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EuPTCVHe0871-97212012000100006

EuPTCVHe0871-97212012000100006

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-9721
ano2012
Issue0001
Article number00006

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Atopia e sarcoidose: Que relação entre as duas entidades?

INTRODUÇÃO Estudos epidemiológicos têm demonstrado que a atopia, resposta mediada por linfócitos T helper (Th) 2, infl uencia a actividade e prognóstico de algumas doenças Th1 mediadas, por mecanismos imunológicos de contra-regulação1. O estado de atopia na sarcoidose, doença Th1 mediada, encontra-se por esclarecer, não havendo evidência clínica sufi ciente que sustente o tipo de relação entre estas duas entidades.

CASO CLÍNICO Os autores descrevem o caso de uma doente, 30 anos, caucasiana, não fumadora, referenciada à Consulta de Imunoalergologia do Hospital de São João, em 2005, por quadro clínico com 5 anos de evolução, de sintomas nasais (rinorreia serosa, esternutos, obstrução e prurido), oculares (prurido e hiperemia) e otorrinolaringológicos (prurido orofaríngeo e otológico), de predomínio na Primavera/Verão. Negava sintomas respiratórios, nomeadamente dispneia, tosse ou toracalgia. Apresentava história familiar de asma e como antecedentes pessoais relevantes lesões cutâneas sugestivas de eritema nodoso em 2002 (efectuada corticoterapia oral, com posologia e duração não especificadas).

Actualmente funcionária numa padaria; trabalhou previamente numa confecção. As queixas nasais e oculares são se relacionavam com a actividade laboral actual ou prévia, tendo sido notado agravamento apenas nos meses de Primavera/Verão.

Ao exame objectivo inicial, de destacar na rinoscopia anterior hipertrofia dos cornetos inferiores e desvio dextro-convexo do septo nasal. A investigação diagnóstica realizada revelou positividade para pólenes (gramíneas e árvores) nos testes cutâneos com extractos de aeroalergénios e no doseamento sérico de IgE específicas de gramíneas - 12,50, Betula verrucosa-0,47 e Olea europeae- 0,53 (negativa<0,35kU/L). A espirometria basal sugeria síndrome restritiva e a prova de broncodilatação foi negativa. O valor da fracção de óxido nítrico exalado foi de 6,5 ppb. A pletismografia revelou síndrome ventilatória restritiva ligeira, com os restantes parâmetros sem alterações. Considerando a ausência de queixas respiratórias (dispneia, pieira, tosse, intolerância ao exercício), não foram realizados outros exames para avaliar a síndrome restritiva. Foi efectuado o diagnóstico de rinoconjuntivite alérgica persistente moderada-grave e instituída terapêutica: evicção alergénica, tratamento farmacológico com corticosteroide tópico nasal, anti-histamínico ocular e oral, e posteriormente imunoterapia específica (IT) por via subcutânea ' polimerizado, extracto 100% gramíneas (durante 4 anos, sem evidência de reacções adversas). Apesar da evolução clínica favorável relativamente à maioria da sintomatologia, a doente mantinha obstrução nasal persistente e incapacitante que motivou septoplastia e turbinectomia, em Abril de 2009. Em Junho de 2010, ocorreu agravamento clínico (fadiga, pieira e dispneia para médios esforços) e funcional (Quadro 1). Após observação de telerradiografia torácica alterada, realizou tomografia computorizada torácica que revelou múltiplas adenomegalias hilomediastínicas e nódulos pulmonares parenquimatosos infracentimétricos (Figura 1). Na avaliação analítica verificou-se eosinofilia periférica (640 mm3) e elevação da enzima de conversão de angiotensina (72, normal <52). Bioquímica, marcadores víricos (VHB, VHC, VIH) e electroforese de proteínas sem alterações. Foram realizados lavado broncoalveolar (LBA) e punção aspirativa de adenomegalias por agulha fina guiada por ecoendoscopia (endobronchial ultrasound with real-time guided transbronchial needle aspiration, EBUS-TBNA). As análises microbiológica (bacteriológico, micológico, micobacteriologico directo e cultural) e citológica do LBA e biopsia foram negativas. A contagem celular total do LBA foi normal e a diferencial revelou linfocitose intensa (celularidade 0,8x105/mL; macrófagos 50,4%; linfócitos 42,6%; neutrófilos 4,6%; eosinófilos 0%; mastócitos 0,2%), com predomínio de linfócitos T CD4+, associado a relação CD4/CD8 elevada (3,8).

