COLITE PSEUDOMEMBRANOSA - UMA CASUÍSTICA DE INTERNAMENTOS
INTRODUÇÃO
O Clostridium difficile, principal agente etiológico da
colite pseudomembranosa (CPM), é um bacilo gram
positivo, anaeróbio e esporulado, descoberto em 1935
por Hall e O'Toole na flora intestinal de recém-nascidos
sadios e que só na década de 70 foi identificado como
responsável por esta entidade (1). Dos doentes infectados pelo C. difficile só 1 a 5% desenvolvem colite
pseudomembranosa e uma grande maioria permanece
assintomática (2).
Em relação às taxas de colonização, sabe-se que o C. difficile está presente em 15 a 70% dos recém-nascidos, 3 a
8% dos adultos saudáveis e 20% dos adultos hospitalizados (3, 4). Nestes últimos o risco de contrair a
infecção parece ser directamente proporcional à duração
da estadia hospitalar (5), pelo que a colite pseudomembranosa pode ser considerada uma patologia frequentemente nosocomial.
Os principais factores de risco para a aquisição de
infecção são a utilização prévia de antibióticos, a gravidade da doença subjacente que obriga ao recurso a
antibioterapia, idade avançada, coexistência de outras
patologias como a insuficiência renal, a insuficiência
cardíaca e a hepatopatia crónica, utilização de sonda
nasogástrica, utilização de medicação anti-ácida ou de
laxantes, cirurgia abdominal ou quimioterapia prévias,
imobilização prolongada e institucionalização (5, 6, 7 e
8).
A infecção por C. difficile é a principal causa de diarreia
associada a antibióticos representando cerca de 20% dos
casos (9). Os antibióticos provocam alteração da flora
intestinal normal permitindo a colonização pelo C. difficile que, em condições apropriadas, através da produção
das suas duas toxinas A e B, leva a ocorrência da sintomatologia. Na literatura os principais antibióticos
implicados são a ampicilina, as cefalosporinas e a clindamicina. Contudo, qualquer antibiótico pode estar
envolvido, incluindo mesmo a vancomicina e o metronidazol que são frequentemente utilizados no tratamento
desta patologia. Os sintomas podem surgir até 8 a 10
semanas após a suspensão da terapêutica antibiótica (9,
10).
Quando se suspeita desta entidade nosológica pode-se
recorrer a vários métodos de diagnóstico como o ensaio
de citotoxicidade celular in vitro, os imunoensaios enzimáticos (ELISA), os testes de aglutinação em látex e a
cultura bacteriana em anaerobiose (9). Nos doentes com
quadro clínico moderado a grave, necessitando de diagnóstico urgente e em que a pesquisa de toxinas foi negativa preconiza-se o recurso à pansigmoidoscopia. Esta
tem a vantagem de permitir o diagnóstico diferencial
com outras patologias como as doenças inflamatórias
intestinais e possibilitar a avaliação da gravidade da situação (11).
Convém referir que, para além do Clostridium difficile,
também o Clostridium perfringens, o Staphylococcus
aureus e a Candida albicans podem estar implicados na
diarreia associada a antibióticos. Por outro lado, as
pseudomembranas podem estar presentes na fase inicial
da isquémia intestinal, na infecção por outros microorganismos como a Escherichia coli produtora de verotoxinas, Shigella e citomegalovirus e na terapêutica com
fármacos como a clorpropamida, os agentes citostáticos,
o ouro e os anti-inflamatórios não esteróides (8, 9, 12).
Uma vez estabelecido o diagnóstico, a terapêutica consiste em suspender os antibióticos em curso ou, se tal
não for possível, substitui-los por outros menos implicados no desenvolvimento da CPM. São ainda necessárias
medidas de suporte e isolamento e, nas situações mais
graves ou que persistem após a suspensão dos agentes
desencadeantes, deve-se instituir terapêutica específica
com metronidazol (quer na forma oral de 250 mg cada 8
horas, quer na forma IV de 500 mg cada 6 h), vancomicina (utilizada exclusivamente na forma oral de 125
mg cada 6 h) ou bacitracina (25000 UI per os cada 6 h)
(9) embora a taxa de recorrência com esta última seja
mais elevada (13). O tratamento deve prolongar-se por 7
a 14 dias.
