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EuPTCVHe0872-81782010000300003

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variedadeEu
ano2010
fonteScielo

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Uma forma rara de gastropatia Uma forma rara de gastropatia INTRODUÇÃO A doença de Ménétrier é uma gastropatia hiperplásica rara tendo sido descrita por Ménétrier em 1888 e associando-se a perda de proteínas e hipocloridria 1 . O mecanismo fisiopatológico responsável não é claro mas pensa-se estar associado ao factor transformador de crescimento (transforming growth factor alpha) ' TGF-α e ao receptor do factor de crescimento epidérmico ' EGFR (epidermal growth factor receptor)1. A etiologia é desconhecida, embora tenha sido descrita uma associação ao Helicobacter pylori(Hp) e CMV1. Afecta predominantemente os homens entre os 30 e os 50 anos de idade 2 . Clinicamente pode manifestar-se por dor epigástrica, dispepsia, náuseas e vómitos, hematemeses, anorexia, emagrecimento. Laboratorialmente pode manifestar-se por hipoalbuminemia. A endoscopia caracteriza-se por pregas gástricas gigantes no fundo e corpo gástrico, que poupa antro, associadas a hiperplasia foveolar e atrofia oxíntica. A terapêutica utilizada são os antagonistas dos receptores da histamina H2, inibidores da bomba de protões (IBP), anticolinérgi­cos e anticorpo monoclonal anti-receptor EGF1.

CASO CLÍNICO Trata-se de um doente de 48 anos, sexo masculino, eurocaucasiano, seguido na Consulta de Gastrenterologia, desde 2007, por dor epigástrica resistente à terapêutica. Referia, desde 10 anos, dor epigástrica, tipo moinha, sem irradiação, após as refeições, que durava cerca de 10 minutos, aliviava com antiácidos, agravava com a ingesta alimentar, sem sintomas acompanhantes. Foi submetido a endoscopia digestiva alta (EDA) que mostrou: úlcera duodenal, Hp negativo. Realizou terapêutica com inibi­dores da bomba de protões com melhoria progressiva.

Assintomático desde então inicia cerca de 1 ano quadro de dor epigástrica, sem irradiação, tipo desconforto, com cerca de 30 minutos, sem factores de alívio, que agravava com as refeições, associado a enfartamento, sensação de repleção gástrica, pirose e náuseas. Negava vómitos, anorexia, emagrecimento e febre.

Fig. 1. EDA inicial: pregas gástricas gigantes.

Fig. 2. Ecoendoscopia inicial: pregas gástricas exuberantes à custa da mucosa.

Sem antecedentes patológicos conhecidos, negava ta bagismo, hábitos alcoólicos, medicação habitual, alergias e intolerância alimentar.

Ao exame objectivo não apresentava alterações significativas.

Laboratorialmente destacava-se: hipoalbuminemia (2,4g/dl) e gastrinémia normal.

Radiografia de tórax e ECG normais; ecocardiograma: hipertrofia excêntrica ligeira a moderada do ventrículo esquerdo, com função sistólica normal.

A EDA revelou pregas espessadas na grande curvatura do corpo gástrico até ao antro, tendo sido realizadas múltiplas biópsias; o exame histológico revelou hiperplasia foveolar de tipo polipóide, com infiltrado inflamatório intenso e misto associado ao Hp em moderada quantidade. Foi submetido a tomografia computorizada (TC) abdomino-pélvica que mostrou: lesão proliferativa vegetante da pequena curvatura do estômago com cerca de 4,8 cm de extensão e 1,8 cm de espessura; espessa­mento das pregas, sobretudo da face anterior do corpo e do fundo, sem outras alterações. A ecoendoscopia demonstrou espessamento da parede gástrica (cerca de 6,3 mm) à custa da camada mucosa.

Fig. 3. TC abdominal inicial: espessamento da mucosa gástrica no fundo e corpo.

O doente realizou terapêutica com amoxicilina e metronidazol durante 14 dias e esomeprazol (40 mg/dia) durante 1 mês, após o qual cessou. Após terapêutica realizou controlo laboratorial não se verificando hipoalbuminemia. A EDA revelou: pregas gástricas espessadas e exuberantes, cujo exame histopatológico das biópsias foi compatível com hiperplasia foveolar e gastrite crónica não activa, Hp negativa. O teste respiratório para o Hp foi negativo. O doente mantém-se assintomático (sem dor epigástrica) 5 meses e em vigilância endoscópica anual.

Fig. 4. Histologia inicial: hiperplasia foveolar (H&E 40x).

Fig. 5. EDA após terapêutica: pregas gástricas gigantes.