Quadro 1. Evolução funcional respiratória

Figura 1. TC torácica de alta resolução: múltiplas adenomegalias mediastínicas (A, B), a maior com 13 mm de eixo curto em topografia pré-aórtica (A); alguns nódulos periféricos, infracentimétricos, de distribuição aleatória, alguns com halo em vidro despolido e de limites mal definidos (C, D).

O quadro clínico e imagiológico descrito, associado a alterações da contagem diferencial do LBA (linfocitose com CD4/CD8 > 3,5), foi enquadrado no diagnóstico de sarcoidose. A doente foi referenciada à Consulta de Doenças Pulmonares Difusas, encontrando-se sob monitorização clínica, funcional e imagiológica, com periodicidade de 3 meses, sem indicação, até à data, para iniciar tratamento dirigido à patologia sarcoidótica.

DISCUSSÃO A sarcoidose consiste numa doença multissistémica, de causa desconhecida, caracterizada patologicamente pela existência de granulomas não caseosos nos órgãos atingidos2. Esta patologia apresenta uma incidência variável (1-40/100 000 casos), atinge frequentemente adultos jovens (pico de incidência: 20-29 anos) e maioritariamente o sexo feminino2. A sua etiologia permanece desconhecida, sendo a hipótese mais provável a de resultar da exposição a agentes ambientais em indivíduos susceptíveis3. Factores como a agregação familiar, prevalência, clínica e gravidade variáveis com a raça e regiões e associação a determinados polimorfismos genéticos sugerem predisposição genética2,4. Relativamente aos agentes ambientais, questiona-se o papel de microrganismos (vírus, bactérias como Propionibacterium acnese Mycobacterium tuberculosis), partículas inorgânicas (alumínio, talco) e orgânicas (pólenes)2.

De destacar, no presente caso clínico, história de rinite alérgica com sensibilização a pólenes.

Foram publicados estudos sobre a prevalência de atopia em doentes com sarcoidose e os potenciais efeitos da primeira no espectro clínico e evolução da segunda5-7. Kokturk et aldemonstraram que a prevalência de alergia respiratória numa população turca de 41 doentes com sarcoidose era inferior à da população geral (5% versus25%)5. Patogenicamente, a sarcoidose caracteriza- se por uma resposta imunológica celular mediada por linfócitos Th1 e a atopia por uma resposta Th2 e humoral IgE-específica2,8, mecanismos que poderão justificar esta diferença epidemiológica. Todavia, um estudo recente põe em causa esta dicotomia; Wilsher et aldeterminaram uma prevalência de atopia de 34% em 123 doentes com sarcoidose, semelhante à previamente reportada para a população geral7.

A apresentação clínica da sarcoidose é variável, dependendo do(s) órgão(s) envolvido(s) e da intensidade da inflamação granulomatosa. Pode ser assintomática ou cursar com sintomas constitucionais e/ou específicos de órgão.

Sendo o tórax atingido em mais de 90% dos casos, cursa frequentemente com dispneia, pieira, tosse e toracalgia, podendo associar-se a alterações funcionais variadas (restrição, obstrução, hiperreactividade brônquica ' 20%) e radiológicas específicas (estádio 0: normal; estádio I: adenopatias hilares; estádio II: adenopatias hilares e alterações do parênquima pulmonar; estádio III: alterações do parênquima pulmonar, sem adenopatias; estádio IV: fibrose)2.

Remetendo para o presente caso clínico, a idade, as manifestações clínicas constitucionais e respiratórias e a evidência radiológica de adenopatias levantaram algumas hipóteses diagnósticas, como sarcoidose, linfoma ou infecção. De salientar a importância da broncoscopia na sarcoidose, por permitir a realização de LBA e biopsias transbrônquicas, brônquicas iterativas e aspirativas transbrônquicas, que aumentam a rentabilidade diagnóstica e consequente diagnóstico diferencial2,8.

