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EuPTCVHe0871-34132012000300004

EuPTCVHe0871-34132012000300004

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-3413
ano2012
Issue0003
Article number00004

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Registo oncológico de base populacional em Portugal: reflexão sobre a situação atual e perspetivas futuras

REGISTOS ONCOLÓGICOS Diversos países, incluindo Portugal (1-2), têm desenvolvido programas de saúde pública ' Planos Oncológicos ' com o objetivo de reduzir a incidência e a mortalidade por doenças oncológicas e melhorar a qualidade de vida dos doentes com cancro, através da implementação sistemática de estratégias baseadas na melhor evidência científica para prevenção, deteção precoce, tratamento e prestação de cuidados paliativos, com equidade e fazendo o melhor uso possível dos recursos disponíveis (3). As atividades de vigilância, quando capazes de fornecer atempadamente informação válida sobre os determinantes e diversos indicadores de carga de doença oncológica, revestem-se da maior importância no apoio aos esforços de prevenção e controlo do cancro, desde o desenho dos planos oncológicos à sua monitorização e avaliação. O registo oncológico é uma peça essencial neste contexto, podendo ser definido como o processo continuado de recolha sistemática de dados relativos a novos casos de cancro com o objetivo de avaliar e controlar o impacto das doenças oncológicas na comunidade (4).

Os registos de cancro de base populacional têm como objetivo registar todos os casos incidentes numa determinada população, frequentemente correspondendo a uma área geográfica bem delimitada. De uma forma geral privilegiam a exaustividade do registo e a validade da informação, em detrimento da quantidade de informação recolhida. Na Figura_1 é apresentada a cronologia da criação e funcionamento dos registos de cancro de base populacional em Portugal. Os registos de base hospitalar, por sua vez, registam casos diagnosticados ou tratados nos respetivos hospitais (podendo ser valorizados nas análises de forma distinta, de acordo com a natureza do contacto desses doentes com a instituição (4)), independentemente dos seus locais de residência ou outras características sociodemográficas. Deste modo, o facto de não ser possível definir claramente a população de onde provêm os casos registados impossibilita interpretações dos dados a um nível populacional. Contudo, a recolha de informação para caracterizar os tratamentos efetuados e os seus resultados está facilitada, pelo que estes registos estão especialmente vocacionados para responder a objetivos relacionados com a avaliação do desempenho da instituição nos cuidados prestados a doentes oncológicos e com o apoio à administração hospitalar, para além de contribuírem com informação para os registos de base populacional.

OS PRIMEIROS REGISTOS DE CANCRO DE BASE POPULACIONAL EM PORTUGAL Entre 1956 e 1961 foram desenvolvidas atividades de vigilância das doenças oncológicas em Lourenço Marques (atualmente Maputo, Moçambique), que podem considerar-se a primeira experiência de registo de cancro de base populacional em território Português (5-6). Em Portugal Continental o registo de cancro de base populacional teve início em 1976, com a implementação do Registo Oncológico de Viana do Castelo (7-8); também no norte do país, em 1981, foi implementado outro registo de base populacional em Vila Nova de Gaia (Registo Oncológico de Vila Nova de Gaia), tendo sido o primeiro a ter os seus dados apresentados na publicação de referência Cancer Incidence in Five Continents (CI5) (Tabela_1).

Tabela_1

REGISTOS ONCOLÓGICOS REGIONAIS (ROR) Os Registos Oncológicos Regionais (ROR) de Lisboa (ROR-Sul), Porto (RORENO) e de Coimbra (ROR-Centro) foram criados, nos respetivos Centros Regionais do Instituto Português de Oncologia de Francisco Gentil, através da Portaria n.º 35/88 de 16 de Janeiro. Apesar dos primeiros registos hospitalares de cancro portugueses terem sido criados a partir de 1978 (9), a Portaria que criou os ROR determinou também a criação de um registo oncológico em cada hospital, central ou distrital, com a obrigação de recolher e remeter aos ROR da sua área geográfica dados relativos a doentes com cancro.

