Prematuridade Tardia: a Nova Epidemia
Prematuridade Tardia: a Nova Epidemia
Gilberta Fontes Neves Santos1
1Serviço de Neonatologia - MJD/CHP
INTRODUÇÃO
Em Neonatologia os pré-termos tardios (LPT) emergiram como um grupo em
crescimento, com morbilidade crescente, requerendo especial atenção nos
primeiros dias de vida e provavelmente para lá do período neonatal A
comunidade de saúde deve ser sensibilizada para as necessidades especiais
destes doentes.(1)
Apesar da unanimidade em definir pré-termos, há menos unanimidade em definir
subgrupos, nomeadamente os LPT. Em Julho de 2005 um grupo de trabalho do NICHD
(National Institute of Child Health and Human Development) define pré-termo
tardio (LPT) entre 34 0/7 semanas (dia 239) ou 36 6/7 semanas (dia 259). Esta
sugestão foi baseada no reconhecimento de que as 34 semanas são um marco
obstétrico a partir do qual os corticoides pré-natais já não são administrados
e ao facto dos LPT terem um mais alto risco de morbilidade e mortalidade
comparando com os recém-nascidos de termo.(7)
Os LPT têm um grande impacto em termos de saúde pública, devido ao seu elevado
número, cerca de 75% de todos os pré-termos, contribuindo para um aumento da
morbilidade, do tempo de internamento numa Unidade Neonatal e dos custos de
saúde, sendo referidos nos últimos anos como nova epidemia em Neonatologia. É
necessária uma melhor sistematização das suas necessidades e um protocolo
efectivo para lidar com estas situações bem como o estabelecimento de normas
práticas de orientação para prevenir a morbilidade evitável. (5,6)
O número crescente de pré-termos tardios parece dever-se ao número crescente de
intervenções obstétricas, especialmente nascidos por cesariana. A pré-eclampsia
e a ruptura prematura de membranas estão entre as principais causas de trabalho
de parto pré-termo. Deverá ser pesado o risco benefício de prolongar a gravidez
na fase da prematuridade tardia. (7) Os nascimentos não devem ser programados
durante o período da prematuridade tardia (34-37 semanas) sem indicações
clínicas precisas. (5)
Os factores que têm contribuído para o aumento da prematuridade tardia parecem
ser: o aumento da taxa das mulheres que decidiram ter filhos mais tarde, o
aumento da taxa de reprodução medicamente assistida, o aumento da taxa de
gémeos, trigémios e gestações múltiplas. (7)
CARACTERÍSTICAS QUE DISTINGUEM OS LPT DOS RN DE TERMO
Existem poucos estudos publicados na literatura comparando a morbilidade deste
grupo com a dos R.N. de termo. Alguns estudos revelam um aumento dos problemas
no período neonatal imediato: termorregulação, S.D.R e insuficiência
respiratória, hiperbilirrubinemia, dificuldades alimentares, risco infeccioso,
aumento da taxa de reinternamento. (2)
Dificuldades alimentares: As funções gastrointestinais tais como deglutição,
peristaltismo e controle de esfincteres são mais imaturas do que no R.N. de
termo conduzindo a dificuldades de sucção, deglutição e digestão. As
dificuldades alimentares, a perda de peso, a desidratação e (o risco aumentado
de icterícia problemática) conduzem a uma mais alta incidência de
reinternamentos, durante a 1ª semana de vida comparando com os recém-nascidos
de termo.
Dificuldades relativas ao Aleitamento materno: Existem mais problemas com os
LPT com o sucesso do inicio do Aleitamento Materno. A perda de peso pode ser
excessiva (»8-10%) necessitando de várias intervenções. Devem ser encorajadas
mamadas frequentes sob supervisão de pessoal treinado. Os suplementos de leite
artificial só deverão ser dados sob prescrição médica. Deve ser efectuada uma
consulta sobre lactação à data da alta. As mães dos LPT devem receber ensino
sobre a expressão do leite materno dez minutos após a amamentação no segundo
dia de vida. A extracção de leite deve ser parada quando os R.N. mostram
aumento de peso consistente sem suplementos, geralmente ao fi m da primeira
semana de vida.
Hiperbilirrubinemia: A icterícia problemática é mais comum neste grupo do que
nos R.N. de termo. O pico de icterícia aparece mais tarde, quatro a seis dias,
e persiste por mais tempo.
Instabilidade metabólica: A hipoglicemia é mais frequente no primeiro dia de
vida do que nos R.N. de termo. As causas prováveis são a diminuição dos
depósitos de glicogénio, o stress e as dificuldades de termorregulação e
alimentação.
Hipotermia: Os LPT têm um risco aumentado de hipotermia durante as 1ªs horas de
vida requerendo monitorização contínua da temperatura corporal.
Sindroma de dificuldade respiratória: O SDR e a taquipneia transitória do
recém-nascido são mais frequentes nos LPT. Estes R.N devendo ser monitorizados
nas primeiras 24h, pois têm maior risco de instabilidade respiratória, podendo
resultar em apneia, bradicardia e respiração periódica. Os LPT têm um risco
duas vezes superior de sindroma da morte súbita relativamente aos R.N. de termo
(1,4/1000 às 33-36 s, comparado com 0,7/1000 às 37s). Por isso deverão ser
aconselhadas a posição supina. (5)
Reinternamentos e consultas médicas: Os LPT têm taxas aumentadas de consultas e
reinternamentos hospitalares. Os principais diagnósticos de reinternamento são:
icterícia, dificuldades alimentares e possível sepsis.
