Eficácia e tolerabilidade de próteses na via aérea
Introdução
A palavra stentou prótese teve a sua origem no nome do dentista britânico
Charles R. Stent, que no século xix criou material de impressão dentária,
usando-o posteriormente para suporte de enxertos de pele
1
.
Na via aérea, o stentou prótese tem como função manter a estabilidade
estrutural, estando a sua colocação indicada essencialmente quando estamos
perante obstrução intrínseca, compressão extrínseca, fístulas ou
traquebroncomalacia
4
.
As estenoses da via aérea podem ser fixas ou dinâmicas, sendo as fixas de
etiologia infecciosa, isquémica, autoimune (sarcoidose, amiloidose,
granulomatose de Wegener), traumática, inflamatória e neoplásica.
A causa fundamental de estenose laringotraqueal é a entubação prolongada,
seguida das neoplasias.
Brichet et al
2
defendem que as estenoses ocorrem em 1:1000 doentes entubados, embora
trabalhos fundamentados por Forte3 apresentem maior prevalência de estenoses.
Quando a etiologia das estenoses é maligna, está geralmente em causa neoplasia
primitiva do pulmão ou metastização por tumor extra pulmonar e o tratamento
paliativo é crucial para aumentar a sobrevida, assim como a qualidade de vida
destes doentes.
A incidência de obstrução central da via aérea é desconhecida, mas estima-se
que cerca de 30% dos doentes com neoplasia do pulmão tenham doença
endobrônquica, cuja principal característica seja a obstrução central da via
aérea
12
,
13
,
14
,
15
,
16
.
Em vários estudos, concluiu-se que as terapêuticas endobrônquicas paliativas,
incluindo a inserção de próteses, podem minimizar os sintomas em 80 a 97% dos
doentes com dispneia
17
,
18
,
19
,
20
,
21
,
22
.
Quando existe abundante tecido de granulação e as lesões são exofíticas, há
necessidade de terapêutica endoscópica para desobstrução, tendo no entanto
eficácia limitada em lesões maiores do que 1 cm de comprimento longitudinal e
com perda da integridade das cartilagens.
Metha et al4 referiu taxas de sucesso a médio e longo prazo de 60% em até três
intervenções. Nas últimas décadas, assistimos a grandes avanços a nível das
modalidades terapêuticas endoscópicas das estenoses da via aérea, sendo a opção
terapêutica baseada no tipo de lesão, no grau e extensão de estenose, na sua
etiologia, localização, persistência e gravidade de sintomas, sem descurar a
experiência do pneumologista.
A broncoscopia rígida é fundamental na colocação de próteses em doentes com
patologia maligna traqueobrônquica, preferencialmente executada em sala com
apoio anestésico ou em sala operatória. Recomenda-se que se mantenha como
prática semanal uma a duas intervenções, com o propósito de minimizar os riscos
da técnica broncoscópica em termos de experiência ndividual
11
. Idealmente, uma prótese deve ter alguns requisitos, embora seja difícil
cumpri-los na totalidade, nomeadamente restabelecer e manter o lúmen da via
aérea, não originar lesão cicatricial ou perfuração da mucosa, não se deslocar,
não interferir com a “higiene brônquica” permitindo a saída de secreções, ser
inerte e de fácil manuseamento.
Existem cinco tipos de próteses: tubo de silicone, metálica expansível por
balão, metálica auto expansível, híbrida e bioabsorvível.
Em 1965, Montgomery
5
pela primeira vez criou um tubo de silicone em forma de “T” para a via aérea,
com diâmetros de 8, 10 e 12mm. Tem como vantagens a fácil limpeza de secreções
espessas e está indicado nas estenoses subglóticas, em tratamentos anteriores
fracassados ou em alternativa às traqueoplastias. Há quem defenda o seu emprego
nas situações em que previamente houve traqueostomia6.
Actualmente, a prótese de Dumon é uma das próteses em silicone que tem maior
sucesso7. A sua introdução através do broncoscópio rígido com auxílio de
aplicador especial é muito simples, podendo ser controlada por fluoroscopia ou
sob visualização directa, com óptica adaptada.
Tem diâmetros externos de 10, 12, 13, 14, 15 e 16mm e comprimentos de 20, 30 e
40mm para aplicações brônquicas e 40, 50 e 60mm para uso traqueal. A presença
de saliências externas (studs) previne a migração e reduz o risco de isquemia
da mucosa.
Em casos de necessidade de recolocação, deslocação ou exclusão obrigatória do
expansor, este é facilmente mobilizável com uma pinça de biópsia. Se a prótese
de Dumon for bem colocada poderá permanecer por longos perío dos no local,
habitualmente 18 meses ou mais, sendo a prótese de escolha nas estenoses
inflamatórias traqueais e, na presença de tumor ndobrônquico, tem uma
tolerância idêntica ao tubo de Montgomery. Na ausência de sintomas não há
necessidade de realizar broncofibroscopias de rotina após a colocação das
próteses de silicone
10
.
