Cyberbulling na adolescência
Cyberbullingna adolescência
Hugo Tavares1
1U Medicina do adolescente, CH Vila Nova de Gaia - Espinho
CORRESPONDÊNCIA
Bullying é definido como uma forma de agressão que é intencional, repetida e que
envolve um desequilíbrio de poder entre vítima e perpetrador1.
Pode assumir formas diretas (física e verbal) ou indiretas (relacional ou
social)2, descrevendo-se mais recentemente o bullying eletrónico
(cyberbullying) como crescente uso de tecnologias de informação2.
Os intervenientes no processo de bullying podem ser provocadores, vítimas
(forma clássica e vítimas-provocadores que provocam reações nos agressores com
as quais não consegue lidar) ou testemunhas/observadores dos episódios de
bullying.
Trata-se de um problema prevalente entre os adolescentes com repercussões a
nível do rendimento escolar, bem-estar psico-social e desempenho relacional
tanto da vítima como do agressor3-6.
Cyberbullying é definido como um ato hostil repetido e deliberado de ameaça e
ofensa (denegrir, humilhar), recorrendo a meios de tecnologia de informação
nomeadamente telemóveis, internet, entre outros7,8,9,10. Implica
necessariamente que tanto o abusador/provocador como a vítima tenham idade
inferior a 18 anos, sendo que no caso de envolvimento de maiores de idade se
passa a denominar assédio de menores.
Não existe atualmente moldura penal para o cyberbullyingem Portugal já que este
ato não é reconhecido como crime. Muitas das queixas relacionadas são
classificadas como crimes informáticos, de índole sexual ou devassa da vida
privada, o que dificulta a obtenção de uma estatística real. Mais ainda, a
inexistência da moldura penal dificulta o combate eficaz a este tipo de
bullying.A nível internacional tem sido feito um esforço para criminalizar o
cyberbullyingdestacando-se o Canadá e alguns estados dos EUA onde é já
considerado um ato criminal e existe uma moldura penal adequada.
Os dados da última avaliação do HBSC (2010)11 apontam para uma alteração
consistente nos hábitos de socialização dos jovens a nível mundial com o
crescimento marcado do recurso aos interfaces eletrónicos. Segundo os dados do
INE (2011)12atualmente 58% dos lares portugueses têm acesso à internet, 98% dos
quais em banda larga (56,6% do total de agregados familiares). A evolução
nacional neste ítem, na última década, foi marcada, tendo em conta que em 2002
apenas 15,1% dos lares portugueses tinham internet e 7,9% acesso a banda
larga. A implementação do programa governamental e-escolas, no ano de 2008,
levou as crianças portuguesas à liderança a nível europeu no que diz respeito
ao acesso à internet via computadores portáteis, sendo que 93% tem acesso em
casa e 67% no seu quarto (EU KIDS ONLINE 2012)13. Também a disponibilização de
acessos à internet nas escolas (usada por 72%), em bibliotecas (usada por 25%)
e wi-fi em espaços públicos contribuiu para o aumento da oferta de acesso com
cobertura da grande maioria da população portuguesa. Apesar da grande
disponibilidade de acesso à internet as taxas de reportação de uso da mesma
pelas crianças e jovens portugueses ainda colocam o nosso país no grupo de
baixo uso13. A maioria dos jovens reporta usar a internet para trabalhos
escolares, jogos, visualização de vídeos, troca de emails e uso de redes
sociais13. Tendo em conta os riscos reportados no seu uso, Portugal é
considerado um país de risco moderado13.
Existem em Portugal 157,9 cartões de telemóvel ativos por 100 habitantes
(ANACOM, 2011)14, muitos deles com acesso à internet o que alarga ainda mais a
exposição da população às diferentes tecnologias da informação.
A prevalência de cyberbullyinga nível mundial é muito variável e provavelmente
sub-reportada pelo receio de exposição, represálias e vergonha de assumir ter
sido vítima deste tipo de agressão. Existem ainda diferenças significativas
entre países quanto ao veículo usado no cyberbullying,o que parece refletir as
diferentes expressões das tecnologias de informação nesses países. Apesar da
grande disparidade, a maioria das investigações aponta para um envolvimento de
até 25% dos jovens em comportamentos de cyberbullying.
