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EuPTCVHe0873-21592010000100010

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variedadeEu
ano2010
fonteScielo

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Enfisema bolhoso associado a consumo de drogas

Introdução O enfisema bolhoso é caracterizado pelo alargamento permanente dos espaços aéreos distais ao bronquíolo terminal, com perda de paredes alveolares e consequente destruição parcial do leito capilar, sendo geralmente associado a um mau prognóstico.

As bolhas são mais frequentes em fumadores e habitualmente encontram-se localizadas nos vértices pulmonares e à direita. A sua dimensão é variável, podendo no entanto as maiores ocupar até um terço de um ou ambos os campos pulmonares, conduzindo a um fenómeno de retenção de ar (air trapping). Têm origem numa diversidade de situações, estando associadas a um grande número de entidades clínicas, como o enfisema panacinar, o tabagismo ou processos cicatriciais que encarceram parênquima normal ou dilatam espaços aéreos por tracção dos alvéolos circundantes. As complicações das bolhas incluem ruptura, com consequente pneumotórax, infecção e, embora raramente, transformação neoplásica, associando-se nomeadamente a adenocarcinoma.

À excepção da deficiência de alfa1-antitripsina, algumas causas de enfisema bolhoso no jovem continuam desconhecidas.

Têm sido descritos alguns casos de enfisema bolhoso associado ao consumo de drogas. Os autores descrevem dois casos clínicos de doentes consumidores de drogas ilícitas com enfisema bolhoso.

Caso clínico 1 Homem, 40 anos, caucasiano, operário da construção civil, fumador de 25 UMA e consumidor de haxixe inalada até 2 anos antes, foi admitido em internamento hospitalar por pneumotórax espontâneo à esquerda, tendo-se obtido uma expansão total do pulmão por drenagem torácica. O doente não apresentava antecedentes pessoais relevantes, nomeadamente respiratórios, nem referia exposição de realce, para além das adições referidas. A TAC torácica (Fig. 1) apresentava enfisema bolhoso de predomínio paraseptal, com bolhas de maiores dimensões particularmente no ápice esquerdo e na vertente posterior do hemitórax direito, a maior com 11 cm de diâmetro. O estudo analítico não revelou alterações, sendo nomeadamente o doseamento de alfa1-antitripsina normal (132 mg/dl) e a serologia VIH negativa.

Fig. 1 TCAR caso clínico 1

Funcionalmente, apresentava síndroma obstrutiva grave, com hiperinsuflação (CVF ' 67%, VEMS ' 45%, CVF/VEMS ' 55%; CPT ' 87%, VR ' 141%) e diminuição da transferência alveolocapilar (DLCO ' 43%, DLCO/VA ' 55%). Não evidenciava alterações dos valores na gasometria arterial realizada em ar ambiente.

Na prova da marcha dos 6 minutos, o doente iniciou com uma saturação de O2 de 97%, tendo durante os 376 metros percorridos apresentado uma dessaturação significativa de 5%. O doente foi rejeitado para cirurgia de redução de volume pulmonar devido ao risco funcional respiratório significativo.

A evolução posterior cursou com um agravamento clínico e funcional progressivo, pelo que foi referenciado para transplante pulmonar.

Caso clínico 2 Homem, 45 anos, caucasiano, desempregado, fumador de 30 UMA, consumidor de haxixe e cocaína inalada. Apresentava infecção por VIH desde cerca de 10 anos, apresentando actualmente um valor de CD4+ de 81/mm3, tendo abandonado o tratamento antirretrovírico 11 meses antes. Foi admitido em internamento hospitalar por pneumotórax espontâneo à esquerda, com colocação de drenagem torácica associada a aspiração negativa subaquática.

Apesar das medidas tomadas, verificou-se a manutenção prolongada de fístula broncopleural durante cerca de 40 dias. Foi ponderada intervenção cirúrgica, que foi sendo protelada, dado o doente apresentar risco funcional respiratório significativo, mau estado geral e persistência de consumo de drogas. Foi considerado na altura não ter indicação para ressecção cirúrgica de bolhas. Na TAC torácica (Fig.2) observavam-se imagens de enfisema bolhoso, de predomínio na metade superior de ambos os pulmões, individualizando-se a maior formação bolhosa no lobo superior direito, com cerca de 11 cm de maior diâmetro.

