Estratégia de tratamento do tabagismo na DPOC
Siglas
CO – monóxido de carbono; PFR – provas de função respiratória; TSN –
terapêutica de substituição de nicotina; UET – unidades especializadas em
tabagismo.
Introdução
A DPOC é uma das principais causas de morbilidade crónica, de perda de
qualidade de vida e de mortalidade, estando previsto o seu aumento nas próximas
décadas1.
Tratando-se de uma doença com uma prevalência tão elevada2 e havendo
necessidade de um acompanhamento articulado a vários níveis (cuidados de saúde
primários e cuidados hospitalares), de forma a obter ganhos de saúde e
racionalização de cuidados, torna-se necessário divulgar normas de boas
práticas no doente fumador com DPOC.
Apesar de, em Portugal, nos últimos anos, a prevalência de homens fumadores ter
diminuído, a prevalência de mulheres fumadoras tem aumentado, e, assim sendo, é
previsível o aumento substancial da prevalência da DPOC nas mulheres. Por outro
lado, o crescente envelhecimento da população poderá também contribuir para
este aumento.
O risco de desenvolver DPOC em fumadores susceptíveis é directamente
proporcional ao número de cigarros consumidos por dia, tendo ainda maior peso o
efeito cumulativo ao longo dos anos (carga tabágica).
É interessante reconhecer que os benefícios que se atingem com a cessação
tabágica são os pretendidos pela GobalInitiative for Chronic Obstructive Lung
Diseasespara o controlo da DPOC
3
:
• Prevenir a progressão da doença;
• Aliviar os sintomas;
• Aumentar a tolerância ao exercício;
• Melhorar a funcionalidade e a qualidade de vida;
• Prevenir e tratar as exacerbações;
• Prevenir e tratar as complicações;
• Reduzir a mortalidade.
Acrescidos, ainda, de melhoria funcional respiratória e da diminuição do risco
de outras patologias relacionadas com o tabaco.
Há consenso que, em muitos destes doentes, é necessário um tratamento
individualizado, intensivo e prolongado no tempo, com inclusão de terapêutica
farmacológica e comportamental, incluindo a prevenção das recaídas e do stress.
O consumo de tabaco é, de longe, o factor de risco mais importante para o
desenvolvimento da DPOC. Por outro lado, é reconhecido que nenhuma outra
intervenção, para além da cessação tabágica, melhora a sobrevida destes
doentes, independentemente do estádio de gravidade da doença3.
Atendendo à evidência da relação existente entre a dose de tabaco consumido
(número de cigarros fumados ou outras formas de tabaco) e a progressão da DPOC,
ou seja, declínio na função pulmonar, deveria ser evidente, tanto para os
doentes como para os profissionais de saúde, que a cessação tabágica seria o
tratamento mais importante na DPOC.
No entanto, o carácter aditivo dos produtos do tabaco dificulta a cessação e,
por isso, muitos consumidores necessitam de ajuda para parar de fumar. O
tratamento efectuado pelos médicos aumenta particularmente o sucesso da
cessação e é, entre todas as medidas preventivas, a intervenção que apresenta
melhor relação custo-benefício. Apesar disso, tem de se reconhecer que a
cessação tabágica continua a não ser uma prioridade para a maioria dos
profissionais de saúde, independentemente do tipo de intervenção (breve ou
intensiva).
É necessário que a cessação tabágica integre todos os serviços que tratam
doentes respiratórios e que todos os médicos e outros profissionais de saúde
envolvidos tenham um nível adequado de conhecimentos para intervir.
Os fumadores com DPOC têm:
• consumos mais elevados de tabaco e são mais dependentes da nicotina;
• níveis mais altos de monóxido de carbono (CO) no ar exalado;
• um padrão ventilatório diferente (inalam mais profunda e rapidamente que os
outros fumadores) sujeitando o pulmão a uma maior exposição aos produtos
tóxicos;
• mais alterações psiquiátricas, como a depressão, podendo alguns doentes
utilizar o tabaco como automedicação para controlo da ansiedade e depressão.
Uma outra dificuldade acrescida é a relação directa entre a frequência da DPOC,
o tabaco consumido e o baixo nível socio económico.
Estas particularidades condicionam pois uma dificuldade maior na cessação
tabágica dos fumadores com DPOC
4
,
5
,
6
.
Convém não esquecer que a cessação tabágica, apesar de trazer benefícios na
redução da morbilidade e da mortalidade dos doentes com DPOC
7
, não pode ser dissociada da intervenção nas outras vertentes do controlo do
tabagismo, como preconizado pela OMS, com a estratégia MPOWER
8
. Medidas para o controlo do início do consumo e para a protecção dos não
fumadores têm repercussão na diminuição da prevalência da DPOC e na redução dos
efeitos nefastos da exposição ao fumo de tabaco ambiental (Quadro_X –
estratégias MPOWER).
É ainda importante salientar que o impacto do tabagismo em Portugal, analisado
em 20057, considera a DPOC a principal doença responsável pelos anos de vida
perdidos ajustados por incapacidade (DALY – medida da quantidade de saúde
perdida, em tempo, preconizada pela Organização Mundial de Saúde e pelo Banco
Mundial), correspondendo a DPOC a 61% dos DALY (os acidentes vasculares
cerebrais a 27% e o enfarte agudo do miocárdio a 9%).
O mesmo estudo7 avaliou tambem os custos do tabagismo: dos cerca de 490 milhões
de euros atribuíveis ao tabaco, em ambulatório e internamento, 244 milhões
foram gastos em doenças respiratórias não neoplásicas (entre as quais a DPOC é
a de maior impacto).
Caso os fumadores tivessem parado de fumar, nesse ano, os custos teriam sido
reduzidos em cerca 171 milhões de euros – custos redutíveis. No que respeita às
doenças respiratórias não neoplásicas, teriam sido poupados 27 milhões de
euros.
Mas intervir no tabagismo não é fácil, ainda mais quando se sobrepõem certas
características particulares já referidas para a grande maioria dos doentes com
DPOC. As particularidades do fumador DPOC justificam uma intervenção
específica, tendo como base a evidência científica, já comprovada para o
fumador saudável
9
,
10
, complementada por estudos efectuados em doentes com DPOC.
Esta necessidade, reconhecida pela Euro pean Respiratory Society(ERS), levou à
realização de um documento de consenso orientador da cessação tabágica nos
doentes respiratórios
11
.
Os objectivos principais deste documento foram os seguintes: 1) apresentar
recomendações para a cessação tabágica dirigidas ao doente respiratório,
nomeadamente com DPOC; 2) aumentar a implementação da cessação tabágica; e 3)
estimular a investigação nesta área. Integrar a intervenção da dependência
tabágica nos programas de tratamento de doença crónica (DPOC) pode ser uma
forma eficaz de actuar10. Tendo em consideração o interesse desta estratégia de
tratamento integrado, o Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Doença
Pulmonar Obstrutiva Crónica1 definiu várias estratégias de intervenção e
formação, das quais se destacam as duas primeiras:
• Estratégia 1. Criação e desenvolvimento de consultas anti tabágicas;
• Estratégia 2. Elaboração e divulgação de normas de boas práticas na abordagem
antitabágica.
Este artigo de revisão pretende actualizar a informação disponível para o
tratamento do fumador com DPOC tendo como referências principais os importantes
documentos que se referem:
• Programa-tipo de actuação em cessação tabágica9, divulgado pela Direcção-
Geral de Saúde na forma de circular normativa, a partir de 2007;
• As recomendações dirigidas ao doente respiratório e divulgadas pela
EuropeanRespiratory Society11, em 2007;
• A actualização das recomendações globais preconizadas pelo UnitedStates
Department of Health and Human Services10, em 2008.
