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EuPTCVHe0872-81782007000300001

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variedadeEu
ano2007
fonteScielo

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128 S. FERREIRA ET AL

GE Vol. 14

Artigo Original / Original Article

ABCESSO HEPÁTICO PIOGÉNICO - CASUÍSTICA DE 19 ANOS S. FERREIRA, R. BARROS, M. SANTOS, A. BATISTA, E. FREIRE, E. REIS, J. CORREIA, J. OLIVEIRA

Resumo

Summary

Introdução: Os abcessos hepáticos constituem uma entidade clínica pouco frequente que coloca desafios no diagnóstico e tratamento. Nas últimas décadas assistiu-se a mudanças na epidemiologia, avanços nos meios de diagnóstico e ao aparecimento de mais alternativas terapêuticas.

Objectivos e Métodos: Com o objectivo de analisar a experiência da nossa instituição, revimos os processos clínicos dos doentes com o diagnóstico de alta de abcesso hepático/piémia portal, correspondendo a 119 doentes.

Resultados: No quadro clínico, a febre e a dor abdominal foram os sintomas mais frequentes. Apenas 68% dos doentes apresentavam leucocitose. A ecografia abdominal foi diagnóstica em 80% dos doentes, sendo que 66% apresentavam lesões únicas e 34% múltiplas. Foi possível isolar agente microbiano em 57% dos doentes, sendo comprovada uma condição predisponente para o abcesso hepático em 60%. A terapêutica mais frequentemente seleccionada foi a drenagem percutânea com antibioterapia. A mortalidade foi de 4% e a taxa de cura de 82%.

Conclusões: Os abcessos hepáticos estão frequentemente associados a patologia gastrointestinal, devendo a procura de uma condição predisponente, ser parte integrante da abordagem. O diagnóstico precoce exige que haja um baixo limiar na suspeita clínica.

Introduction: Liver abscesses are an uncommon clinical entity, difficult to diagnose and treat. The last few decades have brought changes in the epidemiology of the disease, and improved diagnostic tools and new therapeutic options have appeared.

Objectives and Methods: In order to analyze our hospital's experience with the condition, we reviewed the clinical data of 119 patients with a discharge diagnosis of liver abscess.

Results: Fever and abdominal pain were the most common symptoms. Only 68% of the patients had leukocytosis. The abdominal ultrasound was diagnostic in 80% of the patients; 66% had solitary lesions and 34% multiple lesions. A microbial agent was isolated in 57%, and a predisposing condition was found in 60%. Percutaneous drainage combined with antibiotic therapy was the most frequent treatment used. The mortality rate was 4% and the cure rate 82%.

Conclusion: Liver abscesses are commonly associated with gastrointestinal diseases and their management should include a search for a predisposing condition. An early diagnosis requires a low level of clinical suspicion.

INTRODUÇÃO Na primeira metade do século XX, o abcesso hepático era descrito como uma condição afectando sobretudo homens jovens no contexto de infecção intraabdominal.

Em 1938 foi publicada a primeira grande série de abcessos hepáticos (1), tendo-se observado um pico de incidência na década, o tracto intestinal como ponto de partida principal, e a preconização do tratamento cirúrgico como única terapêutica. Nessa primeira série (1), observou-se uma taxa de mortalidade de 60-80% e todos os doentes não operados faleceram.

Nos últimos 60 anos, com o acesso à antibioterapia, melhoria na identificação microbiológica, desenvolvimento de novas técnicas radiológicas e avanços nas técnicas de drenagem, a taxa de mortalidade diminuiu para cerca de 30% (2). Sem tratamento a doença mantém-se uniforDepartamento de Medicina do Hospital Geral de Santo António, Porto.

GE - J Port Gastrenterol 2007, 14: 128-133

memente fatal.

Alterou-se também a epidemiologia, com o pico de incidência na década e sendo agora as vias biliares o ponto de partida principal (2).

Um esforço vigoroso para identificar uma patologia subjacente é um componente importante na avaliação destes doentes e várias estratégias de investigação foram propostas. Apesar deste esforço, em muitos casos nenhuma patologia predisponente é encontrada.

OBJECTIVOS Caracterizar e analisar a experiência do Hospital Geral de Santo António, com particular atenção à epidemiologia, diagnóstico, factores predisponentes, abordagem e resultado.