Trata-se de uma entidade com uma taxa de mortalidade
elevada, rondando os 20 a 30% e onde as recorrências
são comuns atingindo os 10 a 30% (14,15).
Perante estas considerações gerais e a constatação de
que a incidência de CPM está a aumentar (16, 17), o que
parece dever-se ao uso crescente de antibióticos, ao
aumento da faixa etária dos doentes hospitalizados e a
hospitalizações mais prolongadas (18), resolvemos estudar o impacto desta patologia em dois Serviços do nosso
Hospital.
O objectivo principal deste trabalho foi a caracterização
dos doentes com diagnóstico de CPM em dois Serviços
de um Hospital Central.
Compararam-se os dados obtidos para os dois Serviços
para verificar se existiam diferenças na expressão desta
patologia nos mesmos uma vez que estes assumem características distintas. Isto permitiu-nos abranger um
maior número de doentes e, naturalmente, doentes com
diferentes peculiaridades nomeadamente no que diz
respeito aos factores de risco implicados.
MATERIAL E MÉTODOS
Este trabalho foi realizado num Hospital Central, universitário, com uma ampla carteira de serviços de especialidades médicas e cirúrgicas, incluindo maternidade,
tendo um número anual de internamentos superior a
46.000 (Ex.: Ano de 2002 - 46525 internamentos não
considerando o Berçário e a Sala de Observações) (19).
O Serviço de Medicina considerado é um dos três
serviços de Medicina Interna deste Hospital, com 33
camas de internamento, não tendo este sector sub-espe-
cialização e não possuindo unidade de cuidados intensivos. O Serviço de Gastrenterologia é constituído no
internamento por uma enfermaria de homens e outra de
mulheres que no ano de 2002 tinham uma lotação total
de 54 camas, complementado por uma unidade de cuidados intensivos com 4 camas.
Os doentes para estudo foram seleccionados após
pesquisa na base de dados dos Grupos de Diagnósticos
Homogéneos (GDH), utilizando como critério o internamento no Serviço de Medicina (SM) ou no Serviço de
Gastrenterologia (SGE), com diagnóstico principal ou
secundário de CPM codificado na folha de alta (codificação CID-9-MC: 008.45). Foi considerado o período de
Janeiro de 1995 a Julho de 2003. Neste intervalo
estavam registados na base de dados 9330 episódios de
internamento no SM com uma média etária de 61,16
anos e 15344 episódios de internamento no SGE com
uma média etária de 58,42 anos.
Foram consultados os respectivos processos clínicos
para colheita dos dados e excluídos os casos em que não
havia registo de critérios de confirmação do diagnóstico.
Este último estabeleceu-se através do quadro clínico
complementado de um ou mais dos seguintes métodos:
pesquisa de citotoxina, cultura e/ou colonoscopia.
Os parâmetros considerados para estudo foram a idade,
sexo, motivo de internamento, medicação prévia com
antibióticos nos últimos três meses, tipo e número de
antibióticos utilizados, motivo de antibioterapia,
existência de outros factores predisponentes (insuficiência renal, cardíaca ou hepática, cirurgia abdominal
prévia, alimentação por sonda nasogástrica, fármacos
supressores da secreção ácida gástrica, quimioterapia,
neoplasias hematológicas, queimaduras recentes, situação de acamado previamente), quadro clínico
(número de dejecções, dor abdominal, febre, presença de
sangue, muco ou pus nas fezes) e laboratorial (albuminémia, nº de leucócitos), processo de diagnóstico,
complicações, evolução e tratamento. Comparar-se os
dados dos dois Serviços envolvidos.
Estabeleceu-se existir leucocitose quando os valores de
leucócitos eram ≥ 11 G/L e hipoalbuminémia quando os
valores de albumina eram < 3,5 g/dl.
Os cálculos estatísticos foram efectuados com base no
software Statistical Package for the Social Sciences
(SPSS, versão 11.5). Os valores das variáveis contínuas
foram expressos em média ± desvio padrão e representadas em intervalos de frequências. A comparação de
médias para variáveis contínuas foi efectuada por intermédio do Teste t de Student e a comparação de proporções recorrendo ao Teste Exacto de Fisher quando as
frequências esperadas eram inferiores a 5 ou o Teste do
χ² se superiores a 5. Considerou-se existir significância
estatística para um valor de p<0,05.
