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EuPTCVHe0873-21592009000500003

EuPTCVHe0873-21592009000500003

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0873-2159
ano2009
Issue0005
Article number00003

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Tuberculose doença: Casuística de um serviço de pediatria no século XXI Introdução Estima-se, actualmente, que um terço da população mundial esteja infectado por Mycobacterium tuberculosise que, a cada ano que passa, cerca de 9 milhões de pessoas desenvolvam tuberculose (TB). Destas pessoas, cerca de um milhão (11%) tem idade inferior a 15 anos. A incidência da doença a nível mundial, na infância, é variável, compreendendo percentagens desde os 3% a mais de 25% 1 . Em Portugal, na última década do século xx, verificou-se uma diminuição progressiva da incidência de TB no grupo etário inferior a 15 anos 2 . Em 2001 registaram-se taxas de incidência de TB na ordem dos 8,3/100 000 na faixa etária 0-4 anos e de 5,6 /100 000 na faixa etária dos 5 -14 anos 3 .

A TB atinge as crianças através do contágio a partir de doentes bacilíferos, considerando-se, deste modo, um excelente indicador sentinela para aferir o nível de TB na comunidade e a eficácia de medidas de controlo epidemiológico adoptadas.

De facto, a infecção na infância é sempre indicativa de uma transmissão recente do M. tuberculosis, traduzindo uma falência do sistema de saúde pública para conter a doença 3,4 .

A tuberculose na idade pediátrica apresenta características próprias, nomeadamente por ser paucibacilar e pela elevada variabilidade clínica. Tal condiciona aspectos particulares no diagnóstico, bem como na profilaxia e tratamento, que devem ser correctamente entendidos por todos os que tem responsabilidade no tratamento, não de crianças, como também dos adultos 5,6 .

Objectivo O objectivo deste estudo foi analisar retrospectivamente os casos de TB doença internados no serviço de pediatria do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, nos primeiros 7 anos do século xxi.

Material e métodos Realizou-se um estudo longitudinal retrospectivo, descritivo, com base na revisão dos processos clínicos de crianças internadas por TB doença entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2007.

Foram analisados os seguintes parâmetros: grupo etário, sexo, proveniência, distribuição anual dos doentes, estado vacinal, prova tuberculínica, fonte de contágio conhecida, clínica de apresentação, formas anatomoclínicas, meios complementares de diagnóstico utilizados e isolamento do Mycobacterium tuberculosisnos diversos fluidos orgânicos, tratamento e evolução clínica.

Considerou-se tuberculose doença as formas de tuberculose com tradução clínica, laboratorial e/ou radiológica. Subdividiu-se a tuberculose doença na forma confirmada e provável, de acordo com a existência de isolamento cultural do agente 1 .

Resultados No período do estudo foram registados 23 casos de tuberculose doença, com uma faixa etária compreendida entre os 6 meses e os 16 anos (média: 7,76 +/' 5,19 anos). O sexo masculino foi o mais frequentemente atingido (70%, n=16). A maioria destas crianças provinha de famílias nível V (Sensuses and Surveys) e, em mais de um terço dos casos (34%, n=8), pelo menos um dos membros do agregado familiar encontra'se desempregado 7 .

Do total de doentes, 13 (58%) foram admitidos através do serviço de urgência.

Vinte e uma criança (92%) residiam no concelho de Vila Nova de Gaia, sendo todas de naturalidade portuguesa.

Tal como previsto no Plano Nacional de Vacinação (PNV) em vigor, todas as crianças tinham sido previamente vacinadas com BCG. Existia história de contacto com TB em 57%, correspondendo na sua maioria a familiares em primeiro grau (46%, n=5).

De entre este grupo de crianças, apenas duas tinham efectuado tratamento de tuberculose latente.

O ano de 2007 foi aquele em que ocorreu um maior número de internamentos por TB doença (39% dos internamentos, n=9), associando-se a um maior número de crianças referenciadas pelo Centro de Diagnóstico Pneumológico (CDP) de Vila Nova de Gaia (o único a nível nacional que tem um pediatra na sua constituição) (Fig. 1).