Os dados sobre cyberbullying atualmente disponíveis em Portugal resultam de
projetos de investigação individuais, alguns com representatividade
questionável da totalidade da população jovem portuguesa. Almeida et al (2008)
descreve que 6 e 3% (raparigas e rapazes, respetivamente) de uma amostra de
alunos do 7º ao 9º anos de escolaridade referiam já ter sido vítimas de
cyberbullyingatravés de telemóvel com uma percentagem semelhante de alunos a
referir terem sido vítimas desta agressão na internet. A percentagem de
agressores por telefone e internet era de 3/5% e 2/4% (rapariga/rapaz,
respetivamente). Campos M (2009), mostrou que 8,7% de uma amostra de 115 jovens
alunos com idades entre os 10 e os 26 anos tinham sido vítimas de cyberbullying
e 6,1% reportavam terem sido agressores recorrendo a meios eletrónicos.
Ventura (2010) descreveu uma taxa de 10% de vítimas de cyberbullying entre 934
alunos do 3º ciclo; dois terços destes alunos referiam ser também vítimas de
outras formas de bullying. Por fim, o estudo Cyberbullying ' o diagnóstico da
situação em Portugal, financiado pelo FCT, encontra-se atualmente a decorrer no
nosso país com até 2013, tendo os resultados preliminares (ano de 2012)
revelado que 15,6% haviam sido vítimas e 9,6% perpetradores deste tipo de
bullying. Não foram encontradas diferenças na prevalência de comportamentos de
cyberbullyingtendo em conta a idade e o nível escolar dessa amostra. Os
provocadores eram maioritariamente do sexo masculino, não havendo diferenças de
género entre as vítimas. O SMS era o veículo preferencialmente utilizado e
67,2% revelavam não conhecer nenhuma vítima de cyberbullying(Armanda Matos,
2012, comunicação pessoal dos resultados preliminares do estudo Cyberbullying
' o diagnóstico da situação em Portugal).
O estudo EU KIDS ONLINE13 revelou que apenas 2% das crianças e jovens (9-16
anos de idade) portuguesas haviam sofrido cyberbullying. Segundo esta avaliação
de âmbito europeu Portugal é mesmo o país europeu com a menor percentagem de
abusadores e o segundo com menor taxa de vítimas de cyberbullying15.
O risco de ser um provocador online vs offline aumenta 48% se for rapariga, 30%
por cada hora a mais passada na internet, 31% se o jovem tem outros
comportamentos de risco na internet13. Por outro lado, as vítimas e as
provocadoras de cyberbullying são também as que são mais vulneráveis offline e
é frequente existir alternância de papéis de provocador/vítima de cyberbullying
entre os jovens13.
O cyberbullying reveste-se de algumas particularidades que o diferenciam de
outras formas de bullying, nomeadamente:
a) Otipo de agressão é apenas psicológica
b) Anonimato do agressor/vítima
1. Ao contrário de outras formas de bullying a identidade do agressor nem
sempre é conhecida podendo ser o vizinho, colega de carteira ou alguém de outra
cidade/ país. O desconhecimento da identidade do agressor pode agravar
consideravelmente a pressão e medos associados.
2. O anonimato potencia a alternância de papéis agressor / vítima, o que
necessariamente perpetua o processo de bullying.
3. O anonimato leva, também, frequentemente, a uma rutura com o modelo
tradicional de bullyingem que o elemento mais forte maltrata o mais fraco. É
mesmo visto por muitas vítimas de bullyingnão eletrónico como uma oportunidade
de se vingarem dos seus agressores. Assim, a desproporção de forças que
caracteriza e define esta forma de agressão por vezes é invertida no
cyberbullying que pode ser perpetrado pelas convencionais vítimas.
c) A testemunha da agressão que tem habitualmente um papel mais passivo nas
formas tradicionais de bullying(contribuindo com o seu papel para aumentar a
vergonha do abusado e a sensação de realização do agressor), pode ter um papel
mais ativo no cyberbullyingagindo por forma a perpetuar a agressão ao
reencaminhar um email difamatório para os seus contactos, comentando num
chat ou rede social, tornando-se muitas vezes também ele um abusador. Por outro
lado, o contexto online da agressão contribui para o aumento exponencial de
testemunhas do abuso quando comparado com o bullyingconvencional.