Este artigo dá ênfase às recomendações consensuais principais e comenta também
algumas dissonâncias.
Algumas das recomendações defendidas pela EuropeanRespiratory Societynão são
baseadas em ensaios aleatorizados e controlados (randomizedcontrolled trials–
RCT mas na opinião de peritos com experiência na cessação tabágica de fumadores
saudáveis e doentes respiratórios.
As recomendações defendidas neste artigo são as propostas pelas referências
descritas10,11 e são classificadas de acordo com o nível de evidência que se
descreve:
A– evidência baseada em muitos ensaios bem desenhados, aleatorizados e
controlados (RCT), com um padrão de resultados consistente;
B– alguma evidência baseada em ensaios aleatorizados e controlados mas não
considerados óptimos devido à heterogeneidade das populações estudadas e à
menor consistência dos resultados;
C– reservada para situações de interesse clínico em que a evidência foi baseada
não em ensaios aleatorizados e controlados mas em trabalhos publicados ou
opinião de peritos.
Assim, as recomendações com o nível de evidência A são mais sólidas do que as
recomendações com níveis de evidência B ou C.
Pontos-chaves das recomendações
1. Os doentes com DPOC têm uma necessidade maior e mais urgente para parar de
fumar,comparativamente com o fumador em geral, pelo que devem ser aconselhados
a fazê-lo, apesar de ser considerado frequentemente difícil (recomendação com
nível de evidência B11).
2. A cessação tabágica deve integrar qualquer plano de tratamento do doente com
DPOC. Médicos que tratam doentes com DPOC devem ter um papel contínuo proactivo
na motivação de cada fumador para parar de fumar, no tratamento para a cessação
e nas recaídas, quando estas ocorrem. Sendo necessário:
a) Padronizar a abordagem dos hábitos tabágicos, recorrendo a métodos que
possam objectivar o consumo de tabaco, como a medição do monóxido de carbono
(CO) no ar expirado (recomendação com nível de evidência C11);
b) Sistematizar a identificação obrigatória e automática de fumadores, por
exemplo através de identificação electrónica (recomendação com nível de
evidência A10);
c) Prescrever a terapêutica farmacológica eficaz para a dependência da
nicotina, como a bupropiona, a vareniclina e a terapêutica de substituição de
nicotina (TSN), salvaguardadas as indicações e contraindicações. Utilizar doses
mais elevadas de TSN, durante mais tempo, ou, ainda, combinação de diferentes
fármacos, quando necessário (recomendação com nível de evidência A10);
d) Fornecer suporte comportamental em múltiplas sessões, de acordo com o grau
de motivação (recomendação com nível de evidência A10);
3. O documento da ERS recomenda (nível de evidência C) a necessidade dos
profissionais que tratam doentes respiratórios terem conhecimentos específicos
que lhes possibilitem atitudes adequadas e treino de capacidades e competências
para a resolução de problemas, sendo um requisito a educação médica contínua e
acreditada11.
O documento do UnitedStates Department of Health and Human Servicesrecomenda
(nível de evidência B) que todos os médicos, nas várias fases da sua carreira,
deverão possuir treino de intervenção no tabagismo, não só para dar assistência
aos fumadores que desejam parar de fumar, mas também para motivar aqueles que
não desejam parar de fumar.
Este treino deve ser acompanhado de sistemas de apoio(material que promova a
Abordagem, que Ajude a marcação de uma data para a cessação e forneça materiais
de apoio e que Acompanhe posteriormente o fumador10).
4. A aplicação destas normas poderá ser parcialmente financiada pela diminuição
dos custos decorrentes da própria cessação, que se repercutem não só ao nível
do internamento, mas também do ambulatório.
No entanto, deverá ser estabelecido um orçamento própriopara a implementação de
protocolos de tratamento (recomendação com nível de evidência A11).
Os tratamentos para a cessação tabágica (incluindo aconselhamento e medicação)
são comprovadamente benéficos na relação custo-efectivo, relativamente a outros
tratamentos comparticipados, e devem ser fornecidos a todos os fumadores
(recomendação com nível de evidência A10).
Devem ser alocados aos subsistemas de saúde os recursos necessários, de forma
a fornecer tratamentos eficazes (recomendação com nível de evidência C10).
Fornecer tratamento para a cessação tabágica, custeado pelos subsistemas de
saúde, demonstrou, não só maior utilização deste tipo de intervenção, mas
também aumento das tentativas para a cessação e maior percentagem de sucesso
(recomendação com nível de evidência A10).
5. É importante avaliar a função pulmonarregularmente, para controlar a
evolução da doença e utilizar os resultados para aumentar a motivação
(recomendação com nível de evidência C11).
6. Enquanto o documento da ERS defende que, aos fumadores não motivados para
parar, deve ser prescrita TSN para reduzir o consumo de tabaco, tendo como
finalidade a cessação (recomendação com nível de evidência B11), o documento do
US Department of Health and HumanServicesnão recomenda este tipo de
intervenção10, considerando que as estratégias que visam a redução dos hábitos
tabágicos não têm evidência que as justifique e considerando ainda que o
objectivo a atingir na prática clínica deverá ser essencialmente focado no
tratamento do uso e dependência do tabaco10.
7. Aos fumadores não motivados para parar ou reduzir deve ser feito o aviso de
que o médico retomará a mesma questão na consulta seguinte(recomendação com
nível de evidência C11).
Intervenção no tabagismo
Tabagismo e dependência
O tabaco apresenta duas características que, por surgirem associadas, o
convertem num grave problema para a saúde individual e pública. Uma dessas
características tem a ver com a dependência provocada pela nicotina, e, a
outra, com a elevada toxicidade atribuída às múltiplas substâncias que se
encontram na composição do fumo do tabaco.
É a dependência provocada pelo consumo de tabaco que leva a OMS e a Sociedade
Americana de Psiquiatria a considerarem o tabagismo como uma doença aditiva
crónica com recaídas, exigindo uma intervenção específica.
Para além de diagnosticar a presença do tabagismo, são necessárias algumas
avaliações para planear o tipo de ajuda a prestar. É de grande importância
conhecer o perfil de consumo do fumador, compreender a motivação para mudar o
seu comportamento, avaliar o nível de dependência do tabaco e, ainda,
identificar possíveis comorbilidades que interfiram na cessação ou na decisão
terapêutica.
Avaliação do consumo de tabaco
A avaliação do uso de tabaco engloba informação sobre o início do consumo, o
tipo de tabaco, o número diário de cigarros, a carga tabágica* e o número de
tentativas anteriores de cessação e respectiva caracterização. Estas poderão
ser as perguntas básicas a fazer a um fumador, mas a avaliação dos hábitos
tabágicos, realizada através de questionários, nem sempre corresponde à
realidade
12
,
13
, particularmente quando o fumador se encontra sob pressão para parar de fumar
e não o consegue fazer.
Para validar o consumo, podem ser utilizados numerosos marcadores biológicos,
como monóxido de carbono, nicotina, cotinina e tiocianatos, entre outros. A
escolha dos marcadores a utilizar deve ter em consideração não só a utilidade
(dependente da especificidade e sensibilidade) mas também o custo e a
facilidade de utilização (invasibilidade do produto a analisar e demora dos
resultados). A utilização de marcadores biológicos pode ainda ter benefícios
adicionais, como aumentar a motivação do fumador e auxiliar o ajuste
farmacológico. No caso da utilização da medição de monóxido de carbono (CO) no
ar expirado, o conhecimento imediato do resultado (observado pelo técnico e
pelo doente em tempo real) não só valida o consumo (informando da manutenção do
tabagismo ou da abstinência) mas fornece também motivação ao doente, ao
contrário de outros marcadores em que o resultado não é imediato.
