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EuPTCVHe0872-81782010000400001

EuPTCVHe0872-81782010000400001

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-8178
ano2010
Issue0004
Article number00001

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Papel da ecoendoscopia na abordagem dos tumores mesenquimatosos do tubo digestivo alto Papel da ecoendoscopia na abordagem dos tumores mesenquimatosos do tubo digestivo alto Role of endoscopic ultrasound in the management of mesenchymal tumors of the upper digestive tract

José Manuel Pontes

Os tumores subepiteliais do tubo digestivo alto (TSE) constituem um achado endoscópico relativamente comum, sendo na maioria dos casos diagnosticados incidentalmente. O seu diagnóstico diferencial levanta frequentemente dificuldades, sendo a endoscopia por regra incapaz de caracterizar a sua natureza. Os tumores mesenquimatosos do tubo digestivo superior (TMS) representam a maioria dos TSE, constituindo um espectro de lesões com potencial de malignidade muito variado. Este grupo de neoplasias inclui leiomiomas, leiomiossarcomas, tumores neurais e tumores do estroma gastrointestinal (GIST).

A maioria dos TSE com origem na muscularis propria do estômago ou do duodeno são GIST, um grupo de neoplasias mesenquimatosas com características histológicas e imunohistoquímicas peculiares, designadamente imunorreactividade para o antigénio CD 117 (c-kit). O diagnóstico de GIST tem importantes implicações prognósticas e terapêuticas, que estes tumores estão associados a um potencial de malignidade imprevisível.

A ecoendoscopia (EUS) tem sido utilizada como método de eleição para a caracterização destas lesões, permitindo avaliar com precisão o seu tamanho, camada de origem parietal e diversas características morfológicas. Contudo, a considerável sobreposição dos aspectos imagiológicos torna a EUS insuficiente para estabelecer por si o diagnóstico definitivo de TMS e para prever o seu potencial de malignidade 1-3 A punção guiada por EUS permite a caracterização dos TMS com uma acuidade diagnóstica muito variável nas séries reportadas, de 19 a 100% 4-10 . A colheita de material pode ser realizada com agulha fina (PAF) ou com agulha de biópsia trucut(BAT), que possibilita o estudo histológico e imunohistoquímico. As actuais agulhas de biópsia trucutnão parecem contudo proporcionar vantagens significativas comparativamente à PAF4, 6 , 8 . Num estudo prospectivo recente6, a eficácia no diagnóstico de GIST gástrico foi idêntica para as duas agulhas (70% para PAF, 60% para BAT), permitindo a caracterização imunohistoquímica (52% para PAF, 55% para BAT).

Embora a punção possa ser útil no diagnóstico de GIST, o seu papel na prática clínica é actualmente limitado pela frequente insuficiência do material colhido (40 80% casos). A consistência fibrótica dos TMS torna frequentemente difícil a penetração da agulha no tumor e a colheita de material adequado. A distinção entre GIST benigno e maligno na amostra colhida é quase sempre difícil, e nas lesões com menos de 2 cm torna-se geralmente impossível conseguir um fragmento adequado para estudo histológico e imunohistoquímico. Além disso, o índice mitótico (IM) determinado na amostra de biópsia trucut não se correlaciona com o IM avaliado na peça de ressecção cirúrgica4. O fragmento obtido é demasiado pequeno para determinação fiável do IM, impossibilitando a previsão do potencial de malignidade dos GIST.

A punção-biópsia de TMS deverá ser reservada a casos seleccionados, como doentes de elevado risco cirúrgico ou tumores de difícil abordagem (como no cárdia), e doentes com tumores irressecáveis ou com metástases em que é necessário o diagnóstico histológico para início de quimioterapia com inibidores dos receptores da tirosina-cinase. A punção está também indicada quando o aspecto endoscópico ou ecoendoscópico é atípico, ou quando o contexto clínico levanta outras suspeitas diagnósticas como metástases, linfoma, carcinoma ou invasão por tumores extrínsecos.

O principal benefício da punção não reside pois na previsão do risco de malignidade, mas no diagnóstico de GIST e na possibilidade de identificar outras lesões não-GIST, mais raras mas que requerem diferentes abordagens. No futuro o papel da punção na abordagem dos TMS dependerá do aperfeiçoamento das agulhas e do desenvolvimento de novas técnicas de colheita tecidular. A identificação de novos marcadores moleculares pesquisados nas amostras colhidas na punção poderá ajudar a prever o potencial de malignidade dos GIST, permitindo adaptar terapêuticas adjuvantes ou neo-adjuvantes.