d) Espaço e tempo
1. No cyberbullying a agressão não se limita a um espaço físico (escola,
recreio, bairro) mas pode estender-se a todo um universo cibernauta através dos
diferentes instrumentos da internet. Aumenta-se assim a exposição da vítima a
um número maior de testemunhas e o espaço de desconforto / sensação de
insegurança é aumentado de forma exponencial. A disponibilidade quase universal
de acesso às tecnologias de informação leva à dificuldade do jovem em encontrar
um ambiente onde não possa ser exposto à agressão aumentando a pressão sobre
a vítima.
2. Também a rapidez de disseminação de informação é significativamente maior no
cyberbullying.
3. A existência de um registo eletrónico (fotografia, filme, blogue, tweet,
comentário numa rede social) conduz à perpetuação da agressão que pode ser
reavivada em diferentes ciclos.
As motivações dos agressores que recorrem ao cyberbullying são variadas e
incluem a vingança, chantagem, afirmação social, promover o ostracismo das
vítimas, frustração, revolta e diversão.
São vários os métodos usados neste tipo de agressão que podem ser específicos de
determinados veículos (telefone, email, redes sociais):
a)Insulto | calúnia | difamação | chantagem ' consiste no envio de SMS, emails,
tweets, publicações em blogues e redes sociais, fotografias comprometedoras
(reais ou adulteradas) sobre a vítima. Esta agressão pode ser pessoal e
dirigida apenas à vítima ou ser distribuída a toda uma comunidade cibernauta.
Quando perpetrada de forma constante e repetida pode assumir a dimensão de
moléstia ou agressão.
b)Roubo de identidade | Impersonalização ' o abusador usa a identidade da
vítima (roubo de palavra passe ou criação de utilizador em nome da vítima) para
a denegrir enviando emails/tweets/comentários/informações pessoais em seu
nome.
c) Enganar ' fazendo-se passar por uma outra pessoa o abusador tenta enganar a
vítima e apoderar-se de informação comprometedora desta que passa depois a
usar contra ela, expondo-a à comunidade cibernauta.
d)Exclusão ' resulta do negar acesso a determinado grupo (rede social) ou
página web votando o pretendente a um ostracismo com as consequentes
repercussões psicológicas e sociais que se podem estender a outras áreas da
sua vida (incluindo a não virtual).
e)Sexting ' resulta do envio de imagens (fotografias ou vídeo) com conteúdo
erótico/sexual recorrendo às tecnologias de informação. Habitualmente as
imagens são trocadas numa fase inicial entre duas pessoas com o seu
consentimento mas posteriormente pode ocorrer disseminação das mesmas contra a
vontade da vítima que se vê, assim, exposta. Uma vez publicadas online a vítima
perde o controlo das mesmas podendo mesmo acabar publicadas em sítios de
pornografia infantil.
f) Outing ' consiste no envio de fotografias e/ou vídeos comprometedores com o
conhecimento e autorização da vítima. Estes registos são habitualmente de cariz
erótico/ sexual ou potencialmente alvo de gozo. A vítima que ao autorizar o
envio pretende ser conhecida vê-se depois envolvida em atos de cyberbullying ao
ser gozada, perseguida, abordada.
Os instrumentos utilizados no cyberbullying estão em expansão em sintonia com
o desenvolvimento de novas tecnologias de informação. Na maioria das séries
descritas sobre cyberbullying o instrumento mais utilizado é o SMS que reflete a
quase universalidade da distribuição de telemóveis entre os jovens. Estes são
usados para o envio de mensagens ameaçadoras, difamatórias ou com insultos ou
fotografias/vídeos. São também utilizados o email (com possibilidade de envio de
anexos - fotografias, vídeos), as redes sociais (twitter, facebook), os chats,
os jogos onlinee as chamada telefónicas via internet e videochamadas.
O cyberbullying, à semelhança de outras formas de bullyingpode ter
consequências a nível da estabilidade psicológica, auto-estima, rendimento
académico e capacidade de socialização das vítimas que tendem a isolar-se e a
ter dificuldade em desenvolver relações sociais saudáveis16. Estas consequências
podem mesmo prolongar-se pela idade adulta e no limite têm sido descritos casos
de suicídio associados.