Desenvolvimento Neurocomportamental: Às 34 semanas o volume do cérebro é cerca
de 65% do do R.N de termo. Entre as 35 e as 41 semanas há um aumento na
substância branca de cerca de cinco vezes. Apesar dos LPT serem mais maduros
que os grandes prematuros o seu cérebro ainda é imaturo e pode ser lesado por
condições adversas. A incidência de LPV não é conhecida nos LPT. (8) Um estudo
controlado, (Chyi e col., J. Pediatrics 2008), revelou que os LPT tiveram
piores resultados no score de leitura, uma maior probabilidade de necessitarem
de ensino especial e não tiveram pior desempenho na Matemática. Nos itens em
que tiveram piores resultados houve uma tendência a melhoria com o tempo. (2)
Estudos efectuados revelaram um risco aumentado de paralisia cerebral e atraso
de desenvolvimento em R.N. 34 -36s comparando com o grupo controle.(2)
Sepsis: Os LPT têm um maior número de sepsis documentadas, devido ao risco
aumentado de infecções como causa de trabalho de parto prematuro (3)
PROTOCOLO DE SEGUIMENTO E TRATAMENTO
Existem diferenças importantes de necessidades de cuidados a estes R.N. tanto a
curto como a longo prazo. Devem ter um protocolo de seguimento e tratamento
diferente dos R.N. de termo. Cada centro de cuidados perinatais deverá ter o
seu próprio plano tendo em conta os seguintes princípios:
Ensino e educação pré-natal: Previamente ao parto deve ser dada informação aos
pais respeitante ao que esperam no período neonatal imediato, devendo ser
abordada a possibilidade dum internamento prolongado. O R.N. deve ser
referenciado como LPT em vez de almost term pois isto reflecte o alto risco de
morbilidade e mortalidade. Os pais requerem conselhos e ensino acerca das
necessidades especiais dos LPT.
Identificação do R.N.: Datar a gravidez através do registo hospitalar de forma
cuidadosa e consistente. Registar como LPT no BSI. Documentar a idade
gestacional com recurso a escalas (Ballard, Dubowitz) se houver incerteza
relativamente à I.G.
Internamento: Os LPT podem ficar internados em cuidados normais, intermédios ou
intensivos neonatais. Deve ser instituída uma média mínima de internamento de
72h (340/7 -346/7) e 48h (350/7 -366/7). Os médicos e enfermeiros deverão estar
treinados para observação e tratamento destes R.N. tanto no trabalho de parto
como no período neonatal imediato. Deve ser registado o peso diário e a
percentagem de perda de peso. Perdas superiores a 7% devem ter um seguimento em
internamento nas 24h seguintes. A avaliação da amamentação deve ser diária e o
plano de alimentação actualizado. Nas primeiras 24h devem ter uma consulta de
amamentação. Deverá ser feita uma monitorização dos sinais vitais de quatro em
quatro horas nas primeiras 24h e depois de oito em oito horas até o R.N estar
estável. Deverá ser utilizado equipamento que respeite as necessidades destes
R.N. em termos de termorregulação. Deverá ser facultado o contacto pele a pele
com a mãe o mais cedo possível. O banho inicial deverá ser adiado para reduzir
o risco de hipotermia. (3)
A determinação de glicemiadeverá ser feita na primeira-segunda hora de vida. Os
níveis de glicose deverão ser superiores a 40mg/dl antes das mamadas em duas
determinações nas primeiras oito horas de vida. A determinação da glicemia
capilar deverá ser feita até obter um valor»50 mg/dl em dois testes.
A determinação de bilirrubinasestá indicada nestes R.N. nas primeiras 24 h e
deverá ser repetida se necessário as 36 e 72h. Existem tabelas que contemplam
estes R.N. ' risco intermédio.
CRITÉRIOS PARA ALTA
Deverão ser estabelecidos os seguintes critérios para alta:
- Aporte oral adequado e consistente.
- Peso estabilizado ou a aumentar.
- Valor de bilirrubina estável
- Aleitamento materno estabelecido e meios de lactação pós-alta disponíveis
- Fornecer aos pais antes de alta informação escrita que reforcem as
necessidades especiais dos LPT.
- Consulta agendada 24-48h após a alta. Uma visita domiciliária seria uma
alternativa aceitável. Este seguimento deverá incluir: padrões de alimentação,
avaliação de peso e grau de icterícia.
- Seguimento pediátrico antes das duas semanas. Seguimento adicional de
vigilância de alterações de Desenvolvimento psicomotor.
- Ecografia transfontanelar à data da alta e às 40 semanas de idade corrigida.
(3)
CONCLUSÃO
Os LPT representam uma população de risco e requerem diferentes vias de
cuidados comparativamente aos R.N. de termo. São necessários mais dados
empíricos para desenvolver um guia de tratamento baseado na evidência. O
conhecimento do grau de risco e a informação acerca das causas de morbilidade
pode ser útil para o desenvolvimento de recomendações para a avaliação inicial,
monitorização e actuação para com este grupo de R.N. Devemos tentar identificar
os principais factores de risco de forma a prevenir e minimizar a incidência de
nascimento de LPT. Investigação adicional deverá ser dirigida a este grupo no
futuro.
Para o tratamento destes LPT com sucesso é necessária uma equipa
multidisciplinar constituída por médicos, enfermeiros, consultores amamentação
e fisioterapeutas.
Tentando actuar a nível preventivo era importante saber: O que é que conduz a
um aumento da taxa de cesarianas e de indução precoce na gravidez? Será que há
um aumento do número de R.N. pré-termo porque as mães estão a ficar mais
doentes? Ou será que os factores de intervenção estão a mudar? Deveremos tentar
parar o trabalho de parto em idades gestacionais mais tardias (33-35s)?
São necessárias estimativas apuradas acerca dos riscos de morbilidade e morte
associados aos nascimentos dos LPT, de forma a ajudar os obstetras e
neonatologistas a tomarem decisões informadas.