RESULTADOS
No período de tempo considerado foram identificados 85
doentes com diagnóstico principal ou secundário de
CPM. No entanto, após revisão dos processos clínicos só
80 foram considerados para estudo, sendo os restantes
excluídos por falta de dados. Quarenta e dois eram do
sexo masculino (52,5%) e trinta e oito do sexo feminino
(47,7%). A média de idades era de 68,6 ±17,7 anos (1494 anos). A distribuição por Serviços é apresentada no
Quadro 1.
Sessenta e oito doentes, ou seja, 85% dos doentes estudados, tinham informação de terem sido submetidos a
antibioterapia prévia nos últimos três meses. Destes,
41,2% receberam mais do que um antibiótico. O tempo
médio de antibioterapia foi de 10,5 ± 6,1 dias. O tempo
médio que decorreu entre o início da utilização do
antibiótico e o início da sintomatologia foi de 16,7 dias
(2-90 dias). Os antibióticos mais utilizados foram as
cefalosporinas, a associação amoxicilina/ácido clavulânico e as quinolonas. Estes três grupos de antibióticos
foram empregues como primeira linha em 70,6% dos
doentes medicados. Para todos estes parâmetros não se
encontraram diferenças significativas entre os dois subgrupos.
Relativamente às causas de prescrição dos antibióticos
as mais importantes foram as infecções respiratórias e as
infecções urinárias (44,1% dos casos). Nos Quadros 2 e
3, são apresentados os parâmetros da antibioterapia
prévia, complementados pelos motivos de prescrição no
Quadro 4.
Em 78,8% dos doentes foram identificados outros factores de risco para além da possível antibioterapia e em
58,8% estavam mesmo presentes dois ou mais. A
importância desses factores de risco que não a idade e a
antibioterapia prévia está expressa no Quadro 5 e aqueles para os quais se verificaram diferenças estatisticamente significativas (p<0,05) entre os dois subgrupos de
doentes foram o status de imobilização prolongada (previamente acamado), mais comum no Serviço de
Medicina e a utilização de fármacos supressores da
secreção ácida gástrica, mais comum no Serviço de
Gastrenterologia.
Os principais motivos de internamento no subgrupo de
doentes do SM foram as infecções respiratórias, a insuficiência renal aguda e a síndrome febril indeterminada
(51,3% do total). As alterações do foro gastro-intestinal
(diarreia, rectorragias e hematoquésias) representaram
21,3 % dos internamentos neste subgrupo mas foram
responsáveis por 60,5% dos internamentos no subgrupo
dos doentes do SGE (p<0,05). No global, 13,8% (n=11)
dos doentes foram internados já com a suspeita de CPM
e 42,5% (n=34) com sintomas compatíveis.
As características clínicas e laboratoriais (leucócitos,
albumina) são apresentadas no Quadro 6. No SGE
51,2% dos doentes tinham contagem leucocitária normal
à admissão mas o mesmo só sucedia em 16,2% dos
doentes do SM (p <0,05). Contudo, não se verificaram
diferenças estatisticamente significativas na média de
leucócitos para os 2 subgrupos ao contrário do que
sucedeu com as médias obtidas para a albumina sérica.
Aliás, a percentagem de doentes com hipoalbuminémia
severa (≤1,9 g/dl) foi mais significativa no SM.
A diarreia ocorreu em 57 (71,3%) doentes com um nº
médio de 5,6 (1 a 20) dejecções/dia. Quarenta e seis
doentes (57,5%) apresentavam sangue, muco ou pus nas
fezes, trinta e cinco (43,8%) cólicas abdominais e trinta
e seis (45%) febre. Esta última foi mais frequente no SM
do que no SGE (p <0,05).
Quando considerámos os meios complementares de
diagnóstico (Quadro 7) verificámos que a pesquisa de
toxina foi realizada em 58 doentes e resultou positiva em
36 (62,1%), a colonoscopia em 62 doentes com resultado positivo em 53 (85,5%) e a cultura em 23 sendo positiva em 16 (69,6%). Quando comparámos a colonoscopia com a pesquisa de toxina verificámos que a
primeira foi positiva em 17 doentes em que a segunda
tinha sido negativa e a concordância entre os dois métodos é de 39,5%. De referir que 4 doentes tinham apenas
cultura positiva com pesquisa de toxina negativa e
colonoscopia negativa ou não realizada. Não se encontraram diferenças estatisticamente significativas nos
resultados obtidos (positivo vs negativo) para os dois
subgrupos quando se considerou cada um dos métodos
de diagnóstico isoladamente.