Os ROR cobrem a quase totalidade do país mais de 20 anos. Desde 2007, com a criação do Registo Oncológico da Região Açores (RORA) que abrange também a região autónoma dos Açores (10), existem registos de base populacional em todo o território nacional. A Grécia e o Luxemburgo não têm registos de base populacional, Espanha, França, Itália ou Suíça não têm cobertura nacional e em diversos países europeus a cobertura nacional é mais recente que em Portugal (1), pelo que no contexto europeu Portugal apresenta uma situação privilegiada em termos de cobertura e antiguidade dos registos oncológicos. Contudo, o atual contributo dos ROR para o planeamento, monitorização e avaliação das atividades de prevenção e controlo das doenças oncológicas, apesar de melhorias substanciais nos anos mais recentes, observadas especialmente no ROR-Sul e no RORENO, está ainda aquém do seu potencial.

INFORMAÇÃO PRODUZIDA PELOS ROR A disponibilidade de estimativas de incidência em Portugal e as diferenças entre registos são ilustradas, numa perspetiva geral, na edição do PNS em Foco dedicada às doenças oncológicas(11) em que se descrevem as taxas de incidência de cancro que foram disponibilizadas por cada um dos ROR para esta publicação.

Relativamente ao ROR-Sul, não são apresentados dados referentes à maior parte dos anos, refletindo o reconhecimento de limitações na qualidade da informação recolhida nesse período. As diferenças na evolução das taxas de incidência entre as três regiões, com a região centro a apresentar oscilações acentuadas em curtos períodos de tempo, possivelmente relacionadas com variações na qualidade da informação, requerem investigação mais aprofundada. Algumas publicações do ROR-Centro referem explicitamente que não foi possível incluir os casos registados em determinados hospitais, o que constitui uma clara limitação, certamente potenciada pela recente tendência em privilegiar a publicação de dados definitivos muito pouco tempo após a sua recolha ' em Dezembro de 2010 tinham sido publicados os dados referentes a 2009 (12) ' com potencial prejuízo da exaustividade do registo (13). Por outro lado, a discussão da qualidade da informação disponibilizada pelos registos é, de um modo geral, insuficiente e realizada de forma distinta nas publicações de cada um dos ROR (12, 14-15).

A reunião dos dados de cada uma das regiões foi efetuada em apenas três publicações, com a designação de Registo Oncológico Nacional, referentes a 1993 (16), 2001 (17) e 2005 (18), que apresentam resultados de incidência de âmbito nacional. Contudo, as diferenças regionais nas estimativas ou na qualidade da informação não são discutidas, reduzindo substancialmente a utilidade de uma publicação desta natureza. A publicação de 2005, em especial, apresenta limitações importantes, dificilmente aceitáveis a este nível, designadamente as que resultam da ausência de uma descrição detalhada dos métodos ou de indicadores de qualidade. Por exemplo, o reduzido número de carcinomas do colo do útero in situ, comparativamente com os carcinomas invasivos, é explicável por uma assumida falta de exaustividade do seu registo, pelo que uma correta leitura deste resultado será possível com enquadramento e discussão adequados, e a sua utilidade em epidemiologia descritiva do cancro é praticamente nula. O facto de os autores de uma publicação sobre incidência e mortalidade por cancro na Europa em 2006 terem estimado a incidência em Portugal com base na informação de mortalidade das estatísticas vitais portuguesas e na razão incidência/mortalidade observada em Espanha, apesar de neste país haver apenas uma cobertura parcial do território por registos de base populacional (19), ilustra de forma eloquente o modo como a utilidade e operacionalidade da informação então produzida em Portugal era percebida internacionalmente. É de referir que a publicação GLOBOCAN referente a 2008 (20) optou pela informação produzida pelos registos portugueses, refletindo os progressos que se têm verificado nos últimos anos.