A utilização de marcadores biológicos na prática clínica obriga a um
conhecimento dos valores óptimos de cut-off, bem como da sensibilidade e
especificidade dos mesmos (Quadro I).
Quadro I – Marcadores biológicos: Valor óptimo de cut-off, sensibilidade e
especificidade para descriminar hábitos tabágicos
No caso de terem sido feitas tentativas anteriores, é ainda importante
analisar: os métodos usados, a respectiva adesão e resultados, o número e
intervalo de tentativas e suas circunstâncias (por exemplo, ocorridas em
internamento), o tempo de duração, os motivos de recaída, as dificuldades e os
benefícios sentidos durante a abstinência.
Motivação para parar
A prontidão ou forte motivação para parar são cruciais para o sucesso da
cessação tabágica. Das múltiplas formas para avaliar a motivação na cessação
tabágica (pergunta directa, avaliação do processo de mudança comportamental,
escala de Richmond, escala visual analógica, etc.) não foi ainda encontrado um
instrumento de medição que reúna as características ideais (validade, precisão,
exactidão e sensibilidade).
A dificuldade desta avaliação tem justificado a procura de novas formas de
análise e, recentemente, têm sido utilizadas duas perguntas a responder de
forma quantitativa11,
16
(utilizando uma escala visual analógica) (Fig. 1).
Fig. 1 – Avaliação da motivação para parar de fumar
De forma simples, pode-se avaliar a intençãopara parar de fumar perguntando ao
fumador “Que importância tem para si deixar de fumar?”
Mas a resposta a esta questão, por si só, não será suficiente para avaliar a
motivação do fumador. Os factores intrínsecos ou extrínsecos que condicionam a
intenção de parar de fumar não são os únicos determinantes no processo de
mudança comportamental, dado que alguns doentes portadores de doenças crónicas
relacionadas com o tabaco, mesmo sendo várias vezes alertados pelos seus
médicos para parar de fumar, não só falham repetidamente, como podem
desenvolver tolerância ao aconselhamento.
Os insucessos repetidos poderão contribuir para uma autoeficácia diminuída, de
tal forma que o fumador poderá manifestar que já não deseja parar de fumar16.
Assim, é conveniente perguntar também ao fumador “Como avalia a sua confiança
em conseguir parar de fumar?”
A avaliação destas duas questões facilita a escolha da intervenção ideal
(Quadro II). Se existe prontidão para parar, o fumador tem níveis elevados em
ambas as variáveis e pode marcar-se de imediato a data para a cessação.
Quadro II – Proposta de intervenção de acordo com a motivação (intenção e
confiança)
Se a intenção é alta, mas a confiança é baixa, o tratamento e o apoio são
cruciais para o sucesso. Se a confiança é alta, mas a intenção de parar é
baixa, é fundamental a educação para a saúde (ensino dos riscos e benefícios em
parar). Se nas duas escalas for atingido um nível baixo, tem de se proceder ao
aumento da motivação e da auto eficácia.
Na abordagem da cessação tabágica deve ser evitado o discurso directivo e
autoritário, predominantemente utilizado na prática clínica, geralmente a forma
mais eficaz de fornecer informações rápidas, mas desapropriado para mudar
atitudes. A discussão franca dos problemas com o fumador aumenta a vontade e a
motivação para a cessação, devendo optar-se por uma atitude compreensiva,
respeitosa e empática (resposta afectiva apropriada à situação de outra pessoa
e não à própria situação – colocar-se no lugar do doente11,16.
Avaliação da dependência
A maioria dos fumadores são dependentes da nicotina, variando o nível de
dependência de fumador para fumador. A avaliação da dependência é
particularmente importante nos fumadores que querem parar de fumar, porque tem
influência no tipo de intervenção.
A dependência pode ser avaliada através de questionários ou da medição de
marcadores biológicos. Dos questionários disponíveis, o teste de Fagerström
adaptado é o mais utilizado (Quadro III). Este teste quantifica a dependência
numa escala de 0 a 10, correspondendo o mais elevado a maior dependência
17
.
Quadro III – Teste de Fagerström, adaptado
Das seis perguntas que se formulam, destacam-se, como indicadoras de maior
dependência, as perguntas 1 e 4: intervalo de tempo entre o acordar e consumo
do primeiro cigarro e número total de cigarros fumados por dia. Considera-se
muito dependente o indivíduo que fuma nos primeiros 30 minutos depois de
acordar e consome 20 ou mais cigarros por dia. Outro indicador importante de
dependência elevada, se bem que pouco frequente, encontra-se nos consumidores
de tabaco durante a noite.
A avaliação da concentração de nicotina ou dos seus metabolitos, como a
cotinina, no sangue, urina ou saliva, tem também sido usada, mais recentemente,
como indicadora de dependência. A cotinina é o marcador biológico mais
utilizado por ter uma semivida maior (15 a 20 horas), podendo ser detectada
após 4 dias de exposição e poder auxiliar a prescrição de terapêutica de
substituição.
Um nível de cotinina sérica superior a 250 mg/dl identifica fumadores com maior
dependência18,19. A utilidade e facilidade desta avaliação fundamenta que se
aconselhe a que as unidades especializadas em tabagismo utilizem este
instrumento de avaliação quantitativa.
Uma outra forma de avaliação da dependência é a medição do monóxido de carbono.
O uso de tabaco contribui para a absorção de muitos tóxicos, entre os quais o
monóxido de carbono (CO), que é facilmente mensurável. A concentração de
monóxido de carbono no ar expirado pode ser considerada um indicador de consumo
de tabaco, fornecendo também informação sobre dependência.
A curta semi vida do monóxido de carbono (4 a 6 horas) permite, apenas, avaliar
o consumo de tabaco nas últimas horas. O nível de CO pode normalizar 24 a 48
horas após o consumo do último cigarro. Pelo facto de existirem comercializados
múltiplos aparelhos que permitem a sua medição instantânea, a avaliação do CO
no ar expirado deve ser aproveitada para a motivação do fumador, auxiliando
também a monitorização do consumo ao longo do tratamento.
Sob condições ambientais normais, no não fumador, o nível de CO no ar expirado,
habitualmente, não excede 4 ppm, podendo atingir 11 ppm em alguns doentes com
DPOC
14
. No fumador, o nível de CO depende do número de cigarros fumados, sendo
geralmente superior a 10 ppm. A semi vida do CO é variável, em função do
exercício praticado, sendo diminuída para 1 hora em caso de exercício e pode
aumentar durante o sono até às 4-8 horas, pelo que a medição deve fazer-se,
preferencialmente, no final do dia
20
. O consumo de outros tipos de tabaco, como cigarrilhas, charutos ou outros,
pode também ser quantificado pela medição do CO, avaliando desta forma o nível
de exposição destas formas de tabaco e servindo para o ensino sobre riscos.
Quando se tem como objectivo inicial a redução e não a cessação, a
monitorização do CO é fundamental. Sabe-se que a diminuição do número de
cigarros consumidos por dia pode ser compensada pelo aumento do número e
profundidade das inalações e, deste modo, poderá ser objectivado um valor de CO
no ar expirado superior ao esperado
21
. A medição do CO pode, assim, auxiliar o fumador a compreender que a cessação
tabágica por completo deverá ser o objectivo principal, de forma a diminuir
efectivamente os riscos para a saúde.
