Para além do fator de impacto: O artigo científico e a disseminação de
conhecimento em Medicina
EDITORIAL
Para além do fator de impacto: O artigo científico e a disseminação de
conhecimento em Medicina
João Fonseca
Unidade de Imunoalergologia, CUF Porto Hospital e Instituto
CINTESIS ' Center for Health Technology and Services Research, Faculdade de
Medicina da Universidade do Porto
Secretario‑Geral da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica
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Uma velha história sobre a publicação científica pode ser contada de forma
breve. Ao café, um médico diz ao outro: Acabou de sair um artigo ótimo que
prova que nos doentes com [escolha o leitor uma situação clínica] é melhor
[intervenção terapêutica ou diagnóstica] do que [outra intervenção].
O outro médico responde: Isso até já a minha avó sabia!
O primeiro médico comenta calmamente: Foi pena a tua avó não ter publicado.
O artigo científico é um dos formatos de publicação de novos avanços do
conhecimento médico. Os processos de seleção editorial e de revisão por pares
são determinantes como forma mais valorizada de apresentação de resultados de
um trabalho de investigação em Medicina.
A publicação de um artigo científico é hoje o modo mais visível e persistente
no tempo de disseminação desses resultados, tornando‑se também uma montra dos
autores e instituições que os produzem ' a cereja em cima do bolo dirão uns, os
melhores bolos dirão outros.
Para a afirmação e crescimento de uma área clínica é imprescindível uma
produção consistente e de qualidade de artigos científicos. Igualmente, para a
formação e actualização dos especialistas numa área clínica, a preparação e
realização de um trabalho publicado sob a forma de artigo é um desafio e uma
experiência educativa única.
Esta primazia do artigo não significa que muitas outras formas de disseminação
de novo conhecimento clínico não sejam também necessárias e relevantes. Pelo
contrário as (boas) discussões entre colegas, as comunicações em reuniões e
congressos (e respetivos resumos), a divulgação em média não especializados e
em novos média ou as publicações sem revisão por pares, como livros ou
monografias, complementam e expandem as funções dos artigos científicos.
Temos assistido a um crescimento exponencial dos artigos científicos alimentado
por fatores como o aumento da investigação, os avanços tecnológicos ou mesmo o
reforço da importância do artigo científico. Em cerca de duas décadas passamos
da dificuldade de acesso a informação científica para a de imperiosidade de
escolha de entre a imensa quantidade de artigos científicos produzidos.
Hoje perguntamo‑nos como os procurar1 e como os selecionar. A seleção
dependerá, seguramente, do motivo porque queremos ler mas, de um modo geral,
será seguro que os artigos mais citados por outros autores terão um maior
interesse. No entanto, só passado demasiado tempo sabemos que artigos são mais
citados.
O que sabemos é que artigos publicados em revistas que tem artigos muito
citados têm habitualmente mais citações.
Estas revistas são as mais prestigiadas, mais procuradas para publicação e por
isso mais exigentes na escolha dos artigos que publicam. Por consequência, os
artigos aí publicados tendem a ter mais qualidade e importância, sendo por isso
mais citados.
O Institute of Scientific Information(ISI) agora parte da Web of Scienceda
Thomson Reuters, concebeu uma medida do impacto de uma revista utilizando o
número de citações ' o fator de impacto (FI).2 O FI contabiliza as citações
feitas num dado ano a artigos publicados nos dois anos anteriores nas revistas
incluídas no Science Citation Index, a base de dados mais exigente de indexação
de revistas científicas.