A sintomatologia predominante foi a febre, associada ou não a sintomatologia respiratória, nomeadamente a tosse (61%), mas também a dificuldade respiratória. Hipersudorese, astenia e hemoptises foram pouco frequentes e constataram-se apenas em crianças com idade superior aos 11 anos. Em 26% das crianças, o exame físico à admissão foi normal.

A radiografia pulmonar foi efectuada em 96% dos casos, sendo as alterações mais frequentes a presença de adenopatias/infiltrado peri-hilar e a presença de condensação. A radiografia foi considerada normal em apenas um dos casos.A prova de Mantoux foi efectuada em todos os casos, com positividade de 91% (n=21), sendo igual ou superior a 15mm em 61% dos casos (n=14). Apenas dois casos apresentaram anergia com a prova de Mantoux, correspondendo um a uma forma grave de doença (TB miliar) e o outro referente a uma criança de 4 anos com TB doença recente e isolamento de M. tuberculosisconfirmado no suco gástrico e lavado broncoalveolar (LBA).

Foram efectuados diferentes exames complementares de diagnóstico, de acordo com a suspeição clínica. A pesquisa de Mycobacterium tuberculosisno suco gástrico foi a técnica mais vezes utilizada (Fig. 2).

O isolamento cultural de M. tuberculosisfoi possível em 61% dos casos (n=14), permitindo a confirmação de tuberculose doença.

Pelo contrário, nas restantes nove crianças em que não foi obtido isolamento do agente, considerou-se o diagnóstico de tuberculose doença como provável (39%).

A colheita de suco gástrico permitiu o isolamento em apenas 1/3 dos casos (33%) e a broncoscopia contribuiu para o isolamento do M. tuberculosisem 43% dos casos com suco gástrico negativo (Quadro I, Fig. 3). A realização de TC torácico permitiu o diagnóstico de TB pulmonar complicada em 93% dos casos, tratando-se de casos de TB pulmonar cavitária, endobrônquica e com derrame pleural.

Relativamente ao diagnóstico clínico-radiológico, a doença pulmonar foi encontrada com maior frequência (78%, n=18), nomeadamente sob a forma mediastinopulmonar simples. As formas extrapulmonares ocorreram em 22% (n=5) dos casos, constatando-se uma distribuição estável ao longo dos anos de internamento (Quadro II).

Em nenhum dos casos em que o isolamento cultural foi possível, bem como a posterior realização do teste de sensibilidades do Mycobacterium tuberculosis, foram documentadas resistências aos antibacilares. Na maioria dos casos de TB pulmonar foi utilizada terapêutica tripla (isoniazida ' INH, rifampicina ' RMP, e pirazinamida ' PZA) durante dois meses, seguida de quatro meses com dois antibacilares (I+R). A associação inicial com quatro antibacilares (INH + RMP + PZA + estreptomicina ' SM) foi utilizada apenas nas formas mais graves (TB miliar e em algumas formas mediastino-pulmonares complicadas). A duração total do tratamento dependeu da evolução clínico-radiológica, tendo variado entre um período mínimo de 6 meses e um máximo de 12 meses. As formas clínicas de derrame pleural, mediastinopulmonares com compressão brônquica e miliares, efectuaram corticoterapia com prednisolona oral, com duração nunca superior a dois meses (18%, n=5).

A evolução para a cura foi constatada em todas as crianças, sem sequelas significativas.

Após o diagnóstico de TB doença, foi efectuado rastreio dos contactos da criança, tendo a prova de Mantoux sido positiva em 43% (n=10) dos casos.

Discussão Na revisão casuística efectuada, ao contrário do que parece ser a tendência nacional na década anterior, o número de casos de TB doença na criança mantém uma tendência estável.

É, contudo, de realçar o aumento isolado do número de internamentos por tuberculose no ano de 2007 no serviço de pediatria sem aumento concomitante do número total de internamentos/ano, sendo uma das explicações possíveis para este facto a realização de um rastreio de doença mais eficaz, dado o aumento significativo de doentes provenientes do CDP, ou mesmo um aumento do número dos casos de doença em absoluto 3 .

Comparativamente ao verificado nos adultos, o aparente aumento do número de internamentos por tuberculose em idade pediátrica não significou um aumento das formas graves ou resistentes à terapêutica 2,8 .