Quando não se dispõe de um analisador de CO pode quantificar-se a
carboxiemoglobina (COHb) ao realizar uma gasometria arterial.
O monóxido de carbono tem grande afinidade com a hemoglobina (240 vezes
superior ao oxigénio), formando a carboxiemoglobina que dificulta o transporte
de oxigénio aos tecidos. No sangue, o CO tem uma semivida de 6 horas20.
Existe uma relação linear entre o CO no ar expirado e a COHb no sangue,
concentrações de CO no ar expirado de 10 a 20 ppm, correspondem a 2 a 5% de
COHb (Quadro IV).
Quadro IV– Níveis esperados de CO de acordo com o consumo de cigarros
No entanto, e tal como pode acontecer com a medição de CO no ar expirado, podem
também surgir taxas sanguíneas elevadas de COHb sem exposição directa ao fumo
de tabaco. São disso exemplo certos profissionais que contactam com óleo
diesel, soldadores, etc. ou após intoxicação doméstica (sistema de aquecimento
deficiente entre outros).
Oportunidades de intervenção
Nos últimos anos, tem sido dado particular destaque aos “momentos de ensino”,
situações de doença que motivam espontaneamente os indivíduos a adoptar
comportamentos de saúde com redução de riscos.
Situações particulares, como o diagnóstico de uma doença, o internamento, o
conhecimento de exames com alterações ou as visitas médicas poderão favorecer a
motivação para a cessação.
A realização de provas de função respiratória (PFR) a doentes que, muitas
vezes, minimizam a sua percepção de risco de doença, podem proporcionar ao
profissional de saúde uma ocasião para, de forma objectiva, personalizar o
aviso para a cessação tabágica11,
23
,
24
.
Sabendo-se que apenas cerca de um quarto dos fumadores desenvolve DPOC (o que é
variável com a carga tabágica e a idade do fumador) e, ainda, que a existência
de sintomas pode ocorrer em fumadores sem DPOC e, portanto, com PFR normais,
deverá ser acautelado o devido aconselhamento, antes e após a realização da
espirometria, de forma a evitar o reforço do tabagismo.
Mesmo não sendo consensual a utilização da espirometria na motivação para a
cessação tabágica
25
, no doente já com confirmação diagnóstica poderá ser mostrada a possibilidade
de evolução da sua doença de acordo com o seu comportamento, relativamente ao
tabagismo: manutenção dos hábitos ou cessação tabágica (Fig. 2).
Fig. 2
– O modelo de Fletcher e Peto compara a evolução do FEV1 ao longo da vida de
acordo com a susceptiblidade ao fumo do tabaco, ou seja, deterioração
progressiva e acelerada do FEV1 com a continuação dos hábitos nos fumadores
suceptíveis e deterioração lenta do FEV1 nos não fumadores e fumadores não
susceptíveis (evolução no caso de cessação tabágica). O intervalo entre as duas
linhas a tracejado largo e azul correspondem aos valores de FEV1 esperado no
não fumador ou no indivíduo não susceptível ao tabaco (a tracejado – limites
superior e inferior do normal).
No modelo de Fletcher e Peto é salientado o benefício funcional em parar de
fumar, passando a deterioração funcional a ser menos acelerada e semelhante à
verificada no não fumador ou no fumador não susceptível (linha lilás e linha
roxa). Adaptado de Fletcher e Peto27
O conceito de “idade dos pulmões” (a idade que seria expectável para o
resultado de FEV1 observado na espirometria) foi desenvolvido, em 1985, como
forma facilitada de transmitir os resultados e como instrumento de reforço para
que os fumadores entendam a possibilidade de envelhecimento prematuro do pulmão
26
.
Nos últimos anos, a espirometria tem sido utilizada como estratégia isolada de
incentivo com resultados prometedores, não só através da explicação do modelo
de Fletcher e Peto23,24, como também, mais recentemente, incorporando essa
informação no espirómetro e disponibilizando um gráfico que posteriormente é
explicado ao fumador (Fig. 3)
28
.
Fig. 3 – Utilizando o modelo de Fletcher e Peto, pode ser explicada a redução
gradual da função pulmonar prevista com a idade, para melhor compreensão do
efeito do tabaco no efeito de envelhecimento acelerado do pulmão. Por exemplo,
a um fumador de 52 anos é explicado que o seu resultado de FEV1 , determinado
na espirometria (bola vermelha e seta 1), seria o equivalente ao resultado
esperado num indivíduo de 75 anos não fumador ou não susceptível ao tabaco, ou
seja: a sua idade pulmonar é 23 anos superior à idade real (52 anos). Adaptado
de Parkes28
Os fundamentos para utilizar o internamento como momento oportuno para a
cessação tabágica são vários: 1) possibilidade de ajuda regular por
profissionais de saúde que podem disponibilizar tratamentos farmacológicos e
não farmacológicos que auxiliem a cessação; 2) ambiente propício livre de fumo,
facilitador da mudança comportamental; 3) necessidade de cumprimento
legislativo
29
; e 4) custo-efectividade da medida10.
A ajuda para a cessação tabágica é suportada pelas estratégias da rede europeia
de serviços de saúde sem tabaco e, dado que a sua implementação tem sido
crescente, não deve ser menosprezada a possibilidade de intervenção no
internamento. A cessação tabágica no internamento tem eficácia comprovada
30
, mas, como seria de esperar, é também importante a manutenção da intervenção,
após a alta hospitalar, pelo que se sugere o suporte após a alta com um
seguimento mínimo de um mês e que poderá ser efectuado com telefonemas
proactivos30,
31
.
O documento do UnitedStates Department of Health and Human Services10 recomenda
que sejam promovidas políticas para garantir e apoiar os doentes internados
fumadores, sugerindo seis estratégias que se descrevem no Quadro V. Quanto à
prescrição de terapêutica, é feita uma ressalva no que respeita aos doentes
internados em cuidados intensivos, dada a evidência científica escassa sugerir
que a TSN poderá não ser apropriada
32
.
Quadro V– Políticas para apoiar os fumadores internados
Se o doente internado tiver uma experiência positiva no alívio da privação, com
terapêutica, aderirá mais facilmente a tratamentos mais intensivos numa próxima
tentativa para a cessação tabágica.
Comorbilidadese automedicação
Muitos fumadores com elevados consumos de tabaco têm doença psiquiátrica, como
a ansiedade, a depressão, a esquizofrenia e o consumo concomitante de outras
drogas. O tabagismo é encarado por muitos destes doentes como uma forma de
lidar com o stressda vida diária, utilizando o tabaco como automedicação.
Contudo, a depressão e a ansiedade são de longe as que mais frequentemente se
associam à DPOC.
Para uma intervenção mais efectiva no fumador com DPOC, é importante excluir a
depressão, uma vez que esta motiva cerca de 25 % das recaídas33. Para isso, é
aconselhável aplicar questionários, como o teste de ansiedade e depressão
(HAD), ou simplesmente saber se o doente na maior parte dos dias das duas
últimas semanas se tem sentido em baixo.
Na presença de depressão, a prescrição de terapêutica dirigida (ou mesmo o
acompanhamento psiquiátrico) podem ser necessários.
Controlo do peso
O aumento de peso, entre 3 a 5 kg, verificado habitualmente no primeiro ano
após cessação, é, em parte, devido à diminuição do metabolismo basal e/ou ao
aumento da ingestão calórica.
