Asma e eczema atópico numa criança: Tratamento eficaz com omalizumab
INTRODUÇÃO
A asma brônquica é uma das doenças crónicas mais comuns em idade pediátrica.
Frequentemente as crianças têm asma não controlada, muitas vezes como resultado
da submedicação, verificando-se, no entanto, a existência de crianças com asma
não controlada apesar de cumprirem o tratamento recomendado1.
As exacerbações de asma estão associadas a deterioração da função pulmonar, a
admissões hospitalares e ao absentismo escolar. São frequentemente tratadas com
corticosteróides orais (CO), que podem associar-se a efeitos adversos graves2.
De acordo com as guidelines do Global Initiative for Asthma(GINA) 20113, o
omalizumab está indicado para doentes com asma alérgica grave a partir dos 6
anos, como alternativa aos CO e como terapêutica adicional em doentes tratados
com alta dose de corticosteróides inalados (CI) e β2 agonistas de longa acção
(LABA).
O omalizumab é um anticorpo monoclonal IgG humanizado, que ao ligar-se à IgE
livre, impede a sua ligação aos receptores específicos presentes nas membranas
celulares de vários tipos de células (mastócitos, basófilos, eosinófilos,
linfócitos B), reduzindo a libertação de mediadores inflamatórios como
leucotrienos, citocinas e histamina4. Tem um bom perfil de tolerância nas
crianças, com um risco de efeitos adversos semelhante ao dos grupos
placebo1,2,5.
Neste artigo reportamos o caso de uma criança com asma brônquica e eczema
atópico, não controlados apesar do cumprimento da terapêutica recomendada,
tratado com omalizumab.
CASO CLÍNICO
Menino de 10 anos, com eczema atópico e asma brônquica ligeira desde o primeiro
ano de vida e rinite alérgica persistente moderada/grave desde os 4 anos,
medicado diariamente com cetirizina e montelucaste, e com salbutamol inalado e
mometasona creme como medicação de alívio. Aos 7 anos iniciou imunoterapia
específica (IE) por via sublingual para Dermatophagoides pteronyssinus(Dpt).
Clinicamente estável até aos 8 anos, altura em que é referido agravamento da
asma (sintomas diurnos e despertares nocturnos frequentes, má tolerância ao
esforço físico, com necessidade de salbutamol cerca de 5 dias/semana), da
rinite e do eczema atópico (lesões eritemato-descamativas generalizadas,
pruriginosas, com interferência no quotidiano e no sono). Tinha testes cutâneos
por picada positivos para Dpt e Dermatophagoides farinae(Df).
Analiticamente a destacar: IgE total de 693 kU/L, IgE específica sérica para
Dpt de 98,3 kU/L e para Df de 44,2 kU/L.
A radiografia do tórax era normal e o exame funcional respiratório revelava
obstrução brônquica (volume expiratório máximo por segundo (FEV1) 44,2% do
previsto) com prova de broncodilatação positiva (24% de aumento do FEV1). Nesta
altura, tendo em consideração o agravamento do quadro, suspendeu IE e foi
adicionada terapêutica com fluticasona inalada, tendo-se aumentado
progressivamente a dose de CI e adicionado posteriormente um LABA, tendo em
conta que não se verificava melhoria clínica. Estava medicado com salmeterol/
fluticasona inalados 100/500 μg/dia, montelucaste oral 5 mg/dia, ebastina oral
10 mg/dia, fluticasona intranasal 100 μg/dia, mometasona e pimecrolimus tópicos
diariamente. O valor do AsthmaControl Test(ACT) era 11 e do Scoring Atopic
Dermatitis(SCORAD) era 70,9. Por não se ter verificado melhoria dos quadros
respiratório e cutâneo, foi adicionada prednisolona oral 0,5 mg/Kg/dia. Nesta
altura, assistiu-se a uma melhoria clínica, tanto do quadro respiratório como
cutâneo, que regredia quando se tentava reduzir a dose de CO.
Dada a instabilidade clínica, sintomas diurnos e despertares nocturnos
frequentes que só resolviam quando o doente estava sob CO (prednisolona 0,5 mg/
Kg/dia), foi proposta terapêutica com omalizumab por via subcutânea 150 mg de
4/4 semanas (com base no peso do doente e no valor de IgE total). Após dois
meses de terapêutica foi possível suspender os CO.
Às 16 semanas de tratamento, estava medicado com metade da dose de CI e
reportava um melhor controlo da asma (ACT -24). Com base no ACT, verificou-se
nessa altura, a diminuição da necessidade de medicação de alívio rápido e a
diminuição da frequência das exacerbações.
Estas passaram a ser ligeiras, sem necessidade de CO. O valor do FEV1 era
superior a 80% do previsto.
Relativamente ao quadro cutâneo, às 16 semanas de tratamento, era visível uma
melhoria significativa (SCORAD -56,8), encontrando-se medicado com emolientes
diariamente e mometasona tópica quando necessário.
Com a asma e o eczema controlados, sob tratamento com omalizumab há 23 meses,
foi novamente iniciada IE para ácaros (Dpt/Df) por via subcutânea, não se tendo
verificado efeitos adversos, agravamento da asma ou do eczema.
Actualmente está sob omalizumab há 27 meses, sem qualquer reacção adversa
relacionada com a sua administração.
Encontra-se a fazer terapêutica com salmeterol/fluticasona 25/125 μg/dia,
montelucaste 5 mg/dia, ebastina 5 mg/dia, fluticasona intranasal 100 μg/dia.