Analisados os dois serviços constatámos que 93% dos
doentes do SGE foram submetidos a colonoscopia mas o
mesmo só aconteceu em 59,5% dos doentes do SM (p
<0,05). Já a cultura foi realizada em 40,5% dos doentes do
SM e só em 18,6% dos doentes do SGE (p <0,05).
Quanto às opções terapêuticas o metronidazol foi utilizado
isoladamente em 46,3% dos doentes, a vancomicina em
30% e a associação vancomicina com metronidazol em
15%. As diferenças registadas entre os dois serviços estão
expressas na Quadro 8 verificando-se que o metronidazol
foi a opção terapêutica preferida no SM (p <0,05).
As complicações mais frequentes foram a desidratação
(7,5%) e o megacólon tóxico (2,5%). A taxa de recorrências foi de 10% sendo mais elevada no SM (13,5%)
do que no SGE (7%) mas esta diferença não se revelou
significativa.
A mortalidade foi de 18,8% (n=15) com uma percentagem de 21,6% (n=8) no SM e 16,3% (n=7) no SGE
(p>0,05). A mortalidade foi superior no grupo dos
doentes acamados rondando os 31% (11,8% nos doentes
não acamados) (p<0,05).
DISCUSSÃO
O espectro de doenças associadas com a infecção pelo
Clostridium difficile varia desde a diarreia ligeira sem
manifestações sistémicas até à colite fulminante. Os
casos apresentados no nosso estudo representam uma
das manifestações extremas da infecção, ou seja, a
Colite Pseudomembranosa. Visto que o ponto de partida
para o diagnóstico foi o quadro clínico depois complementado por um ou mais meios auxiliares de diagnóstico é óbvio que as formas assintomáticas de infecção
assim como as formas ligeiras e sem rebate sistémico
apreciável acabaram geralmente por não ser diagnosticadas. Por outro lado, a selecção inicial centrada nos
diagnósticos codificados que constam no relatório de
alta e a natureza retrospectiva do estudo têm como limitação a eventual subvalorização do impacto real desta
patologia na população abrangida pelos dois Serviços.
Durante o período de tempo a que o estudo diz respeito
a prevalência foi de 10 novos casos por ano. Este valor
foi inferior ao registado noutros estudos idênticos mas
em que o número de camas envolvido é superior (20, 21)
pelo que considerando a relação número de casos/cama
acabamos por ter um valor de 1,2 casos/ 10 camas de
internamento/ ano enquanto o estudo de Moshkowitz et
al apresenta um valor que corresponde a 0,7 casos/10
camas de internamento/ano.
O nosso estudo mostra que a idade avançada é um factor
de risco para o desenvolvimento desta patologia corroborando vários outros estudos mais abrangentes (22). De
facto, a média etária dos doentes nos dois Serviços foi de
68,6 ± 17,7 anos com 75% dos doentes com mais de 65
anos de idade. Esta média etária foi mais elevada no
Serviço de Medicina do que no Serviço de
Gastrenterologia o que estará relacionado com as diferenças etárias dos doentes abrangidos por estes dois
Serviços.
No que diz respeito aos motivos de internamento, os
doentes do Serviço de Medicina foram geralmente internados por patologias diversas, nomeadamente infecções
respiratórias e síndrome febril, enquanto a maioria dos
doentes do Serviço de Gastrenterologia foi internado por
suspeita de colite pseudomembranosa ou alterações do
foro gastro-intestinal. Isto não é de estranhar pois são
serviços com características distintas que coexistem no
mesmo Hospital logo, será natural que as patologias
mais específicas sejam direccionadas para o Serviço de
Gastrenterologia.