Nos doentes com DPOC e baixo índice de massa corporal (IMC), factor de mau
prognóstico para a doença, o aumento de peso verificado com a cessação tabágica
é de grande interesse, podendo até servir como incentivo para deixar de fumar.
Por outro lado, nos indivíduos com elevado IMC, é sempre preferível um pequeno
aumento de peso à manutenção do tabagismo.
Nestes casos, deve ser efectuado um ensino correcto da alimentação, aconselhado
o uso de fármacos que atrasem o aumento de peso (TSN formulações de acção
rápida e bupropiona) e poderá ainda ser encorajada a prática de exercício
físico. Três meses após a cessação, podem ser tentadas medidas dietéticas mais
restritivas.
Tratamento comportamental do tabagismo
Existem três tipos de intervenções psicológicas e comportamentais aceites para
intervir
na cessação tabágica:
• Programas de auto-ajuda;
• Aconselhamento breve;
• Aconselhamento (individual, em grupo ou telefónico).
No que respeita ao tratamento comportamental podem ser feitas as seguintes
recomendações:
1. Programas de autoajuda estruturados para fumadores que querem parar de
fumar, sem contacto intensivo com o profissional de saúde são recomendados(pelo
documento da ERS11, com um nível de evidência A, e pelo documento do
UnitedStates Department of Health and Human Services10,com nível de evidência
B).
O recurso a materiais de autoajuda em formato de papel ou acessíveis pela
internet, como folhetos
34
, vídeos, CD ROM, entre outros, podem ter eficácia potenciada quando o seu
conteúdo se destina a problemas particulares, como é o caso da DPOC, e está
adaptado em função das diferenças culturais, de sexo, etárias ou outras.
Materiais fornecidos através de computador têm ainda a vantagem de poderem
alcançar um grande número de fumadores, serem detalhados no seu conteúdo, de
acordo com as necessidades ou características individuais, e serem de baixo
custo. Esta via de acesso permite ainda desenvolver programas com interacção e
monitorização de um plano de cessação.
2. O aconselhamento breve, destinado à cessação tabágica e ao aumento da
motivação, prestado por todos os profissionais de saúde, nomeadamente por
médicos ou enfermeiros, tem baixa eficácia, mas efeito significativo
(recomendação com nível de evidência A11). No entanto, no doente com DPOC é
muitas vezes necessário recorrer a aconselhamento mais intensivo. São
especialmente os fumadores menos dependentes os que têm resultados com esta
intervenção.
3. Existe uma forte relação dose–resposta entre o tempo de demora do
aconselhamento face a face e o sucesso na cessação tabágica.
As intervenções intensivas têm mais sucesso do que as breves. Os tratamentos
com ≥ 8 sessões têm maior probabilidade de êxito do que com ≤ 3 sessões
(recomendação com nível de evidência A11,10).
Os tratamentos com duração total até 5 horas (n.º de sessões vezes demora da
consulta) são significativamente mais eficazes10.
4. O aconselhamento em grupo tem eficácia comprovada sobreponível ao
aconselhamento individual(recomendação com nível de evidência A10). Tem a
vantagem de fornecer a possibilidade de apoio mútuo entre elementos do grupo e
poder apresentar uma relação custo-benefício melhor do que o aconselhamento
individual, por possibilitar o tratamento concomitante de vários fumadores; no
entanto nem todos os fumadores aderem a este formato de intervenção.
5. O aconselhamento proactivo telefónico, o aconselhamento em grupo e o
aconselhamento individual são eficazes e devem ser utilizados(recomendação com
nível de evidência A10). O aconselhamento telefónico proactivo é eficaz,
comparado com outras intervenções mínimas(recomendação com nível de evidência
A11).
O aconselhamento telefónico
35
pode suplementar as intervenções face a face ou substituí-la, complementando
intervenções de autoajuda. Também pode ser usado para optimizar o suporte para
o dia planeado para a cessação e ajudar a responder a algumas necessidades do
fumador em programa de cessação. O aconselhamento telefónico pode ser:
• Proactivo– O contacto é feito pelo profissional de saúde com o fumador;
• Reactivo– O contacto é desencadeado pelo fumador para uma linha telefónica de
ajuda (em Portugal existe o SOS – deixar de fumar, com o número 808 208 888).
6. A combinação de aconselhamento e medicação é mais eficaz para a cessação
tabágica do que a medicação ou o aconselhamento em separado. uma relação
directa entre número de sessões de aconselhamento, quando combinadas com
medicação, e a possibilidade de sucesso na cessação tabágica (recomendação com
nível de evidência A10).
As recomendações para o tratamento comportamental baseadas na evidência estão
definidas quanto à sua forma, mas não quanto ao seu conteúdo (técnicas a
aplicar).
A multiplicidade de intervenções comportamentais utilizadas no tratamento do
fumador
36
(Quadro VI), a utilização de técnicas combinadas no mesmo indivíduo de acordo
com as necessidades individuais encontradas, bem como a aplicação dessas
intervenções por diferentes profissionais de saúde e com níveis diferentes de
intensidade, aumentam a heterogeneidade da intervenção comportamental e
dificultam a análise de eficácia.
Quadro VI – Técnicas comportamentais utilizadas em cessação tabágica
O apoio comportamental consiste em discutir, aconselhar, encorajar e promover
actividades que 1) maximizem a motivação para manter a abstinência, 2)
minimizem a motivação para fumar, 3) desenvolvam capacidades de autorregulação
promovendo comportamentos alternativos, e 4) aumentem a adesão à medicação36.
Nos últimos anos, as quatro técnicas mais recomendadas no aconselhamento
prático
45
eram: 1) resolução de problemas / treino de capacidades e competências/
controlo do stress; 2) suporte social intratratamento (contacto directo médico
-fumador); 3) suporte social extratratamento; e 4) técnicas aversivas. Mas
estas duas últimas deixaram de ser recomendadas na recente revisão do
UnitedStates Department of Health and HumanServices10. Aliás, no que respeita
às técnicas aversivas, estas nunca tiveram aplicação prática nos fumadores com
doenças relacionadas com tabaco. No Quadro VII, expõem-se alguns aspectos das
duas técnicas de tratamento comportamental de maior evidência a utilizar no
fumador em geral.
Quadro VII – Técnicas comportamentais mais eficazes
No fumador com DPOC, foram já desenvolvidas algumas técnicas a aplicar durante
o tratamento (utilização da medição de CO no ar expirado e espirometria para o
aconselhamento). Não havendo periodicidade especialmente recomendada para o
doente com DPOC, sugere-se que a frequência do tratamento comportamental e
ajuste do tratamento farmacológico sejam adaptados às necessidades sentidas
caso a caso, podendo ser programadas consultas intercaladas, com telefonemas
proactivos, à semelhança do proposto no programa-tipo de actuação da DGS9
(quatro a seis consultas médicas e três a quatro contactos telefónicos a
realizar pelo enfermeiro ou pelo médico).
Os fumadores abstinentes podem ter sintomas de privação com duração prolongada
e, por isso, os profissionais de saúde devem, não só explicar a possibilidade
de ocorrência dos mesmos, duração, intensidade e evolução, mas também ensinar
estratégias para resolução desses sintomas, dado que esse conhecimento ajuda a
manter a abstinência.
É de todo o interesse para o fumador aprender a reconhecer situações de risco
de fumar, como eventos sociais, ingestão de bebidas alcoólicas, encontros com
amigos, etc. Devendo, ainda, ser advertidos de que apenas “uma passa”pode
desencadear uma recaída.