A prótese metálica expansível com balão tem melhores resultados em estenoses
com muito tecido de granulação, como nas subglóticas, sendo também útil em
pequenas estenoses, como de brônquios segmentares, por apresentar comprimentos
de 20 a 40 mm.
A prótese autoexpansível é colocada através de um condutor e, quando libertada,
expande-se na luz traqueal. Em contraste com as próteses de silicone, permite o
crescimento de novo epitélio respiratório, podendo ser colocada nos brônquios
lobares sem haver bloqueio dos seus orifícios segmentares, mas não previne o
crescimento de tecido inflamatório ou neoplásico para o interior da prótese
8
.
A prótese híbrida conjuga material em metal e silicone, tendo forma em “Y”, com
diâmetros de 11, 13 e 15 mm e comprimento variável, sendo a sua colocação mais
difícil, embora seja útil nas estenoses justacarínicas. A prótese bioabsorvível
utiliza poli-L-lactídeo, agredindo menos a mucosa respiratória, utilizando-se
essencialmente em estenoses benignas, sendo fácil de remover com solução salina
gelada8.
Com este trabalho, os autores pretendem partilhar a experiência da Unidade
Funcional de Técnicas de Diagnóstico e Terapêutica do Serviço de Pneumologia
dos Hospitais da Universidade de Coimbra durante um período de dois anos, em
que se estudou retrospectivamente a indicação da colocação de próteses de
silicone, o seu local de inserção, as complicações, a tolerabilidade e a
duração da prótese.
Experiência durante dois anos numa unidade de técnicas de diagnóstico e
terapêutica de um serviço de pneumologia
Objectivo
Com este estudo pretendeu-se determinar a tolerabilidade e a eficácia de
próteses na via aérea nas situações em que a sua colocação era imprescindível.
Material e métodos
Estudo retrospectivo de colocação de próteses traqueobrônquicas, através de
broncoscopia rígida, durante dois anos consecutivos na Unidade Funcional de
Técnicas de Diagnóstico e Terapêutica do Serviço de Pneumologia dos Hospitais
da Universidade de Coimbra. Procedeu-se à avaliação de vários aspectos, como a
indicação da colocação de prótese brônquica, a localização exacta da sua
inserção, a eficácia, a tolerabilidade e as complicações, tendo em conta a
informação imagiológica fornecida pelo TC do tórax.
Em todas as situações, foram utilizadas próteses flexíveis de silicone tipo
Dumon (Tracheobronxane ®), sendo previamente, através de broncoscopia flexível,
efectuada a avaliação da necessidade de técnicas complementares, nomeadamente
laserterapia e dilatação mecânica.
Durante a broncoscopia rígida, usando broncoscópio EFER®, procedeu-se à
introdução da prótese de silicone através de um introdutor metálico apropriado,
de calibre adaptado ao broncoscópio e à própria prótese, e em seguida efectuou-
se a sua projecção para o local pretendido, podendo ser reposicionada e
adaptada com a ajuda de pinça adequada.
Resultados
Durante dois anos consecutivos (2006 e 2007) foram efectuadas 23 intervenções
com colocação de próteses traqueobrônquicas, das quais 18 (78%) em doentes do
sexo masculino e 5 (22%) em doentes do sexo feminino, sendo a média de idades
de 65±9,75 anos.
Verificou-se que 15 doentes (65%) apresentavam diagnóstico de neoplasia do
tracto respiratório, 6 (26%) neoplasias extrapulmonares e em apenas 2 (9%) as
situações eram não neoplásicas.
De referir, quanto aos hábitos tabágicos, que 8 doentes (35%) apresentavam
hábitos tabágicos, 4 (17%) eram ex-fumadores e 11 (48%) não fumadores.
Da avaliação prévia imagiológica por TC do tórax, constatou-se atelectasia em
oito casos, massa pulmonar em cinco, consolidação inespecífica em quatro,
estenose brônquica em dois casos e ainda situações não enquadráveis nas
mencionadas em quatro outros doentes.
Dos 23 doentes, 2 apresentavam situações benignas, nomeadamente estenose
traqueal e traqueomalacia. Os restantes 21 evidenciavam patologia maligna, 14
dos quais do foro pulmonar: nove doentes com carcinoma epidermóide, um com
carcinoma de pequenas células, três com adenocarcinoma e um com adenocarcinoma
misto. Destes indivíduos, o estadiamento revelou quatro doentes em estádio IIIb
e dez em estádio IV.
Dos restantes 7 doentes, quatro apresentavam neoplasia do esófago, um
adenocarcinoma da traqueia, um metástases pulmonares de adenocarcinoma do cólon
e outro metástases de neoplasia do recto.