O cálculo do FI é o quociente entre o número de citações que os artigos
publicados na revista durante os dois anos anteriores tiveram naquele ano e o
número de artigos publicados ' o FI de 2014 da revista x é igual número de
citações em 2014 dos artigos publicados em 2012‑13 na revista x a dividir pelo
número de artigos publicados em 2012‑>13 na mesma revista. Simplificando
poderíamos dizer que um artigo publicado na revista Allergy, por exemplo, terá
em média 6 citações nos 2 anos seguintes (Quadro_1). O FI de uma revista pode
ser procurado no Journal of citations reports(JCR),3 um recurso pago da Thomson
Reuters, a que as instituições portuguesas têm acesso através da biblioteca do
conhecimento online (B‑on.pt). Pelo mês de junho de cada ano são publicados os
FI do ano anterior. Em 2015 foi apresentada a 40.ª edição. A categoria
Allergytem 24 revistas indexadas e o fator de impacto agregado dessas 22
revistas é 4047, correspondendo ao 22.º lugar das 232 categorias de todas as
áreas científicas que fazem parte do JCR. No Quadro_1 estão listadas por ordem
decrescente as dez revistas com maior fator de impacto indexadas na categoria
Allergy do JCR em 2014.
O FI é muito utilizado por ser uma medida simples, fácil de entender e que
mostrou o seu valor o longo de várias décadas. No entanto, como não há medidas
perfeitas, têm sido feitas muitas críticas ao FI4 e à sua utilização para fins
para os quais não foi desenvolvido. O FI não pode ser utilizado para avaliar o
impacto de um artigo em concreto, mas de uma revista científica. Provavelmente
a crítica mais frequente (mas não a mais importante) feita ao FI é a
impossibilidade de ser usada para comparar revistas de diferentes áreas
científicas ' o número de citações varia muito entre áreas científicas, por
exemplo pelas diferenças de produção científica mas também pela natureza
própria das áreas e hábitos de citação. Surgiram, por isso, outras métricas
mais evoluídas como o Source Normalized Impact per Paper (SNIP) que tem em
conta o número total de citações de uma determinada área científica, o que
permite comparar revistas de áreas diferentes. Além de outras melhorias face ao
FI o SNIP é de acesso livre5 mas continua ser menos conhecido. Já neste ano de
2015 a Thomson Reuters apresentou o percentil de fator de impacto de uma
revista, o qual normaliza o FI, permitindo a comparação entre revistas de
diferentes áreas. Existem várias outras medidas de bibliometria, isto é, a
análise estatística das publicações e suas citações utilizadas em situações
mais específicas.
Alem das medidas de bibliometria, a análise da disseminação e do impacto que um
determinado artigo tem pode hoje ser medido analisando as referências ao artigo
na Internet (webometrics). Em 2010, foi proposta uma medida mais geral do
impacto dos artigos ' a altmetrics,6 que além das citações incorpora o número
de visualizações dos artigos, de downloads, de referências em bases de
conhecimento, nos social média e média tradicionais.
Esta medida pode ser aplicada a revistas, pessoas ou instituições, por exemplo,
concorrendo assim também o h‑index, uma métrica muito utilizada para avaliar a
produtividade e o impacto científico de um investigador ou grupo.7 Ainda a
propósito da disseminação do conhecimento utilizando a Internet, são de referir
ferramentas de comunicação dirigida aos interesses de cada elemento de
comunidades científicas e que ajudam a conhecer os artigos que vão sendo
publicados. São exemplos o Research Gate (http://www.researchgate.net),
Researcher ID http://www.researcherid.com/ ou Academia.edu https://
www.academia.edu/. Em muitos casos são também repositórios de autoarquivo dos
artigos completos pelos autores, permitindo aceder a artigos publicados em
revistas às quais não temos acesso livre.
Em resumo, o artigo científico é o principal meio de disseminação dos avanços
do conhecimento médico. As rápidas alterações das últimas décadas tornaram
necessário aprender a pesquisar e a selecionar os artigos científicos.
O fator de impacto foi uma das primeiras métricas utilizadas para medir o
impacto da publicação científica, é muito utilizado por ser fácil de
interpretar mas também fácil de usar de forma inapropriada. Estamos a assistir
à utilização crescente de outras medidas que nos ajudam a compreender melhor a
disseminação e o impacto de revistas e de artigos científicos, mas também dos
próprios autores e grupos/instituições.