A publicação de referência CI5 impõe critérios de qualidade exigentes e na sua edição mais recente incluiu pela primeira vez dados de incidência produzidos pelos ROR portugueses (CI5-IX) (21). A ausência de informação dos ROR na maior parte dos volumes do CI5 (Tabela_1) realça as limitações da informação disponível para Portugal, mas a recente publicação dos dados de incidência produzidos pelo RORENO e pelo ROR-Sul representa uma evolução qualitativa digna de referência, e permite aceder a indicadores de qualidade e a aspetos relacionados com o funcionamento dos registos que, habitualmente, não são apresentados nas respetivas publicações regulares.

Relativamente à produção de estimativas de sobrevivência de base populacional, o ROR-Sul participou nos projetos EUROCARE-3 (22) e EUROCARE-4 (23) e no estudo CONCORD (24). O ROR-Sul (25) e o RORENO (26) produziram publicações que comparam a sobrevivência dos doentes com os cancros mais frequentes nas diferentes regiões das respetivas áreas de influência, que permitem uma primeira abordagem às desigualdades regionais nestes indicadores de carga de doença oncológica. Também estes estudos refletem uma evolução no sentido da consecução de objetivos mais ambiciosos e consentâneos com estruturas da natureza dos ROR.

O QUE SE DEVE ESPERAR DOS REGISTOS DE CANCRO DE BASE POPULACIONAL? É amplamente reconhecido que os registos de cancro constituem ferramentas essenciais para o planeamento, monitorização e avaliação das atividades de prevenção e controlo das doenças oncológicas. A utilidade da informação produzida, contudo, depende muito claramente da sua qualidade e o potencial para que se atinjam padrões de qualidade elevados dificilmente se poderá dissociar dos recursos técnicos disponíveis, de um esforço contínuo para melhorar o relacionamento com as diferentes fontes de informação, e da utilização dos dados reunidos. Estas são condições essenciais para fazer face à complexidade do desafio que é registar corretamente todos os casos de neoplasias que ocorrem de novo numa determinada população, e para identificar e corrigir limitações dos procedimentos adotados e da informação produzida.

Da mesma forma que os objetivos devem ser ajustados à maturidade de cada registo e aos recursos colocados à sua disposição, os processos adotados em cada registo, ou o peso relativo dos diferentes elementos de um conjunto de processos universalmente reconhecido, têm que ser definidos caso a caso, tendo em conta as especificidades locais. Dificilmente se poderá aplicar uma fórmula universal para definir a forma de funcionamento mais adequada para cada registo oncológico.

A capacidade de contribuir para o planeamento, monitorização e avaliação das atividades de prevenção e controlo do cancro, não se consegue unicamente com a produção de dados de incidência. O peso de uma estrutura capaz de produzir essa informação com qualidade dificilmente se consegue justificar se for esse o único outcome de um registo de cancro de base populacional. Contudo, o registo dos casos incidentes de cancro de forma completa e válida é indispensável e condiciona a consecução dos restantes objetivos.

É também essencial que a informação seja produzida atempadamente, sob pena da sua desatualização limitar a utilidade dos dados. Contudo é fundamental que se estabeleça um compromisso adequado entre o momento da divulgação dos resultados e a exaustividade do registo, de modo a evitar que a celeridade na divulgação de dados atualizados leve a uma subestimação excessiva da incidência (13).

O CONTRIBUTO DA COORDENAÇÃO NACIONAL PARA AS DOENÇAS ONCOLÓGICAS (CNDO) PARA A PROMOÇÃO DO REGISTO ONCOLÓGICO DE BASE POPULACIONAL A CNDO definiu o registo oncológico como uma prioridade no âmbito das atividades de prevenção e controlo das doenças oncológicas e desenvolveu esforços para dotar os ROR de meios adequados para produzir informação robusta relativamente aos diferentes indicadores de carga de doença oncológica, em tempo oportuno, de modo a informar os esforços de planeamento, e orientar, monitorizar e avaliar atividades de prevenção e controlo. Neste contexto, a promoção da colaboração de qualidade entre os ROR foi definida como um elemento essencial de uma estratégia geral de melhoria de qualidade dos registos oncológicos.