Após apreciação endoscópica, detectou-se que em cerca de 70% havia necessidade
de inserção de prótese na via aérea por obstrução, em 26% por estenose e em 4%
por compressão extrínseca.
Procedeu-se previamente, em 78% dos casos, a laserterapia, e em 22% a dilatação
mecânica.
Foram colocadas próteses flexíveis de silicone tipo Dumon (Tracheobronxane®) a
nível traqueal em oito doentes (36%), no brônquio principal esquerdo (BPE) em
cinco (22%), no brônquio principal direito (BPD) em 4 (17%), no brônquio
intermediário em 4 (17%), no brônquio lobar superior esquerdo (BLSE) em um (4%)
e no brônquio lobar superior direito (BLSD) em um (4%).
A introdução de próteses a nível dos brônquios lobares superiores foi realizada
mediante a mesma técnica, com o objectivo de repermeabilizar os respectivos
segmentos brônquicos, após laserterapia de lesões endoluminais.
A localização da inserção da prótese foi traqueal e brônquica em 36% e 64% dos
casos, respectivamente (Fig. 1).
Fig. 1 – Locais de inserção de próteses ao nível da árvore traqueobrônquica
A durabilidade média das próteses de silicone foi de 6±1,41 meses.
No que se refere a complicações, apenas se verificou uma situação de
pneumomediastino com enfisema subcutâneo. Houve necessidade de recolocação em
duas situações, assim como colocação de uma prótese adicional e desobstrução
posterior em três situações.
Discussão
Com este estudo, pode-se constatar a elevada incidência de casos de obstrução
endobrônquica por neoplasias primitivas do pulmão, bem como de estenose por
compressão extrínseca.
De facto, a utilidade das próteses aplica-se à obstrução do lúmen brônquico,
quer por neoplasia do pulmão, quer por neoplasia extrapulmonar, nomeadamente
neoplasia do esófago, quer ainda por metastização por outros tumores do tracto
gastrintestinal.
Em todas as situações, foi fundamental a informação fornecida pela imagiologia
através de TC do tórax, podendo ser efectuadas com maior precisão técnicas
prévias, como laserterapia e dilatação mecânica, imprescindíveis para um maior
sucesso das próteses utilizadas.
Os doentes com diagnóstico de neoplasia pulmonar encontravam-se em estádio
terminal, podendo usufruir apenas de terapêutica paliativa, sendo que a
colocação de prótese brônquica teve como intuito o alívio sintomático de tosse
persistente de carácter irritativo, a dispneia e o desconforto respiratório
permanente.
A situação benigna de estenose traqueal assentava em história prévia de
entubação orotraqueal prolongada.
Relativamente a complicações, apenas se verificou uma situação de
pneumomediastino com enfisema subcutâneo, com boa evolução. Procedeu-se à
recolocação em duas situações, devido a deslocação das próteses.
Numa situação, houve necessidade de colocar uma prótese adicional por
existência de estenose traqueal em duas áreas, sendo a colocação da segunda
prótese a montante da primeira.
Foi necessária reintervenção em três situações, com o intuito de desobstrução
posterior.
A durabilidade média das próteses de silicone foi de 6 ± 1,41 meses, tendo como
factores condicionantes o tempo de sobrevida e o prognóstico de cada doente.
Globalmente, durante as intervenções, não houve registo de intercorrências ou
complicações imediatas, excepto a situação de pneumomediastino com enfisema
subcutâneo, o que revela a grande segurança da técnica desde que cumpridas
todas as regras de inserção estabelecidas, sob controlo anestésico.
A tolerabilidade foi avaliada, assim como a eficácia, tentando estabelecer-se
relação entre alívio sintomático e tempo médio de sobrevida em doentes
oncológicos terminais, não se tendo verificado aumento do tempo médio de
sobrevida em relação ao tempo médio esperado, constatando-se, no entanto, um
menor sofrimento respiratório.
Conclusões
Actualmente, dispomos de um vasto arsenal diagnóstico e terapêutico na área da
pneumologia de intervenção, sendo notória a preciosa colaboração de outras
especialidades, nomeadamente da cirurgia torácica. O treino credenciado, assim
como os estudos retrospectivos e a validação científica, são a chave de acesso
para um contínuo progresso da pneumologia de intervenção
23
.
Podemos concluir, no presente estudo, que a inserção de próteses não apresentou
complicações significativas e revelou boa tolerabilidade, tendo em conta a
maioria das situações, de natureza neoplásica em estádio terminal, apenas com
indicação terapêutica paliativa.
A prótese de silicone é a alternativa terapêutica mais interessante nas
estenoses inoperáveis e como terapêutica temporária ou de transição em
obstruções inflamatórias, previamente à cirurgia, sendo que o seu tempo de
permanência não deve ser inferior a seis meses, segundo Dumon et al
9
.