Contributos para a validação duma versão curta da Escala de Desejabilidade
Social de Marlowe-Crowne com adolescentes portugueses
INTRODUÇÃO
A Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne (Marlowe-Crowne Social
Desirability Scale ' MCSDS; Crowne & Marlowe, 1960; Johnston, Wright &
Weinman, 1995) é uma escala constituída por 33 itens dicotómicos (Verdadeiro/
Falso) com o objectivo de avaliar a tendência que certas pessoas têm em
apresentar as suas qualidades de forma inflacionada ou exagerada, minimizando
simultaneamente as suas fraquezas, i.e., tentam apresentar-se a si próprias
como estando dentro dos ideais das normas da sua sociedade.
Não tardou muito para que se investigasse a estrutural factorial da MCSDS e
surgissem versões curtas. Strahan e Gerbasi (1972), utilizando uma amostra
constituída por 361 estudantes, efectuaram uma análise de componentes
principais aos 33 itens da MCSDS que levou à obtenção de dois factores, cada um
com dez itens, designados X1 e X2. A consistência interna destes dois factores
variou entre .28 e .54 nos vários estudos de validação que os autores
efectuaram.
Reynolds (1982), por sua vez, utilizando uma amostra de 608 estudantes
universitários, efectuou também uma análise de componentes principais e as
correlações dos itens com o total da escala. O autor identificou três factores,
que designou por A, B e C, cada um deles com respectivamente 11 itens, 12 itens
e 13 itens. A consistência interna destes factores variou entre .74 e .76,
apesar de estudos posteriores feitos por Fischer e Fick (1993) terem obtido
valores mais altos variando entre .86 e .89.
Ballard (1992), tomando os itens originais da MCSDS e uma amostra de 399
estudantes universitários, construiu várias versões curtas, sendo que a mais
difundida em termos de utilização, constituída por 13 itens, ficou conhecida
como subescala compósita (MCSDS-SF). A pontuação total desta versão compósita
curta é obtida somando os resultados dos itens dicotómicos, sendo que
previamente se devem reverter os itens 1, 2, 3, 5, 6, 8, 11 e 12 (ver Anexos).
Através de análise de componentes principais Ballard (1992) seleccionou os
itens que saturavam mais de .39, chegando assim aos 13 itens finais da versão
compósita, que demonstrou ser unidimensional e ter uma consistência interna de
.70. Esta escala curta, que tem geralmente demonstrado possuir propriedades
psicométricas adequadas, embora nalguns aspectos algo modestas (Loo &
Loewen, 2004), foi a escolhida para utilização na presente investigação.
Em Portugal existe uma enorme necessidade de proceder à adaptação e validação
de instrumentos psicométricos aplicáveis à área da adolescência em geral e da
delinquência juvenil em particular. O objectivo do presente artigo, englobado
no âmbito de uma investigação mais abrangente sobre a delinquência juvenil,
consiste em traduzir, adaptar e estudar as características psicométricas de uma
versão curta da Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne de forma a
fundamentar empiricamente a sua utilização a nível prático e teórico na
realidade nacional.
MÉTODO
Participantes
A amostra total final ficou constituída por 760 participantes (leque etário =
12-20; Média = 15.92 anos; desvio-padrão = 1.48 anos), sendo que desse total
250 participantes (Média = 15.81 anos; desvio-padrão = 1.32 anos) foram
provenientes dos Centros Educativos do Ministério da Justiça e constituíram a
amostra forense, e 510 participantes (Média = 15.95 anos; Desvio-padrão = 1.55
anos) foram provenientes de estabelecimentos públicos de ensino da grande
Lisboa e constituíram a amostra escolar.
Na tabela seguinte (ver Tabela_1) podem-se observar dados relativos ao sexo,
frequência e percentagem de participantes segundo a proveniência.
Os participantes do sexo masculinos foram mais numerosos (71.4%) que os do sexo
feminino (28.6%). Relativamente à etnicidade, 59.6% eram brancos, 24.2% eram
negros, 13.4% eram mulatos e 1.8% eram ciganos e 0.9% pertenciam a outras
etnias. Relativamente à nacionalidade, 79.9% eram portugueses, 16.2% eram
nacionais de países africanos, 1.2% eram nacionais de países europeus e 2.8%
tinham outras nacionalidades (e.g., Brasil). No que diz respeito à proveniência
Rural versus Urbano, a maioria (98.8%) eram provenientes de zonas urbanas/semi-
urbanas.
