Profilaxia Antibiótica em Endoscopia Digestiva
Profilaxia Antibiótica em Endoscopia Digestiva
Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva
Nos últimos anos assistimos ao emergir de muitas inovações técnicas na área da
endoscopia digestiva colocandose sempre a questão da segurança e do potencial
desenvolvimento de complicações infecciosas iatrogénicas. A American Heart
Associationpublicou há cerca de dois anos novas guidelinespara a prevenção da
endocardite infecciosa que diferem grandemente das anteriores. Publicaram-se
também os resultados de vários ensaios clínicos randomizados e controlados e
resultados de meta-análises sobre complicações infecciosas em endoscopia
digestiva. Tais factos conduziram a profundas alterações nas guidelines
posteriormente publicadas pela American Society of Gastrointestinal Endoscopye
pelas várias Sociedades Europeias, nomeadamente a Britânica.
As recomendações portuguesas que agora se emitem reflectem esta mudança.
INTRODUÇÃO
A abordagem da eficácia da profilaxia antibiótica em endoscopia digestiva deve
ter em conta vários parâmetros nomeadamente: a frequência da complicação
infecciosa associada a determinado procedimento endoscópico, o custo
(relacionado com o elevado número de exames endoscópicos realizados), o risco
de selecção de estirpes de microorganismos resistentes, o risco de reacções
adversas, por ex. alérgicas, decorrentes da terapêutica e o grau de eficácia do
tratamento antibiótico.
1. PROFILAXIA DA ENDOCARDITE INFECCIOSA (EI)
A bacteriemia pode ocorrer após exames endoscópicos com uma frequência variável
e poderá ser aferida como marcador de risco de EI. No entanto, a ocorrência de
EI após endoscopia digestiva é extremamente rara.
Bacteriemia Associada a Exames Endoscópicos
As taxas mais elevadas de bacteriemia são reportadas após esclerose de varizes
esofágicas (0% - 52%) e dilatação esofágica (12% - 22%); a bacteriemia parece
ser mais frequente após dilatação de estenoses malignas e aumenta com o nº de
dilatadores utilizados na mesma sessão. A laqueação elástica de varizes
associa-se a baixas taxas de bacteriemia (0% - 25%, média ' 8,8%). A CPRE em
doentes sem obstrução biliar associa-se a taxas baixas de bacteriemia (6,4%)
que aumentam para 18% nos casos de obstrução da árvore biliar por cálculo ou
tumor. A endoscopia digestiva alta (EDA) tem taxas de 0% a 8% de bacteriemia, a
colonoscopia entre 0% a 25% e a sigmoidoscopia flexível entre 0% - 1%. A
ultrassonografia endoscópica, com punção aspirativa de lesões sólidas ou
quísticas do tracto digestivo alto tem taxas de bacteriemia semelhantes às da
EDA (4 - 5,8%).
Bacteriemia Associada a Actividades da Rotina Diária
A bacteriemia transitória ocorre frequentemente, e em taxas muitas vezes
superiores às verificadas nos exames endoscópicos, em actividades como
escovagem dos dentes e uso de fio dental (20% - 68%), bem como mastigação de
alimentos (7% - 51%). Assim, a frequência de bacteriemia associada à endoscopia
digestiva é muito inferior quando comparada com a frequência da bacteriemia no
decurso das actividades de higiene diárias. Este facto, associado à ocorrência
extremamente rara de EI após endoscopia digestiva, à não demonstração
inequívoca de uma relação de causalidade entre o procedimento endoscópico e EI
e à não existência de dados que suportem que a profilaxia antibiótica antes de
um exame endoscópico previna realmente a ocorrência de EI, são as bases de
evidência para a não recomendação, por rotina, da profilaxia antibiótica da EI
em doentes cardíacos. A possibilidade de uma EI deve, no entanto, ser sempre
considerada nos doentes com factores de risco cardíacos conhecidos, que
apresentem sinais ou sintomas de infecção após procedimentos endoscópicos.
RECOMENDAÇÃO
Profilaxia da endocardite bacteriana em qualquer condição cardíaca ' não
indicada.
A American Heart Associationdefine, no entanto, um grupo com risco mais elevado
de EI, que inclui doentes com:
- Próteses valvulares cardíacas;
- História anterior de EI;
- Transplantados cardíacos com posterior valvulopatia;
- Cardiopatia congénita (cardiopatia cianótica complexa não operada, ou operada
com shuntpaliativo, ou cardiopatia
congénita operada há menos de 6 meses com introdução dematerial protésico por
via cirúrgica ou vascular).