Verifica-se controlo da asma (ACT -24), com boa tolerância ao esforço físico e
redução da dose diária de CI, da necessidade de medicação de alívio e do número
das exacerbações, que são ligeiras, no contexto de infecções respiratórias. De
realçar que não voltou a necessitar de CO desde os 2 meses de tratamento com
omalizumab. Paralelamente, refere também controlo das queixas nasais, que são
intermitentes e sem interferência nas actividades diárias ou no sono.
No que diz respeito ao eczema, é visível uma melhoria franca (SCORAD-12,3).
Refere apenas prurido ligeiro, sem interferência nas actividades diárias ou no
sono, com lesões cutâneas localizadas e controladas apenas com a aplicação
diária de emolientes. Nega necessidade de pimecrolimus ou mometasona tópicos,
bem como CO.
DISCUSSÃO
O omalizumab está indicado em doentes com asma alérgica grave a partir dos 6
anos, como alternativa aos CO e como terapêutica adicional em doentes tratados
com alta dose de CI e LABA (GINA 2011)3. Para além da sua eficácia em adultos,
vários estudos controlados têm demonstrado a utilidade em crianças a partir dos
6 anos através da redução da gravidade e frequência das exacerbações1,2,5, do
uso de corticoterapia (inalada e/ou oral), de medicação de alívio e do tempo de
absentismo escolar5.
Relativamente aos doentes com eczema atópico, estima-se que apenas um terço
será atópico6. Contudo, apesar de não estar ainda aprovada a utilização de
omalizumab no tratamento de doentes apenas com eczema, tendo em conta a
importância da IgE na atopia e a eficácia da terapêutica anti-IgE na asma
alérgica, têm sido realizados estudos para analisar o efeito do omalizumab no
eczema atópico grave. Um estudo prospectivo com 21 doentes (14 a 64 anos) com
eczema e asma alérgica grave, evidenciou melhoria das lesões cutâneas em todos
os doentes, independentemente dos níveis de IgE sérica total6. Num estudo
retrospectivo, 5/7 doentes tratados com omalizumab para a asma, melhoraram
também do eczema ao fim de 3 meses de terapêutica6. Outro estudo retrospectivo,
demonstrou melhoria do eczema em 3 crianças (10 a 13 anos) tratadas com
omalizumab após 2 a 12 semanas6.
Numa série recentemente publicada com 11 doentes com eczema grave (12 a 52
anos) tratados com omalizumab, verificou -se melhoria progressiva do SCORAD,
diminuição dos sintomas, melhoria da qualidade de vida e diminuição do
absentismo escolar e laboral em todos os doentes7.
Por outro lado, numa outra série, nenhum dos 3 doentes com eczema atópico grave
(34 a 48 anos) tratados com omalizumab (450 mg de 2/2 semanas) melhorou após 4
meses de tratamento6.
O doente apresentado tinha asma alérgica grave, rinite alérgica moderada/grave
e eczema atópico grave, não controlados apesar de medicação com CI em dose
alta, LABA, antagonista dos receptores dos leucotrienos, anti-histamínico,
corticóide nasal, corticóide e imunomodulador tópicos diariamente. Tinha um
valor no ACT de 11 e no SCORAD de 70,9. O controlo da sintomatologia
respiratória e cutânea apenas era atingido quando estava medicado com CO
(prednisolona 0,5 mg/Kg/dia), sendo que se verificava agravamento da asma e do
eczema quando se tentava suspender ou reduzir a dose de CO.
Após dois meses de tratamento com omalizumab, foi possível suspender os CO,
tendo em conta a melhoria dos quadros respiratório e cutâneo. A avaliação
realizada às 16 semanas de tratamento evidenciou resultados favoráveis no que
diz respeito à sintomatologia respiratória e cutânea, pelo que se manteve a
terapêutica com omalizumab.
O omalizumab também tem sido utilizado em doentes com asma não controlada
apesar do uso de CI, para diminuir os efeitos adversos associados à IE,
possibilitando que uma maior proporção de doentes atinjam a dose de manutenção
pretendida8. Neste doente, sob omalizumab, foi possível iniciar e manter a IE,
que no passado coincidiu com o agravamento da asma, obrigando à sua suspensão.
Actualmente, sob omalizumab há 27 meses, a fazer IE há 4 meses, tem a rinite e
a asma controladas (ACT-24), está medicado com 1/4 da dose de CI que fazia
antes de iniciar o omalizumab, não voltou a ter necessidade de CO, tem menor
necessidade de medicação de alívio e menos exacerbações, que são ligeiras e no
contexto de infecções respiratórias.
No que diz respeito ao eczema, o SCORAD passou de 70,9 para 12,3; com clínica
ligeira, controlada apenas com a aplicação diária de emolientes, sem
necessidade de CO ou terapêutica tópica com pimecrolimus ou mometasona.
O doente adaptou-se bem à obrigatoriedade de recorrer mensalmente ao hospital
para administração subcutânea de omalizumab, tendo as administrações decorrido
sem intercorrências, sendo bem toleradas pelo doente, não se tendo verificado
efeitos adversos relacionados com a sua administração.
Com o decurso da IE, é esperada uma evolução favorável da doença alérgica, que
poderá permitir num futuro próximo a suspensão do omalizumab.
CONCLUSÃO
Este caso ilustra a eficácia do omalizumab como terapêutica adicional numa
criança com asma alérgica e eczema atópico graves, permitindo não só a
suspensão dos CO, como também o controlo da asma e do eczema.