Medidas
A Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne (Marlowe-Crowne Social
Desirability Scale ' MCSDS; Crowne & Marlowe, 1960) na versão curta
compósita foi concebida por Ballard (1992), conforme já foi referido, a partir
da escala original de Marlowe-Crowne, tendo ficado conhecida como subescala
compósita (MCSDS-SF) e sendo provavelmente a mais utilizada actualmente de
todas as subescalas derivadas da original. A MCSDS-SF pode ser cotada
simplesmente somando os itens que a compõem, após se ter efectuado a reversão
dos itens indicados (nomeadamente os itens 1, 2, 3, 5, 6, 8, 11 e 12).
Pontuações mais elevadas nesta escala reflectem a tendência de dar respostas
socialmente mais desejáveis. No presente estudo os itens foram codificados como
1 (Não) ou Sim (2) de forma a permitir os procedimentos de Optimal Scaling, um
tipo de análise factorial especialmente adaptada a itens qualitativos (Marôco,
2010).
A Escala de Auto-Estima de Rosenberg (Rosenberg Self-Esteem Scale ' RSES;
Rosenberg, 1989; Pechorro et al., na prensa) é uma medida breve de auto-
resposta que avalia a auto-estima em adolescentes e adultos. A RSES pode ser
cotada simplesmente somando os dez itens em escala ordinal de 4 pontos
(Discordo fortemente = 0, Discordo = 1, Concordo = 2, Concordo fortemente = 3),
após se ter efectuado a reversão dos itens apropriados (nomeadamente os itens
2, 5, 6, 8 e 9). Pontuações mais altas indicam níveis de auto-estima mais
altos. A consistência interna por alfa de Cronbach obtida no presente estudo
foi de .79.
Adicionalmente foi construído um questionário para descrever as características
sócio-demográficas dos participantes e analisar o efeito moderador dessas
variáveis. Este questionário incluiu questões como a idade dos participantes, a
sua nacionalidade, grupo étnico, o sexo, a proveniência rural versus urbana, os
anos de escolaridade completados, o nível sócio-económico dos pais e o estado
civil dos pais.
Procedimentos
Como princípio do processo de validação procurou-se obter autorização para
utilizar a escala. A utilização da versão curta trabalhada por Ballard (1992;
MCSDS-SF) é gratuita para fins de investigação, não sendo comercializada.
Apenas a versão completa original é comercializada (Johnston, Wright &
Weinman, 1995).
Para proceder à tradução dos instrumentos seguiram-se guidelines estabelecidas
internacionalmente (Hambleton, 2001; Van de Vijver & Hambleton, 1996).
Contou-se com a colaboração de duas tradutoras independentes bilingues
licenciadas em Português-Inglês e professoras do ensino secundário. Uma
tradutora fez a tradução para português, tendo a outra feito a respectiva
retroversão para inglês, que foi então comparada com o instrumento original.
Quando o resultado da tradução foi considerado como estando num estado
suficientemente avançado foram feitas algumas aplicações experimentais no
terreno que permitiram aperfeiçoar a linguagem utilizada de forma a torná-la
mais directa e facilmente entendível pelos jovens. Chegou-se assim à versão
final da escala (ver Anexos).
O leque etário para participação dos jovens na investigação foi previamente
fixado entre os 12 anos e os 20 anos dado ser esse o intervalo etário em que os
jovens são passíveis de intervenções ao abrigo da Lei Tutelar-Educativa no
sistema judicial português. Cada questionário aplicado era precedido por um
termo de consentimento informado, em que era dado conhecimento do carácter
voluntário e confidencial da participação no estudo.
A recolha dos questionários em meio forense decorreu individualmente após se
ter obtido autorização por parte da Direcção-Geral de Reinserção Social (DGRS),
Ministério da Justiça. Foram feitas aplicações em todos os Centros Educativos
existentes a nível nacional. Nem todos os jovens concordaram ou puderam
participar, sendo que a não participação incluiu motivos como recusa em
participar, impossibilidade de participar devido a não entendimento da língua
portuguesa e impossibilidade de participar devido a questões de segurança. A
taxa de participação foi de cerca de 90%. Todos os questionários dos jovens que
participaram foram considerados válidos.