Recebido para publicação: 02/08/2006 Aceite para publicação: 10/11/2006

Maio/Julho 2007

MÉTODOS Realizou-se um estudo retrospectivo, fazendo a revisão do processo clínico dos doentes que tiveram alta do Hospital Geral de Santo António com o diagnóstico de abcesso hepático/piémia portal (código ICD9 572.0/572.1), entre Janeiro de 1986 e Dezembro de 2004. Os casos foram identificados fazendo uma busca na base de dados do hospital, através do código dos diagnósticos pretendidos.

A definição de abcesso hepático requeria que o doente tivesse um ou mais defeitos de preenchimento na ecografia ou TAC hepática, juntamente com identificação de pús ou resolução completa após terapêutica antimicrobiana. Foram excluídos os pós-operatórios recentes (cirurgia nas duas semanas anteriores ao diagnóstico), os quistos hidáticos, e os casos em que os registos estavam incompletos ou indisponíveis.

O quadro clínico, intervenções terapêuticas e dados laboratoriais na admissão, factores predisponentes e evolução foram analisados. Foram registadas as colheitas realizadas para estudo microbiológico e seus resultados.

Relativamente à patologia predisponente, considerámos quatro grandes grupos possíveis tendo em conta o mecanismo fisiopatológico mais provável. Abcesso hepático foi considerado como secundário a doença das vias biliares em doentes com litíase biliar, colecistite aguda ou outra anomalia documentada das vias biliares; secundário a infecção via veia porta quando foi documentada infecção ou patologia abdominal na área de drenagem para a veia porta; secundário a doença local quando existia doença não biliar na proximidade; secundário a disseminação hematogénica quando houve isolamento de bactérias em hemoculturas e fonte endocárdica ou endovascular documentada. Optou-se por não definir um grupo de abcessos criptogénicos uma vez que considerámos não ter sido realizada investigação suficiente na maioria dos casos.

Recorrência foi definida como desenvolvimento de novas alterações clínicas e radiológicas subsequentes à resolução clínica e/ou radiográfica inicial.

RESULTADOS De um total de 241 diagnósticos fornecidos pelo Serviço de Estatística, 119 foram incluídos no estudo. A maioria dos casos excluídos deveu-se a perda de informação necessária para verificar os critérios de inclusão.

A idade média dos doentes foi de 58 anos, sendo que 56% tinham idade superior a 60 anos e que houve um número crescente de doentes com o aumento do grupo

ABCESSO HEPÁTICO PIOGÉNICO 129

etário. Em termos de distribuição por sexo, 57% dos doentes eram do sexo masculino, 43% do sexo feminino.

Apresentação Clínica e Diagnóstico Analisando o quadro clínico, observa-se que na maioria dos doentes está presente febre (90%) e dor abdominal (68%), mas apenas 61% tinha simultaneamente febre e dor abdominal na apresentação. Dos 12 doentes que não tinham febre, 11 tinham dor abdominal. Os restantes sinais e sintomas são muito menos frequentes e ainda menos orientadores em termos de diagnóstico (Figura1).

De salientar que 13% dos doentes apresentavam queixas respiratórias (tosse seca, dor pleurítica) e que 8% tinham alterações na auscultação pulmonar. A hepatomegalia e a icterícia foram os restantes sinais mais frequentemente encontrados, presentes em 13% e 11% dos doentes, respectivamente. Em menos de 1% dos doentes o exame físico foi completamente normal.

A maioria da população analisada esteve internada em serviços cirúrgicos (84%), sendo que nestes a queixa dominante era a dor abdominal (71%).

Analisando o tempo de duração do quadro clínico, observa-se uma média de 17,9 dias (0 a 120 dias) desde o início dos sintomas até à ida ao hospital; note-se que não foi pesquisada a ida prévia a outro médico ou instituição de saúde. A demora média desde a admissão no hospital até ao diagnóstico foi de 5,4 dias.

Os exames analíticos realizados revelaram que 68% dos doentes apresentavam leucocitose, com uma média de 15789/µl. Da restante caracterização do síndrome inflamatório, observou-se que 85% dos doentes tinham neutrofilia, e todos tinham uma VS elevada (média de 101mm). Anemia estava presente em 47% dos doentes, com um valor médio de hemoglobina de 10,9g/dl.