A existência de terapêutica prévia com antibióticos foi o
principal factor de risco para o desenvolvimento de
Colite Pseudomembranosa pois 85% dos doentes foram
submetidos à mesma nos 3 meses que precederam o
desenvolvimento da colite pseudomembranosa. Para
estes doentes o tempo médio de utilização do antibiótico
foi de 10,5 ± 6,1 dias. Isto está em perfeita concordância
com outros estudos realizados sobre colite pseudomem-
branosa que apontam também os antibióticos como o
principal factor de risco (20,23).
Os antibióticos mais implicados foram as cefalosporinas, a amoxicilina/ácido clavulânico e as quinolonas. De
facto, estes foram considerados nos últimos tempos
como os grupos de antibióticos mais frequentemente
associados ao desenvolvimento de colite pseudomembranosa (20) mas, não nos podemos esquecer que na
prática clínica corrente estes antibióticos são dos mais
utilizados. Quanto à clindamicina, anteriormente considerada o principal factor etiológico da colite pseudomembranosa, surgiu como antibiótico potencialmente
desencadeante em apenas 3 doentes o que provavelmente resultou de um declínio na sua utilização e não de
um decréscimo no seu potencial para favorecer a
infecção por Clostridium difficile e desenvolvimento de
colite pseudomembranosa.
No que concerne aos outros factores de risco considerados, verificámos que 3/5 dos doentes apresentavam pelo
menos dois deles e salienta-se o facto de que 36,3% dos
doentes já estavam previamente acamados. É lícito
admitir que os doentes acamados seriam tendencialmente doentes institucionalizados ou com polipatologia
e, como tal, um grupo de risco para o desenvolvimento
de colite pseudomembranosa. No Serviço de Medicina
mais de metade dos doentes encontravam-se nesta situação e tinham polipatologia o que terá contribuído para
a gravidade da doença neste subgrupo. Também 31 %
dos doentes acamados viriam a falecer pelo que este será
um factor de mau prognóstico nos doentes que padecem
de colite pseudomembranosa.
Para além dos antibióticos há vários outros factores que
podem interferir com a flora gastro-intestinal normal e
favorecer a infecção pelo Clostridium difficile. A
nutrição entérica por sonda nasogástrica é um desses
factores (20) e terá contribuído para a colonização pelo
Clostridium difficile em 25% dos nossos doentes.
A nutrição entérica poderá favorecer o desenvolvimento
da colite pseudomembranosa devido à manipulação frequente da sonda nasogástrica pelo pessoal hospitalar
facilitando a transmissão dos esporos. Como estes são
bastante resistentes e a contaminação ocorre por via
directa são fundamentais medidas de higiene e desinfecção hospitalar no sentido de evitar a transmissão
desta infecção.
Do mesmo modo, a utilização de fármacos supressores
da secreção ácida gástrica terá favorecido a ocorrência
da colite pseudomembranosa em 28,8% dos doentes. O
papel destes fármacos é ainda contraditório pois há estudos com resultados distintos (24, 25).
A diarreia foi o sintoma mais comum seguindo-se a presença de sangue, muco ou pus nas fezes, a febre e as
dores abdominais tipo cólica. A febre estava presente na
maioria dos doentes do Serviço de Medicina. Este será
mais um dado a favor da maior gravidade da colite
pseudomembranosa neste subgrupo de doentes.
A leucocitose periférica é considerada típica da colite
pseudomembranosa e foi identificada como factor predictivo da mesma em pacientes com diarreia (26). No
nosso estudo 62,6% dos doentes apresentavam leucocitose periférica o que corresponde a uma taxa similar à
verificada em outros estudos do género (21, 26). Mais
uma vez, a leucocitose foi mais frequente no Serviço de
Medicina o que constitui um dado adicional a favor da
maior gravidade da doença neste subgrupo.
Contudo, convém relembrar que 69,7 % dos doentes do
Serviço de Medicina foram internados por patologia
infecciosa ou potencialmente infecciosa pelo que a febre
e a leucocitose poderiam estar relacionadas com a
infecção inicial e não propriamente com a Colite
Pseudomembranosa que depois se veio a desenvolver.
A hipoalbuminémia estava presente em 90% dos
doentes. Vários estudos prévios demonstraram que a
presença de hipoalbuminémia no momento do diagnóstico é um factor de mau prognóstico (15) o que aponta
para a gravidade da doença no nosso grupo de estudo.