O uso diário de tabaco, após tratamento adequado (incluindo terapêutica
farmacológica), é considerado insucesso. No entanto, é importante felicitar o
fumador pela tentativa. Uma nova tentativa deve ser encorajada e programada.
Certos autores recomendam que não seja feita repetição da prescrição
farmacológica nos 6 meses seguintes
37
.
Fumadores que não querem parar de fumar
Mesmo nos fumadores que não querem parar de fumar, deve ser utilizada uma
intervenção breve para promover a motivação de parar, de acordo com o
anteriormente desenvolvido no parágrafo (motivação para parar).
Os fumadores resistentes à cessação podem desconhecer os efeitos nefastos do
tabaco e os benefícios em parar, necessitar de apoio financeiro, ter medos ou
preocupações relacionadas com a cessação ou podem, ainda, estar desmoralizados
com recaídas anteriores.
Estes fumadores poderão ser sensíveis a intervenção motivacional breve, baseada
nos princípios da entrevista motivacional, que tem eficácia comprovada no
aumento de tentativas de cessação futuras. Os princípios da entrevista
motivacional são quatro: 1) expressar empatia; 2) fazer emergir a discrepância,
3) lidar com as resistências; e 4) reforçar a autoeficácia9,10. Estes são os
princípios da estratégia dos “5 Rs”: Relevância,Riscos,Recompensas,Resistências
eRepetição, desenvolvidos e aplicados desde 200045.
A aplicação destes princípios no fumador que não quer parar de fumar, de uma
forma breve, sistemática, organizada e com eficácia comprovada, toma particular
importância se considerarmos a realidade do problema em si. Em Portugal, em
2006, um em cada três fumadores tinha feito uma ou mais tentativas para parar
de fumar, no ano anterior, mas apenas 14% tinha procurado ajuda de um
profissional de saúde
38
. No mesmo inquérito38, também a utilização de medicação com eficácia
comprovada tinha sido abaixo do esperado (apenas 15% dos fumadores que tinham
tentado parar de fumar utilizaram TSN). Pelo que se pode inferir que a maioria
dos fumadores, não só não tenta parar de fumar, como, quando o faz, não
procura, ainda, o tratamento de eficácia comprovada (ajuda comportamental e
farmacológica).
Mesmo não existindo definição para fumador resistente (hardcore), os diferentes
critérios utilizados em Inglaterra
39
e Estados Unidos
40
calcularam prevalência entre 16% a 5,2% destes fumadores, respectivamente.
Em Portugal, desconhece-se a prevalência de fumadores resistentes (hardcore) em
geral e desconhece-se, também, a prevalência deste grupo de fumadores na
população com DPOC. Tal como foi desenvolvido no parágrafo «Avaliação do
consumo de tabaco.»,a aplicação de um questionário neste grupo de doentes
poderia ser dificultada pela pressão para parar de fumar12,13.
Apesar de não serem sobreponíveis as definições de resistente(hardcore) e
fumador em fase de pré-contemplação,a avaliação do estádio de mudança
comportamental (modelo transteórico de Diclemente e Prochaska) em doentes com e
sem DPOC4 não detectou diferenças significativas entre fumadores no que
respeita ao estádio de mudança comportamental (em fase de pré-contemplação:
49,7 e 42,6% dos fumadores, respectivamente, com e sem DPOC), número de
tentativas para parar, nem tão pouco nos motivos para parar relacionados
exclusivamente com a saúde (Quadro VIII).
Quadro VIII– Fumadores resistentes e em pré-contemplação
É, por isso, um desafio intervir nestes fumadores que não procuram,
voluntariamente, as consultas especializadas de cessação tabágica, mas
frequentam, no dia-a-dia, as consultas de medicina familiar e de pneumologia,
entre outras, os serviços de urgência e os internamentos, sendo esses os locais
de eleição para intervir adequadamente.
A aplicação sistematizada da intervenção breve, por todos os profissionais de
saúde, no modelo 5AA ou 5RR, em todos os actos praticados em saúde (consultas,
internamentos, exames complementares, serviços de urgência etc.), é uma boa
prática a universalizar, mas só poderá ser aplicada se todos os profissionais
conhecerem o seu conteúdo e reconhecerem a sua utilidade. Na tentativa de
facilitar a aplicação sistematizada, foram encontradas outras formas mais
simplistas (2AAs) ou de memorização mais simples (ABC).
O modelo 2AAs (Abordar e Aconselhar) ou intervenção mínima é uma alternativa
para os profissionais que não dispõem de tempo ou conhecimentos para a
aplicação dos 5Aas e o modelo ABC pretende substituir o es quema de intervenção
dos 5AAs, ao abordar os hábitos tabágicos de todos os doentes, fornecendo um
breve aconselhamento para parar de fumar, independentemente da vontade de parar
de fumar, e apoiando a cessação daqueles que o desejarem fazer (incluindo
tratamento comportamental face a face ou telefónico e tratamento
farmacológico)41.
Tratamento farmacológico do tabagismo
Apesar de a cessação tabágica ser a medida terapêutica mais importante no
doente com DPOC, há poucos estudos sobre a efectividade e segurança das
diferentes opções terapêuticas neste grupo de doentes.
A terapêutica de substituição de nicotina (TSN) é a mais estudada e, no que
respeita à segurança, é incontornável a referência a um estudo multicêntrico
(LungHealth Study),envolvendo um elevado número de fumadores com DPOC ligeira a
moderada, medicados com gomas de nicotina42. São conhecidos poucos estudos com
a bupropiona na DPOC e nenhum com a vareniclina.
No que respeita ao tratamento farmacológico podem ser feitas as seguintes
recomendações:
1. Todos os fumadores em vias de deixar de fumar devem ser encorajados a usar
terapêutica farmacológica, considerada eficaz para a cessação tabágica, excepto
na presença de contraindicações ou de situações particulares em que a evidência
da sua eficácia seja insuficiente (mulher grávida, fumadores ligeiros e
utilizadores de tabaco sem fumo)(recomendação com nível de evidência A11,10).
2. Estão disponíveis, para a cessação tabágica, fármacos considerados de
primeira linha, de acordo com a sua maior eficácia e segurança, com nicotina
(TSN) e sem nicotina (bupropionaSRe vareniclina).(recomendação com nível de
evidência A11,10). No entanto, a vareniclina não foi considerada de primeira
linha pela ERS por haver poucos estudos e não visarem grupos como a DPOC.
3. As diversas formas terapêuticas de substitutos de nicotina (gomas, sistemas
transdérmicos,inaladores,spraynasal e pastilhas de chupar) têm idêntica
efectividade na cessação tabágica(recomendação com nível de evidência A11,10).
No entanto, as pastilhas de chupar são consideradas com nível de evidência B
por Fiore, porque a evidência se baseia em poucos estudos.
4. A combinação de fármacos pode obter benefícios terapêuticos sem aumento de
efeitos adversos significativos. Das combinações efectivas são recomendadas as
que utilizam fármacos de primeira linha, como por exemplo: sistema transdérmico
de nicotina, associado ao inalador de nicotina ou a TSNSOSou à bupropiona
(recomendação com nível de evidência B11). A ERS considera a associação de
sistema transdérmico a outra TSN com nível de evidência B. Mostra-se que a
associação do sistema transdérmico de nicotina à TSN SOSfoi a mais efectiva
(estudos realizados em fumadores não necessariamente com DPOC).
5. A TSN pode ser usada em todos os fumadores com DPOC, independentemente da
gravidade e do número de cigarros consumidos(recomendação com nível de
evidência B11). A TSN é a terapêutica utilizada há mais tempo, a mais estudada
e considerada segura e efectiva, mesmo no doente com DPOC.