100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

a s l se ias nto cia bre rei ito na Fe tór ore erí me iar f mi vóm t a i r a c o c D i i I p re D bd se ag res ra ea as Em Do áus x i e N Qu

Figura 1 - Sintomas na apresentação.

130 S. FERREIRA ET AL

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Em relação às enzimas de lise hepatocelular, 61% dos doentes apresentavam uma elevação da AST (média de elevação de 2,7 vezes) e 52% uma elevação da ALT (média de elevação de 2,2 vezes). As enzimas de colestase apresentaram alterações mais frequentemente: fosfatase alcalina elevada em 82% (média de elevação de 2,2 vezes) e gama-GT elevada em 96% dos casos (média de 3,3 vezes).

A ecografia abdominal foi diagnóstica em 80% dos casos, 18% dos doentes necessitaram de TAC abdominal para o diagnóstico de abcesso, seja porque a ecografia foi normal ou, mais frequentemente, porque não foi conclusiva. Dois casos tiveram diagnóstico per-operatório, correspondendo a doentes com suspeita de abdómen agudo que foram levados ao bloco operatório sem exame imagiológico prévio (década de 80).

Ainda em relação aos exames de imagem, é de salientar que 22 doentes (18%) apresentavam alterações no Rx torácico, sendo o derrame pleural direito o achado mais frequente (12 doentes). Outras alterações observadas foram elevação da hemicúpula direita (2 doentes), hipotransparência na base direita (3 doentes) ou alterações não sistematizáveis (6 doentes). De notar que em 2 doentes o diagnóstico inicial foi de pneumonia.

Relativamente ao número de lesões, 66% dos doentes apresentavam lesões únicas e 34% lesões múltiplas. O lobo direito estava envolvido isoladamente em 56% dos casos, o esquerdo em 30,5%, e em 13,5% ambos os lobos estavam afectados. Os abcessos múltiplos afectaram o lobo direito em 86,7% (Figura 2).

Comparando alguns aspectos dos abcessos únicos com os múltiplos (Quadro 1), observou-se que os múltiplos apresentavam uma leucocitose mais elevada (19820/µl vs 13694/µl), valores de transaminases mais altos (AST 100,9U/l vs 87,9U/l; ALT 101,8U/l vs 95,9U/l), e bilirrubina total também mais elevada (2,21mg/dl vs 1,4mg/dl). A TAC foi necessária mais vezes para diagnosticar abcessos múltiplos (42,5%). Apesar da duração média da sintomatologia ter sido semelhante nos dois grupos, o tempo até ao diagnóstico após o internamento foi de 4 dias nos abcessos únicos e 8 dias nos múltiplos.

100% 80% Múltiplo Único

60% 16% 40% 20% 0%

4,5%

Quadro 1 - Abcessos únicos vs múltiplos.

ALT Bilirrubina TAC para Tempo até Tempo para diagnóstico hospital diagnóstico 13694/µl 88Ul/l 96Ul/l 1,4mg/dl 36% 17 dias 8 dias

Leucócitos AST Único (66%)

Múltiplos 19820/µl 101Ul/l 102Ul/l 2,2mg/dl (34%)

42,5%

17 dias

8 dias

Microbiologia Nesta série apenas 89% dos doentes fizeram algum tipo de colheita de produtos para microbiologia, o que significa que 13 doentes não fizeram investigação de agente etiológico. O produto colhido na maioria dos casos foi o pus (93%), tendo sido realizadas hemoculturas em 73% dos doentes a quem foi feita investigação microbiológica. A rentabilidade da investigação foi de 22% no caso das hemoculturas e de 62% no caso do pus. Assim, foi isolado agente microbiano em 57% dos doentes, na grande maioria das vezes através da análise do pus. Os agentes isolados estão descriminados no Quadro 2.

O agente isolado mais frequentemente foi a E. Coli, seja no pus ou no sangue. No entanto, se considerarmos em conjunto os vários grupos de estreptococos, estes foram os agentes mais frequentes, sendo os grupos anginosus e viridans os mais representados. Os anaeróbios foram identificados em 16 análises de pus, sempre em conjunto com um agente adicional, sendo de salientar que a cultura de anaeróbios nem sempre foi efectuada. Um quarto dos abcessos era polimicrobiano, a maioria com a identificação dos vários agentes no pus.

