reabilitação da
CPRE neste contexto: arranjar formas de ir lá ver o que se está a passar,
recolher fragmentos, saber se há displasia, se não há displasia. Obviamente a
CPRE não é um exame para se fazer por rotina ou sequencialmente, tem de ser
para responder a determinadas inquietações específicas. Não sei se este doente
fará alguma vez mais alguma CPRE, não posso dizer que não o fará, muitas não
vai fazer seguramente, porque não é nossa postura, nem me parece razoável que
ele o faça. Apenas se tivermos disponível a possibilidade de ver a via biliar e
de electivamente procurar uma zona que de facto nos dê o argumento final para a
transplantação, só nesse contexto é que nós pensaríamos em voltar `CPRE
Drª Susana Rodrigues: vou só recordar alguns aspectos da doença: em cerca de
80% dos casos de colangite esclerosante há uma doença inflamatória associada,
com mais frequência a pancolite ulcerosa; na maior parte dos casos existe
atingimento intra e extra-hepático mas em mais ou menos 25% dos casos pode
haver só envolvimento intra-hepático e em menos de 6% dos casos pode haver
atingimento só extra-hepático; há uma diferença entre o envolvimento dos
grandes e pequenos ductos como o Prof. Tomé disse e é mais frequente numa
população pediátrica ver doença de pequenos ductos na colangite esclerosante
primária. Tradicionalmente o exame gold standard é a CPRE embora com os
riscos de pancreatite e colangite, a modalidade diagnóstica mais utilizada e
preconizada é a ressonância.
Existe aumento de risco de colangiocarcinoma, do carcinoma colo-rectal nos
doentes com doença inflamatória intestinal, do hepatocarcinoma, carcinoma
pancreático e carcinoma da vesícula biliar nos doentes com colangite
esclerosante primária. Embora a terapêutica mais utilizada é o AUDC não existe
evidência que com este tratamento os doentes não tenham um avanço histológico,
progressão dafibrose, nem que aumente a sobrevida, nem que diminua a taxa de
mortalidade, nem que exista uma diminuição da taxa de necessidade de fazer
transplante.
Portanto, em resumo temos um jovem de 22 anos com pancolite ulcerosa
imunossuprimido com azatioprina dose 2.5 mg/kg, uma colangite esclerosante
primária com predomínio intra-hepática na CPRE com uma histologia sugestiva de
fibrose avançada (na biópsia tinha pontes porto-portais)e uma citologia das
vias biliares que levantava a dúvida de atipia.
Perante isto, a proposta terapêutica é a de manter o AUDC por uma questão
quimioprofiláctica, vigiar como qualquer doença hepática colestática a
densitometria óssea. Teremos de efectuar colonoscopias anuais com pesquisa de
displasia por causa do aumento do risco de carcinoma colo-rectal; é controversa
autilização dos marcadores tumorais CA19.9 e a colangioressonância anuais, para
vigiar estes doentes para o aparecimento de colangiocarcinoma e no futuro
deveremos ter novas tecnologias, nomeadamente endomicroscopia confocal que
permite uma visualização de histologia em tempo real através do endoscópico com
utilização de uma sonda o que neste caso pode ser extremamente útil.
Prof. Luís Tomé: A maior parte dos doentes com colangite esclerosante morrem no
contexto de hipertensão portal e não de colangiocarcinoma, morrem com
hepatopatia terminale em percentagem ainda assim reduzida, surge o
colangiocarcinoma
Prof. Guilherme Macedo: ainda que nós tenhamos esta percepção que a
transplantação está no horizonte, nós não sabemos quão longínquo é esse
horizonte, daí a necessidade de eventualmente termos de esperar algum tempo;
mesmo a indicação para transplante é uma indicação controversa e quando se põe
indicação não significa que vai ser transplantado na semana seguinte ou no dia
seguinte, portanto há aqui um intervalo de tempo que vai ter de ser gerido
também com muita parcimónia. Quando se propõe alguém para transplante, há que
contar com algum tempo de espera, variável, imprevisivel... idealmente este
doente deve ser acompanhado num Centro que também seja capaz de fornecer o
resto do tratamento, que é a transplantação, para não haver vícios de
comunicaçãooulinguagem: porque há perdas de informação quando há muita
comunicação, esse é também um dos aspectos importantes, no acompanhamento
destes doentes. Com o risco acrescido de carcinoma de cólon e recto muitas
vezes se pôe a questão, por exemplo, se na transplantação se poderá ou não
fazer sentido a colectomia, assunto muito discutido noutras ocasiões e noutros
contextos
Prof. Luis Tomé: Para uma doença não clássica os critérios clássicos dizem
assim: quando 2 medições da bilirrubina total separadas por 6 meses forem
superiores a 10mg/dl deve ser transplantado. Há portanto alguma adaptação dos
critérios rígidos à evolução clínica destes doentes
Prof. Gulherme Macedo: Vemos assim que a complexidade da situação clínica deste
jovem precisa ter uma abordagem integradora e algoritmizada. Um algoritmo
heurístico, de adaptação constante e apropriada à variabilidade e mutabilidade
que todos estes aspectos apresentam.
A condição clínica é desafiante e estimuladora, porque desafia a nossa
capacidade cognitiva e racional, e estimula a nossa mais profunda sensibilidade
humanista. Do equilíbrio desta s forças resulta o comportamento medico mais
adequado. Ao seu tempo e ao seu modo.
Felicidades para todos.