LIMPEZA INTESTINAL ANTERÓGRADA COM FOSFO-SODA:
EFEITOS COLATERAIS GRAVES E SUA PREVENÇÃO
Exmo. Sr. Editor do “GE – Jornal Português de Gastrenterologia”,
A limpeza intestinal é um factor crítico na realização da
colonoscopia, determinando não só a qualidade do exame
(dependente de uma adequada visualização da superfície
da mucosa colo-rectal) mas também a maior ou menor
dificuldade e rapidez da sua execução.
Os laxantes osmóticos fosfo-sódicos são comummente
prescritos para limpeza intestinal anterógrada, dada a sua
eficácia, tolerabilidade, comodidade de administração e
baixo custo (1). No entanto, tem vindo a ser relatada a sua
associação a efeitos adversos graves, no âmbito da preparação para colonoscopia, incluindo:
1. Alterações electrolíticas (hipernatrémia, hipocaliémia, hiperfosfatémia e hipocalcémia), as quais ocorrem
mesmo, ainda que de forma transitória, em indivíduos
com função renal aparentemente normal (2). Estas alterações assumem, todavia, uma particular severidade, no caso de distúrbios hidro-electrolíticos pré-existentes (doentes sob terapêutica diurética e/ou desidratados), na insuficiência renal (taxa de filtração glomerular (TFG) inferior a 50% do normal) (3) e nos idosos (≥ 60 anos) (4),
podendo inclusivamente ser letais, pelo que os referidos
preparados não deverão ser utilizados nestas situações.
Recomenda-se, assim, a avaliação do ionograma sanguíneo (sódio, potássio, cálcio, fósforo) e da função renal
(creatinina sérica, BUN), antes da administração para
limpeza intestinal de laxantes salinos contendo fosfato.
2. Depleção do volume intravascular por mecanismos
osmóticos, o que contra-indica a utilização deste tipo de
laxantes na insuficiência cardíaca congestiva, cirrose hepática descompensada, insuficiência renal e síndrome
nefrótica (5).
3. Insuficiência renal aguda (IRA) secundária a nefropatia aguda pelo fosfato. Consiste numa reacção adversa rara mas potencialmente séria, a qual evolui frequentemente para disfunção renal permanente, podendo,
inclusivé, requerer terapêutica dialítica crónica numa percentagem significativa dos casos (6). O primeiro relato da relação entre hiperfosfatémia (relacionada com a limpeza
intestinal com um agente contendo fosfato) e IRA remonta a 1999 (7). Em publicações posteriores – envolvendo,
no total, 23 casos de IRA subsequentes à preparação para
colonoscopia com fosfo-soda oral – chegou-se à clarificação patogénica e à caracterização clínico-patológica
desta nova entidade nosológica, designando-a por nefropatia aguda pelo fosfato (6,8,9). Trata-se de uma nefrocalcinose de instalação aguda, desencadeada por uma hiperfosfatémia transitória após sobrecarga oral, com formação de cristais urinários de fosfato de cálcio, condicionando obstrução e consequente precipitação intratubular
renal (túbulos distais e colectores). As suas manifestações clínicas incluem alteração aguda da função renal
(instalada 3 dias a 2 meses após a colonoscopia) associada a proteinúria subnefrótica e sedimento urinário inactivo. A nefropatia aguda pelo fosfato tem sido considerada uma causa emergente e subdiagnosticada de doença
renal crónica (6), contando com 8 novos casos descritos só
no último ano, um pouco por todo o mundo (PubMed) (10-16).
Constituem factores de risco para o seu desenvolvimento: idade ≥ 57 anos (17); desidratação; doença renal prévia
(incluindo nefropatia diabética, nefropatia hipertensiva e
transplante renal) (15) e/ou tratamento com fármacos que
alteram a função e/ou perfusão renal (diuréticos, inibidores da enzima de conversão da angiotensina, antagonistas dos receptores da angiotensina e anti-inflamatórios
não esteroides) (6,18). Os cuidados preventivos da nefropatia aguda pelo fosfato incluem: 1) Evitar uma dose
excessiva de fosfo-soda – posologia correcta: 45 ml (60g
de fosfato de sódio), em toma única ou dividida em 3
tomas de 15 ml nas 24 horas (19); posologia aceitável
(desde que sob orientação médica e na ausência de potenciais factores de risco): 90 ml, divididos em duas doses,
administradas com intervalo mínimo de 10-12 horas, a
última das quais ingerida na manhã do exame (19); 2) Não
repetir a preparação intestinal com agente contendo fosfato no prazo de 7 dias; 3) Preparação e diluição correctas do catártico – cada dose de 45 ml deverá ser diluída
em meio copo de água (120 ml) e seguida da ingestão de,
no mínimo, um copo de água (240 ml). 4) Hidratação oral
adequada durante todo o processo de limpeza intestinal
(variando entre 0,7 e 2,2 litros) (20); 5) Monitorização analítica antes e após a realização da colonoscopia nos doentes de risco, com ponderação do internamento hospitalar
para uma hidratação mais rigorosa e controlada por via
intravenosa; 6) Evitar a preparação intestinal com sais de
fosfato de sódio em indivíduos que apresentem uma alteração analítica, ainda que ligeira, da função renal (creatinina sérica ≥ 1,5 mg/dl).
Conclusão: A limpeza intestinal anterógrada com solução oral fosfo-sódica é eficaz, cómoda, bem tolerada e
segura, na grande maioria dos indivíduos saudáveis (1,20),
sendo amplamente utilizada. No entanto, a optimização
do seu perfil de segurança passa pela familiarização dos
profissionais de saúde com as potenciais complicações
decorrentes da sua administração e a identificação dos
factores de risco. Seguindo a máxima primun non nocere,
sugere-se, como forma de evitar os raros mas graves efeitos secundários descritos, a utilização de um regime de
limpeza intestinal alternativo à solução salina fosfo-sódica nos indivíduos em risco, bem como o integral cumprimento dos cuidados preventivos da nefropatia aguda pelo
fosfato.