Quadro 2 - Agentes microbiológicos isolados.

Pus

Hemoculturas

E. coli

Estreptococcus grupo milleri

Estreptococcus grupo viridans

Enterococcus spp

Klebsiella spp

Outras enterobacteriaceae

Estafilococcus spp

Pseudomonas stretzei

Corynebacterium jeikeium

Acinetobacter spp

Anaeróbios

Terapêutica

40% 26% Direito

Esquerdo

13,5% Ambos

Figura 2 - Distribuição topográfica dos abcessos.

A terapêutica mais frequentemente usada foi a drenagem percutânea associada a antibioterapia, em 74% dos doentes (Figura 3); 11 doentes foram tratados apenas

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ABCESSO HEPÁTICO PIOGÉNICO 131

com antibiótico, 6 com antibiótico e cirurgia, 5 com antibiótico e aspiração, 3 com antibiótico, drenagem e cirurgia, 3 apenas com drenagem e um outro apenas com cirurgia; 1 doente necessitou de cirurgia após aspiração e antibiótico. Num doente, dado o mau estado geral e patologia de base, foi decidido não tratar.

A média de dias de tratamento antibiótico durante o internamento no nosso hospital foi de 15,9, com um máximo de 43. Em relação à duração do tratamento antibiótico é de salientar que frequentemente os doentes foram transferidos para o Hospital da área de residência, não sendo possível avaliar a duração total do tratamento.

A média de duração da drenagem percutânea foi de Quadro 3 - Condições predisponentes.

Diagnóstico Patologia pré-existente após investigação Anastomose/fístula bilioentérica

Litíase vesicular

Litíase vesicular/VBP/intrahepática 8 Colecistite aguda

Pancreatite aguda/crónica

Cirurgia prévia vias biliares/pâncreas 5 Colangite

Colangiocarcinoma

Neoplasia pâncreas

Stent pancreático

Doença de Caroli

Diverticulose

Doença de Crohn

Neoplasia do cólon/recto

Pólipos do cólon

13,7dias, com um mínimo de 1 dia e um máximo de 40.

Factores Predisponentes e Investigação Adicional Nesta casuística, 54,6% dos doentes (65) tinham patologia previamente conhecida que predispunha a abcesso hepático, isto é, apresentavam condições descritas como estando associadas ao aparecimento de abcessos hepáticos (Quadro 3, Figura 4). Alguns doentes apresentavam mais do que uma condição predisponente. A patologia de base mais frequentemente encontrada foi a doença das vias biliares (65%), com a anastomose e fístula biliodigestiva a serem as mais frequentes dentro deste grupo.

No entanto, somando os vários tipos de litíase biliar, este torna-se o subgrupo com mais peso.

O segundo grupo de condições subjacentes mais frequente foi a doença local, sobretudo antecedentes de cirurgia abdominal superior (sendo que o pós-operatório imediato foi excluído). É de notar que patologias que foram consideradas como fazendo parte do grupo das vias biliares podiam também ser consideradas aqui.

A infecção transmitida via veia porta, classicamente a mais frequente, nesta casuística constituiu o terceiro grupo mais numeroso, com 10 casos (13%), sendo que dentro deste grupo a neoplasia colorectal foi a patologia mais comum. É de salientar no entanto, que foi neste grupo que mais diagnósticos de novo se fizeram após a investigação adicional (5 diagnósticos).

O trauma e a bacteriemia como causas de abcesso hepático foram muito menos frequentes, devendo no entanto ser considerados no contexto clínico apropriado.

Em 81 doentes (68%), foi realizada investigação no sentido de pesquisar uma condição subjacente, tendo a TAC abdominal sido o exame mais frequentemente utilizado;

Apendicite

90%

Febre tifóide

Enterectomia

Piloroplastia

Antecedentes abcesso hepático

Antecedentes de quisto hidático

80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

Metástase hepática/hepatocarcinoma 1 Hepatectomia

Tumor retroperitoneal

Gastrectomia

Úlcera duodenal perfurante

Fístula gástrica

Endocardite

Trauma

G DR

B+ AT

3 3

B p ir G ir ir AT +C +As +C DR p+C Cir B B RG s T A T A A B+ +D B AT AT

O

ATB: antibiótico; DRG: drenagem; Cir: cirurgia; Asp: aspiração O: sem terapêutica Figura 3 - Tratamento efectuado.