6. A TSN e a bupropiona são efectivas e bem toleradas em fumadores com DPOCe
doença cardiovascular estável(recomendação com nível de evidência A11). Há
muito poucos estudos que analisem a efectividade da bupropiona na DPOC, pelo
que Fiore não lhe atribui nível de evidência.
7. A nortriptilina pode ser utilizada como fármaco de segunda linha para tratar
a dependência do tabaco(recomendação com nível de evidência B para a ERS11 e
com evidência A para Fiore10). A combinação de nortriptilina com sistemas
transdérmicos de nicotina é efectiva. A sua acção antidepressiva pode
beneficiar doentes com DPOC.
8. O acompanhamento regular é importante e relacionado com o sucesso a longo
prazo(recomendação com nível de evidência B ERS11). É fundamental acompanhar o
fumador para ajuste de doses da terapêutica, monitorização de efeitos adversos
e apoio comportamental.
Tendo por base estas recomendações e comentários, sugere-se no
Anexo_I
um esquema clássico de prescrição terapêutica. Este esquema poderá ser
eventualmente alterado em fumadores muito dependentes da nicotina, com recaídas
e insucessos terapêuticos.
Aspectos gerais do tratamento farmacológico do tabagismo
No que respeita à TSN, convém lembrar que:
• A dosagem recomendada varia com o grau de dependência;
• A duração do tratamento deverá ser a recomendada, podendo, no entanto, ser
prolongada com segurança;
• Não há evidência suficiente para escolher uma formulação de TSN em detrimento
de outra formulação, pelo que deve ser respeitada a preferência individual;
• Nos fumadores muito dependentes são mais eficazes as gomas de 4 mg do que as
de 2 mg (nível de evidência10);
• Não foram encontradas diferenças de efectividade entre os sistemas
transdérmicos de 16 horas e os de 24 horas.
Diversas mudanças que têm ocorrido na forma, via e doses de administração da
TSN têm contribuído para um aumento significativo da eficácia desta
terapêutica.
Destas mudanças destacam-se a individualização das doses, a utilização de doses
elevadas, o prolongamento da terapêutica, o tratamento do período pré-abandono
do tabagismo, a redução para parar assistida com nicotina, a combinação de
diferentes formulações de TSN, a combinação da TSN com outros fármacos e a
utilização da TSN para a abstinência temporal
43
.
1. Individualização de doses
As doses de TSN habitualmente prescritas cobrem entre 35% e 45% dos níveis de
nicotina que o fumador atinge, quando fuma regularmente, o que pode explicar os
insucessos terapêuticos e recaídas no processo de abandono43.
A indicação da dosagem da terapêutica baseada na determinação da cotinina
(principal metabolito da nicotina) no sangue, urina ou saliva do fumador, dias
antes da cessação tabágica, facilita a prescrição adequada e pode estar
indicada em doentes com DPOC que não parem de fumar com as doses terapêuticas
habitualmente recomendadas. Não sendo possível generalizar as técnicas
adequadas para a determinação de metabolitos, a sua análise deve ser reservada
para unidades especializadas em tabagismo43.
2. Doses altas de TSN
A utilização de doses altas de TSN,face às doses convencionais, não tem
mostrado maior efectividade. Tem no entanto sido demonstrada a segurança desta
abordagem terapêutica.
Poderá, pois, estar indicada em fumadores muito dependentes, com insucessos
prévios com terapêutica em doses padronizadas10,43.
Esta estratégia terapêutica pode ser adequada para alguns fumadores com DPOC.
Consegue-se associando, por exemplo, dois sistemas transdérmicos de nicotina
(15 mg+10 mg). Deve ser instituída apenas em unidades especializadas em
tabagismo.
3. Duração prolongada com TSN
Considera-se que há prolongamento do tratamento da TSN quando se utiliza TSN
durante mais de 3 a 6 meses após o abandono do tabaco.
Este prolongamento da TSN pode estar indicado para fumadores muito dependentes
da nicotina, com recaídas durante o tratamento com TSN ou após a sua suspensão
e, ainda, em fumadores em que se assiste a um aumento da síndroma de
abstinência quando se reduz a dose terapêutica10.
4. Combinação de fármacos
A combinação de alguns fármacos tem mostrado ser efectiva nalguns estudos
(Quadro IX). As combinações recomendadas associam fármacos de primeira linha,
como o sistema transdérmico de nicotina, com o inalador de nicotina, o sistema
transdérmico de nicotina com TSN adlibitume o sistema transdérmico de nicotina
com a bupropiona.
Quadro IX – Efectividade e níveis de abstinência para os vários fármacos
utilizados em monoterapia ou combinados comparados com o placebo ao 6.º mês de
cessação.
Outras combinações efectivas são as que associam o sistema transdérmico de
nicotina a nortriptilina ou antidepressivos de segunda geração, como a
paroxetina ou a venlafaxina10.
A terapêutica combinada de substitutos de nicotina associa uma formulação
estável de libertação mais lenta(sistema transdérmico) a outra rápidaque actue
na urgência compulsiva. De entre estas associações, encontra-se a que apresenta
maior efectividade (sistema transdérmico de nicotina com TSN adlibitum).
Na altura de escolher a TSN, convém ter presente que as diferentes formulações
de nicotina disponíveis não têm a capacidade de atingir concentrações
plasmáticas arteriais tão elevadas como o fumo de tabaco, como podemos observar
na Fig. 4. Nesta figura, comparam-se os níveis de nicotina plasmática alcançada
pelo cigarro com diferentes formulações farmacêuticas de nicotina. É visível
que nenhuma das formulações obtém níveis tão elevados nem disponibiliza tão
rapidamente nicotina para a circulação como o cigarro, razão pela qual não
eliminam totalmente os sintomas da síndroma de abstinência.
Fig. 4
– Perfil da concentração sérica de nicotina após fumar um cigarro (a vermelho
em linha contínua) e utilizando diferentes formulações da terapêutica de
substituição da nicotina (a azul em linhas tracejadas) após um período de
abstinência nocturna de tabaco. Adaptado de Henningfield44
Convém destacar o baixo nível plasmático obtido pelo adesivo transdérmico nas
primeiras horas, e esta é a razão porque não controla a urgência compulsiva
inicial, o que tem levado a associar apresentações de libertação mais rápida,
como as gomas ou pastilhas de chupar, em fumadores muito dependentes.
Este artigo de revisão não desenvolve estratégias como: o tratamento do período
de pré-abandono do tabagismo, a redução para parar, assistida com nicotina, e a
utilização da TSN para a abstinência temporal, por não terem sido, até ao
momento, suficientemente estudadas para poderem ser recomendadas.
Em relação à bupropiona, deve ser ponderada a sua prescrição no doente com DPOC
grave, pois os estudos conhecidos não analisam a efectividade e segurança neste
grupo de doentes.
Convém não esquecer que a farmacoterapia, tal como acontece em outras
dependências, apenas facilita a mudança de comportamentos, mas não os altera.
Por isso, a evicção tabágica deve compreender a associação de tratamentos
farmacológicos, psicológicos e comportamentais, que aumentam consideravelmente
o êxito, quando integrados num plano personalizado a cada fumador.
Aspectos organizativos a implementarem Portugal
Proposta de comparticipação/financiamento para o tratamento do tabagismo na
DPOC
Actualmente, está estabelecido, com um nível de evidência mais elevado (A), que
existem tratamentos farmacológicos eficazes para ajudar os fumadores a parar e
que apresentam uma relação custo/efectividade significativamente melhor que
outros tratamentos para doenças crónicas (hipertensão arterial ou a
hipercolesterolemia)45. Com o mesmo grau de evidência está assente que a
cessação tabágica é o goldstandardde todas as medidas preventivas10.