Neste grupo de doentes, se demonstrada infecção do tracto gastro-intestinal,
designadamente quando exista suspeita de que o agente envolvido possa ser o
enterococo, como é o caso da colangite, e particularmente se os doentes vão ser
submetidos a procedimento endoscópico que aumenta o risco de bacteriemia (ex:
CPRE), poder-se-á incluir a amoxacilina/ampicilina no regime antibiótico tendo
em vista a cobertura do enterococos. Em caso de alergia à penicilina,
substituir por vancomicina.
2. PROFILAXIA ANTIBIÓTICA FORA DO CONTEXTO DA ENDOCARDITE INFECCIOSA
2.1. CPRE
O risco de colangite e sepsis na CPRE varia entre 0,5% e 3%. No entanto a
profilaxia antibiótica por rotina não demonstrou claro benefício na prevenção
da colangite/sepsis. A profilaxia antibiótica parece apresentar benefício nos
casos de drenagem biliar incompleta por CPRE ou quando é previsível que não se
obtenha drenagem biliar completa após CPRE (estenose hilar, colangite
esclerosante primária, doença de Caroli) particularmente se a mesma for
continuada durante vários dias (cerca de 5 dias). O mesmo princípio parece
aplicar-se nos casos de pseudoquisto pancreático com comunicação com ducto
pancreático durante CPRE e na drenagem por via transmural ou transpapilar de
colecções pancreáticas (pseudoquisto ou necrose) para prevenção da infecção. No
entanto não existem ensaios randomizados que permitam esclarecer qual o risco
de infecção e o valor da profilaxia antibiótica nestes casos.
Um caso particular parece ser o do grupo de doentes submetidos frequentemente a
CPRE. Nestes casos, a intervenção repetida nas vias biliares associa-se a um
risco aumentado de bacteriema e colangite podendo a profilaxia antibiótica
estar indicada. Se um doente foi alvo de exposição prolongada a determinado
antibiótico no decurso de anteriores procedimentos, é de considerar um
antibiótico alternativo pois poderá ter adquirido flora bacteriana resistente.
RECOMENDAÇÃO
Sem obstrução biliar / Obstrução biliar sem colangite ' CPRE com drenagem
completa' profilaxiaantibiótica não recomendada
Obstrução biliar sem colangite' CPRE com drenagem incompleta (colangite
esclerosante primária, estenose hilar, Doença de Caroli) ' profilaxia
antibiótica recomendada e continuada após procedimento
CPRE em doentes transplantados hepáticos com estenose biliares mesmo com
drenagem completa' profilaxiaantibiótica recomendada em todos os casos
Colecção pancreática estéril (pseudoquisto, quisto) com comunicação com ducto
pancreático submetida a CPRE- profilaxia antibiótica recomendada
Colecção pancreática estéril (pseudoquisto) submetida a drenagem transpapilar
ou transmural' profilaxiaantibiótica recomendada
CPRE em doentes com colangite/sepsis já diagnosticada- nestes casos a
antibioterapia já terá sido iniciada e otipo de antibiótico deve ser guiado
pelos resultados das culturasmicrobiológicas
2.2. ULTRASSONOGRAFIA ENDOSCÓPICA (USE) COM PUNÇÃO ASPIRATIVA
A infecção ou sépsis nestes casos é pouco frequente. O risco parece ser raro
nos casos de punções de lesões sólidas do tracto digestivo alto. A análise do
subgrupo com lesões quísticas parece indicar um risco de infecção superior mas
não existem estudos randomizados. A maioria dos peritos preconiza profilaxia
antibiótica neste grupo antes da endoscopia e durante 3 a 5 dias depois. Não
existem dados actualmente que permitam elaborar recomendações para profilaxia
antibiótica nas lesões sólidas do espaço peri-rectal, tendo um estudo
prospectivo recente revelou baixa taxa de bacteriemia e ausência de
complicações infecciosas.