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assim, mesmo alguns doentes com patologia predisponente conhecida foram submetidos a estudo. Uma minoria de doentes fez Colonoscopia, Endoscopia Digestiva Alta, Colangiopancreatografia Retrógada Endoscópica, Ressonância Magnética, Biopsia Hepática e Trânsito Gastroduodenal.

Dos doentes com patologia prévia, a investigação encontrou um motivo adicional potencial para abcesso hepático em 7,7% (Figura 4). Dos doentes que não tinham patologia prévia conhecida, a investigação encontrou uma condição predisponente em 13%. Portanto, após a investigação, 60% dos doentes apresentavam uma condição subjacente predisponente.

Evolução e Resultados Na nossa série, à data de alta do Hospital, a taxa de mortalidade foi de 4%, a taxa de cura de 82% e a de recidiva de 14% (excluindo recidiva como resultado final, a taxa de cura foi de 95% e a de mortalidade de 5%).

O tempo médio para a recidiva foi de 11,8 semanas, com um mínimo de 1 semana.

Fazendo uma análise do resultado à data de alta vs terapêutica usada, pode observar-se que o uso de antibiótico com drenagem percutânea está associado a um bom resultado (apenas 1 morte); o não tratamento (1 doente) foi fatal; no grupo dos falecidos, o tratamento mais frequente foi antibiótico como terapêutica exclusiva. Uma análise adicional do grupo com recidiva, revelou que 12,5% dos abcessos eram múltiplos e que 68,7% apresentavam patologia de base, em 31% drenagem via veia porta e em 37% patologia das vias biliares.

A taxa de cura nos abcessos múltiplos foi de 87%, mas é de salientar que 60% dos falecidos tinham abcessos múltiplos.

A média de dias de internamento foi de 23, variando de 1 a 176. Este valor é subvalorizado pois um número considerável de doentes foi transferido para outra instituição de saúde.

Condições predisponentes conhecidas com investigação

Condições predisponentes previamente conhecidas

es

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Figura 4 - Condição predisponente após investigação.

Após a alta, 58% dos doentes foram seguidos em Consulta Externa, onde foram detectadas algumas das recidivas e onde foram feitos dois diagnósticos adicionais em termos de doença subjacente- recidiva de neoplasia do estômago e neoplasia do cólon (este último doente não tinha feito qualquer investigação no internamento).

DISCUSSÃO A série apresentada é das maiores publicadas a que os autores tiveram acesso.

A distribuição etária é semelhante ao observado nas séries mais recentes (2,3), tendo a maioria dos doentes idade superior a 60 anos, e bem diferente da primeira grande série publicada em 1938 por Ochner et al (1).

A longa duração da sintomatologia (17,9 dias) até à procura do médico, e o diagnóstico demorado (5,4 dias), resulta num tempo médio total até ao início de tratamento superior a 23 dias. Este facto traduz a inespecificidade do quadro, sua apresentação frequente como síndrome febril isolado, sem outro factor orientador do diagnóstico. É de salientar que apenas 61% dos doentes apresenta febre e dor abdominal, sendo assim fundamental não excluir o diagnóstico com base na ausência de dor abdominal. O elevado número de doentes com sintomas respiratórios (13%) alerta também para o facto de este ser um diagnóstico diferencial a ter em conta, sobretudo quando as alterações encontradas no exame físico ou Rx tórax são na base do hemitorax direito.

Como descrito anteriormente, a grande maioria dos doentes esteve internada em serviços cirúrgicos, isto é, todos os doentes com o diagnóstico de abcesso hepático feito na urgência ou com queixa principal de dor abdominal foram internados em cirurgia. Apenas os doentes com quadro clínico em caracterização, mais frequentemente síndrome febril, foram internados em serviços médicos, não sendo no entanto a demora média até ao diagnóstico diferente nos dois grupos.