Pelo contrário, verificou-se que as formas graves e disseminadas têm uma frequência estável, mesmo quando comparadas com as frequências obtidas em casuísticas semelhantes relativas a outros hospitais 9 .

Relativamente à imunização neonatal com BCG, esta foi de 100% na nossa casuística, o que está de acordo com o previsto no plano nacional de vacinação.

Este valor significa uma melhoria relativamente aos anos de 1991-1996, altura em que foi realizado um estudo semelhante neste hospital, que descreve uma percentagem de vacinação com BCG de apenas 63% em doentes com TB5. É pertinente, contudo, salientar que todos os cinco casos com formas extrapulmonares de TB se encontravam vacinados com BCG. Este facto obriga, mais uma vez, a reflectir sobre a real protecção dada pela BCG, que varia de 31 a 90%, de acordo com os vários autores 10 .

Ao contrário de casuísticas semelhantes, neste estudo, a faixa etária média de doentes com TB foi mais tardia, centrando-se nos 7,7 anos 5,9,11 .

Importa também salientar que, desde 2003, a idade de internamento na pediatria foi prolongada até aos 16 anos, tendo esse facto contribuído para a elevada percentagem de adolescentes observada na nossa casuística, que representa próximo de um terço dos casos.

Na população infantil, a clínica é inespecífica, sendo a febre e a tosse os sintomas mais frequentemente encontrados, tal como foi constatado na presente série. Tal implica, consequentemente, um maior índice de suspeição para o diagnóstico de TB na criança 12 .

Foram identificadas fontes de contágio em mais de metade dos casos, sendo na sua maioria familiares directos. Por outro lado, a maioria das crianças foi levada, por iniciativa dos familiares, ao serviço de urgência, em fase de tuberculose doença. Esta constatação revela-se preocupante, dado poder relacionar-se com eventual falha no rastreio de contactos do caso-índice ou na sua profilaxia 4 .

O isolamento do Mycobacterium tuberculosiscontinua a ser um aspecto preponderante no diagnóstico, tendo sido possível em 61% dos casos. Este valor contém uma positividade superior à obtida na casuística anterior deste serviço e de outras séries publicadas 5,13-15 . Para esta percentagem contribuiu a rentabilidade obtida pela conjugação de vários exames, em que o mais utilizado foi o suco gástrico, seguido da broncoscopia. De facto, constatou-se que a broncoscopia contribuiu para o isolamento do M. tuberculosisem 43% dos casos com suco gástrico negativo, daí que a análise do LBA deva ser encarada como um recurso útil na confirmação diagnóstica de doença quando a pesquisa no suco gástrico é negativa. Pertinente é também o facto de, relativamente ao LBA, ser sempre de valorizar um exame directo positivo, enquanto, no suco gástrico, o exame directo positivo pode ser justificado também pela presença de micobactérias não tuberculosas.

Os esquemas de tratamento de curta duração foram os mais utilizados. Optou-se pela associação com corticoterapia na fase inicial em casos de TB mediastino- pulmonar complicada e TB miliar, tendo havido evolução favorável em todos os casos.

Apesar da emergência mundial de estirpes com resistência múltipla ou isolada aos antibacilares, nomeadamente após o aparecimento da infecção pelo VIH, tal não foi verificado na nossa amostra 2,6 .

Após o diagnóstico de tuberculose na criança, o rastreio dos familiares e conviventes permitiu a sinalização de novos casos de doença, o que confirma o conceito-sentinela da tuberculose infantil 3 .

Conclusão A tuberculose mantém-se um problema actual.

Neste estudo, o número de casos de TB doença na infância mantém-se estável, o que não corrobora a tendência nacional decrescente verificada na década anterior. Para aferir se esta tendência será persistente, impõe-se a necessidade de acompanhar a evolução nos próximos anos.

Por outro lado, e admitindo a tuberculose infantil como um barómetro social, torna-se imperativa a adopção de estratégias concertadas e multidisciplinares para o controlo efectivo da doença a nível nacional. Estas estratégias passam necessariamente pela estruturação de uma rede de diagnóstico e rastreio de contactos mais eficaz e com capacidade de acompanhamento terapêutico adequado, além da melhoria global das condições socioeconómicas, culturais e sanitárias das populações.


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