Vinte por cento dos doentes apresentavam mesmo uma
hipoalbuminémia severa, inferior a 2 g/dl.
Quanto aos procedimentos diagnósticos a colonoscopia
foi mais utilizada no Serviço de Gastrenterologia o que
seria de esperar pela mais fácil disponibilidade da
mesma. Ela permite avaliar logo a gravidade da doença
pelo grau de atingimento da mucosa e facilita a obtenção
de amostras para estudo histológico. Deste modo, a
colonoscopia pode ser extremamente útil na orientação
de doentes hospitalizados com diarreia (11).
De salientar que no nosso estudo a pesquisa de toxina de
Clostridium difficile foi negativa em 17 doentes com
doença confirmada endoscopicamente. Salienta-se assim
a baixa sensibilidade da técnica de pesquisa de toxina
por imunoensaio enzimático que ronda os 69 a 87% (27)
pelo que a percentagem de falsos negativos pode cifrarse nos 31%. Desta forma, perante um elevado grau de
suspeição clínica é preferível complementar o estudo
com outros meios mesmo que mais demorados e iniciar
de imediato terapêutica com metronidazol sobretudo se
não for possível suspender o antibiótico em curso ou se
a diarreia não ceder à suspensão do mesmo.
Quatro dos doentes apresentavam apenas cultura positiva com pesquisa de toxina negativa. Ora, a cultura só por
si não distingue as estirpes patogénicas das não
patogénicas. Assim, nestes doentes estabeleceu-se o
diagnóstico essencialmente pelo quadro clínico sugestivo assumindo-se que o Clostridium difficile que estava
presente nas fezes seria produtor de toxinas. Nestes
casos seria extremamente importante repetir a pesquisa
de toxina em mais 1 a 2 amostras fecais o que aumentaria a acuidade diagnóstica.
A principal complicação encontrada foi a desidratação e
nenhum dos doentes foi submetido a cirurgia de
emergência.
A taxa de recorrências cifrou-se nos 10% correspondendo ao limite inferior referido na literatura (10 a 30%)
(14, 15). Não nos podemos esquecer que por vezes as
recorrências, se de baixa gravidade, podem ser dirimidas
em âmbito de ambulatório pelo que a taxa apresentada
poderá ser inferior ao valor real. Quando considerámos
o Serviço de Gastrenterologia isolado esta taxa de recorrência foi ainda mais baixa o que poderá dever-se ao
facto de se tratarem de doentes mais jovens e com menos
patologias associadas.
No global o metronidazol foi o fármaco mais utilizado
no tratamento. No entanto, no Serviço de Gastrenterologia deu-se preferência à vancomicina. Esta destrói o
Clostridium difficile mesmo em baixas concentrações e
quando administrada por via oral praticamente não é
absorvida, ao contrário do que sucede com o metronidazol, pelo que os seus efeitos secundários são praticamente nulos (28). Contudo a vancomicina é mais dispendiosa e a sua utilização por via oral favorece a colonização e infecção por estirpes de enterococos
resistentes à mesma pelo que pode ser mais vantajoso
utilizar o metronidazol. Com os dados disponíveis não
podemos afirmar se o facto de a vancomicina ter sido
mais utilizada no Serviço de Gastrenterologia terá influ-
enciado as menores taxas de mortalidade e recorrência
verificadas neste serviço.
A taxa de mortalidade foi de 18,8% correspondendo a
um valor inferior ao intervalo de 20 a 30% que vem referenciado na literatura (10, 19). Esta taxa de mortalidade foi superior no Serviço de Medicina (21,6%) o que
estará correlacionado com as razões supracitadas para
explicar as diferenças em termos de recorrências.
Em conclusão, a Colite Pseudomembranosa é uma
importante complicação da terapêutica com antibióticos,
muitas vezes nosocomial, que atinge sobretudo uma
faixa etária mais avançada, com vários factores de risco
e que acarreta uma morbilidade e mortalidade significativas. Nos dois Serviços considerados existem diferenças
quanto aos doentes que constituem a sua população alvo
no que concerne ao grupo etário, patologias concomitantes e, necessariamente, motivos de internamento.
Estas diferenças e as especificidades próprias dos
Serviços condicionam abordagens diagnosticas e terapêuticas distintas.