RECOMENDAÇÃO
Lesões sólidas do tracto digestivo superior submetidas a USE com punção
aspirativa' profilaxia antibióticanão recomendada
Lesões sólidas do tracto digestivo inferior submetidas a USE com punção
aspirativa- profilaxia antibióticadecidida caso a caso
Lesão quística do tracto digestivo (inclui-se também mediastino) submetidas a
USE com punção aspirativa' profilaxia antibiótica recomendada
2.3. PEG / PEG ' J
Os doentes submetidos a colocação de gastrostomia (ou gastrojejunostomia)
endoscópica percutânea são mais vulneráveis á infecção face á desnutrição,
imunosupressão e comorbilidades múltiplas. Uma revisão sistemática dos estudos
randomizados controlados do Cochrane Databasedemonstrou uma redução
estatisticamente significativa do risco de infecção peristomal com profilaxia
antibiótica.
RECOMENDAÇÃO
Profilaxia antibiótica recomendada em todos os doentes
2.4. NOTES
A utilização da via transluminal para acesso à cavidade peritoneal aumenta o
risco de infecção. A informação actual não é suficiente para elaborar
recomendações. Tem sido referida a importância nestas situações do uso de
endoscópios e overtubesesterilizados, da descontaminação selectiva do tubo
digestivo para minimizar o risco de infecção intraperitoneal. A profilaxia
antibiótica poderá estar indicada.
2.5. CIRROSE HEPÁTICA COM HEMORRAGIA DIGESTIVA
Está bem demonstrado o benefício da profilaxia antibiótica na diminuição da
incidência de infecções e na redução da mortalidade nos doentes cirróticos
internados após episódio de hemorragia digestiva independentemente da presença
de ascite.
2.6. DOENTES IMUNOCOMPROMETIDOS
Os doentes com neutropenia grave febril deverão já estar sob antibioterapia
profilática de acordo com os protocolos locais. Aos doentes apiréticos com
neutropenia grave ou neoplasia hematológica avançada, que forem submetidos a
procedimentos endoscópicos de elevado risco de bacteriemia como escleroterapia
de varizes, dilatação/prótese esofágica, laserterapia esofágica ou CPRE com
obstrução biliar, deverá ser oferecida antibioterapia profilática.
2.7. SEM INDICAÇÃO PARA PROFILAXIA ANTIBIÓTICA
Profilaxia antibiótica sistemática não recomendada:
endoscopia alta ou baixa, com ou sem biópsia ou polipectomia;
enteroscopia;
ecoendoscopia diagnóstica;
dilatação esofágica, com ou sem colocação de prótese;
laserterapia;
árgon-plasma;
mucosectomia endoscópica;
laqueação elástica de varizes esofágicas.
Profilaxia antibiótica não recomendada nos doentes com:
enxertos vasculares,
pacemakers,
cardiodesfibrilhadores,
stentscoronários,
stentsvasculares periféricos,
próteses ortopédicas.
3. ESQUEMAS TERAPÊUTICOS PROPOSTOS
Profilaxia da Endocardite Infecciosa
Não recomendada
Profilaxia Antibiótica na CPRE sem drenagem biliarcompleta
Ciprofloxacina 750 mg per os60 - 90 minutos antes do exame (não recomendado
para crianças) e durante 3 a 5 dias depois. A alternativa à quinolona, o uso de
gentamicina 1,5 mg/Kg ev. (injecção de 2 - 3 min).
CPRE em quisto ou pseudoquisto comunicante com ducto pancreático
Usar o mesmo esquema.
CPRE em transplantado hepático com complicações biliares
Adicionar ainda ampicilina 1 g ev. em toma única ou vancomicina 20 mg/Kg ev. em
perfusão de 1 h, antes do exame.
Profilaxia Antibiótica na USE com punção aspirativa
Amoxacilina/ác. clavulâmico 1,2 g ev. ou ciprofloxacina 750 mg per os antes do
procedimento e durante 3 - 5 dias.
Profilaxia Antibiótica na PEG / PEG - J
1,2 >g amoxacilina - com ácido clavulânico ou cefuroxime 750 mg ev. 30 minutos
antes do procedimento ou cefazolina 1 g ev. 30 minutos antes do exame. Em caso
de alergia à penicilina, utilizar teicoplanina 400 mg/ev. >para adultos ou
vancomicina.
Profilaxia Antibiótica na Cirrose Hepática com Hemorragia Digestiva
Recomenda-se a utilização de ceftriaxone ev.
Profilaxia Antibiótica na Cirrose Hepática com Hemorragia Digestiva
Recomenda-se a utilização de ceftriaxone ev.