A história natural dos TMS é mal conhecida, o que tem dificultado o estabelecimento de normas orientadoras da estratégia de abordagem e vigilância destas lesões. Na maioria dos casos estas lesões são assintomáticas e têm um comportamento benigno, mas a evolução é imprevisível. Estima-se que 10-30% dos casos de GIST sejam malignos no momento do diagnóstico, desconhecendo-se os factores de risco que determinam a degeneração maligna destas lesões 11-12 . Algumas características endossonográficas têm sido associadas a um risco aumentado de malignidade nos GIST, embora não seja consensual o seu valor prognóstico: tamanho > 4 cm, contorno externo irregular, ecotextura heterogénea, focos ecogénicos, cavitações quísticas, adenopatias regionais2,3, 9 .

Neste número do GE é publicado um trabalho retrospectivo por H. Santos etal.

onde a EUS foi utilizada para monitorizar a evolução dos TMS, procurando-se identificar características ecoendoscópicas associadas à progressão das lesões 13 . O estudo incluiu 82 doentes com TMS submetidos a vigilância regular por EUS por um período médio de 34 meses. A maioria das lesões (85,4%) não apresentou alteração das características iniciais durante o seguimento, resultado provavelmente condicionado pelo predomínio de lesões de localização esofágica nesta série (56% dos casos), quase sempre leiomiomas. Estratificados os resultados por localização anatómica, 30% dos tumores gástricos apresentaram alteração das características iniciais, o que traduzirá o maior potencial de malignidade dos TMS gástricos (GIST na maioria dos casos).

No mesmo trabalho, as características EUS associadas à alteração dos achados iniciais no follow-upforam a localização no antro, a dimensão > 20 mm e sobretudo a heterogeneidade ecotextural. As alterações ocorreram mais frequentemente nos primeiros 12 meses de seguimento, sugerindo os autores uma vigilância inicial mais estreita para estas lesões. A alteração das características EUS iniciais ocorreu em 14,6% dos casos, um resultado sobreponível aos dados publicados noutras séries12, 14 , 15 . Nos casos operados, nenhuma lesão apresentava critérios histopatológicos de alto risco de malignidade. Deste modo, o aumento de dimensão não deverá ser considerado um indicador de malignidade.

Embora não seja especificado o aumento de dimensões observado, é reportado nesse trabalho um incremento dimensional em lesões infra-centimétricas. Importa referir que a EUS é uma técnica consideravelmente operador-dependente, pelo que a interpretação dos resultados está condicionada à subjectividade do ecoendoscopista. A medição de lesões de diminutas dimensões está sujeita a um grau de erro ainda maior, sendo questionável o benefício do seu seguimento ecoendoscópico. A fraca concordância inter-observador na avaliação das características endossonográficas dos TMS constitui uma limitação reconhecida da EUS1.

Na falta de estudos prospectivos, continua a ser controversa a abordagem mais indicada nos pequenos TMS e com características EUS consideradas benignas.

Nas lesões pequenas (menos de 2 cm) e sem características EUS suspeitas, a opção de vigilância EUS é uma estratégia válida e segura, sendo o risco de malignização bastante reduzido. Contudo deve ter-se em conta que a adesão dos doentes à vigilância seriada por EUS é baixa, com abandono do follow-upaos 12 meses por 50% dos doentes3. A periodicidade óptima da vigilância EUS permanece por definir, devendo ser considerada caso a caso. Tem sido proposta uma vigilância anual, mas alguns contextos clínicos poderão justificar controlos mais frequentes.

Na verdade a decisão entre vigilância periódica por EUS ou ressecção cirúrgica torna-se frequentemente um difícil dilema, não existindo actualmente nenhum método capaz de prever pré-operatoriamente quais os GIST que irão progredir para a malignização. Nos TMS gástricos com mais de 2 cm, a probabilidade de se tratar de GIST é 70 75%6,7,11. A exérese sistemática destes tumores, independentemente do seu tamanho, tem sido defendida por alguns autores, considerando a incerteza do potencial de malignidade associado e a possibilidade de metastização descrita mesmo para pequenos tumores9,11.

Enquanto não for clarificado o papel da imunohistoquímica e da análise molecular/genética nas amostras obtidas por punção na determinação do potencial maligno dos GIST, a decisão continuará a depender das características morfológicas avaliadas pela EUS.

No futuro serão necessários estudos que avaliem o impacto dos programas de vigilância destes doentes, para se definir o papel da EUS na abordagem dos TMS.


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