Falsa asma: A propósito de um caso clínico
Introdução
A maioria dos bócios mediastinicos são extensões de bócios cervicais,
denominados bócios mergulhantes1,
3
. Estima-se que 1% dos casos de bócio sejam do tipo bócio mergulhante
6
.
Um bócio completamente intratoracico sem componente cervical e extremamente
raro4.
O bócio mergulhante e mais frequente em indivíduos do sexo feminino, com mais
de 50 anos de idade3. O quadro clínico e de evolução insidiosa e assintomática
em até 65% dos casos6.
Nao se compreendem exactamente os mecanismos que levam a invasão da cavidade
torácica pela glândula tiróide. Supõe-se que o tamanho do pescoço, a
musculatura cervical hipertrofiada e a cifose acentuada possam ser factores
predisponentes6.
A sintomatologia apresentada relaciona-se com a compressão de estruturas
adjacentes.
Os sintomas referidos mais comuns são a dispneia e a disfagia progressivas, os
relacionados com a sindroma da veia cava superior e com a insuficiência
respiratória aguda6.
Podem também surgir tosse, rouquidão, sensação de massa cervical ou estridor.
Este apenas surge quando a via aérea superior apresenta diâmetro inferior a 5
mm1,3,
5
.
O doseamento das hormonas tiroideias e obrigatório, mas e raro encontrar
alterações da função tiroideia3,6.
A telerradiografia torácica revela em grande parte dos casos uma massa
cervicotoracica sem afectação traqueal4, mas em alguns casos pode observar-se
um desvio nítido da traqueia3.
Os exames de eleição para diagnostico e avaliação destas lesões são a TC e a
RMN. Na maioria dos casos a cintigrafia tiroidea pode ser diagnostica, mas em
alguns casos não contrasta a porção intratoracica da tiroide1,3.
O aspecto caracteristico na TC e uma massa de contornos regulares, no
mediastino superior, com áreas quisticas e calcificações grosseiras3.
Nos tumores volumosos com grande desvio da traqueia recomenda-se a realização
de fibroscopia para avaliar o grau de malacia da traqueia3.
Os bócios sintomáticos ou grandes podem ser submetidos a tratamento cirurgico4.
Alguns autores recomendam excisão cirúrgica mesmo em doentes assintomáticos
devido a probabilidade de encontrar lesões malignas (2-20% dos submetidos a
intervenção cirúrgica), pelo potencial de obstrução da via aérea e por se
tratar de um procedimento cirúrgico relativamente seguro1, com reduzidas taxas
de morbimortalidade, baixo índice de complicações e pequena taxa de recidiva6.
As complicações mais comuns oriundas da cirurgia são: a lesão do nervo laríngeo
recorrente; o hipoparatiroidismo transitório e a disfonia. Em doentes mais
idosos e com elevado risco cirúrgico, a tendência na literatura e a de adoptar
conduta conservadora6.
Caso clínico
Doente do sexo feminino com 64 anos, antecedentes de hipertensão arterial, asma
bronquica, obesidade ligeira e sindroma depressiva. Medicada habitualmente com
lisinopril+hidroclorotiazida, furosemida, ramipril, fluticasona+salmeterol,
levocetirizina, teofilina, zolpidem, trazadone, lorazepam.
A doente referia queixas de dispneia, desconforto e sensação de aperto cervical
anteriores. Tinha tido alguns episódios de tosse seca despertados pelo decúbito
dorsal e por vezes acompanhados de tonturas e sudorese. Negava tosse com
expectoração, febre ou emagrecimento. O quadro descrito tinha alguns meses de
evolução e havia sofrido agravamento na semana previa a vinda ao serviço de
urgência.
Ao exame físico não foram encontradas alterações de relevo.
Os exames laboratoriais não revelaram alterações da função tiroideia.
A telerradiografia torácica (Figs. 1 e 2) apresentava alargamento do mediastino
superior e marcado desvio para a esquerda da coluna de ar traqueal.
Fig. 1 – Telerradiografia do tórax PA (06-04-2006). Alargamento do mediastino
superior e desvio para a esquerda da coluna de ar traqueal
Fig. 2 – Telerradiografia do tórax perfil direito (06 -04 -2006). Alargamento
do mediastino superior
A tomografia computorizada cervical e torácica (Fig. 3) mostrou um apreciável
aumento do volume da tiróide, particularmente do lobo direito, comprimindo
acentuadamente o segmento faringolaringeo, condicionando acentuada redução do
seu lúmen. Observava-se ainda um volumoso bócio mergulhante, deprimindo a
porção inicial da traqueia. O estudo funcional respiratório, tal como o
electrocardiograma, eram ambos normais.
Fig. 3 (a,b,c,d) – Tomografia computorizada cervical e torácica (26-04-2006).
TC cervical – Apreciável aumento do volume da tiróide, particularmente do lobo
direito, comprimindo acentuadamente o segmento faringo laríngeo, com acentuada
redução do lúmen. TC torácica – Volumoso bócio mergulhante deprimindo a porção
superior da traqueia
A doente foi encaminhada para a cirurgia torácica, onde foi submetida a
tiroidectomia parcial. O resultado anatomopatologico revelou um bócio nodular
não tóxico. Verificou-se o desaparecimento das queixas da doente e a
normalização da telerradiografia do torax PA e perfil esquerdo após intervenção
cirúrgica (Fig. 4).
Fig. 4– Telerradiografia do tórax PA após tiroidectomia parcial (11-07-2006).
Coluna de ar traqueal centrada e sem desvios. Não se observa alargamento do
mediastino superior
Discussão
No caso apresentado pelos autores, a doente referia sintomas que se
relacionavam com o bócio mergulhante: dispneia; tosse e desconforto cervical
anterior, com acentuação no decúbito. Estas queixas levaram ao diagnostico de
asma brônquica, e a doente encontrava-se medicada com broncodilatadores e
corticosteroides inalados sem se verificar beneficio sintomático.
Na obstrução da via aérea superior e traqueia, por vezes constata-se
agravamento dos sintomas com as mudanças de posição do corpo, nomeadamente o
decúbito, tal como o caso relatado1. Em determinados caso, essa obstrução pode
ser causa de apneia do sono1,
7
.
Um corpo estranho endobronquico ou uma obstrução extrinseca da via aérea podem
ser erradamente tratados como uma asma bronquica1.
Nos exames complementares realizados no serviço de urgencia foi possível
suspeitar da existência de uma massa mediastinica superior, pois eram evidentes
o desvio da traqueia e o alargamento do mediastino superior.
A detecção de massa mediastinica na telerradiografia torácica e um achado
comum4,6,
mas só em alguns casos pode observar-se um desvio nítido da traqueia3.
A TC torácica e cervical veio a confirmar a existência de uma grave compressão
extrínseca da porção inicial da traqueia condicionada pela existência de um
volumoso bócio mergulhante.
Na obstrução da via aérea superior e traqueia as alterações fisiopatologicas só
se tornam aparentes no estudo da função pulmonar quando estamos perante uma
obstrução severa1. A espirometria desta doente era normal.
Era evidente a indicação para intervenção cirurgica devido há sintomatologia
apresentada pela doente. Após tiroidectomia parcial verificou-se uma completa
resolução dos sintomas descritos.