Neste caso, o estudo celular do LBA revelou uma alveolite linfocítica com CD4/ CD8 > 3,5, reflectindo o predomínio de linfócitos T CD4+, característico da sarcoidose2,8.

De acordo com estudos previamente publicados, uma razão CD4/CD8 elevada, associada a características clínicas e imagiológicas típicas, é altamente sugestiva do diagnóstico de sarcoidose, com valores de especificidade de 93- 96%, obviando a necessidade de confirmação histológica em cerca de 40-60% dos casos2. A exclusão de patologia linfoproliferativa é crucial, tendo sido realizado estudo de adenopatias por EBUS-TBNA, técnica recente, minimamente invasiva e segura, associada a um acréscimo na rentabilidade diagnóstica de sarcoidose (90-96%)9. O diagnóstico de sarcoidose torácica foi assumido, não havendo evidência de atingimento de outros órgãos (rim, fígado, coração, uveíte).

A história natural da sarcoidose é variável, com possibilidade de remissão espontânea (estádio I: 55-90% e II: 40-70%), evolução para cronicidade ou recidiva após tratamento2.

Desde a sua referenciação, a doente encontra-se assintomática com estabilidade radiológica (estádio II) e funcional, portanto com potencial para remissão espontânea, motivo pelo qual não foi iniciado tratamento. Por outro lado, a história prévia de eritema nodoso coloca a possibilidade de estarmos perante um caso de recidiva de sarcoidose não diagnosticado previamente.

Hattori et al constatou que, numa população japonesa de 134 doentes com sarcoidose, nos doentes atópicos o envolvimento torácico era menos frequente, e em termos evolutivos a atopia estaria associada a um melhor prognóstico da sarcoidose (associação independente do sexo, idade e presença de lesões torácicas e/ou extratorácicas)6. Neste contexto, a atopia poderia ser considerada um factor de bom prognóstico. Contudo, atendendo à patogenia de ambas as entidades, questionamos esta associação. A sarcoidose tem por base uma resposta imunológica Th1 mediada, especulando-se que a sua evolução desfavorável tenha por base uma alteração dessa resposta para o tipo Th2, com padrão de citocinas diferentes (interleucinas 4, 5, 6 e 10) que estimulariam a proliferação de fibroblastos e produção de colagénio, conduzindo a fibrose3.

Assim, se a atopia tem por base uma resposta imunológica Th2 mediada, a qual conduz à evolução para estádios avançados da sarcoidose, como poderá estar associada a melhor prognóstico da doença? Por outro lado, Jundi et alquestionaram o papel da IT na sarcoidose ao descrever três casos de doentes atópicos submetidos a IT (pólenes e ácaros), com diagnóstico posterior de sarcoidose (22, 1 e 4 anos após término da IT)10.

Estes autores especulam sobre o facto de a IT poder ter desmascarado formas subclínicas de sarcoidose não diagnosticadas previamente, a possibilidade de a IT constituir agente causal da sarcoidose ou de se tratar de mera coincidência temporal10.

CONCLUSÃO Com a descrição deste caso clínico, os autores pretendem colocar algumas questões sobre a possível associação entre atopia e sarcoidose, para as quais a resposta ainda permanece longínqua face aos dados da literatura científica aqui explanados. Tratam-se maioritariamente de estudos descritivos, díspares no tamanho populacional e áreas geográficas incluídas, o que por si pode influenciar a prevalência de ambas as entidades. Mais ainda, a sua patogenia distinta torna questionável o papel prognóstico da atopia na sarcoidose. De facto, a descrição de mais casos clínicos, séries de casos, ou a realização de estudos prospectivos com inclusão de populações referentes a várias áreas geográficas, díspares na prevalência de sarcoidose e atopia, mas com metodologias semelhantes, incluindo a definição de atopia, poderia responder a algumas das questões levantadas com a descrição deste caso clínico.


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