É interessante observar que a bateria analítica habitualmente disponível na urgência é frequentemente normal, incluindo contagem normal de leucócitos (32% dos doentes) e AST, ALT normais (em 39 e 48% respectivamente). Se a este facto se adicionar a possibilidade de uma ecografia abdominal normal ou inconclusiva em 20% dos casos, pode-se concluir que é relativamente fácil a falha inicial no diagnóstico. Nesta série, o grande número de ecografias não diagnósticas (indicada na maioria dos estudos como sendo de 10%) pode dever-se ao facto de a grande maioria ser realizada na urgência, muitas vezes sem as melhores condições (doentes sem jejum; grande número de exames; suspeita clínica mal

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definida). Alterações nas enzimas de colestase são mais sensíveis mas nem sempre disponíveis ou avaliadas em ambiente de urgência. A velocidade de sedimentação, embora elevada em todos os doentes, é pouco específica e também raramente realizada na urgência. Observámos alterações no Rx tórax numa percentagem consideravelmente menor que a descrita na maioria das séries publicadas (30-50%).

Em relação à identificação de agente etiológico, é fortemente recomendável a colheita de produtos e a sua cultura nos vários meios (deve incluir anaeróbios). Esta série revela uma baixa taxa de colheita de material para microbiologia (89% dos doentes); embora este valor possa estar ligeiramente subvalorizado por não se encontrar o registo no processo clínico, a importância da colheita de material deve ser enfatizada. A identificação de um agente em 57% dos doentes corresponde a um valor inferior ao publicado em grande parte dos estudos, não porque mais doentes colhem produtos, mas também porque a rentabilidade está apontada como sendo maior.

Os agentes identificados, na sua globalidade, são os apontados geralmente como os habituais (2,3,4), confirmando a necessidade de cobertura inicial de gram negativos, streptococos e anaeróbios. O grande número de abcessos polimicrobianos coloca a questão da segurança na orientação da antibioterapia após a identificação de um agente em cultura.

A terapêutica mais frequentemente usada nesta série foi a recomendada pela maioria dos autores em grande parte das situações: antibiótico associado a drenagem percutânea. Dos 11 doentes que foram tratados apenas com antibiótico, 2 morreram (maior grupo dos falecidos), 1 recidivou e 8 curaram (72% de taxa de sucesso, ao nível dos valores mais optimistas para este tipo de terapêutica). Não foi pesquisado pelos autores o motivo desta opção terapêutica, embora possa haver várias explicações possíveis, seja por se tratar de lesões muito pequenas, inacessíveis, seja por o doente não ter condições para a realização da drenagem. Apenas em 9% dos doentes houve lugar a intervenção cirúrgica, o que ilustra bem a enorme diferença entre a abordagem actual e a descrita por Ochner et al (1).

Embora esteja bem estabelecida a importância de uma investigação etiológica/predisponente nos abcessos hepáticos, nesta série apenas 68% dos doentes foram submetidos a este tipo de estudo (a percentagem seria ainda menor se não fossem contabilizadas as TAC's realizadas com intuito diagnóstico inicial). Por este motivo, o número de doentes em que foi encontrada doença subjacente foi inferior ao da maioria das séries: 60%. Está ainda de qualquer forma por definir qual a investigação

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mínima a realizar nestes doentes e, havendo uma condição previamente conhecida, se está indicada pesquisa adicional.

A patologia das vias biliares, a contribuir para um grande número dos abcessos desta série, está dentro do esperado na actual epidemiologia, não sendo contudo habitual um número tão elevado de anastomoses bilio-digestivas.

Paralelamente, observou-se uma marcada diminuição de infecção via veia porta; de qualquer forma, como observado anteriormente, foi neste grupo de doentes que maior número de diagnósticos de novo se fez após investigação adicional, mostrando mais uma vez a importância da colonoscopia na investigação do abcesso hepático.

Por outro lado, grande parte dos doentes desta série pertence ao grupo alvo do rastreio do cancro colorectal, apresentando assim uma indicação adicional para realizar este exame.

Em relação aos abcessos criptogénicos, as séries são muito díspares, com valores que vão dos 6 aos 50%, isto em grande parte porque não está definido qual a investigação mínima aceite para se definir a ausência de causa.

Dada a baixa taxa de investigação realizada nesta casuística, este grupo não foi definido no nosso trabalho.

A taxa de mortalidade da nossa série é das mais baixas descritas. Dado o número tão baixo de mortes, não é possível fazer uma análise dos factores de risco.

Correspondência: Sofia Ferreira Serviço de Medicina 2 Hospital Geral de Santo António Porto, Portugal sophiarferreira@yahoo.com

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