É consensual que o tabagismo pode provocar dependência e, consequentemente,
deverá ser alvo de intervenção específica.
Faz assim todo o sentido que, tal como para o tratamento das doenças crónicas
referidas, bem como para os tratamentos para outras dependências, o tratamento
do tabagismo seja comparticipado pelo Serviço Nacional de Saúde.
Existe alguma evidência de que o financiamento da terapêutica farmacológica
específica para a cessação tabágica aumenta a sua eficácia com um aumento de
custos mínimo
46
.
Há algum receio de que a generalização do financiamento do tratamento
farmacológico negligencie o tratamento comportamental e que não seja aplicado
com rigor científico.
Mas, sendo a cessação tabágica a medida de maior benefício e maior eficácia no
controlo da evolução da DPOC (nível de evidência A), justifica-se que sejam
criadas medidas que facilitem o acesso e a adesão ao tratamento.
Como organizar um programa de cessação tabágica dirigido à DPOC?
A já longa experiência dos pneumologistas na cessação tabágica, em doentes com
DPOC, iniciada em Portugal, em 1988, e grandemente impulsionada nos meados dos
anos 90, tem feito amadurecer a necessidade de desenvolver outro tipo de
estrutura para a implementação de um programa de cessação tabágica na DPOC que
ultrapassa o âmbito de uma consulta especializada
47
.
Nos últimos anos, a crescente informação globalizada sobre serviços de saúde
sem tabaco (EuropeanNetwork for Smoke Free Healthcare Services –ENSH)
48
e a implementação da convenção quadro (adoptada na 56.ª Assembleia Mundial da
Saúde, em 2003, por 192 estados-membros e aprovada pelo decreto 25 -A, de 8
Novembro 2005) vieram aumentar a necessidade de estruturar unidades
especializadas em tabagismo (UET).
Por outro lado, também a implementação das estratégias de intervenção do Plano
Nacional de Prevenção e Controlo da DPOC1, nomeadamente as estratégias n.º 1 e
n.º 18, legisladas num âmbito mais geral, respectivamente nos artigos 21 e 20
da “nova lei do tabaco”29, irão fazer aumentar a necessidade deste tipo de
estrutura (UET) (Quadro X).
Quadro_X
– Estratégias a implementar do PNPC da DPOC, relacionadas com o tabagismo
As UET deverão fazer parte de um programa nacional de prevenção e controlo do
tabagismo que, aplicando as directrizes da convenção-quadro e da Organização
Mundial de Saúde, deverão sustentar, ao nível dos serviços de saúde
(hospitalares e não hospitalares), as medidas preconizadas para o controlo do
tabagismo.
As UET ajudarão a implementar cinco das seis medidas MPOWER8 (Quadro XI)
preconizadas pela Organização Mundial de Saúde, ao nível dos serviços de saúde,
prevendo-se que o seu impacto se faça sentir ao nível da melhor qualidade dos
serviços de saúde prestados a nível nacional.
Quadro XI – Estratégias para o controlo do tabagismo (OMS)
São funções das UET trabalhar em quatro áreas específicas mas interligadas de
forma sinérgica, de maneira a potenciarem os seus resultados
49
,
50
,
51
: 1) assistencial; 2) docente; 3) investigação e divulgação; e 4) controlo e
prevenção do tabagismo (Quadro XII).
Quadro XII – Unidades especializadas em tabagismo – funções principais
No que respeita à implementação de uma UET vocacionada para o tratamento de
doentes em que a patologia respiratória é predominante, faz todo o sentido que
a responsabilidade seja da pneumologia, sendo, no entanto, imprescindível a
parceria com outras especialidades como a psicologia, a psiquiatria, a
nutrição, a cardiologia e a oncologia, entre outras consideradas necessárias,
com treino específico em tabagismo, sendo ainda necessária a colaboração da
patologia clínica (análise de marcadores biológicos).
Para além duma equipa própria de enfermeiros (treinados em programas de
cessação) e a colaboração de um técnico de cardiopneumologia, também treinado
em tabagismo, para a execução de espirometria/ECG, são ainda necessárias outras
condições no que respeita ao espaço e ao ambiente (gabinetes de consulta, sala
para atendimento de grupos), ao equipamento (espirómetro, analisadores de CO,
projector de diapositivos, computadores, equipamento próprio para determinação
de marcadores biológicos, linha telefónica directa).
Há necessidade de protocolos específicos e informatizados para a cessação
tabágica do fumador em ambulatório e internado, sendo ainda necessária uma
sistemática caracterização de todos os doentes que utilizam a instituição no
que respeita ao tabagismo, com obrigatoriedade no preenchimento de todas as
fichas / processos clínicos e notas de alta, de forma a poder monitorizar e
intervir de forma sistematizada.
Apesar de já referida a necessidade de parceria com a psiquiatria, nas UET, o
envolvimento da psiquiatria, na área do tabagismo, é urgente. Os doentes
fumadores, a tratar no futuro, serão cada vez mais difíceis, necessitando cada
vez mais do apoio da psiquiatria; por outro lado, também os doentes
psiquiátricos têm maior prevalência de doenças relacionadas com o tabaco (entre
as quais se destaca a DPOC).
Por último, e de não menos importância, salienta-se a necessidade de uma
articulação privilegiada com os centros de saúde da área de influência que,
tratando a quase totalidade de doentes com DPOC, nas suas fases iniciais
(estádios I e II)1, em que se prevê uma maior prevalência de fumadores, mas
também, com menor proporção de fumadores resistentes, que necessitam de:
• Treino em intervenção breve de todos os profissionais de saúde;
• Treino de intervenção intensiva de alguns profissionais de forma a criar e/ou
a manter consultas para a cessação tabágica dos seus fumadores (tentativas
iniciais e sem comorbilidades);
• E apoio assistencial da UET para a cessação dos casos particulares (ver
próximo parágrafo).
Só com uma estratégia organizada e adaptada às necessidades e recursos locais
será possível rendibilizar as UET vocacionadas para o tratamento de doentes
particulares50 com antecedentes de vários insucessos prévios e/ou a existência
de comorbilidades: doenças psiquiátricas, cardiovasculares descompensadas
(cardiopatia isquémica, HTA, arritmias, entre outras) ou toxicodependentes (com
pelo menos 2 anos de abstinência). Em cada UET / zona de influência, deverão
pois ser implementados organigramas dinâmicos que tornem claro e facilitem o
acesso dos fumadores aos especialistas em cessação de acordo com o seu nível de
dificuldade (Quadro XIII).
Quadro XIII – Níveis de intervenção da Unidade Especializada em Tabagismo
(população-alvo, profissionais de saúde)
Mas os doentes com DPOC de maior gravidade (estádios III e IV) vão também
continuar a necessitar do apoio da medicina familiar na área do tabagismo, já
que, apesar de requererem uma vigilância periódica ao nível hospitalar, onde
eventualmente poderá existir uma UET, é o seu médico de família que continuam a
procurar quando abandonam programas de cessação.
A dinâmica criada por uma UET na sua área de influência (instituições
hospitalares e centros de saúde) poderá dinamizar e aplicar boas práticas, na
área do tabagismo, não sendo sua missão substituir essas mesmas práticas nos
locais onde não existe uma UET, ou seja, a existência de uma UET visa melhorar
e influenciar as boas práticas em todas as áreas de influência, dando-lhes
suporte.