Considerou-se que o desenvolvimento dos ROR nos termos propostos se constitui essencialmente como um desafio técnico, e não meramente administrativo, que depende, entre outros fatores, da existência de uma equipa estável e com competência técnica adequada. Estimou-se que, apesar da necessidade de adequação às especificidades de cada ROR, a estrutura básica indispensável ao normal funcionamento do registo deveria envolver uma equipa correspondente a 4 a 5 elementos em tempo integral, incluindo um epidemiologista, um estatístico, e elementos com competências para o desempenho de funções técnicas nas atividades do registo e apoio secretarial. Sendo os Institutos de Oncologia os responsáveis pela coordenação e gestão dos ROR, considerou-se que seria pertinente consignar nos respetivos contratos-programa uma dotação orçamental destinada a cobrir os encargos decorrentes da gestão e funcionamento dos ROR.

Foi assim que, por iniciativa da CNDO que mereceu acolhimento favorável da tutela, a partir de 2008, os contratos-programa dos Institutos de Oncologia passaram a incluir um anexo referente à atividade dos ROR, em que se estabelecia a verba a atribuir, assim como um conjunto de indicadores de produção. Para a contratualização foram definidos objetivos que globalmente visavam a demonstração da melhoria da exaustividade e qualidade do registo, a rentabilização dos recursos materiais e humanos e a promoção da visibilidade da atividade de registo entre os envolvidos no processo. Constatou-se, contudo, que não houve estrita vinculação a esses objetivos, persistindo uma larga margem de progressão, em particular no que diz respeito à colaboração dos ROR no sentido da melhoria substantiva da qualidade e utilização da informação produzida.

Deste modo, parece ser essencial evoluir no sentido da criação de uma estrutura que centralize a análise dos dados reunidos pelos três ROR e produza relatórios de âmbito nacional, com capacidade para interpelar criticamente os registos relativamente à qualidade e utilidade da informação produzida e contribuindo para otimizar o uso de recursos e harmonizar procedimentos. Sem prejuízo da autonomia de cada registo relativamente às opções de natureza técnica efetuadas e à utilização dos dados produzidos a nível regional, a criação de uma estrutura nacional, com a participação e colaboração estreita dos três ROR, parece ser a ferramenta essencial para monitorizar as atividades de registo oncológico e indexar o seu financiamento a indicadores que reflitam o percurso no sentido dos objetivos traçados.

CONCLUSÕES A cobertura de todo o país por registos de cancro de base populacional e a antiguidade dos ROR colocam Portugal numa situação privilegiada relativamente à disponibilidade destas estruturas de vigilância, devendo ser explorado o seu potencial para apoiar as atividades de prevenção e controlo das doenças oncológicas.

Embora sejam de registar progressos na qualidade e quantidade de informação produzida pelos registos de base populacional, existe ainda um importante caminho a percorrer, no sentido de se conseguir informação rigorosa, exaustiva e diferenciada e que constitua uma base consistente para a definição de uma estratégia de controlo da doença oncológica e acompanhamento da sua execução. A descrição clara e detalhada do modo de funcionamento de cada um dos registos e a discussão sistemática dos diferentes indicadores de qualidade que se podem associar à informação produzida são essenciais para aumentar a transparência deste processo e desenhar estratégias específicas para corrigir as limitações existentes atualmente.

Num contexto em que os recursos nesta área são escassos e em que existem assimetrias quantitativas e qualitativas na produção dos ROR, é essencial uma colaboração produtiva entre os registos e a clara vinculação a objetivos que traduzam a utilização da informação produzida e a discussão de indicadores de qualidade aceites internacionalmente. A entidade responsável pela coordenação e execução do plano oncológico nacional, função anteriormente desempenhada pela CNDO, tendo em conta a sua posição equidistante em relação aos ROR poderá desempenhar um papel importante como catalisador e dinamizador na consecução destes objetivos.


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