A recolha dos questionários em meio escolar decorreu após se ter obtido
autorização por parte da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento
Curricular (DGIDC), Ministério da Educação. Foram aleatoriamente seleccionadas
doze escolas básicas/secundárias da região da grande Lisboa, das quais quatro
concordaram em participar. Os motivos da não participação incluíram ausência
sistemática de resposta ao pedido de colaboração efectuado pelo investigador,
alegadas questões relativas à organização interna das escolas que
impossibilitaram a colaboração, além de recusa em colaborar devido ao conteúdo
forense do questionário. As escolas que aceitaram participar solicitaram que a
participação de cada aluno fosse previamente autorizada através de um termo de
consentimento assinado pelo encarregado de educação. No final, foram excluídos
cerca de 13% dos participantes devido a estarem fora do intervalo etário
estabelecido ou a motivos como terem entregado questionários não preenchidos,
incompletos ou ilegíveis.
Os dados relativos aos questionários considerados válidos foram inseridos em
SPSS v18 e posteriormente tratados em SPSS v19 (IBM SPSS, 2010). Após a
inserção dos dados ter sido feita foram aleatoriamente seleccionados 10% dos
questionários inseridos, de forma a avaliar a qualidade de inserção dos mesmos.
A qualidade foi considerada muito boa dado que praticamente não foram
detectados erros de inserção. No tratamento de dados estatísticos propriamente
dito pretendeu-se recorrer a uma ampla variedade de técnicas estatísticas,
incluindo estatísticas descritivas, testes paramétricos e não-paramétricos de
comparação de grupos, correlações paramétricas e não-paramétricas, análise
factorial, análise de consistência interna por Kuder-Richardson, análise
discriminante, potência de teste e dimensão de efeito, entre outras. Na análise
discriminante a VD consistiu nas amostras forense e escolar, enquanto a VI
consistiu na pontuação total obtida na MCSDS-SF.
RESULTADOS
Na fase inicial do tratamento de dados foram analisadas as variáveis
moderadoras incluídas no questionário sócio-demográfico. Os resultados
demonstraram que a amostra forense continha menos participantes do sexo
feminino (?2 = 5.484, p = .001), menos participantes de etnia/raça branca (?2 =
38.776, p = .001), menos participantes de proveniência urbana (?2 = 18.580, p =
.001), menos anos de escolaridade completos (F = 1194.506, p = .001), mais
progenitores com baixo nível sócio-económico (U = 33514, p = .001) e mais
progenitores divorciados ou falecidos (?2 = 127.898, p = .001). Não foram
encontradas diferenças estatisticamente significativas entre a amostra forense
e a amostra escolar relativamente à idade dos participantes e à sua
nacionalidade.
De seguida efectuou-se a análise das descritivas dos itens, após se ter
revertido os itens indicados (ver Tabela_2).
Posteriormente efectuou-se o procedimento de análise factorial exploratória por
Optimal Scaling para as três amostras, conforme se pode observar na tabela
abaixo (ver Tabela_3). O item 2 não saturou adequadamente em nenhuma das
amostras, sendo por isso excluído dos procedimentos estatísticos seguintes.
Calculou-se de seguida o coeficiente de Kuder-Richardson, adequado aos itens
dicotómicos que compõem a escala (ver Tabela_4).
Relativamente à validade divergente (ver Tabela_5) o resultado foi a obtenção
de uma correlação de .10 com a Escala de Auto-estima de Rosenberg (RSES).
Na estabilidade temporal a três meses obteve-se um valor de .76 na correlação
entre os dois momentos de aplicação (ver Tabela_6). De salientar que apenas 88
participantes completaram o reteste do questionário, sendo que os principais
motivos se deveram aos jovens terem sido transferidos de Centro Educativo, a
terem concluído as suas medidas tutelares-educativas ou a terem recusado uma
segunda aplicação do questionário.
A nível de validade discriminante entre amostra forense e amostra escolar foi
obtido um valor estatisticamente significativo (ver Tabela_7).
Finalmente na comparação dos grupos masculino e feminino quanto à pontuação
obtida na escala não se detectaram diferenças estatisticamente significativas.