DISCUSSÃO A doença de Ménétrier é uma gastropatia hiperplásica rara que foi descrita pela primeira vez em 1888 por Pierre E. Ménétrier 1,3,4 com base em observações postmortem 5 e caracteriza-se do ponto de vista laboratorial por hipoalbuminémia (por aumento da permeabilidade intercelular) e hipocloridria (devido à atrofia de células parietais) 1,3,6,7 ; endoscópico com espessamento de pregas gástricas no fundo e corpo sem atingimento do antro; histológico por hiperplasia de células mucosas superficiais, atrofia de células parietais e principais1,3,6,7.

A etiologia é desconhecida, embora tenha sido descrita predisposição genética devido a se verificar que a do­ença de Ménétrier ocorria em gémeos monozigóticos4,6. A alergia (eosinofilia)5,7, Hp e citomegalovírus 1,3,5,7,8 têm sido descritas como eventuais etiologias.

A infecção por Hp leva a hipertrofia glandular e foveolar (hiperproliferação), na infecção severa 9 . Os mecanismos fisiopatológicos responsáveis não são claros mas pensa-se existir associação ao EGF5,10 e ao TGF-α1,3, este último existe maioritariamente nas células parietais e superfície luminal das células mucosas, no fundo e corpo gástricos. A sua produção leva a diminuição da produção de ácido, hiperplasia das células da mucosa, aumento da produção de mucina e existe imunorreactividade para o TGF-α nas células foveolares luminais e parietais (com atrofia associada), mas não nas células foveolares do centro e fundo das criptas nem nas células principais 4,11 . Contudo este factor liga-se ao receptor do EGF (EGFR) pelo que o aumento da produção de qualquer um dos ligandos do EGFR pode estar na génese da doença de Ménétrier 4,10 . O mecanismo responsável tem o receptor da tirosina quinase como alvo. A ligação ao EGFR leva a alteração da conformação do receptor da tirosina quinase (proteína transmembranar) que leva a autofosforilação do receptor e fosforilação de proteínas sinalizadoras intracelulares4. Existe um aumento da produção de TGF-α, com consequente activação dos mecanismos descritos anteriormente4.

O CMV foi apontado como hipótese etiológica devido ao facto de interagir (através da glicoproteína B do envelope) com o EGFR activando-o e existir um aumento do TGF-α na mucosa gástrica de crianças infectadas por este vírus4.

Esta patologia é considerada uma situação pré-maligna, pelo que deve ser mantida em vigilância endoscópica anual3.

A terapêutica utilizada são os inibidores da bomba de protões (IBP)1,3. Os anticorpos monoclonais anti-receptor EGF (cetuximab)10 realizam-se de forma experimental num doente tendo sido demonstrada melhoria clínica, bioquímica e histológica. Existe em estudo, um inibidor selectivo da enzima de conversão do TGF'α na superfície da célula e inibidores da tirosina quinase do EGFR10.

Num doente de 48 anos, sexo masculino, eurocaucasiano, com dor epigástrica resistente à terapêutica, com hipoalbuminémia, pregas gástricas espessadas no fundo e corpo gástricos podem ser colocadas várias hipóteses.

A neoplasia gástrica (adenocarcinoma e linfoma gástrico) é uma hipótese a considerar mas foi excluída pela clínica, laboratório e histologia. A gastrite eosinofílica também pode ter um quadro semelhante, no entanto pode ocorrer eosinofília periférica5,7 e o espessamento gástrico atinge o antro 1,12 diferente do caso apresentado. A gastropatia linfocitica envolve sobretudo o corpo e antro9,12 e histologicamente surgem linfócitos intraepiteliais na superfície e epitélio foveolar da mucosa gástrica9. O síndrome de Zollinger- Ellison apresenta-se, na maioria das vezes como uma doença ulcerosa péptica intratável, doença de refluxo gastro-esofágico e diarreia com gastrine­mia elevada, também podendo apresentar-se como uma gastropatia hiperplasica, no entanto a histologia caracteriza-se por hiperplasia de células parietais1,2 o que não acontece neste caso.

A infecção por Hp pode apresentar-se da forma descrita, com pregas gástricas gigantes que envolvem sobretudo o antro3,5,7,8. Na infecção severa, a histologia caracteriza-se por hipertrofia foveolar e glandular, com Hp positivo9 . Neste caso poderia ser uma hipótese a considerar, no entanto o doente realizou terapêutica de erradicação do Hp, que foi eficaz, mas manteve o espessamento gástrico com pregas gigantes e a histologia mostrou hipertrofia foveolar e atrofia glandular ' e não hipertrofia glandular como na infecção por Hp. Assim resta a doença de Ménétrier como a hipótese mais provável, dada a clínica e as alterações endoscópicas e histológicas.


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