Segundo alguns autores as consequências deste tipo de bullyingpodem mesmo ser
mais destrutivas do que nas outras formas de agressão, muito pelas razões
apontadas aquando da comparação com o bullying convencional (anonimato, espaço
de atuação alargado, facilidade e tempo de disseminação e a possível
perpetuação da agressão no tempo)10.
Estas consequências podem afetar tanto as vítimas como os provocadores, sendo
que as vítimas reportam frequentemente serem vítimas de ostracismo e os
provocadores procurarem satisfazer o seu desejo de poder/supremacia sobre os
pares.
A principal arma para combater o cyberbullyingé a prevenção que deverá
abranger não só os jovens como também os pais e professores.
Preconiza-se o ensino dos jovens para o uso racional das tecnologias de
informação alertando-os para comportamentos de risco como a partilha de dados
pessoais (fotos, nome, data de nascimento, morada, escola que frequentam,
pormenores da sua rotina diária, palavras passe), aceitação de amigos online
que desconhecem na vida real, pesquisa de sítios de internet não fide-dignos ou
conteúdo duvidoso (onde procuram os jogos e filmes/ vídeos preferidos),
visualização de emails de proveniência desconhecida, de filmes online, adoção
de comportamentos de cyberbullying (alertando-os para como alguns
comportamentos podem ser sentidos com bullying). Deverão ser motivados a
restringir o acesso às suas informações gerindo as definições de partilha nas
redes sociais e ensinado a respeitar o próximo e a usar de forma adequada
alguma informação que possuam sobre outros. Os jovens deverão ser também
instruídos a comunicar qualquer tentativa de abuso a um adulto de referência
(pais, professores).
A formação de pais e professores deve alertá-los para sinais que apontem para
a possibilidade de um jovem ser vítima de cyberbullyingcomo a) alteração de
comportamento e labilidade emocional, b) comportamentos de hétero e auto-
agressividade, c) alteração de rendimento académico, d) isolamento social, e)
alteração do padrão de uso das tecnologias de informação. Os pais e professores
devem ser motivados a manter um acompanhamento real das atividades online dos
fi lhos/alunos (evitando o uso em isolamento, equilibrando as restrições de uso,
discutindo as descobertas dos filhos, usando programas de controlo parental).
Por outro lado devem ser ensinados a agir de forma adequada na suspeita de
cyberbullying não subestimando os casos reportados mas também não contribuindo
para castigar ainda mais o jovem impedindo-o de aceder às tecnologias de
informação para o proteger.
A denúncia do abusador junto do serviço web/rede social e no limite às
autoridades é também uma solução habitualmente guardada para os casos mais
dramáticos.
Existem atualmente diversos instrumentos disponíveis online para a formação,
prevenção e aconselhamento sobre a melhor forma de atuação em casos de
cyberbullying. Sugere-se a consulta de alguns sítios desenhados com este
propósito (http://www.seguranet.pt, http://www.cybertraining-project.org, http:
//www.internetsegura.pt, ), assim como o recurso a algumas ferramentas de
controlo parental disponíveis, programas de prevenção e boas práticas do uso na
internet providenciados pelos próprios servidores de que são exemplo a
Microsoft® Portugal e a SAPO®.
Do exposto fica claro que a expansão da oferta e facilidade de acessibilidade às
diferentes tecnologias de informação nos últimos anos tem contribuído para uma
maior exposição dos jovens ao cyberbullying.A realidade atual do impacto do
cyberbullyingainda não é conhecida em Portugal e é dificultada pela sub-
reportação e ausência de moldura penal para esta forma de agressão.
O cyberbullyingtem características específicas que o podem tornar ainda mais
lesivo que as formas convencionais de bullyinge que devem ser reconhecidas para
definir estratégias de intervenção mais adequadas.
As formas de agressão e meios utilizados são variados e exigem uma constante
atualização para melhor compreender esta realidade.
A prevenção é o principal instrumento de combate ao cyberbullying e deve
envolver os jovens, que deverão ser educados para o uso racional das
tecnologias de intervenção, e os seus pais/ professores, que deverão
monitorizar o seu uso de forma ativa.