Na amostra forense o Eta parcial ao quadrado (?p2) foi de .000 e a potência de
.051; na amostra escolar o ?p2 foi de .003 e a potência de .257 (ver Tabela_8).
Na tabela seguinte podemos observar as descritivas da escala por amostras e por
sexo dos participantes, obtidas após efectuados os procedimentos de validação
da escala (ver Tabela_9).
Foram também analisadas as estatísticas descritivas da pontuação total da
MCSDS-SF por classes etárias e por amostras (ver Tabela_10).
DISCUSSÃO
O ponto de partida para a presente investigação foi a validação para a
realidade linguística e cultural portuguesa da que é geralmente considerada a
mais difundida de todas as versões curtas da Escala de Desejabilidade Social de
Marlowe-Crowne (Ballard, 1992), avaliando-se nesse processo se o constructo é
generalizável à população adolescente em contexto forense. Adicionalmente
pretendeu-se também testar a existência de diferenças a nível do constructo de
desejabilidade social entre os sexos nas amostras forense e escolar.
A validação iniciou-se com a análise das estatísticas descritivas dos itens
dicotómicos. Seguidamente efectuou-se análise factorial exploratória por
Optimal Scaling dadas as características qualitativas dos itens (Marôco, 2010).
Tornou-se evidente que o item 2 não saturava adequadamente (= .30) em nenhuma
das amostras, logo tomou-se a decisão de o eliminar dos procedimentos
estatísticos subsequentes (Nunnally & Bernstein, 1994). Os itens 5 e 11
apenas demonstraram esse problema na amostra forense, e portanto não foram
eliminados. Os nossos critérios de exclusão de itens foram mais liberais que os
de Ballard (1992), que manteve apenas itens que saturassem em valores maiores
ou iguais a .39.
Foi de seguida calculada a consistência interna por Kuder-Richardson. Na
consistência interna obtiveram-se valores de .60 e de .61 na amostra total e
escolar respectivamente, mas a nível da amostra forense um valor foi de .55 que
é considerado baixo (Cortina, 1993). Ballard (1992), por sua vez, obteve
valores de consistência interna na ordem de .70 que foram claramente superiores
aos da nossa investigação. Loo e Lowen (2004) obtiveram valores mais modestos
na amplitude de .60 a .65, mais semelhantes aos obtidos pelo nosso estudo.
Relativamente à validade divergente o resultado foi a obtenção de uma
correlação baixa (.10) com a Escala de Auto-estima de Rosenberg (RSES), que era
esperada dado tratarem-se de constructos diferentes e não sobreponíveis (Kline,
2000). Na estabilidade temporal a três meses obteve-se um valor de .76 na
correlação entre os dois momentos de aplicação, sendo esta correlação
estatisticamente significativa e dentro dos limites considerados adequados por
Kline (2000) para este procedimento. A nível de validade discriminante foi
obtido um valor estatisticamente significativo, evidenciando-se que a pontuação
na MCSDS-SF consegue discriminar eficazmente entre amostra forense e amostra
escolar tomadas enquanto variável dependente (Nunnally & Bernstein, 1994) e
tidas como estruturalmente e mutuamente exclusivas (Marôco, 2010).
Na comparação dos grupos masculino e feminino da amostra forense e da amostra
escolar quanto à pontuação obtida na escala não foram encontradas diferenças
estatisticamente significativas. Tal permite concluir que, pelo menos na nossa
amostra, não existem diferenças entre os sexos quanto ao constructo de
desejabilidade social. Todavia, deve-se salientar o facto de as potências dos
testes terem sido bastante fracas em ambos os acasos.
De uma forma geral consideramos que foi possível demonstrar algumas
propriedades psicométricas suficientemente adequadas que permitem recomendar
preliminarmente a sua utilização. Da mesma forma, Ballard (1992) também
recomendou alguma precaução deste instrumento devido a que alguns dos
indicadores que obteve apresentarem resultados algo modestos, tendo sugerido a
necessidade de se efectuarem estudos adicionais. Consideramos que futuramente
será necessário continuar este processo preliminar de adaptação da MCSDS-SF à
realidade portuguesa através de mais procedimentos de validação (e.g., validade
convergente, análise factorial confirmatória) e de recurso a outras amostras
(validação cruzada). Tal como referiram Nunnally e Bernstein (1994), a
validação de um instrumento psicométrico é um processo sempre contínuo.