Fig. 2 TCAR, caso clínico 2

O doseamento de alfa1'antitripsina era normal, com um valor de 141 mg/dl.

Funcionalmente, apresentava uma síndroma ventilatória obstrutiva grave associada a hiperinsuflação (CVF ' 33% (1,38l); VEMS ' 39% (1,35l); FVC/FEV1 ' 98%; CPT ' 96% (6,12l); VR ' 236% (4,63l).

O restante estudo do doente não foi efectuado, dado este ter abandonado a consulta. Sem história de exposição a agentes ocupacionais. Sem antecedentes pessoais ou familiares relevantes.

Discussão Os efeitos pulmonares do uso de drogas ilícitas, inaladas ou endovenosas, a curto ou longo prazo, encontram-se ainda pouco esclarecidas.

O tabagismo, frequente entre a população consumidora de drogas ilícitas, dificulta ainda mais o entendimento desta situação. Têm sido descritos vários tipos de complicações pulmonares, como infecções necrotizantes graves, edema pulmonar, embolismo séptico, abcesso pulmonar, empiema, hemoptises, bronquiectasias, pneumomediastino, talcose ou cancro do pulmão (este em associação com a marijuana fumada) 1 , 2 .

Ao contrário do tabaco, cujo efeito fisiopatológico é bem conhecido, encontra- se na literatura escassa informação disponível relativamente a outras drogas, nomeadamente no que concerne à relação entre o consumo de drogas inaladas ou fumadas e o enfisema bolhoso, embora as poucas séries descritas apontem para uma relação causal, com uma distribuição de bolhas de grande tamanho sobretudo nos lobos superiores 3 .

Com base nestas descrições, calcula-se que o enfisema bolhoso afecte cerca de 2-4% dos indivíduos utilizadores de drogas endovenosas 4 , 5 .

Alguns autores4,6 atribuem a existência de bolhas à formação de granulomas de corpo estranho induzida pelo consumo de drogas injectáveis, com desenvolvimento posterior de fibrose pulmonar e formação de microbolhas, que, ao coalescerem, levam à constituição de bolhas de tamanho progressivamente maior7, 8 , 9 . Outra hipótese seria a lesão do leito capilar pulmonar por êmbolos de corpos estranhos ou êmbolos sépticos, levando à formação de cavidades de parede fina.

A persistência deste fenómeno, com a constituição de várias destas cavidades, levaria a que a sua coalescência resultasse no desenvolvimento das bolhas4.

Esta última teoria foi corroborada num estudo feito a 12 doentes consumidores de drogas injectáveis, grupo composto sobretudo por indivíduos de raça negra, cuja prevalência de deficiência de alfa1-antitripsina é inferior a 1%, que realizaram cintigrafia pulmonar de perfusão com tecnésio 99, onde se observaram zonas com defeito de perfusão mas com normal ventilação, interpretadas como correspondendo a doença oclusiva a nível arteriolocapilar, sendo estas alterações observadas sobretudo nos lobos superiores 10 .

Comparativamente com as outras causas mais conhecidas desta entidade, verifica- se que, em relação com os doentes que apresentam enfisema bolhoso secundário apenas ao consumo tabágico, são geralmente mais jovens e apresentam bolhas de maior dimensão limitadas ou francamente predominantes nos lobos superiores, contrariamente a bolhas de variada dimensão distribuídas de forma difusa observadas nestes2,3,4. Por outro lado, o enfisema associado ao déficite de α 1 antitripsina é de tipo panacinar e de predomínio nos lobos inferiores.

Tal como nas séries de doentes toxicodependentes com enfisema bolhoso descritas na literatura, estes doentes eram fumadores e consumiam concomitantemente drogas inaladas, o que possivelmente criará as condições necessárias ao desenvolvimento de bolhas, com particular exuberância nos lobos superiores.

Salienta-se, assim, a importância de, em doentes jovens com enfisema bolhoso, pesquisar, para além da deficiência de alfa1-antitripsina, o consumo de drogas.


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